Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0493/11
Data do Acordão:09/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
INCOMPATIBILIDADE
DESPACHO DE REVERSÃO
ARGUIÇÃO DE VÍCIOS
Sumário:A petição inicial de oposição à execução fiscal apresentada não é inepta por cumulação de causas de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis quando da sua análise global ressalta que a autora invoca como único fundamento do pedido formulado – a extinção da execução fiscal – o vício da fundamentação do despacho de reversão, sendo que a arguição de vícios que afectam o despacho que ordena a reversão constitui fundamento de oposição.
Nº Convencional:JSTA00067140
Nº do Documento:SA2201109070493
Data de Entrada:05/17/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART98 ART165 ART203 ART204
LGT98 ART21 ART22 ART97
CPC96 ART193
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1059/02 DE 2003/02/19; AC STA PROC22048 DE 1997/12/10; AC STA PROC629/09 DE 2009/09/30
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VII PAG910
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, residente em …, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Penafiel que julgou improcedente a oposição por si deduzida contra a execução fiscal instaurada contra a sociedade “B…,” por dívidas de IVA, IRC e IRS dos exercícios de 2002 a 2005, e contra si revertida, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
A) Por despacho da AF foi ordenada a reversão da execução fiscal previamente instaurada contra a sociedade “B…, contra a recorrente.
B) A recorrente opôs-se à execução fiscal contra si revertida, com fundamento no vício da fundamentação do despacho que ordenou a reversão, vício que pode ser suscitado em sede de oposição.
C) A Fazenda Pública em sede de contestação proclama a improcedência da oposição, por considerar que a oponente invocou a nulidade da citação, que nos termos do art.º 204.º do CPPT não constitui fundamento de oposição à execução.
D) O Ministério Público pronunciou-se no mesmo sentido.
E) O Tribunal a quo fazendo tábua rasa da causa de pedir que sustenta o pedido da recorrente conclui que a oponente cumula pedidos incompatíveis entre si o que acarreta a nulidade de todo o processo.
F) Todos os intervenientes (Fazenda Pública, MP e Tribunal a quo) laboram num erro crasso.
G) De facto, de todo o articulado que fundamenta o pedido formulado pela recorrente na oposição à execução não emerge um único facto capaz de integrar a alegada invocação de nulidade da citação.
H) A recorrente sustenta o pedido de extinção da execução fiscal num único fundamento – vício da fundamentação do despacho de reversão.
I) Não tendo sido invocados pedidos incompatíveis entre si (mas um único pedido, assente num único argumento) deverá concluir-se pela inexistência da excepção dilatória de erro na forma de processo e, em consequência, determinar-se a prossecução dos autos.
J) A sentença em recurso violou o disposto nos artigos 23.º, n.º 2 e 77.º da LGT, bem como os art.ºs 99.º e 125.º, n.º 1 do CPPT.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo ser revogada a decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – É do seguinte teor o trecho da decisão recorrida que aqui interessa:
«(…)
Questão prévia:
Em sede de contestação o Ilustre Representante da Fazenda suscitou em síntese que o conhecimento das nulidades da citação não constitui fundamento de oposição e que a oposição não é o meio próprio para discutir a questão inerente ao despacho de reversão.
Tendo o Digno Magistrado do Ministério Público entendido que estamos perante a excepção dilatória de erro na forma de processo, com a consequente absolvição da Fazenda Pública da instância e a improcedência da oposição.
Cumpre apreciar:
Nos termos do art.º 21.º da Lei Geral Tributária (LGT), a responsabilidade tributária recai sobre os sujeitos passivos originários e pode abranger, solidária ou subsidiariamente, outras pessoas.
As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhe foi atribuída nos mesmos termos do devedor principal devendo, para o efeito, a notificação ou a citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais – art.º 22.º, n.º 4 da LGT.
A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal – art.º 23.º, n.º 1 da LGT.
Nos termos do n.º 2 deste preceito legal, a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
Nos termos do art.º 203.º, n.º 1, al. a) do CPPT, a oposição à execução fiscal deve ser apresentada no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora.
A oposição à execução só pode ter por fundamento qualquer um dos motivos previstos no art.º 204.º do CPPT.
Os fundamentos aí previstos são taxativos e visam, em regra, a extinção da execução.
A nulidade da citação para a execução fiscal não serve de fundamento à respectiva oposição devendo ser arguida no processo executivo que prosseguirá depois de suprida a nulidade (Ac. do STA de 28/2/2007, processo 0803/04).
