Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0790/10
Data do Acordão:02/24/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IVA
IMPOSTO DE SELO
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS
SUBLOCAÇÃO
Sumário:I - Da conjugação do disposto no nº 1 do art. 1º do Código do Imposto do Selo com o também disposto na Verba 2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, resulta que o acto/operação jurídica de locação/sublocação (arrendamento/subarrendamento) está sujeito a esse imposto e que, sendo o próprio negócio (operação) que está sujeito estamos perante imposto devido pela operação (embora o contrato escrito possa, também, ficar sujeito, nos termos da Verba 8 - selo do documento - caso não seja tributada a respectiva operação).
II - Tal imposto não é devido no caso de aquele acto/operação de sublocação estar sujeito a IVA.
Nº Convencional:JSTA00066822
Nº do Documento:SA2201102240790
Data de Entrada:10/14/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - SELO.
DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIS99 ART1 N1 N2 ART22 N1 ART3 N1 N3 B.
CIVA08 ART1 N1 A ART4 N1 ART12 N4 N6 ART9 N29 N30 ART7 ART16.
CCIV66 ART1022 ART1023.
L 6/2006 DE 2006/02/27.
Referência a Doutrina:CARDOSO DA COSTA CURSO DE DIREITO FISCAL 2ED 1972 PAG242.
CARLOS BAPTISTA LOBO AS OPERAÇÕES FINANCEIRAS NO IMPOSTO DO SELO ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL E FISCAL IN REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL ANO 1 N1 PAG78-79.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…, SA., na sequência do despacho que, proferido em 6/11/2003 pela Directora de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património, lhe indeferiu o pedido de restituição de imposto de selo no valor de € 3.242,19.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. A douta sentença sob recurso julgou procedente a impugnação deduzida contra o despacho de indeferimento do pedido de restituição do imposto do selo liquidado aquando da celebração de quatro contratos de sublocação.
II. Motivou a douta decisão sob recurso ter existido sobreposição de impostos pelo facto de a impugnante, nas sublocações em causa, ter renunciado à isenção do Imposto sobre o Valor Acrescentado, prevista no nº 30 do artigo 9º do respectivo Código.
III. Ao decidir como decidiu, a douta sentença fez errada aplicação do direito aos factos controvertidos.
IV. Entende a Fazenda Pública que estando em causa tributações sobre realidades distintas, a alegada dupla tributação não existe, uma vez que o Imposto do Selo recai sobre os contratos de subarrendamento dos imóveis e o IVA incide sobre as prestações de serviços derivadas desses contratos.
V. Com efeito, a situação sujeita a tributação em sede do Imposto de Selo não é a que é onerada com IVA.
VI. Aliás, no arrendamento e subarrendamento quem suporta o encargo no Imposto do Selo, de acordo com o estipulado nº 1, conjugado com a alínea b) do nº 3, ambos do artigo 3º do Código é o locador ou sublocador, entidade tributada relativamente aos rendimentos auferidos em resultado dos respectivos contratos em Imposto sobre o Rendimento.
VII. O nº 2 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo só poderá ser invocado nos casos de efectiva sobreposição de tributação, que o legislador quis evitar.
VIII. Logo, no caso subjudice, o que era indispensável identificar eram as realidades submetidas à tributação em sede de cada um dos impostos em referência.
IX. Entende a Fazenda Pública que, contrariamente ao doutamente decidido, não poderá ser dada como verificada a alegada dupla tributação.
X. Em síntese de conclusões, a douta decisão não considerou que o IVA e o Imposto do Selo no caso subjudice tributam realidades diferentes.
XI. Tendo decidido como decidiu, incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de direito, violando as disposições legais supra citadas.
Termina pedindo que se dê provimento ao recurso e se revogue a decisão recorrida.
1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da procedência do recurso, nos termos seguintes:
«A questão objecto do presente recurso prende-se com a legalidade da liquidação de Imposto de Selo que tem por objecto um contrato de sublocação, nomeadamente saber se se verifica dupla tributação por tal operação estar abrangida pela incidência de IVA.
Alega a Fazenda Pública recorrente que não se verifica dupla tributação porquanto o Imposto de Selo recai sobre os contratos de subarrendamentos dos imóveis e o IVA incide sobre as prestações de serviços derivadas desses contratos, ou seja, mensalmente sobre o montante da renda, como valor representativo da prestação de serviços efectuada pelo locador ou sublocador ao locatário ou sublocatário.
