Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0814/17
Data do Acordão:03/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:ACTO IMPUGNÁVEL
CERTIDÃO
Sumário:O despacho de “Certifique-se” - contido na certidão a que alude o nº5 do art. 4º da Lei 11/2011 de 26/4 - da Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos, face a uma informação dos serviços no sentido de que determinado local não reúne as condições necessárias para instalação de um centro de inspecção, é impugnável.
Nº Convencional:JSTA00070611
Nº do Documento:SA1201803150814
Data de Entrada:09/15/2017
Recorrente:A............, LDA E MUNICÍPIO DO PORTO
Recorrido 1:B............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:CPTA02 ART51 N1 ART54 N1 B.
L 11/2011 DE 2011/04/26 ART4 N5.
CPA91 ART62 ART63.
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA - ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROF MARCELLO CAETANO VOLII PÁG284 PÁG287.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I-RELATÓRIO

A…………, LDA e o MUNICÍPIO DO PORTO vêm interpor recurso de revista do acórdão proferido no TCAN, em 10 de Março de 2017 -que revogou a decisão do TAF do Porto de procedência da excepção de inimpugnabilidade dos actos impugnados na acção movida pela recorrida B…………, S.A., de declaração de nulidade ou anulabilidade dos actos praticados em 17.6.2013, 16.1.2014 e 8.4.2014 pelo Município do Porto- e determinou a baixa dos autos para prosseguimento dos mesmos.

2. A Recorrente A…………, LDA conclui as suas alegações da seguinte forma:

a) Determinar se uma decisão, que consubstancia uma simples ordem de certificar o teor de uma informação prestada pelos serviços de um ente público, é contenciosamente impugnável tem sido objeto de tratamento diferenciado nos Tribunais Centrais, conforme decisão proferida no âmbito do processo 1191/16 [processo n.º 1407/14.1BEPRT] e a diversidade de soluções jurídicas carece de definição.

b) Assim, afigura-se à Recorrente que a admissão do presente recurso e o seu julgamento é claramente necessário para uma orientação futura a seguir nos casos de impugnabilidade de actos que ordenam a emissão de certidão de uma informação prestada pelos serviços de um ente público.

c) O acórdão recorrido, em sentido inverso ao acórdão fundamento citado, considerou que os despachos proferidos pela Senhora Chefe de Divisão de Gestão de Procedimentos Urbanísticos consubstanciam atos impugnáveis, com eficácia externa e lesivos.

d) Concluindo que esses actos são impugnáveis, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 51.º do CPTA, conclusão esta que, salvo o devido respeito, deve ser rejeitada e alterada no sentido já vertido no acórdão fundamento: meros actos opinativos.

e) A contradição na definição e aplicação de solução diferente à mesma situação é óbvia e carece de revista do Supremo Tribunal de Justiça.

Quanto ao fundo do recurso: das razões da respeitosa concordância:

f) o segmento decisório dos actos impugnados consubstancia-se numa ordem de certificar o conteúdo de uma opinião dos serviços, não produzindo essa ordem (de certifique-se) efeitos lesivos, não estando dotado, portanto, de eficácia externa.

g) e a opinião dos serviços (certificada) não cria direitos e obrigações para o Requerente da certidão, pois que aqueles são meros atos opinativos, não tendo havido por parte dos serviços do Recorrido, a definição de qualquer situação jurídica, nem a produção de efeitos jurídicos.

h) O acto decisório que, eventualmente, pode lesar o direito da Recorrida (portanto, eficaz) é a decisão proferida pelo ente que avalia o processo de candidatura que lhe foi apresentado e será esse acto aquele que é susceptível de ser contenciosamente impugnado;

i) O acto que poderia ser verdadeiramente lesivo e que produziria efeitos na esfera jurídica da Recorrida seria a decisão que venha a ser proferida sobre o projeto de instalação de um centro de inspeção eventualmente apresentado para aquele local;

j) A opinião – informação certificada – não produz efeitos jurídicos na esfera da Recorrida, ademais que o projecto apresentado pode contrariar o teor daquela informação.

k) os actos impugnados certificam assim o conteúdo de meros atos opinativos, sem qualquer conteúdo decisório, não consubstanciando ato administrativo, advindo ao de cima a sua inimpugnabilidade;

l) os actos impugnados – até por comparação com as decisões que recaem sobre os pedidos de informação prévia – não podem, pois, ser qualificados como actos impugnáveis, porquanto aos mesmos falecem as características de conteúdo decisório e lesividade externa como se demonstrou.

m) Não se vislumbra qualquer conteúdo decisório, não preenchendo, portanto, o conceito de ato administrativo impugnável, previsto no artigo 51º, nº 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, verificando-se a exceção de inimpugnabilidade dos atos postos em crise.

Pelo que,

n) Se afigura que a solução de direito adoptada no acórdão proferido no âmbito do processo 1191/16 [processo n.º 1407/14.1BEPRT] do TCAN deve ser também aplicada ao caso dos presentes autos...”.