A decisão nela proferida é depois passível de reclamação nos termos previstos nos artigos 276.º e seguintes do CPPT.
Nos termos do artigo 165.º, n.º 1, al. a) do CPPT, a falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado, constitui uma nulidade insanável do processo de execução fiscal.
A nulidade desse acto tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente, é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final – art.º 165.º, n.º 2 e n.º 3 do referido diploma legal.
Acontece que a nulidade da citação só constitui nulidade insanável se puder prejudicar a defesa do interessado.
A impugnação contenciosa do despacho de reversão deve ser efectuada no processo de oposição.
De facto, o despacho de reversão com os fundamentos invocados pela Oponente deve ser impugnado nos termos do art.º 204.º, n.º 1, b) do CPPT.
É esse o sentido actual da jurisprudência que tem vindo a entender que «é a oposição à execução fiscal e não o processo de impugnação judicial ou de reclamação previsto no art.º 276.º do CPPT o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento no não exercício da gerência de facto ou de direito da sociedade originária e na existência de culpa na insuficiência do património, fundamento este que se enquadra na alínea a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.
Tendo o contribuinte utilizado o processo de impugnação, só é possível a convolação se a petição inicial tiver sido apresentada no prazo da oposição» (Ac. do STA de 4/6/2008, 25/6/2008 e de 19/11/2008, proferidos nos recursos 076/08, 0123/08 e 0711/08).
«O responsável subsidiário pode impugnar a liquidação de imposto cuja responsabilidade lhe é atribuída e/ou opor-se à execução que contra ele reverteu, mas não pode fazê-lo indiferentemente por um ou outro meio consoante o que mais lhe convier, pois a cada direito corresponde o meio processual adequado para o fazer valer em juízo.
O meio processual adequado para reagir contra o despacho de reversão com fundamento na ilegalidade do executado … é a oposição à execução fiscal (art.º 204.º, n.º 1, b) do CPPT)» (Ac. do STA de 30/9/2009, recurso 0626/09).
Acresce que o oponente cumulou na petição inicial pedidos relativos ao processo de oposição – ilegitimidade por inexistência dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e falta de fundamentação do despacho de reversão – com um pedido relativo ao processo de execução fiscal – nulidade de citação.
Nos termos do artigo 193.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
«Cumulando o … na petição inicial pedidos a que correspondem formas processuais diferentes, o processo é nulo – art.º 193.º do CPC.
Sendo entendimento da jurisprudência que, havendo cumulação de causas de pedir e/ou pedidos, deve considerar-se sem efeito o pedido ou causa de pedir para o qual o processo não é adequado.
Neste sentido, o Acórdão do TCA Sul de 12.01.2010 (proc. 3457/09) onde se pode ler que “é impeditivo da convolação a circunstância de terem sido deduzidas distintas causas de pedir e/ou pedidos, sendo diferentes, para uns e outros, as formas processuais adequadas, na medida em que, sendo o processo introduzido em juízo, apto à apreciação de algumas delas, não cabe ao juiz decidir que deverão ser umas e não outras as que deverão ser apreciadas, com a inerente imposição da convolação da espécie processual”.
E ainda o Acórdão do mesmo Tribunal de 09.03.2010 “1. É incontestável a possibilidade, em tese, no âmbito da justiça tributária, de se ordenar a correcção do processo, quando o utilizado não se mostrar adequado segundo a lei, com o apoio e ao abrigo do disposto nos art.ºs 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 do CPPT, ou seja, é potencialmente viável convolar um processo em outro tipo diferente, respeitadas algumas condicionantes legais e doutrinais.
2. Não sendo, geneticamente, impossível convolar uma petição de oposição à execução fiscal em requerimento a esta dirigido, por exemplo, para arguir falta de citação do executado, tendo sido invocado um típico fundamento do processo de oposição (prescrição da dívida exequenda) a par da alegação da não efectivação daquela diligência, mostra-se impossível cindir a respectiva petição inicial em duas, para permitir convolar a parte dela onde se aduz a falta de citação num requerimento dirigido à apreciação e decisão do órgão da execução fiscal”.
«Trata-se de uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância» (Ac. do STA de 25/11/2009, recurso 0923/09).
Diz-se inepta a petição quando se cumulam causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis – art.º 193.º, n.º 2, c) do CPC.
Ora, o pedido consiste no efeito jurídico que se pretende obter com a acção.
A causa de pedir traduz-se no facto jurídico de que procede o pedido.