Afigura-se-nos que o recurso merece provimento.
A questão é saber se verifica uma sobreposição de normas de incidência que visam a tributação do mesmo facto e com idêntica finalidade.
E isso, tal como sustenta a recorrente, parece não acontecer.
Com efeito o Imposto de Selo incide, em geral, sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, excluídas as operações abrangidas pela incidência do IVA e dele não isentas. (Art. 1º, nº 1 do CIS, vide também José Casalta Nabais, Direito Fiscal, pag. 608)
Por outro lado o arrendamento de prédios rústicos e urbanos está abrangido pelas regras de incidência de IVA, já que o CIVA tributa as prestações de serviços efectuadas em território nacional a título oneroso, constituindo o arrendamento de imóvel um serviço prestado. (Cf. Emanuel Vidal Lima, IVA, Anotado e Comentado, 8ª edição, pag. 213)
É certo que o art. 9°, n° 30 do CIVA excepciona das regras de incidência a locação, porém no nº 4 do art. 12° do CIVA admite-se a renúncia a tal isenção quando ambos os intervenientes na operação sejam sujeitos passivos de imposto (o que sucede, por exemplo, quando os imóveis passam a estar afectos a uma utilização comercial, industrial ou profissional). No caso subjudice houve renúncia à isenção pelo que a sublocação do imóvel estará abrangida pelas regras de incidência do IVA.
Ora, como bem salienta a recorrente, há que ter em conta duas realidades distintas que são objecto de normas de incidência diversas: por um lado a celebração do contrato de subarrendamento, facto único sujeito imposto de selo, por outro as prestações de serviços derivadas desse contrato, sujeitas a IVA que incidirá mensalmente sobre o montante da renda, como valor representativo da prestação de serviços efectuada pelo sublocador ao sublocatário.
Daí que se entenda as normas em causa não tributam os mesmos factos nem têm a mesma finalidade, pelo que não se verifica a dupla tributação que o legislador quis evitar através do disposto no art. 1º, nº 2 do Código do Imposto de Selo.
Nestes termos somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o julgado recorrido.»
1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - Em 18.04.2002 a ora impugnante apresentou um pedido de restituição de imposto de selo no valor de € 3.242,19, nos termos constantes de fls. 9 a 10 e que aqui se dão por reproduzidas.
2 - O imposto de selo referido em 1), respeita a um contrato de sublocação celebrado pela ora impugnante na qualidade de sublocadora, cfr. fls. 16 do PA.
3 - O imposto de selo foi liquidado pela ora impugnante na data da celebração do contrato de sublocação e entregue nos Cofres do Estado em 29.11.2000.
4 - A ora impugnante, na operação de sublocação, renunciou à isenção de IVA em 30.10.2000, cfr. fls. 16 do PA.
6 - O pedido de restituição do imposto de selo referido em 1), foi objecto de indeferimento, com os seguintes fundamentos “por carecer de suporte legal, em virtude de nos arrendamentos o imposto do selo recair sobre o contrato, embora a matéria colectável seja a renda de um mês. (…) Nesta conformidade, atendendo a que sobre o contrato em questão não incide IVA, não se verifica a duplicação invocada pela interessada, pois esta só existiria caso houvesse imposto de selo sobre as rendas, pois sobre elas é que também incide IVA”.
7 - Este despacho foi notificado à ora impugnante por carta datada de 12.11.2003, cfr. fls. 17 do PA.
3.1. Com base nesta factualidade, a sentença veio a julgar procedente a impugnação, com fundamento no seguinte:
A locação está sujeita a IVA, nos termos dos arts. 1º e 3º do CIVA e, por via de regra estaria isenta deste imposto, nos termos do nº 30 do art. 9º do mesmo Código.
E a excepção só surge no caso de o locador ter renunciado a esta isenção, de acordo com o disposto nos nºs. 4 e 6 do art. 12º do CIVA.
No presente caso, o sujeito passivo renunciou à isenção.
Pelo que, assim sendo, a operação aqui em causa não está sujeita a imposto de selo previsto na verba 2 da Tabela Geral, por força do disposto no nº 2 do art. 1º do CISelo, devendo, por isso, proceder o pedido de restituição de imposto.