3. O Recorrente MUNICÍPIO DO PORTO conclui as suas alegações da seguinte forma:

“A. A interposição do presente recurso justifica-se, desde logo e a título excecional, dada a importância fundamental da questão jurídica em causa, afigurando-se, de igual modo, a sua resolução claramente essencial para uma melhor aplicação do Direito.

B. Em concreto, a questão jurídica que se comete à douta apreciação desse Venerando Tribunal consiste em aferir se os atos sindicados no domínio do processo judicial que subjaz – a saber, os atos certificativos de informação – qualificam como atos administrativos impugnáveis, nos termos e para os efeitos do artigo 51.º do CPTA.

C. Não se atende, pois, na sua definição, aos exactos e específicos contornos dos atos sindicados mas antes à questão, de aplicabilidade genérica, no sentido de saber se atos certificativos de informação devem integrar o conceito de ato administrativo impugnável na acepção do disposto no sobredito artigo 51.º do CPTA.

D. Ora, a questão a que se dá ênfase revela-se de natureza geral – na medida em que poderá afetar diretamente as relações jurídico-administrativas estabelecidas entre a Administração Local Autárquica e os particulares –, relaciona-se com a violação da lei processual aplicável nos Tribunais Administrativos e Fiscais e tem capacidade para se colocar em inúmeros casos futuros de processos de impugnação de atos administrativos, como, aliás, se atesta, pelo teor das decisões dissonantes que se trazem à colação no domínio do presente recurso jurisdicional.

E. Prova do vindo de expender é, precisamente, a circunstância de o sentido decisório do douto Acórdão aqui recorrido colidir, de forma ostensiva, com a jurisprudência firmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte em matéria em tudo similar à presente, em concreto, no âmbito do Acórdão de 21 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 1407/14.1BEPRT que correu termos no Tribunal Central Administrativo Norte.

F. A sobredita querela jurisprudencial evidencia que a questão sob apreço não se afigura, afinal, de simples resolução, sendo, assim, por demais evidente que se revela merecedora de uma expressa pronúncia por esse Venerando Tribunal, com vista à correta aplicação do direito.

G. De facto, representando a decisão ora em destaque uma notória inflexão do entendimento propugnado no domínio do aludido Proc. n.º 1407/14.1BEPRT – o qual havia já sido objeto de um voto de vencido –, aquele aresto deixou consignado que os atos certificativos impugnados «(…) contêm uma decisão sobre uma questão que produz efeitos jurídicos na esfera da Autora, ou seja, o sentido da decisão ínsita nas certidões determina a possibilidade ou impossibilidade da Autora concorrer à instalação de um Centro de Inspecção de Veículos Automóveis no concelho do Porto, por isso, as três ordens de emissão das três certidões juntas aos autos são actos administrativos impugnáveis, tal como definidos no artigo 51º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)».

H. Em sentido claramente inverso, o referido Acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º 1407/14.1BEPRT, concluiu, por seu turno, que «(…) os atos certificativos em questão limitaram-se a prestar a informação requerida, o que não se consubstanciou em qualquer ato materialmente administrativo, suscetível de produzir efeitos na esfera jurídica da aqui Recorrente (…)».

I. Ademais, e pese embora as decisões ora em destaque tenham partido da mesma premissa, concedendo, inclusivamente, idêntica interpretação doutrinária ao disposto nos artigos 51.º do CPTA e 120.º do Código de Procedimento Administrativo de 1991 (“CPA”), aqui aplicável, certo é que encetaram um desfecho totalmente oposto, pelo que é notória a necessidade de intervenção desse Venerando Tribunal, no sentido de dirimir o conflito ora suscitado, para, na esteira do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, se pugnar pela melhor aplicação do direito.

J. Tanto mais que, tendo o Tribunal a quo invocado no caso vertente o princípio in dubio pro impugnatione com vista a sustentar a posição assumida, suscitando, por essa via, a dúvida quanto à efetiva impugnabilidade dos atos sindicados – em contraposição, aliás, à tese defendida pelo Digníssimo Procurador Adjunto junto daquele Tribunal –, resulta, de forma cristalina, que a presente matéria proclama por uma decisão que balize, em concreto, o caminho legal a adotar em casos similares.

K. Daí que a admissão do presente recurso seja igualmente imprescindível à definição do direito processual aplicável aos autos, designadamente, quanto ao sentido e alcance do disposto no artigo 51.º, n.º 1 do CPTA.

L. No que diretamente concerne aos fundamentos do presente recurso, que vem, assim, interposto do douto Acórdão de 10 de Março pp., proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que, revogando a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 07 de Junho de 2016, qualificou os atos sindicados como impugnáveis e determinou, concludentemente, a baixa dos autos para aí prosseguirem os seus ulteriores trâmites legais,

M. Sempre se sublinhe que, salvo o devido respeito – e é verdadeiramente muito –, a tese vertida pelo Tribunal a quo, promove uma errada interpretação do direito aplicável in casu, em concreto, do disposto no artigo 51.º do CPTA e, bem assim, no artigo 120.º do Código de Procedimento Administrativo de 1991 (“CPA”), aqui aplicável.