Nos termos do artigo 98.º, n.º 1, a) do CPPT, são nulidades insanáveis no processo judicial tributário a ineptidão da petição inicial.
Essa nulidade pode ser conhecida oficiosamente ou deduzida a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final e tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependem absolutamente – art.º 98.º, n.º 2 e n.º 3 do CPPT.
Estamos, assim, perante uma ineptidão da petição inicial, por terem sido cumuladas causas de pedir e pedidos substancialmente incompatíveis, o que acarreta a nulidade de todo o processo.
Esta nulidade subsiste ainda que um dos pedidos fique sem efeito por erro na forma do processo, nos termos dos artigos 193.º, n.ºs 1, 2, c) e 4 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, al. e) do CPPT.
Não se mostra viável convolar o processo de oposição em incidente perante o órgão de execução fiscal face ao teor do citado art.º 193.º do CPC, n.ºs 1 e 2, c) e 4, aplicáveis por força do disposto no art.º 2.º, e) do CPPT.
Acompanhando a doutrina, «será de afastar a convolação no caso de haver erro na forma de processo quanto a algum dos fundamentos, mas não quanto a outros.
A correcção do erro na forma de processo só é possível quando todo o processado passe a seguir a tramitação adequada.
Por isso, se o processo de oposição à execução fiscal tem de prosseguir por ter sido invocado algum dos fundamentos de oposição à execução fiscal, estará afastada a possibilidade de convolação» (Lopes de Sousa, CPPT, II, 2007, 372).
Não existe qualquer outra questão prévia ou excepção dilatória.
Estamos perante uma excepção dilatória de erro na forma de processo que gera a consequente absolvição da Fazenda Pública da instância e a improcedência da oposição.
III – Decisão
Pelo exposto, julga-se a oposição deduzida por A… totalmente improcedente, mantendo-se a execução.
Custas pela Oponente.
Notifique e registe.
Penafiel, 04.03.2011».
III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF de Penafiel que, considerando existir ineptidão da petição inicial, por cumulação de causas de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis, julgou totalmente improcedente a oposição deduzida pela ora recorrente.
Alega esta que, contrariamente ao que se refere na decisão recorrida, de todo o articulado que fundamenta o pedido por si formulado na oposição à execução não emerge um único facto capaz de integrar a alegada invocação de nulidade da citação e que sustenta o pedido de extinção da execução fiscal num único fundamento – vício da fundamentação do despacho de reversão.
E tem, de facto, razão a recorrente.
Com efeito, a decisão recorrida considerou existir ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis no pressuposto de que a recorrente invocara como fundamentos da oposição quer a nulidade da citação quer a falta de fundamentação do despacho de reversão e ainda a falta de pressupostos do direito de reversão, nomeadamente os relativos à culpa na insuficiência dos bens da executada originária para o pagamento das dívidas tributárias.
Todavia, não é isso que ressalta da análise global daquela peça processual, como salienta o Exmo. PGA junto deste STA no seu parecer.
Na verdade, é indubitável que a recorrente invoca como único fundamento o vício da fundamentação do despacho de reversão, não tendo sido, por isso, invocados pedidos incompatíveis entre si, mas um único pedido assente num único fundamento.
Sendo certo que, como é jurisprudência deste Tribunal, a petição inicial só será inepta se faltar o pedido ou se este for indicado em termos verdadeiramente ambíguos ou obscuros.
Assim, não deve ser julgada inepta a petição inicial se, não obstante a falta de rigor técnico na formulação do pedido, este dá a conhecer o efeito jurídico que se pretendia obter por intermédio do tribunal (v., neste sentido, os acórdãos deste STA de 19/02/2003 e de 10/12/1997, proferidos nos recursos n.ºs 1059/02 e 22048, respectivamente).
No caso em apreço, na petição apresentada pela ora recorrente é clara a indicação do pedido e o fundamento que o suporta – extinção da execução fiscal por vício da fundamentação do despacho de reversão.
E sendo o meio processual adequado para reagir contra vícios que afectam o despacho de reversão a oposição à execução fiscal (v., entre outros, o acórdão do STA de 30/09/2009, no recurso n.º 626/09, e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, vol. II, pág. 910) deverá o presente processo prosseguir os seus ulteriores termos, por não se estar perante a excepção dilatória de erro na forma de processo considerada na decisão recorrida, a qual, por esse motivo, se não poderá, pois, confirmar, impondo-se, ao invés, a sua revogação.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, com vista ao conhecimento do pedido formulado, após fixação da matéria de facto pertinente.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Setembro de 2011. – António Calhau (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.