E tendo a impugnante também formulou pedido de juros indemnizatórios, estes são devidos, nos termos do disposto no nº 1 do art. 43º da LGT.
3.2. A recorrente Fazenda Pública discorda do assim decidido invocando, como se viu, que não ocorre a alegada dupla tributação, dado que estão em causa tributações sobre realidades distintas: o Imposto do Selo recai sobre os contratos de subarrendamento dos imóveis e o IVA incide sobre as prestações de serviços derivadas desses contratos.
A questão a decidir prende-se, portanto, com a legalidade da liquidação de Imposto de Selo que tem por objecto um contrato de sublocação, importando saber se se verifica dupla tributação por tal operação estar abrangida pela incidência de IVA.
Vejamos.
4.1. Em termos de incidência objectiva, os nºs 1 e 2 do art. 1º do CISelo dispõem:
«1 - O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
2 - Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.»
E de acordo com o disposto no nº 1 do art. 9º e na Verba 2 da Tabela, bem como no nº 1 do art. 22º do CISelo, nos casos relativos a arrendamento e subarrendamento, a taxa de imposto é de 10% - sobre a renda ou seu aumento convencional, correspondentes a um mês ou, tratando-se de arrendamentos por períodos inferiores a um mês, sem possibilidade de renovação ou prorrogação, sobre o valor da renda ou do aumento estipulado para o período da sua duração.
4.2. Por sua vez, a al. a) do nº 1 do art. 1º do CIVA, dispõe que estão sujeitas a esse imposto «As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal» considerando-se prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens (nº 1 do art. 4º do CIVA).
Mas, nos termos do disposto no nº 29 do art. 9º do CIVA, a locação de bens imóveis está isenta de IVA, embora o respectivo sujeito passivo possa renunciar a esta isenção, nos termos do disposto nos nºs. 4 e 6 do art. 12º do mesmo Código, nos quais se estatui o seguinte:
«4 - Os sujeitos passivos que procedam à locação de prédios urbanos ou fracções autónomas destes a outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em actividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n° 29) do artigo 9°.
(…)
6 - Os termos e as condições para a renúncia à isenção prevista nos nºs. 4 e 5 são estabelecidos em legislação especial.»
4.3. Referenciados estes normativos, vejamos, então, a respectiva aplicação no caso dos autos.
4.3.1. Por um lado, é sabido que o imposto do selo tem hoje uma natureza residual, sendo que, como acentuam Saldanha Sanches e Anselmo Torres (() A Incidência de Selo sobre o Trespasse de Estabelecimento, Fiscalidade, nº 32, Outubro-Dezembro de 2007, pags. 5 e sgts.) «… a tentativa de adaptar este imposto aos princípios que hoje dominam o ordenamento jurídico tributário teve uma consequência e originou um princípio: aos actos e contratos em que haja sujeição a IVA não se aplica Imposto do Selo. Um princípio que acentua de forma mais especificada o carácter residual deste imposto…».
E tal é, na verdade, o que decorre do disposto no nos supra transcritos nºs. 1 e 2 do art. 1º do CISelo, uma vez que as operações sujeitas a IVA e deles não isentas, estão, por força da delimitação negativa constante deste nº 2, excluídas de imposto do selo.
Por outro lado, apesar de o arrendamento de prédios rústicos e urbanos estar abrangido pelas regras de incidência de IVA, já que em sede deste imposto se tributam as prestações de serviços efectuadas em território nacional a título oneroso, constituindo o arrendamento de imóvel um serviço prestado, (() Cfr. Emanuel Vidal Lima, IVA, Anotado e Comentado, 8ª ed., pag. 213.) também é certo que o nº 29 do art. 9° do CIVA excepciona das regras de incidência a locação e que no nº 4 do art. 12° do mesmo compêndio se admite a renúncia a tal isenção quando ambos os intervenientes na operação sejam sujeitos passivos de imposto (o que sucede, por exemplo, quando os imóveis passam a estar afectos a uma utilização comercial, industrial ou profissional).
De todo o modo, retornando ao âmbito do imposto de selo, como, em outro local, salienta, igualmente, o Prof. Saldanha Sanches, (() Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., 2007, pag. 436.) este imposto é regulado por dois códigos interdependentes: o Código do Imposto do Selo e a Tabela Geral do Imposto do Selo, a qual contém as respectivas taxas e concretiza, por ordem alfabética, os factos tributários. Neste sentido, o artigo 1º do CISelo determina que ele incide «sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens».
