Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0838/18.2BELRA
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DE PRAZO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário:Prestada garantia, neste caso, garantia bancária nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 169º e 199º do CPPT, tal reflecte-se sobre a execução fiscal, determinando a sua suspensão, e esta suspensão implica a suspensão do prazo de prescrição, ou seja, a prestação de garantia nos termos descritos, aliada à pendência da impugnação, suspende a execução até à decisão do pleito e determina, igualmente, a suspensão do prazo de prescrição da respectiva dívida tributária.
Nº Convencional:JSTA000P27895
Nº do Documento:SA2202106230838/18
Data de Entrada:10/23/2020
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 838/18.2BELRA (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A…………, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 31-03-2020, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de OPOSIÇÃO relacionado com a execução fiscal n.º 1309200901003737, contra si instaurada para cobrança coerciva de dívida de IRC do exercício de 2004.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A ) - A dívida exequenda, relativa a IRC de 2004, foi objecto de impugnação judicial e em consequência desta e por imposição legal, foi pela recorrente prestada garantia, pelo que o processo de execução fiscal ficou parado desde 13 de Maio de 2009.

B ) - A suspensão do processo de execução fiscal a partir de 13 de Maio de 2009 não equivale à suspensão do prazo de prescrição. Trata-se de situações distintas pelo que a suspensão do processo não acarreta a suspensão do prazo de prescrição da dívida.

C ) - A dívida exequenda em causa nos autos encontra-se prescrita.

D ) - A sentença recorrida padece de vício, violando as normas legais fiscais em vigor.

E) - A sentença proferida deve ser revogada e substituída por outra que declare a prescrição da dívida exequenda.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser declarada prescrita a dívida exequenda.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida quando concluiu pela não verificação da prescrição da dívida exequenda, respeitante a IRC do exercício de 2004.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1.1. Em 2009.01.20 foi instaurado no Serviço de Finanças de Alcobaça o processo de execução fiscal (PEF) n.º 1309200901003747, contra a aqui Oponente, para cobrança coerciva de dívida de IRC do exercício de 2004, no montante de € 23.424,87 - Cft. PA de fls. 42 a 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

1.2. A Oponente apresentou Reclamação Graciosa relativamente à dívida exequenda, à qual coube o n.º 1309200904000218, no âmbito da qual apresentou a garantia bancária n.º 296/2009-S, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 169.º e 199.º do CPPT - Cft. PA de fls. 42 a 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

1.3. Na sequência da apresentação da garantia bancária identificada em 1.2., a execução fiscal identificada em 1.1. ficou suspensa por despacho de 2009.05.13 - Cft. PA de fls. 42 a 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

1.4. A Reclamação Graciosa identificada em 1.2. foi parcialmente deferida, tendo a Oponente, na sequência desse deferimento parcial, deduzido impugnação judicial da liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2004 em 2009.06.15 - Cft. PA de fls. 42 a 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

1.5. Em 2017.04.24 a Oponente foi notificada para o prosseguimento da execução, nos termos do n.º 2 do artigo 200.º do CPPT, na sequência do trânsito em julgado da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada – Cft. PA de fls. 42 a 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa.

3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme o especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada, que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.”


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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida que concluiu pela não verificação da prescrição da dívida exequenda, respeitante a IRC do exercício de 2004.

Nas suas alegações, a Recorrente destaca que a dívida exequenda, relativa a IRC de 2004, foi objecto de impugnação judicial e em consequência desta e por imposição legal, foi pela recorrente prestada garantia, pelo que o processo de execução fiscal ficou parado desde 13 de Maio de 2009, sendo que esta suspensão do processo de execução fiscal desde a data apontada não equivale à suspensão do prazo de prescrição, na medida em que estão em causa situações distintas pelo que a suspensão do processo não acarreta a suspensão do prazo de prescrição da dívida.

Que dizer?

Num primeiro momento, a decisão recorrida refere que, sendo a dívida exequenda aqui em causa proveniente de IRC de 2004, o prazo de prescrição iniciou-se em 2005.01.01, nos termos do disposto no artigo 48.º, n.º 1 da LGT, situação que a Recorrente não coloca em crise.

O dissídio que fundamenta o presente recurso reside na afirmação seguinte onde se pondera que “uma vez que foi apresentada reclamação graciosa, no âmbito da qual foi prestada garantia, o processo de execução fiscal foi declarado suspenso em 2009.05.13, nos termos do disposto no artigo 169.º do CPPT. Ora, tal suspensão constitui causa de suspensão do prazo de prescrição, nos precisos termos do disposto no artigo 49.º n.º 4, al. b) da LGT (redação atual), suspensão essa que se manteve até ao trânsito em julgado da decisão do processo de impugnação judicial que se seguiu à Reclamação Graciosa, o que aconteceu em 2017.04.24, tudo conforme probatório supra.”

Na situação dos autos, é sabido que em 20-01-2009 foi instaurado no Serviço de Finanças de Alcobaça o processo de execução fiscal (PEF) n.º 1309200901003747, contra a aqui Oponente, para cobrança coerciva de dívida de IRC do exercício de 2004, no montante de € 23.424,87, sendo que a Oponente apresentou Reclamação Graciosa relativamente à dívida exequenda, à qual coube o n.º 1309200904000218, no âmbito da qual apresentou a garantia bancária n.º 296/2009-S, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 169.º e 199.º do CPPT, verificando-se que na sequência da apresentação da garantia bancária acima referida, a execução fiscal ficou suspensa por despacho de 2009.05.13.