N. Desde logo, porquanto, e deixe-se bem claro, em momento algum, foi proferida qualquer pronúncia favorável ou desfavorável à pretensão da entidade ora Recorrida, pois que, se assim fosse, o Recorrente estaria, claramente, a extravasar o âmbito da sua competência e a ingerir-se em matéria que se encontra sob a égide de entidade distinta (in casu, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.) e inserida num procedimento concursal, em relação ao qual é – como não poderia deixar de ser – absolutamente alheio.

O. Diversamente, o que se verificou no caso vertente é que a entidade aqui Recorrente se limitou a atestar, certificar se o local proposto pelo então Requerente – entidade aqui Recorrida – reunia as condições necessárias para o efeito, atentos os instrumentos de gestão territorial em vigor e, em particular, as disposições ínsitas ao Código Regulamentar do Município do Porto.

P. Tal como amplamente explanado na douta decisão de primeira instância e, no mesmo sentido, no Acórdão proferido no âmbito do aludido Proc. n.º 1407/14.1BEPRT, já definitivamente transitado em julgado – e a cuja fundamentação se adere, com a devida vénia –, se a intenção da entidade aqui Recorrida era garantir a prolação de uma informação sobre a viabilidade de realizar a operação em causa, sempre estaria, na sua esfera, a faculdade de adotar o procedimento próprio para o efeito, maxime via Pedido de Informação Prévia, até com o fito de, e por mera prudência, avaliar da viabilidade da sua candidatura ao procedimento concursal então em curso.

Q. Caso discordasse do teor das informações que viessem a ser prestadas, e comportando estas efeitos eventualmente lesivos, de carácter externo, então dúvidas não persistiriam quanto à sua impugnabilidade contenciosa e à existência da competente ação para salvaguardar os seus direitos.

R. Contudo, a hipótese acima congeminada não se observou no caso vertente.

S. Em bom rigor, urge, pois, não perder de vista que os atos sindicados não se consubstanciaram numa decisão, mas sim, como sustentado de forma exímia no âmbito da decisão proferida em primeira instância «veicularam uma informação, corporizada em certidão, que os seus destinatários aproveitarão como e para os efeitos que quiserem».

T. Assim, e com o devido respeito por entendimento contrário, as informações prestadas pelo Município do Porto, na sequência dos respetivos requerimentos apresentados, não configuram qualquer ato administrativo na aceção de “decisão” de um órgão administrativo, de resolução de uma concreta situação jurídico-administrativa, de uma definição unilateral, autoritária e inovadora de direito num caso concreto, com eficácia e vinculatividade externa, suscetíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.

U. Comportam, outrossim, a essência de uma verdadeira prestação de informações, pois que não incorporam uma decisão de autoridade, antes se limitam a verificar a existência ou a reconhecer a validade de uma situação como a que foi configurada pela entidade ora Recorrida (recorde-se, a viabilidade de instalação de um CITV para veículos ligeiros e pesados, no local indicado).

V. Pelos serviços competentes do Município do Porto foram assim proferidas informações (atos opinativos), materializadas em “certidão”, não existindo, pois, qualquer prolação de um ato administrativo ou decisão materialmente administrativa capaz de produzir per se um efeito na esfera jurídica da entidade Recorrida.

W. Com efeito, e atento o conceito de ato administrativo patenteado pelo artigo 120.º do CPA então em vigor que, na esteira da mais unânime doutrina e jurisprudência pátrias foi acolhido pelo atual artigo 148.º do CPA, os atos aqui em crise não podem, contrariamente à pretensão da sociedade Autora – aqui Recorrida –, ser qualificados como atos administrativos.

X. Nessa medida e mercê da respetiva qualificação de ato não administrativo, não qualificam os supraditos atos como impugnáveis contenciosamente, nos termos e para os efeitos do artigo 51.º do CPTA.

Y. Pelo exposto, a entidade aqui Recorrente não praticou qualquer ato administrativo, pelo que bem andou a decisão inicialmente proferida, em primeira instância, ao considerar não estarmos in casu perante qualquer ato administrativo, por falta dos seus pressupostos legais e estruturantes e, com base nessa premissa, julgou procedente a invocada exceção da inimpugnabilidade dos atos e absolveu a entidade demandada da instância, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 89.º do CPTA...”

4. B…………, LDA conclui as suas contra-alegações da seguinte forma:

“1- Não estão preenchidos os pressupostos da admissão dos Recursos de Revista, pelo que, não devem ser admitidos.

Sempre:

2-O douto acórdão do TCAN é inatacável, pois que, os atos em causa consubstanciam decisões proferidas no âmbito de um procedimento administrativo e com eficácia externa.