Ora, incidindo o imposto sobre o conjunto das realidades constantes da Tabela Geral e considerando que nesta se especificam realidades distintas, há que ter em conta que, dada a natureza de cada uma delas, o imposto pode ser devido pelos documentos que titulam negócios (selo do documento - fixando a lei, neste caso e em regra, o respectivo valor tributável) ou pode ser devido pela celebração do próprio negócio, como acto jurídico (selo da operação - variando, neste caso, o imposto em função do valor do negócio), independentemente de existir, ou não, documento escrito.
E é esta distinção que releva para efeitos do disposto no citado nº 2 do art. 1º do CISelo, sem esquecer, ainda, que, por um lado, apesar de este nº 2 excluir da tributação em imposto do selo as operações que, embora previstas na tabela, estejam sujeitas a IVA, tal exclusão não abrange o selo do documento que eventualmente as titule e que, por outro lado, este normativo afasta da tributação do selo não os operadores mas, antes, as operações em concreto.
A este propósito, refere Carlos Baptista Lobo: (() As Operações Financeiras no Imposto do Selo: Enquadramento Constitucional e Fiscal, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, nº 1, pags. 78 e 79.)
«… para cada unidade tributação presente no Imposto de Selo importará efectuar uma ponderação do seu modelo próprio de tributação directamente decorrente da filosofia originária do tipo tributário em causa e, subsequentemente, torna-se necessário efectuar uma indagação de segundo grau à luz dos modelos comuns dos princípios e regras que sustentam um imposto compósito e compreensivo num modelo unificado.
Neste modelo e somente a título meramente exemplificativo, assistimos, no corpo unificado do Imposto de Selo, a um:
- imposto de registo relativo a transmissões onerosas de propriedade imobiliária, de trespasse ou direitos de exploração (verbas 1.1 e 27 da Tabela);
- imposto sobre sucessões e doações (verba 1.2 da Tabela);
- imposto de registo sobre documentos públicos ou particulares para efeitos de outorga de fé pública (verbas 3, 7, 8, 9, 14, 15, 16, 20 da Tabela);
- imposto sobre actos públicos pela remuneração de serviços (verbas 12.4, 12.5 da Tabela);
- imposto sobre actos públicos tendo subjacente propósitos de desincentivo (verbas 11 - imposto sobre o jogo -, verba 12.1 e 12.2 - instalações de máquinas de diversão ou de jogo - da Tabela);
- imposto sobre manifestações indirectas de capacidade contributiva reveladas por via da celebração de determinados contratos (verbas 5, 6 da Tabela);
- imposto sobre instrumentos e operações financeiras e de seguros (verbas 4, 10, 17, 21, 22, 23, 24, 25, da Tabela);
- imposto ambiental sobre actividade publicitária (verba 19 da Tabela);
- imposto sobre a entrada de capitais (verba 26).
São, portanto, nove (pelo menos) as realidades tributária incluídas no corpo compósito do Imposto de Selo, tendencialmente sujeitas a um corpo uniformizado de normas adjectivas estabelecidas no Regulamento do Imposto de Selo.
A cada um destes tipos tributários corresponde uma filosofia própria, não se podendo confundi-las sob pena de, isso sim, criarmos uma total confusão dogmática. Neste âmbito, a correcta interpretação dos tipos tributários em sede de Imposto do Selo depende da realização de um prévio “isolamento” conceptual de forma a atingirmos a filosofia própria originária de cada tipo tributário em si mesmo considerado – in limine, o descortínio da causa original da tributação -, e de uma subsequente aculturação desse tipo tradicional - eminentemente formal - aos princípios e regras comuns próprios de um ambiente tributário norteado para a substância, fundamental para a adaptação de um sistema tributário deste tipo a um ambiente simultaneamente desmaterializado e desformalizado.» (() Algumas das verbas da Tabela referidas foram, entretanto, revogadas.)
4.3.2. Conforme se viu, o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, não sendo, contudo, sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas.
