Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01088/13
Data do Acordão:02/26/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:NORMA ANTIABUSO
NORMA DE APLICAÇÃO IMEDIATA
Sumário:I - De acordo com o disposto no nº 10 do artº 63º do CPPT, o interessado podia deduzir recurso autónomo do ato de autorização de aplicação das disposições antiabuso.
II - Aquele nº 10, todavia, foi revogado pelo artº 153º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2012.
III - Esta norma é de natureza processual, pelo que, atento o disposto no artº 12º, nº 3 da LGT, é de aplicação imediata, não sendo de ter aqui em consideração o prejuízo dos direitos e garantias anteriormente atribuídos aos recorrentes, uma vez que estes haviam deduzido, entretanto, impugnação judicial em que invocaram relativamente ao citado ato de autorização os mesmos vícios invocados nos presentes autos.
Nº Convencional:JSTA00068606
Nº do Documento:SA22014022601088
Data de Entrada:06/17/2013
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 2:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART63 N7 N10.
L 64-B/2011 DE 2011/12/30 ART153 ART215.
LGT98 ART12 N3.
CPC96 ART142 N2.
CPTA02 ART46 N2 A ART50 ART58 N2 B.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………….. e outros, com os demais sinais nos autos, vieram recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Viseu, que julgou verificada a inimpugnabilidade do ato do Diretor Geral dos Impostos que autorizou a aplicação da cláusula geral antiabuso, apresentando, para o efeito, alegações nas quais concluem:

1ª)- O recorrente não se conforma com a douta sentença que julgou improcedente a impugnação (ação administrativa especial).

2ª)- Resulta dos factos provados da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que os Autores foram notificados da decisão da aplicação da cláusula geral antiabuso e “que, nos termos do artigo 63°, n.° 10 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e dos artigos 46°, n.° 2, alínea a), 50° e 58°, n.° 2, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), esta decisão é passível de recurso contencioso autónomo/ acção administrativa especial a intentar no prazo de três meses a contar da data de notificação”, cfr. doc. de fls. 13 e 14 dos autos.

3ª)- Resulta dos factos provados, que em 16.01.2012, os Autores remeteram por correio sob registo, o recurso contencioso autónomo (ação administrativa especial), cfr. doc. de fls. 2 dos autos.

4ª)- Os Autores foram também notificados da liquidação n.° 5330053832 de IRS do ano de 2007 - cfr. ponto 5 dos factos provados - e apresentaram a respetiva impugnação, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, sob o n.° de processo 293/12.OBEVIS, cfr. ponto 6 dos factos provados.

5ª)- Entende o douto Tribunal a quo que estando em causa no art.° 63°, n.° 10 do CPPT, uma norma processual, ao abrigo do art.° 12°, n.° 3, da LGT, a sua revogação é de aplicação imediata a todos os processos e que sendo assim, a autorização da aplicação de normas antiabuso deixou de ser imediata e autonomamente recorrível, donde os vícios de que o mesmo enferme só poderão ser arguidos na impugnação do subsequente ato de liquidação.

6ª)- Entende o recorrente que não consta no art.° 153° da Lei n.° 64-B/2011, de 30.12., que a revogação do n.° 10, do art.° 63° do CPPT, tenha aplicação imediata a partir da data da entrada em vigor da referida lei, em 01.01.2012, ou seja, no caso dos autos, a aplicação de normas antiabuso é autónoma e imediatamente impugnável.

7ª)- Pelo que a douta sentença viola a lei estabelecida ao art.° 153° da Lei n.° 64- B/2011, de 30.12.

8ª) - A aplicação imediata das normas processuais, nomeadamente a revogação do nº 10 do artº 63° do CPPT, pelo artº 153° da Lei n.° 64-B/2011, de 30.12., não pode pôr em causa as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes, cfr. n.° 3, do art.° 12° da LGT.

9ª)- O recurso contencioso autónomo (ação administrativa especial) da decisão de aplicação de cláusula geral antiabuso, apresentado em 16.01.2012, obedece às normas do nº 10 do artº 63° do CPPT, porque foi decidida a aplicação da norma geral antiabuso em 17.11.2011, antes da revogação dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30.12., portanto é exercido dentro do prazo estipulado pelo artº 58°, nº 2, alínea b) do CPTA.