Por cautela:

3- Para a hipótese de procedência do recurso, impõe-se que se aprecie as restantes questões suscitadas pelo ora Recorrida no recuso para o TCAN e que este considerou prejudicado o seu conhecimento, em concreto, a possibilidade de convolar o processo, de ação administrativa especial para comum e da aplicabilidade do novo código de processo nos processo nos tribunais administrativos, em que se unificaram tais meios processuais.

4- Devendo ser proferida decisão a revogar a decisão da primeira instância ou remetido os autos ao TCAN para tal apreciar. Justiça!”

5. A revista foi admitida por acórdão de 12.7.2017, da formação deste STA, fls. 477/8, extraindo-se do mesmo:

“...A autora e aqui recorrida apresentara junto do IMT a sua candidatura no procedimento aberto para a instalação de três centros de inspecção técnica de veículos no concelho do Porto. Nos termos do art. 4º, n.º 5, da Lei n.º 11/2011, a comprovação da capacidade técnica dos candidatos passava, para além do mais, pelo oferecimento de uma certidão camarária «comprovativa de que o local reúne as condições necessárias para a instalação de um centro de inspecção». Munida de uma tal certidão, a autora foi provisoriamente classificada pelo IMT em 3.º lugar. Mas essa classificação provisória não frutificou porque a CM Porto emitiu depois, e sucessivamente, três certidões – que se terão baseado em informações internas – em que pôs em causa a perfeita adequação do mesmo local para a instalação do centro por lhe não serem acessíveis veículos pesados.

A acção administrativa especial dos autos ordena-se à impugnação dessas três certidões (e das correlativas informações). O TAF disse que esses actos, porque carecidos de conteúdo decisório, não são contenciosamente impugnáveis («vide» o art. 51º, n.º 1, do CPTA). O TCA, ao invés, afirmou a impugnabilidade dos actos, por serem dotados de eficácia externa e de lesividade; e o acórdão também aduziu que, na dúvida, eles deveriam ser encarados como impugnáveis.

Assim, as instâncias dissentiram sobre uma questão basilar em direito administrativo: trata-se de discernir o exacto sentido do art. 51º, n.º 1, do CPTA – ainda que, como é óbvio, isso deva fazer-se por referência ao tipo legal dos actos sob ataque, o qual consta do mencionado art. 4º, n.º 5.

É manifesto o relevo jurídico do assunto, que constantemente ressurge, embora com matizes diferenciados, em pleitos desta jurisdição. E, constatando-se que o resultado a que o TCA chegou não é isento de dúvidas – aliás, admitidas pelo próprio aresto recorrido que, por isso, mobilizou um critério subsidiário – justifica-se uma reapreciação superior do problema.

Nestes termos, acordam em admitir as revistas...”

6. Notificado o EMMP, ao abrigo do art. 146º, nº 1 do CPTA, foi emitido Parecer, pugnando pela improcedência dos recursos, donde se extrai:

“...Em regra não são contenciosamente impugnáveis os actos que informam, certificam ou mandam certificar situações jurídicas, na medida em que os mesmos, as mais das vezes, apenas encerram meras declarações de ciência, a transcrição ou reprodução do conteúdo de elementos documentais ou a comprovação de factos ou situações jurídicas estabelecidas.

Contudo, no caso dos autos, o que verdadeiramente se contém nas certidões em causa é uma pronúncia, requerida para efeitos do disposto no art. 4°, n.º 5 da Lei n.º 11/2011, de 26 de Abril (ponto 2 do elenco dos factos provados), definidora de uma situação jurídica de carácter limitativo, efectuada com base numa determinada interpretação de instrumentos legais, que a A. reputa ser ilegal, com inegável eficácia externa e com a susceptibilidade de lesar direitos e interesses legalmente protegidos, na medida em que pode inviabilizar, no âmbito do respectivo procedimento, a candidatura da A. à pretendida instalação de um CITV, no concelho do Porto.

Não constituem tais actos, como se refere no douto acórdão em revista, “certidões do tipo das previstas nos arts. 62.º e 63.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, aplicável à data da sua emissão, porque não se limitam a certificar documentos ou os elementos mencionados no artigo 63.º, n.º 1, alíneas a) a d), do referido Código”.

Com efeito, não é disso que se trata.

Ao falar em certidão, o que exige a norma do art. 4°, n.º 5, da Lei n.º 11/2011, para comprovação da capacidade técnica dos candidatos à instalação de CITVs, é uma pronúncia da câmara municipal respectiva atestando que o local em causa reúne as condições necessárias para a instalação de um centro inspecção. E essa pronúncia, que expressa uma decisão sobre a matéria, viabilizadora ou não do acesso à actividade de inspecção técnica de veículos, é acto administrativo dotado de eficácia externa e, como tal, passível, em princípio, de impugnação contenciosa, nos termos do art. 51°, n.º 1 do CPTA.

No caso, a pronúncia da CMP sobre se o local em causa reúne as condições necessárias para a instalação de um centro inspecção, corporizada nas aludidas certidões de 17.06.2013,16.01.2014 e 08.04.2014, é acto com conteúdo decisório que inquestionavelmente se projecta, com efeito inovatório, sobre a esfera jurídica da A. e que esta sustenta ser ilegal.