Por sua vez, o IVA incide sobre as «prestações de serviços» (cfr. al. a) do n° 1 do art. 1° do CIVA) e a locação de bens imóveis, enquanto prestação de serviços (por aplicação do conceito residual de prestação de serviços, previsto no nº 1 do art. 4º do CIVA), está sujeita a tal imposto, mas dele isenta, de acordo com o disposto no nº 29 do art. 9º do mesmo Código, embora se admita, igualmente, como se disse, a renúncia a tal isenção (nº 4 do art. 12°) quando ambos os intervenientes na operação sejam sujeitos passivos de imposto (o que sucede, por exemplo, quando os imóveis passam a estar afectos a uma utilização comercial, industrial ou profissional).
E de acordo com o art. 1022º do CCivil (redacção da Lei nº 6/2006, de 27/2, que aprovou o Novo RAU) a locação define-se como «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição», dizendo-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel ou aluguer quando incide sobre coisa móvel (art. 1023º do mesmo Código).
4.3.3. No caso presente, a liquidação impugnada reporta-se, como resulta da factualidade provada, ao imposto de selo respeitante à celebração, por parte da recorrida, de contrato de sublocação (na qualidade de sublocadora) e por ela liquidado na data da celebração do dito contrato de sublocação, sendo que na operação de sublocação, renunciou à isenção de IVA (cfr. nºs. 2 e 3 do Probatório), nos termos do disposto nos nºs. 4 e 6 do art. 12º do CIVA.
Ora, aceitando-se que o conceito de arrendamento/subarrendamento constante do CISelo e da TGIS se reconduz ao definido no CCivil, e considerando que, como se disse, a TGIS prevê a tributação de várias realidades distintas [quer dos factos que se substanciam em negócios e realidades jurídicas ou económicas (actos, contratos … e outros factos previstos na Tabela Geral) independentemente da sua forma (caso em que o imposto é devido pelo negócio ou operação económica, sem considerar, até, a existência do respectivo documento escrito (bastará a prova da existência da operação) variando, em regra, em função do valor daqueles); quer dos factos que se consubstanciam na própria declaração escrita dessas realidades (documentos, títulos, livros, papéis), sendo então o imposto (fixado, em regra, por cada exemplar original) devido pela existência do documento (neste caso, porque o selo respeita ao próprio documento, é necessária a existência do mesmo, na forma escrita)], havemos de concluir que, para efeitos deste imposto (selo) e no que respeita ao arrendamento, é o próprio negócio (operação) que está sujeito ao imposto, pela verba 2 da Tabela, independentemente de o respectivo contrato revestir ou não a forma escrita. E que se trata, portanto, de imposto devido pela operação (embora o contrato escrito possa, também, ficar sujeito a Imposto de Selo, nos termos da Verba 8 - selo do documento - caso não seja tributada a respectiva operação).
É esta, com efeito, a conclusão que resulta da interpretação do tipo tributário previsto no nº 1 do art. 1º do CISelo e na Verba 2 da TGIS, em consonância com a natureza dos factos e realidades ali inscritas e com as regras supra referidas.
E se está em causa o imposto devido pelo acto jurídico substanciado no próprio subarrendamento (selo da operação), estamos perante tributação que é excluída por aplicação do disposto no nº 2 daquele mesmo art. 1º do CISelo, uma vez que é, também, a locação (considerada como prestação de serviços para efeitos de IVA) que é tributada em sede deste imposto.
É certo que a recorrente sustenta, porém, que estão em causa tributações sobre realidades distintas e que não existe a alegada dupla tributação, uma vez que o Imposto do Selo recai sobre os contratos de subarrendamento dos imóveis e o IVA incide sobre as prestações de serviços derivadas desses contratos, sendo que no arrendamento e subarrendamento quem suporta o encargo no imposto do selo é o locador ou sublocador (nº 1, conjugado com a al. b) do nº 3, ambos do art. 3º do CISelo) entidade tributada relativamente aos rendimentos auferidos em resultado dos respectivos contratos em Imposto sobre o Rendimento, pelo que, no caso, o que era indispensável identificar eram as realidades submetidas à tributação em sede de cada um dos impostos em referência.
E no mesmo sentido vai o Parecer do MP.