10ª)- Por outro lado, nos presentes autos, a causa a pedir é a anulação da aplicação da cláusula geral antiabuso enquanto nos autos do processo de impugnação 293/12.OBEVIS, a causa a pedir é a anulação da liquidação de IRS, logo são duas causas diferentes.

11ª)- Pelo que não existe inimpugnabilidade do ato.

12ª)- Ademais, porque a ser dada viabilidade ao alegado, pela Autoridade Tributária no processo de impugnação da liquidação do imposto (293/12.OBEV1S), o pedido, jamais será controvertido.

Nestes termos,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da decisão de aplicação da norma geral antiabuso, para que assim se faça JUSTIÇA.

2. A entidade demandada contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

A). A 16 de Janeiro de 2012 os ora Recorrentes apresentaram uma acção administrativa especial, aí deduzindo um pedido de anulação do despacho que autorizou a aplicação da cláusula geral anti-abuso (doravante designada abreviadamente de «CGAA»).

B). A 16 de Janeiro de 2012- data de entrada da acção administrativa especial- o “recurso contencioso autónomo”, constante do n.° 10, do artigo 63.°, do CPPT, encontrava-se revogado face ao disposto na Lei n.° 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

C). Nos termos do artigo 12.°, n.° 3, da LGT, «[a]s normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.»

D). Destarte, os ora Recorrentes utilizaram um meio processual que não lhes assistia.

E). Com efeito, através da referida revogação, o legislador alterou a própria qualificação do “ato de autorização de aplicação da CGAA”.

F). Ao abrigo da regra anterior o acto de autorização de aplicação da CGAA constituía um acto destacável para efeitos de “recurso contencioso”, hoje, com a revogação daquele normativo, entende o legislador que as eventuais ilegalidades verificadas no respectivo procedimento de aplicação da CGAA, de acordo com o princípio da impugnação unitária vigente no processo tributário (artº. 54.° do CPPT e 66º da LGT), apenas podem ser invocadas na impugnação judicial do subsequente acto de liquidação.

G). Se os ora Recorrentes pretendem discutir eventuais ilegalidades verificadas no respectivo procedimento de aplicação da CGAA, de acordo com o princípio da impugnação unitária vigente no processo tributário (art. 54º do CPPT e 66.° da LGT), deviam fazê-lo em sede de impugnação judicial do subsequente acto de liquidação.

H). Como, aliás, o fizeram, ao abrigo do regime vigente a partir de 1 Janeiro de 2012, existindo uma impugnação judicial - processo n.º 293/12.OBEVIS- onde, igualmente, aqueles imputam vícios ao procedimento que conduziu à aplicação da CGAA.

I). O que constitui um óbice - não houvesse outro -, insofismável, da falta de razão do presente recurso.

J). Afinal, se se adoptasse a tese interpretativa dos Recorrentes poderíamos ter uma situação como a seguinte: decidir-se neste processo que inexiste qualquer ilegalidade no procedimento que conduziu à aplicação da CGAA e, no outro processo - processo n.° 293/12.OBEVIS-, decidir-se anular a liquidação com base numa qualquer ilegalidade no procedimento que conduziu à aplicação da CGAA.

K). Refira-se ainda que a alteração dos meios de defesa, de acção administrativa especial para impugnação judicial, não prejudica qualquer garantia ou direito do contribuinte, antes o salvaguarda, na medida em que diferindo o meio de defesa este dispõe de mais tempo para preparar a sua defesa.

L). Relembramos que, ao abrigo do regime anterior não podia um contribuinte sindicar, em sede de impugnação judicial, os vícios atinentes ao procedimento de aplicação da CGAA.

M). Nem o “recurso contencioso” possibilitava qualquer efeito suspensivo do procedimento de liquidação.

N). Em rigor, a única alteração trazida pela Lei n.° 64-B/2011, de 30 de Dezembro, foi a de conceder uma dilação do prazo de preparação da defesa do contribuinte.

O). Não colhem, portanto, os dois principais argumentos dos Recorrentes.

P). Por um lado, não era necessário constar do artigo 153.° da Lei n.° 64-B/2011, de 2011, que revogou o artigo 63.°, n.° 10, do CPPT, que essa norma seria de aplicação imediata, pelo simples facto que tal resulta dos princípios gerais de direito e do próprio artigo 12°, n.° 3, da LGT.