Acompanha-se, assim, sem embargo de melhor estudo da questão e com o devido respeito por opinião diversa, o entendimento vertido no douto aresto em revista sobre a impugnabilidade dos actos que ordenaram a passagem de certidão de teor contrário à pretensão da A., ora Recorrida.

Nesta conformidade, negando-se provimento aos recursos, deverá ser mantido o acórdão recorrido. É o meu parecer.”

7. Efectuadas as notificações deste Parecer, nos termos do art. 146º, nº 2, CPTA, vieram as Recorrentes responder.

8. Após os vistos legais, cumpre decidir.


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II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO (Factos fixados pelas instâncias)

“1) O Instituto de Mobilidade Terrestre abriu concurso para a instalação de três Centros de Inspecção de Veículos Automóveis no Porto, tendo as respectivas candidaturas de ser instruídas com uma certidão emitida pela Câmara Municipal do Porto que comprove, de modo claro e inequívoco, que o local proposto reúne as condições necessárias para o efeito e com uma planta de localização identificadora do respectivo terreno.

2) Para se candidatar a tal concurso, a Autora apresentou nos serviços competentes da Ré um requerimento (registo interno da CMP nº 54209/13/CMP), onde aduziu:

«[. . .) Candidato ao Concurso Público para abertura de Centro de Inspeção Automóvel e na qualidade de Promitente Comprador; vem por este meio requerer a V. Exa. que seja emitida Certidão nos termos do n° 5 do Artigo 4° da Lei 11/2011 de 26 de Abril e do Decreto Lei 26/2013 de 19 de Fevereiro, em como o terreno localizado na Rua ……… reúne as condições necessárias para instalação de um centro de inspeção.

A implantação do Edifício irá cumprir com todos Requisitos Legais e Regulamentos Aplicáveis».

3) Em 17 de Junho de 2013, o Réu Município do Porto emitiu “certidão” com o seguinte conteúdo:

“…………, Assistente Técnico, CERTIFICO, de harmonia com o despacho da Senhora Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos, Arq.ª …………, de dezassete de junho de dois mil e treze, exarado do requerimento de B…………, Lda., registado sob o número trinta e nove mil duzentos e quarenta de dois mil e treze, para os devidos efeitos, ao abrigo do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código do Procedimento Administrativo e nos termos da alínea e), do n.º 5 da secção I, despacho n.º 3477/2013, de 5 de Março, que para o terreno assinalado na planta em anexo, se encontram reunidas as condições para instalação de um CITV.

Mais se certifica que, de acordo com o disposto nos artigos D-3/7.º e D-3/8.º do Código Regulamentar do Município do Porto e com o definido na Carta de Hierarquia da Rede Rodoviária que constitui parte integrante do Plano Diretor Municipal do Porto, o local em apreço, por ser exclusivamente servido por um Eixo Urbano Complementar ou Estruturante local, para um possível CITV a instalar neste local, apenas será possível a prestação de serviços a veículos ligeiros» (fl. 28 do suporte físico do processo).

4) Em 8 de Abril de 2014, o Réu emitiu “certidão” com o seguinte teor:

“…………, Assistente Técnica, CERTIFICO, de harmonia com o despacho da Senhora Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos de 2014/04/08, exarado no requerimento de B…………, Lda, registado sob o número trinta e oito mil trezentos e quarenta e sete de dois mil e quatorze, e ao abrigo do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código do Procedimento Administrativo, que conforme já foi anteriormente certificado pela Câmara Municipal do Porto, certidão esta comunicada ao requerente bem como ao IMT, em devido tempo, o terreno em causa encontra-se localizado dentro da Zona I, que consta no Anexo D do Código Regulamentar do Município do Porto, zona esta que, nos termos dos artigos D-3/7º e D-3/8°, se considera como sendo uma zona com fortes restrições ao trânsito de veículos pesados.

Foi também emitido, sob a forma de certidão, quais os critérios utilizados pelo Município para a possibilidade de instalação de CITV's que prestassem a veículos ligeiros e os que poderiam prestar serviços a veículos ligeiros e pesados, sendo certo que para o terreno em causa, não se encontram reunidas as condições para a instalação de um CITV que preste serviços a veículos ligeiros e pesados. Assim, e com base nestes critérios, certifica-se que para o terreno em causa, sito na Rua …….. / ………, devidamente assinalado na planta anexa, à escala 1/1000, apenas poderá ser instalado um CITV que preste serviços a veículos ligeiros, na medida em que o terreno em causa se encontra dentro da Zona I, que consta no Anexo D do Código Regulamentar do Município do Porto, zona esta que, nos termos dos artigos D-3/7° e D-3/8°, se considera como sendo uma zona com fortes restrições ao trânsito de veículos pesados.