Deste entendimento parece resultar a ideia de que, reconduzindo-se (na locação) a prestação de serviços sujeita a IVA à própria cedência do uso do locado e constituindo as rendas a respectiva contraprestação (sendo o imposto liquidado, não no momento da celebração do acto jurídico - locação - mas aquando da efectiva prestação dos serviços e da contraprestação/renda respectiva - cfr. nº 3 do art. 7º do CIVA) então, porque o facto tributário é a locação, mas não desligada das rendas recebidas pelo locador [estas é que constituirão na verdade a contraprestação da cedência do uso, inerente à locação, ou seja, embora o IVA isente a “locação de bens imóveis”, a verdade é que também releva quanto às contraprestações - as rendas - sobre as quais assim também "incide" (hoc sensu) o imposto] sempre estaríamos perante factos tributários diversos (para efeitos de incidência de IVA e para efeitos de incidência de Imposto de Selo).
É, contudo, de salientar que, por um lado, em sede de IVA, as rendas, enquanto contraprestações obtidas pela prestação de serviços contratada, constituem o valor tributável sobre que incide a taxa de IVA aplicável (cfr. art. 16º do CIVA e sendo que é àquela, e não a estas, que se aplica a isenção prevista no citado nº 30 do art. 9º do mesmo código), constituindo a locação a realidade jurídica que é incidente de imposto e sendo que, nesse âmbito e para tal efeito, pouco releva o facto de ser o locador a suportar o encargo do imposto de selo, pois que o mesmo poderá ser tomado em conta aquando da celebração da respectiva operação e que, por outro lado, como refere Cardoso da Costa, (() Curso de Direito Fiscal, 2ª ed. Actualizada, Almedina, 1972, pag. 242.) nas normas relativas à matéria colectável «há que distinguir, consoante se trate de normas que a definem, que definem o valor sobre que recai o imposto (p. ex.: de que valor se trata; que verbas entram na sua composição; se é um valor real efectivo, ou presumido, ou um valor normal), ou de normas que se limitam a estabelecer o processo da sua determinação (p. ex: relevo dado à declaração do contribuinte e às averiguações oficiosas da Administração; trâmites do processo de lançamento): no primeiro caso, estamos perante normas relativas à incidência real, ou seja, a um elemento essencial dos impostos; já isso não sucede na segunda hipótese, onde se nos deparam normas disciplinadoras tão-só do processo administrativo de lançamento.»
Nesta base, a norma do art. 16º do CIVA, relativa embora ao “valor tributável”, pode configurar-se como uma verdadeira norma de incidência, pois que define o “valor de que se trata”, harmonizando-se assim perfeitamente com o disposto nos seus artigos 4º e 7º. E, portanto, a sujeição, ao IVA, da “locação”, concretiza-se na prestação do gozo do imóvel e na contraprestação, a renda (mensal).
E o mesmo se verifica, «mutatis mutandis», quanto ao imposto de selo - cfr. arts. 9º, nº 1 e 22º nº 1 do CISelo e verba 2 da Tabela: também estas constituem verdadeiras normas de incidência.
Mas, assim sendo, então os dois tributos incidem, no caso, sobre a mesma realidade fáctica: a prestação do gozo ou uso do imóvel e a correspondente contraprestação.
Daí que, mesmo em termos da perspectiva sustentada pela recorrente, conjugando a norma de incidência objectiva (art. 1º do CISelo) com a norma que concretiza o facto tributário respectivo (Verba 2 da TGIS), tem de concluir-se que, no caso (locação/sublocação), porque está em causa o imposto devido pelo acto jurídico substanciado no próprio subarrendamento (selo da operação), estamos perante tributação que é excluída por aplicação do disposto no nº 2 daquele mesmo art. 1º do CISelo, uma vez que é, também, a locação (considerada como prestação de serviços para efeitos de IVA) que é tributada em sede deste imposto. E, assim, o imposto de selo não é, no caso, devido já que o acto/operação de sublocação está sujeito a IVA (ainda que se possa entender que a base de incidência é distinta e ainda que o imposto não seja liquidado no momento da celebração do acto jurídico, mas somente no momento da prestação dos serviços - art. 7º do CIVA) e dado que a recorrida renunciou à correspondente isenção.
Deve, assim, confirmar-se a sentença que, nessa base, decidiu pela procedência do pedido de restituição de imposto e pela procedência do também formulado pedido de juros indemnizatórios, por serem devidos nos termos do disposto no nº 1 do art. 43º da LGT.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce NetoAntónio Calhau.