Q). Por outro lado, os Recorrentes confundem causas de pedir idênticas, com pedidos distintos.

R). De facto, os pedidos são distintos, mas as causas de pedir são idênticas, daí podendo resultar, obviamente, contradições de entendimento entre julgados, que não integrando a definição legal de litispendência acarretará na prática as mesmas consequências.

S). Na verdade, a norma constante do artigo 12.°, n.° 3, da LGT, in fine, visa proteger, exactamente, a situação oposta à dos autos, que são aquelas em que há, efectivamente, um prejuízo para as garantias do contribuinte, o que não é, manifestamente, o caso.

T). Deste modo, é entendimento da Entidade Demandada que bem andou o Tribunal a quo, na sua douta decisão.

Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.:
- Deve o presente recurso ser julgado improcedente, com as legais consequências.

3. Notificado para efeitos do disposto no artº 146º, nº 1 do CPTA, o MºPº nada veio dizer.

4. Com interesse para a decisão foram dados como provados, em 1ª instância, os seguintes factos:

1º). Em 17.11.2011 o Diretor Geral dos Impostos proferiu despacho de autorização de aplicação da cláusula geral antiabuso aos Autores - cfr. doc. de fls. 14 dos autos.

2º). Por oficio n.° 11709, de 25.11.2011 os Autores foram notificados da decisão referida no ponto anterior e “de que, nos termos do artigo 63º. nº. 10 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e dos artigos 46.° n.° 2, alínea a), 50º e 58º. n.° 2, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), esta decisão é passível de recurso contencioso autónomo/acção administrativa especial a intentar no prazo de três meses a contar da data de notificação”.- cfr. doc. de fls. 13 dos autos.

3º). A presente ação foi remetida por correio sob registo para este Tribunal em 16.1.2012 - cfr. doc. de fls. 2 dos autos.

4º). O procedimento de aplicação de cláusula geral antiabuso autorizado pelo despacho referido em 1) deu origem à liquidação n.° 5330053832 de IRS do ano de 2007 - cfr. docs. de fls. 57 e ss. dos autos.

5º). Os Autores foram notificados da liquidação referida em 4. em 9.3.2012. - cfr. docs. de fls. 57 e ss. dos autos.

6º). Em 4.6.2012 os aqui Autores instauraram impugnação judicial da liquidação n.° 5330053832 de IR do ano de 2007, que corre termos neste Tribunal sob o n.° de processo 293/12.OBEVIS, ali invocando, entre o mais, os vícios do procedimento de aplicação de cláusula geral antiabuso, a saber a decisão de abertura do procedimento padece de vicio de incompetência, a autorização para aplicação da clausula geral anti-abuso padece dos vícios de falta de fundamentação, incompetência e violação de lei por ter sido ultrapassado o prazo de 3 anos e não se encontrarem verificados os pressupostos de que depende o recurso à aplicação da clausula geral antiabuso - factos de que o Tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções, por consulta ao SITAF.

5. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

6. A única questão que cumpre apreciar no presente recurso é a de saber se os recorrentes poderiam deduzir impugnação autónoma do ato de autorização do DGI de aplicação de cláusula antiabuso prevista no artº 63º, nº 7 do CPPT.

6.1. A decisão recorrida respondeu negativamente a essa questão louvando-se na seguinte argumentação:
O nº 10 do artº 63º do CPPT foi revogado pelo artº 153º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, entrando em vigor em 01.01.2012.
De acordo com o nº 3 do artº 12º da LGT, as normas sobre procedimento e processo tributário são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.
Assim sendo e estando em causa no nº 10 do citado artº 63º uma norma processual, a mesma é de aplicação imediata.
A petição inicial foi remetida ao TAF em 16.01.2012, tendo a autorização de aplicação da cláusula antiabuso ocorrido em 17.11.2011. Deste modo, não é já aplicável ao caso dos autos o disposto naquele revogado nº 10 do artº 63º.
Apesar de terem sido os recorrentes notificados de que poderiam deduzir recurso autónomo da referida decisão, a aplicação imediata revogação do nº 10 citado não prejudica os seus direitos, uma vez que os mesmos deduziram impugnação judicial do ato de liquidação subsequente à aplicação da cláusula antiabuso, na qual invocaram, para a além do mais, os argumentos aduzidos nos presentes autos.
Assim, revogado o citado nº 10 e sendo certo que a autorização de aplicação da norma antiabuso não é um ato lesivo, não definindo qualquer situação jurídica, nem tendo reflexos na esfera dos interessados, não é autónoma nem imediatamente impugnável.