À presente certidão junto se anexam cópias da planta que consta do Anexo D do CRMP e da planta de trabalho à escala 1/1000, que numero e rubrico, num total de duas (2) folhas” - documento de fls. 30 do suporte físico do processo.

5) Em 16 de Janeiro de 2014, o Réu Município do Porto emitiu uma "certidão” com o seguinte teor:

“…………, Assistente Técnica, CERTIFICO, de harmonia com o despacho da Senhora Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos de 2014/01/16, exarado no requerimento de A…………, Lda, registado sob o número quatro mil quatrocentos e quarenta e seis de dois mil e quatorze, e ao abrigo do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código do Procedimento Administrativo, que:

O requerente, na qualidade de concorrente e interessado, no âmbito do Procedimento Concursal para a atribuição de novos Centros de Inspeção Técnica de Veículos [CITVs], solicita-nos o esclarecimento e a posição da Câmara Municipal do Porto, em relação a determinadas matérias, nomeadamente no que se refere ao teor da certidão emitida para o requerente B…………, Lda., relativa a um prédio sito na rua do ………, com o n.º de candidatura 2013051802600000028, e junta para o efeito planta de localização apresentada pela requerente, para efeitos de candidatura junto do IMT. O requerente pretende ver esclarecido o facto da certidão emitida pela CMP ser válida para CITV da categoria B ou apenas para CITV da categoria A.

Antes de mais, importa ressalvar que, a estratégia definida pela Câmara do Porto relativamente é possível instalação de CITV, e quais os tipos de veículos a que os mesmos poderiam prestar serviços, teve por base critérios urbanísticos e fundamentalmente a hierarquia da rede rodoviária, que faz parte integrante do Plano Diretor Municipal.

A definição desta estratégia foi transversal à Direção Municipal do Urbanismo e à Direção Municipal da Via Pública, na medida em que, para além das condicionantes da estrutura viária, existe no Município uma área devidamente identificada e publicada em regulamento interno, com restrições à circulação de veículos pesados.

Assim sendo, para além desta área com fortes restrições ao trânsito de veículos pesados, a CMP definiu ainda que não autorizaria a instalação de CITV em terrenos que não fossem serviços diretamente por um Eixo Urbano Estruturante de Articulação Intermunicipal, devidamente identificados na carta de hierarquia da rede rodoviária.

Ou seja, definiu-se que seria admissível a instalação de CITV apenas para veículos ligeiros, quando diretamente servidos por Eixos Urbanos Complementares ou Estruturantes Locais e admissível a Instalação de CITV para veículos ligeiros e pesados, quando diretamente servidos por Eixo Urbano Estruturante de Articulação Intermunicipal.

No caso em apreço, a CMP emitiu para a requerente B…………, Lda., relativa a um prédio sito na rua do ………, com o n.º de candidatura 2013051802600000028, uma certidão que atesta que para o local em questão apenas será permitida a Instalação de um CITV para veículos ligeiros, tendo em conta que o mesmo se encontra localizado na Zona definida no Código Regulamentar do Município do Porto, nos termos dos artigos D-317° e D-318°, como zona interdita ao trânsito de veículos pesados.

A certidão emitida foi atempadamente enviada ao requerente e ao IMT, para conhecimento, pelo que mais uma vez se reforça que, para o local em questão, nunca a Autarquia poderá viabilizar a instalação de um CITV para veículos ligeiros e pesados, sendo apenas possível a instalação de um CITV para veículos ligeiros» - doc. de fls. 25 e 26 do suporte físico do processo”.


*

III. O DIREITO

Alegam os recorrentes que a decisão recorrida padece de erro já que os actos impugnados, contrariamente ao decidido, não são impugnáveis.

E, invocam a seu favor, para além da decisão de 1ª instância do TAF do Porto, a existência de um acórdão do mesmo TCAN no âmbito do processo n.º 1407/14.1BEPRT, contrário ao acórdão aqui recorrido.

A autora e aqui recorrida, na acção interposta no TAF do Porto contra o Município do Porto, veio impugnar três certidões, correlativas informações e os despachos que ordenaram a passagem das mesmas e em que se refere que o local identificado nos autos não reúne as condições para a instalação de um Centro de Inspeções (CITV) para veículos ligeiros e pesados.

O TAF do Porto entendeu que:

“...No caso sub judice, os serviços do réu, ao “ informar” nos termos em que o fizeram, não emitiram qualquer acto administrativo ou decisão materialmente administrativa, na medida em que não definiram qualquer situação jurídica ou produziram qualquer efeito jurídico. Veicularam uma informação, corporizada em certidão, que os seus destinatários aproveitarão como e para os efeitos que quiserem...”

Por sua vez a decisão recorrida entendeu que:

...Apesar de nada mais acrescentarem, nesse “certifique-se” está contida uma ordem de certificar segundo a informação prestada pelos serviços chefiados pela autora dos actos...

