Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:052/20.7BALSB
Data do Acordão:03/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
NÃO RESIDENTE
JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
MÉRITO
Sumário:Não há que conhecer do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência de decisão arbitral se, não obstante a existência de contradição entre as decisões, a orientação perfilhada na decisão recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
Nº Convencional:JSTA000P27415
Nº do Documento:SAP20210324052/20
Data de Entrada:06/11/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA veio, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 25.º, n.º 2 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações efetuadas pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa em 23 de março de 2020, no processo n.º 593/2019-T CAAD, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado por A………………, com o número de identificação fiscal ……….. e com domicílio indicado em … …………., …… …………., França e, em consequência, declarou a ilegalidade do despacho de indeferimento proferido na reclamação graciosa com o n.º 3476201804002539, praticado pela Direção de Finanças de Braga, anulou a liquidação de IRS de 2017 n.º 20185005409122 e dos respectivos juros compensatórios, nos montantes de € 9.505,40 e de € 69,79, respectivamente, e condenou a Requerida a pagar à Requerente os juros indemnizatórios.

Invocou contradição entre essa decisão e a decisão arbitral proferida no processo n.º 539/2018-T, de 22 de Abril de 2019.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. O Acórdão arbitral recorrido (593/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “(…) i a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade do despacho de indeferimento proferido na reclamação graciosa com o n.º 3476201804002539, praticado pela Direção de Finanças de Braga, relativamente à Liquidação de IRS de 2017 n.º 20185005409122 da Requerente; b) Anular a Liquidação de IRS de 2017 n.º 20185005409122, e respetiva liquidação de juros compensatórios, no montante de € 9.505,40, e de € 69,79, respetivamente; (…).”

B. E sustenta o referido acórdão arbitral que

O artigo 18.º do TFUE prevê o princípio geral da proibição da discriminação: “No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.” O n.º 1 do artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º TCE) estabelece o princípio da livre circulação de capitais: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.” A Requerente vem arguir a desconformidade da tributação das mais-valias obtidas com a legislação da União Europeia, mais precisamente com esta disposição. No Acórdão “Hollmann”, o TJUE decidiu que: “O artigo 56.º CE [actual artigo 63.º do TFUE] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.” Mais recentemente, no despacho de 6 de setembro de 2018, proferido no processo C184/18 6 , o TJUE (7.ª secção) veio confirmar o juízo de incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o direito da União Europeia, neste caso aplicado também a residentes em Estados terceiros: “Uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.°, n.° 1, TFUE.”
Dúvidas não restam sobre o juízo de incompatibilidade da redação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o direito da União Europeia que dela fazem a jurisprudência do TJUE. Refira-se que o despacho do TJUE supra citado, à semelhança do acórdão Hollmann, foram proferidos relativamente às disposições do Código do IRS na redação em vigor anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, ou seja, antes do aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais n.ºs 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS. Com o aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais n.ºs 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS, veio permitir-se que, tanto residentes como não residentes, beneficiem do regime previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, desde que optem pelo englobamento dos rendimentos obtidos tanto em Portugal como fora deste território. Assim, resta saber se o juízo de discriminação do TJUE sobre a previsão normativa do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS será de afastar com o aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 pela Lei n.º 67-A/2007, de 31.12 (atuais números 9 e 10), como pretende a Requerida. A jurisprudência do TJUE tem entendido que a existência de um regime opcional, que permite a aplicação do regime fiscal dos residentes aos não residentes, não deverá ser considerada relevante na análise do efeito discriminatório da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes. Neste sentido, vide Acórdão de 18 março de 2010, proferido no processo C-440/08 (“Acórdão Gielen”) (…).”

C. Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:

14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto: a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais- valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.

b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.

15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.

16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.

17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.

18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.

19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado “in toto”, como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.

19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.

20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.

D. Concluindo o Acórdão fundamento que:

20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56.

(…)

Termos em que se decide:

a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.

b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)”

E. Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.

F. Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:

as situações de facto sejam substancialmente idênticas;

haja identidade na questão fundamental de direito;

se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,

a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

G. As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.

H. Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou.

I. Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes.

J. As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.

K. Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.

Pediu que o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência fosse aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, fosse revogada a decisão arbitral recorrida e fosse a mesma substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

1.2. O recurso foi admitido com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida não contra-alegou.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público teve vista dos autos e emitiu douto parecer no sentido de ser admitido o recurso e que a oposição de julgados arbitrais fosse decidida através da prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência nos seguintes termos:

- O regime de tributação das mais-valias obtidas por não residentes em território nacional previsto no nº1 do artigo 72º do CIRS, que prevê a sua tributação na totalidade com a taxa de 28%, é violador do princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrado no artigo 63º, nº1, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se revelar discriminatório em relação ao regime aplicável aos residentes, que beneficiam da redução em 50% da matéria tributária, nos termos do nº2 do artigo 43º do CIRS, e sem que a opção conferida aos não residentes nos nºs 8 e 9 (atuais nºs 14 e 15) do art. 72º do CIRS seja suscetível de excluir os efeitos discriminatórios desse regime.