6.2. Os recorrentes discordam deste entendimento, argumentando da seguinte forma:
Não consta no art.° 153° da Lei n.° 64-B/2011, de 30.12., que a revogação do n.° 10, do art.° 63° do CPPT, tenha aplicação imediata a partir da data da entrada em vigor da referida lei, em 01.01.2012, pelo que a douta sentença viola a lei estabelecida ao art.° 153° da Lei n.° 64- B/2011, de 30.12.

A aplicação imediata das normas processuais, nomeadamente a revogação do nº 10 do artº 63° do CPPT, pelo artº 153° da Lei n.° 64-B/2011, de 30.12., não pode pôr em causa as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.

O recurso contencioso autónomo (ação administrativa especial) da decisão de aplicação de cláusula geral antiabuso, apresentado em 16.01.2012, obedece às normas do nº 10 do artº 63° do CPPT, porque foi decidida a aplicação da norma geral antiabuso em 17.11.2011, antes da revogação dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30.12., portanto é exercido dentro do prazo estipulado pelo artº 58°, nº 2, alínea b) do CPTA.

Por outro lado, nos presentes autos, a causa a pedir é a anulação da aplicação da cláusula geral antiabuso enquanto nos autos do processo de impugnação 293/12.OBEVIS, a causa a pedir é a anulação da liquidação de IRS, logo são duas causas diferentes.

Pelo que não existe inimpugnabilidade do ato.

6.3. A entidade demandada, secundando a decisão recorrida argumenta da seguinte forma:

Ao abrigo da regra anterior o ato de autorização de aplicação da CGAA constituía um acto destacável para efeitos de “recurso contencioso”.
Com a revogação daquele normativo, entende o legislador que as eventuais ilegalidades verificadas no respectivo procedimento de aplicação da CGAA, de acordo com o princípio da impugnação unitária vigente no processo tributário (artº. 54.° do CPPT e 66º da LGT), apenas podem ser invocadas na impugnação judicial do subsequente acto de liquidação.
Se os ora Recorrentes pretendem discutir eventuais ilegalidades verificadas no respectivo procedimento de aplicação da CGAA, de acordo com o princípio da impugnação unitária vigente no processo tributário (art. 54º do CPPT e 66.° da LGT), deviam fazê-lo em sede de impugnação judicial do subsequente ato de liquidação, como, aliás, o fizeram, ao abrigo do regime vigente a partir de 1 Janeiro de 2012, existindo uma impugnação judicial - processo n.° 293/12.OBEVIS- onde, igualmente, aqueles imputam vícios ao procedimento que conduziu à aplicação da CGAA.

Se se adoptasse a tese interpretativa dos Recorrentes poderíamos ter uma situação como a seguinte: decidir-se neste processo que inexiste qualquer ilegalidade no procedimento que conduziu à aplicação da CGAA e, no outro processo - processo n.° 293/12.OBEVIS-, decidir-se anular a liquidação com base numa qualquer ilegalidade no procedimento que conduziu à aplicação da CGAA.

Acresce que a alteração dos meios de defesa, de acção administrativa especial para impugnação judicial, não prejudica qualquer garantia ou direito do contribuinte, antes o salvaguarda, na medida em que diferindo o meio de defesa este dispõe de mais tempo para preparar a sua defesa.

Ao abrigo do regime anterior não podia um contribuinte sindicar, em sede de impugnação judicial, os vícios atinentes ao procedimento de aplicação da CGAA, nem o “recurso contencioso” possibilitava qualquer efeito suspensivo do procedimento de liquidação.

Deste modo, a única alteração trazida pela Lei n.° 64-B/2011, de 30 de Dezembro, foi a de conceder uma dilação do prazo de preparação da defesa do contribuinte.

Não era necessário constar do artigo 153.° da Lei n.° 64-B/2011, de 2011, que revogou o artigo 63.°, n.° 10, do CPPT, que essa norma seria de aplicação imediata, pelo simples facto que tal resulta dos princípios gerais de direito e do próprio artigo 12°, n.° 3, da LGT.