Reportando-nos ao caso concreto, as três certidões emitidas por ordem da Chefe de Divisão de Gestão de Procedimentos Urbanísticos da Câmara Municipal do Porto não constituem certidões do tipo das previstas nos artigos 62º e 63º do Código de Procedimento Administrativo de 1991, aplicável à data da sua emissão, porque não se limitam a certificar documentos ou os elementos mencionados no artigo 63º, nº 1, alíneas a) a d), do referido Código.

Vão mais longe e contêm uma decisão sobre uma questão que produz efeitos jurídicos na esfera da Autora, ou seja, o sentido da decisão ínsita nas certidões determina a possibilidade ou impossibilidade da Autora concorrer à instalação de um Centro de Inspecção de Veículos Automóveis no concelho do Porto, por isso, as três ordens de emissão das três certidões juntas aos autos são actos administrativos impugnáveis, tal como definidos no artigo 51º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos,..

Conclui-se, como tal, que os três actos administrativos que ordenam a passagem de certidão de teor contrário à pretensão da Autora exprimem três resoluções que determinam a impossibilidade desta poder reunir os pressupostos para ser admitida ao concurso de instalação de três Centro de Inspecção Técnica de Veículos na região do Porto, por isso, são decisões com eficácia externa, ou seja, cujo conteúdo projecta efeitos jurídicos para o exterior, logo são impugnáveis.

Impõe-se, por isso, revogar o saneador-sentença recorrido e julgar improcedente a excepção peremptória da impugnabilidade dos três actos administrativos.”

Então vejamos.

Nos termos do nº 1 do artigo 51º do CPTA, na redacção aqui aplicável, são impugnáveis “ainda que inseridos num procedimento administrativo (…), os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ou seja, os actos impugnáveis são actos com eficácia externa, isto é, são aqueles que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares, o que leva a excluir do conceito, desde logo, os actos internos, que se inscrevem no âmbito das relações inter-orgânicas ou das relações de hierarquia e que apenas indirectamente se poderão reflectir no ordenamento jurídico geral.

A eficácia externa é, assim, a tónica do acto contenciosamente impugnável, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.

Compreendem-se no conceito legal de “acto impugnável” todos os actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos assim como os que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjectivos e de interesses legalmente protegidos, são dotados de eficácia externa.

Sendo que esta “eficácia externa”, não tem de ser actual, podendo ser potencial desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos (arts. 51.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1, al. b) do CPTA).

A este propósito extrai-se das considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável de Mário Aroso de Almeida, em Estudos em Homenagem ao Professor Marcello Caetano, Vol. II, a propósito do art. 51º do CPTA, na redacção aqui em vigor:

“ (…) A nosso ver, uma parte significativa dos actos que, tradicionalmente, não eram tidos, deste modo, como impugnáveis por carecerem de definitividade material, deve, hoje, entender-se que não são impugnáveis porque se encontram, desde logo, excluídos do próprio conceito de acto administrativo que resulta do artigo 120.º do CPA, na medida em que, como vimos, nele se faz apelo expresso ao conceito de decisão — elemento que, em bom rigor, se encontrava, a nosso ver, ínsito na definitividade material do acto administrativo, que supunha, quanto a nós, o conteúdo decisório do acto.

Para que um acto jurídico defina situações jurídicas, é, na verdade, condição necessária, embora não suficiente, que ele possua um conteúdo decisório, não se esgotando na emissão de uma declaração de ciência, um juízo de valor ou uma opinião ( ). O acto materialmente definitivo exprimia, portanto, uma resolução que determinava o rumo de acontecimentos ou o sentido de condutas a adoptar. O acto materialmente definitivo continha, portanto, uma decisão. (...)

Ora, é neste plano que, a nosso ver, devem ser colocadas as questões atinentes à eficácia externa ou interna dos actos administrativos, para o efeito de se assumir o princípio de que só os actos com eficácia externa podem ser impugnados por pessoas externas àquela que os emitiu. Com o que se reconhece que a questão da eficácia externa, enquanto requisito de impugnabilidade, é indissociável do estatuto de quem impugna, já que, em bom rigor, é um requisito que o acto só tem de preencher para o efeito de poder ser impugnado por quem não se encontre integrado na estrutura da própria entidade que o emite.

Na verdade, a partir do momento em que se admite que também os actos internos podem ser impugnados, apenas lhes faltando o requisito — da eficácia externa — necessário para que essa impugnação possa ser deduzida por pessoas externas àquela no âmbito da qual eles foram emitidos, haverá que reconhecer que o referido requisito não é, em absoluto, um requisito de impugnabilidade desses actos, mas apenas da sua impugnabilidade por essas pessoas — e, portanto, que a eficácia externa, embora se reporte à natureza dos efeitos que o acto visa produzir (…), é um atributo do acto administrativo cuja questão da existência, para efeitos contenciosos, por se situar no plano da relação que, em concreto, se estabelece entre o acto e os seus destinatários (poderia dizer-se, portanto, na relação estatuição — objecto), deve ser colocada, com vantagem, no plano da identificação, em termos de legitimidade processual, dos tipos de situações em que as diferentes entidades legalmente legitimadas para o efeito podem lançar mão da impugnação contenciosa (…).(fls 284 a 287).”