Consequentemente, julgar-se improcedente o recurso da Fazenda Pública e confirmar-se a decisão arbitral recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


◇◇◇


2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

a. Em 2017, a Requerente era residente fiscal em França, na … ………….,, ……. ……….., França.

b. Nesse ano, a Requerente alienou a sua quota-parte, correspondente a 50%, que detinha na qualidade de herdeira da herança aberta por óbito de seu pai B………..…….., relativamente a quatro imóveis, localizados em Portugal, no distrito de Braga, freguesia de Pinheiro, concelho de Guimarães identificados sob os seguintes artigos matriciais: i) Rústico – artigo 301; ii) Urbano – artigo 40; iii) Urbano - artigo 102; e iv) Urbano – artigo 138, todos descritos na conservatória do registo predial de Guimarães sob o n.º 751.

c. A Requerente submeteu em 07-08-2018 a sua Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao ano 2017, com o Anexo G – “Mais-Valias e outros Incrementos Patrimoniais”.

d. Na referida Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS, a Requerente enquadrou-se como não residente em Portugal, sendo residente na União Europeia e optando pela tributação de acordo com o regime geral: [segue imagem, aqui dada por reproduzida].

e. Tendo declarado no Anexo G os seguintes valores: [segue imagem, aqui dada por reproduzida].

f. A requerente foi notificada da liquidação de IRS referente a 2017 com o n.º 20185005489122 emitida pela Autoridade Tributária, datada de 10-08-2018, com prazo de pagamento até dia 24-09-2018: [segue imagem, aqui dada por reproduzida].

g. A requerente procedeu ao pagamento da quantia de €9.575,19 em 23-09-2018.

h. Em 21-12-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação supra identificada, junto da Direção de Finanças de Lisboa – Serviço de Finanças de Lisboa-3, com fundamento na sua ilegalidade por violação do princípio da discriminação resultante da tributação da totalidade da mais-valia sobre bens imóveis, que auferiu em Portugal em 2017.

i. A Requerente foi notificada em 21-05-2019, mediante Ofício n.º 700.01016 da Direção de Finanças de Braga– Divisão de Justiça Tributária, datado de 20-05-2019, para exercício de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT, relativamente ao projeto de indeferimento da reclamação graciosa com os seguintes fundamentos: [segue imagem, aqui dada por reproduzida]

j. A Requerente não exerceu audição prévia, tendo sido proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, que lhe foi notificado em 14-06-2019, mediante Ofício n.º 700.01228 da Direção de Finanças de Braga– Divisão de Justiça Tributária, datado de 13-06-2019.

k. Não se conformando com o despacho de indeferimento, a Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD em 10-09-2019.



2.2. A decisão arbitral fundamento fixou a seguinte matéria de facto: «(...)

1. O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;

2. O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).

3. Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

4. E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

5. Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:

3.1 - Fracção autónoma designada pela letra …., a que corresponde o ………….., destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua …………….. ….., n.º ….. Letras …….., freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo 807 (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de € 255,000,00 (Doc. 3).

A referida fracção havia sido adquirida pelo preço de € 90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).

3.2 - Fracção autónoma designada pela letra …., a que corresponde o ………….., destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua …………, n.º …, em Alcântara, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 539 (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de € 155,000,00 (Doc. 5).

A referida fracção havia sido adquirida pelo preço de € 55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4).

3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de € 21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de € 19.805,40.

3.4 - Rendimentos prediais de € 4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas fracções autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.

6. A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de € 46.551,36 (Doc. 7), posteriormente rectificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de € 47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de € 483,20 (Doc.8).

7. O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 46.551,31 em 24-08-2018 e também de € 483,20 na mesma data, num total de € 47.034,56 (Doc.s 9 e 10).

8. Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e colectável de € 167.980,58 e a colecta de €47.034,56 (à taxa de 28%).

9. O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 46.551,31 e também de € 483,20, num total de € 47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10)».


◇◇◇


3. Dos fundamentos de Direito

O presente recurso tem por fundamento a oposição entre decisões arbitrais e o disposto no n.º 2 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”) e no artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”).

Pelo que constitui requisito da admissibilidade do recurso que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – n.º 3 do artigo 152.º do CPTA.

Na decisão arbitral recorrida foi identificada como questão a decidir a de saber se a não aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS a residentes noutro Estado-Membro da União Europeia violava os princípios da não discriminação e da liberdade da circulação de capitais, previstos nos artigos 18.º e 63.º do TFUE, considerando o aditamento ao artigo 72.º do mesmo Código dos n.ºs 7 e 8 pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.

E foi decidido que «a norma prevista do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS é contrária à liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE» e que a existência de um regime opcional de equiparação dos não residentes a residentes não afasta a invalidade do regime.

Ora, esta decisão encontra-se em plena sintonia com orientação mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria (ver os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo proferidos nos processos n.º 75/20.6BALSB, n.º 64/20.0BALSB, que consolidaram o entendimento – já antes consagrado em Acórdãos da Secção – segundo o qual o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, ou, na outra versão, «I- Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo. II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termos do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa».

Estando a decisão recorrida em plena sintonia harmonia com esta jurisprudência do STA, que entretanto se consolidou, e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito.


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4. Conclusão

Não há que conhecer do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência de decisão arbitral se, não obstante a existência de contradição entre as decisões, a orientação perfilhada na decisão recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela RECORRENTE.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Assinado digitalmente pelo Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 24 de março de 2021

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.