Por outro lado, a Reclamação Graciosa apontada foi parcialmente deferida, tendo a Oponente, na sequência desse deferimento parcial, deduzido impugnação judicial da liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2004 em 2009.06.15 e em 24-04-2017, a Oponente foi notificada para o prosseguimento da execução, nos termos do n.º 2 do artigo 200.º do CPPT, na sequência do trânsito em julgado da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada.

Ora, das normas contidas nos artigos 169º nº 1 do CPPT e 49º nº 4 al. b) da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda “desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido” e que “o prazo de prescrição legal” suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude (…) impugnação ou recurso”.

Além disso, a suspensão da execução nos termos do artigo 169º nº 1 do CPPT opera-se, ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora que garante a totalidade da quantia exequenda e acrescido, desde que sejam utilizados os meios processuais de discussão da legalidade da dívida exequenda ali elencados (neste sentido, Ac. do S.T.A. de 19-12-2012, Proc. nº 01372/12, www.dgsi.pt).

Trata-se, pois, de acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.

Tal significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição (neste sentido, Acs. do S.T.A. de 04-03-2009, Proc. nº 0160/09, 26-01-2011, Proc. nº 01/11 e de 25-05-2011, Proc. nº 0465/11, todos disponíveis em www.dgsi.pt), não tendo qualquer sentido o exposto pela Recorrente quando refere que o artigo 169º do CPPT suspende a execução fiscal, mas não o prazo prescricional.

Pois bem, como se deixou sumariado nos Acórdãos do S.T.A. de 05-05-2010, Proc. nº 0140/10 e de 07-12-2010, Proc. nº 0490/10, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt, “A impugnação judicial interrompe a prescrição, mas a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar tal efeito, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação (nºs 1 e 2 do artigo 49.º da LGT). Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de prestação de garantia ou de penhora de bens que garantam a totalidade da dívida e do acrescido, ao abrigo do art. 169º do CPPT, a paragem do processo não releva para efeitos de prescrição, uma vez que, em face do disposto no nº 3 (agora nº 4) do art. 49º da LGT, a prescrição suspende-se também com a paragem da execução”.

Sendo assim, como é, haverá que concluir que, prestada garantia, neste caso, garantia bancária n.º 296/2009-S, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 169º e 199º do CPPT, tal reflecte-se sobre a execução fiscal, determinando a sua suspensão, e esta suspensão implica a suspensão do prazo de prescrição (o probatório informa que na sequência da apresentação da aludida garantia bancária, a execução fiscal ficou suspensa por despacho de 2009.05.13), ou seja, a prestação de garantia nos termos descritos, aliada à pendência da impugnação, suspende a execução até à decisão do pleito e determina, igualmente, a suspensão do prazo de prescrição da respectiva dívida tributária, o que significa que a decisão recorrida não merece censura quando produziu a afirmação supra referida e que deu origem ao presente recurso.

Apesar do que fica dito, cremos que se impõe, em todo o caso, referir que a decisão recorrida optou pela solução mais imediata, com referência ao tratamento da prescrição, deixando a ilusão à ora Recorrente que a prescrição seria uma questão de tempo, até porque tal decisão sustenta que, em termos de prescrição, já teria decorrido até à data da mesma - 31-03-2020 - um total de 7 anos, 4 meses e 11 dias.

Mas sem razão.

Como se disse, o probatório, embora algo incipiente, permite apreender que foi apresentada Reclamação Graciosa em 2009, deferida parcialmente, o que deu lugar à dedução de impugnação judicial com referência à liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2004 em 2009-06-15, verificando-se que a Oponente foi notificada para o prosseguimento da execução, nos termos do n.º 2 do artigo 200.º do CPPT, na sequência do trânsito em julgado da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada.

Com este pano de fundo, e retornando ao caso vertente, a decisão recorrida também deveria ter ponderado que foi deduzida reclamação graciosa, pelo que, com tal facto, ocorreu a interrupção do prazo de prescrição que ainda estava em curso, sendo que tal facto interruptivo não só teve como efeito instantâneo a inutilização para a prescrição do tempo decorrido até à data em que o mesmo se verificou, como tem a par, o efeito duradouro de obstar ao início de contagem de novo prazo de prescrição de oito anos enquanto o processo se mantiver pendente, ou seja, até ao trânsito em julgado da decisão em apreço, o que significa que, no caso presente, tendo entretanto sido deduzida impugnação judicial, tem de entender-se que o processo se mantém pendente até existir decisão que ponha termo à mencionada impugnação judicial, de modo que, ao contrário do decidido, nada existe para contabilizar, para efeitos de prescrição, até ao trânsito em julgado da decisão do processo de impugnação judicial que se seguiu à Reclamação Graciosa, o que aconteceu em 24-04-2017, de modo que, e de forma inequívoca, ao contrario do invocado pela Recorrente, temos que não se verificou a prescrição da prestação tributária a que se reporta a liquidação identificada nos autos, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 23 de Junho de 2021

Pedro Vergueiro (Relator)

O Relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento - os Senhores Conselheiros Aragão Seia e Nuno Bastos

Pedro Nuno Pinto Vergueiro