Este art. 51.º do CPTA, aqui aplicável, abriu caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de actos procedimentais desde que dotados de eficácia externa e não apenas àqueles que ponham fim ou termo ao procedimento ou incidente, abandonando, enquanto requisito de impugnabilidade contenciosa, o conceito da “definitividade horizontal”.

Ou seja, para que um acto administrativo possa ser considerado impugnável, os efeitos que ele se destina a introduzir na ordem jurídica têm de ser susceptíveis de se projectar na esfera jurídica de qualquer entidade, privada ou pública de forma a que esta tenha um efeito útil na sua remoção da ordem jurídica.

Pelo que, o critério de impugnabilidade é o da eficácia externa.

Atenhamo-nos ao caso sub judice.

Nos termos do nº 5 do art. 4º do Lei 11/2011 de 26/4:

“... Para efeitos de comprovação da capacidade técnica o interessado apresenta, perante o IMTT, I. P., um projecto de centro de inspecção técnica de veículos, donde constem as respectivas características técnicas, incluindo localização e respectivos acessos, instalações, circulação e sinalização, equipamentos, organização, recursos humanos e certidão emitida pela respectiva câmara municipal comprovativa de que o local reúne as condições necessárias para instalação de um centro de inspecção.”

Ora, como resulta deste preceito, o que se exige é uma certidão que consubstancie uma pronúncia sobre se o local reúne ou não as condições necessárias para a instalação de um centro de inspecção.

Pronúncia essa que, no caso concreto, está corporizada nos despachos contidos nas aludidas certidões de 17.06.2013,16.01.2014 e 08.04.2014, que por isso têm conteúdo decisório que se projecta, com efeito inovatório, sobre a esfera jurídica da A. e que a aqui recorrida sustenta serem ilegais.

E não se diga, como o faz o TAF do Porto e acórdão do TCAN de 21/4/2016, no âmbito do processo n.º 1407/14.1BEPRT, que se trata de uma mera informação, sem conteúdo decisório, corporizada numa certidão.

É certo que os despachos de actos que informam, certificam ou mandam certificar situações jurídicas, na medida em que os mesmos apenas encerrem meras declarações de ciência, transcrição ou reprodução do conteúdo de elementos documentais ou a comprovação de factos ou situações jurídicas estabelecidas não são inovatórios e, por isso, não têm a externalidade e conteúdo decisório que se exige para a sua impugnabilidade.

Mas, os concretos despachos de “Certifique-se” implicam uma aderência ao sentido veiculado numa informação, aderência essa que se traduz numa pronúncia de que determinado local reúne determinadas condições.

Ou seja, no procedimento administrativo em causa, face a uma informação dos serviços no sentido de que determinado local reunia certas condições, a Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos, aderindo a esse entendimento, proferiu os despachos “Certifique-se”.

Os serviços não se limitaram, pois, a certificar uma informação ou documento existente num qualquer procedimento, mas antes fizeram uma interpretação da lei adaptada a um concreto caso.

Tanto assim que de início fizeram uma determinada interpretação que veicularam numa certidão e depois fizeram uma interpretação contraditória que conduziu aos actos incorporados nas certidões aqui em causa.

Pelo que, as referidas certidões, todas elas, contêm um prévio despacho que manifesta o entendimento de que o local não reúne as condições necessárias para a instalação de um centro de inspecção, contrariamente a entendimento anterior, que conduziu a que autora e aqui recorrida se candidatasse à instalação de um Centro de Inspecção Técnica de Veículos e até fosse a escolhida nesse concurso.

A forma de certidão é a exigida nos termos do referido preceito, mas pressupõe sempre um acto num determinado sentido.

Alias, na própria petição está pressuposta a impugnação dos referidos despachos contidos nas referidas certidões “...Assim sendo: 92. As certidões /informações/ despachos de ... padecem dos vícios acima descritos...” terminando a mesma por pedir:

“...a presente acção deve ser julgada e procedente e em consequência deve ser declarada a nulidade ou anulabilidade dos actos de 17/06/2013; 16/01/2014 e 08/04/2014...”.

Não há dúvida, pois, que cada uma das três certidões juntas não se resume a uma mera certidão para os efeitos dos artigos 62º e 63º do CPA, mas antes incorpora cada uma delas um despacho da Senhora Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos de 17/06/2013, 08/04/2014 e de 16/01/2014, respectivamente, sendo que cada um desses despachos se traduzem em três resoluções que determinam a impossibilidade da aqui recorrida reunir os pressupostos para ser admitida ao concurso de instalação de três Centros de Inspecção Técnica de Veículos na região do Porto, e, por isso, são decisões com eficácia externa, susceptíveis de serem impugnadas contenciosamente.


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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento aos recursos.

Custas pelos recorrentes.

Notifique.

Lisboa, 15 de Março de 2018. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos - Carlos Luís Medeiros de Carvalho.