Por outro lado, os Recorrentes confundem causas de pedir idênticas, com pedidos distintos, já que os pedidos são distintos, mas as causas de pedir são idênticas, daí podendo resultar, obviamente, contradições de entendimento entre julgados, que não integrando a definição legal de litispendência acarretará na prática as mesmas consequências.

Vejamos então qual destes entendimentos colhe o apoio legal.

7. Os nºs 7 e 10 do artº 63º do CPPT determinavam, respetivamente, o seguinte:

“7. A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência”.

“10. A autorização referida no n.º 7 do presente artigo é passível de recurso contencioso autónomo”.

Acontece, porém, que a Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2012 – v. o seu artº 215º- deu nova redação ao citado artº 63º, tendo o artº 153º dessa Lei revogado o seu nº 10.

Ora, não restam dúvidas de que esta é uma norma de natureza processual, pelo que é de aplicação imediata.

E sobre esta aplicação imediata da lei processual diz o artº 12º, nº 3 da LGT que “As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”.

Por outro lado, o artº 142º do CPC, em vigor à data dos factos, estabelecia no seu nº 2 que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a acção é proposta, o que significa que, revogada a citada norma, o recorrente deixou de poder usar a referida forma processual.

Então, cabe apenas aqui apreciar se esta aplicação imediata - cuja consequência é não poderem os recorrentes deduzir o referido “recurso autónomo” do ato de autorização de aplicação da norma antiabuso – prejudica garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”.

Resulta do nº 6 do probatório supra que “os aqui Autores instauraram impugnação judicial da liquidação n.° 5330053832 de IR do ano de 2007, que corre termos neste Tribunal sob o n.° de processo 293/12.OBEVIS, ali invocando, entre o mais, os vícios do procedimento de aplicação de cláusula geral antiabuso, a saber a decisão de abertura do procedimento padece de vício de incompetência, a autorização para aplicação da clausula geral antiabuso padece dos vícios de falta de fundamentação, incompetência e violação de lei por ter sido ultrapassado o prazo de 3 anos e não se encontrarem verificados os pressupostos de que depende o recurso à aplicação da clausula geral antiabuso”.

Ora, estes fundamentos são os invocados nos presentes autos.

Deste modo, tais fundamentos serão apreciados judicialmente naquela impugnação pelo que nos parece estar assegurada a tutela judicial dos direitos dos recorrentes, não se verificando o prejuízo a que se reporta a parte final do nº 3 do artº 12 da LGT que impediria a aplicação imediata da norma.

Em face do que ficou dito, a sentença recorrida merece confirmação, carecendo de apoio legal a afirmação dos recorrentes de que a Lei 64-B/2011 não consagra aplicação imediata da revogação do nº 10 do artº 63º citado, uma vez que, conforme bem referem a decisão recorrida e a entidade demandada, essa aplicação resulta do princípio geral consagrado no artº 12º, nº 3 da LGT acima transcrito.

Como também carece de razão a afirmação dos recorrentes de que sendo diversas as causas de pedir na presente ação e na impugnação judicial, se manteria o interesse daquela por visarem diferentes objetivos. Na verdade, apreciados na impugnação judicial os fundamentos relativos ao ato de autorização da aplicação da norma antiabuso, sendo estes julgados procedentes, a liquidação ficará sem efeito, pelo que se entende, como já se referiu, que os direitos dos recorrentes não ficaram afetados no caso concreto.

Apenas uma nota final.

Conforme resulta do nº 2 do probatório, os recorrentes foram notificados de que, nos termos do artigo 63º. nº. 10 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e dos artigos 46.º n.º 2, alínea a), 50º e 58º. n.º 2, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a decisão impugnada era passível de recurso contencioso autónomo/acção administrativa especial a intentar no prazo de três meses a contar da data de notificação.

Embora não conferindo esta notificação o direito ao referido meio processual, entende-se, todavia, que a mesma releva para efeito de custas já que os recorrentes exerceram o que consideraram um direito seu.

8. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Sem custas pelas razões acima referidas, tanto em 1ª instância como neste STA.


Lisboa, 26 de Fevereiro de 2014. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.