Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01460/17
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
ALARGAMENTO DE ÂMBITO
PROCEDIMENTO
AUSÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - A consagração expressa da obrigação de notificação, ao contribuinte, da alteração do âmbito da inspeção tributária introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto traduz, em letra de lei, aquele que era já o entendimento do legislador que se extraía da lógica e da coerência sistemática do RCPIT, da LGT e da CRP.
II - Não estando em causa um procedimento de inspecção em que, nos termos do disposto no art.º 50.º do RCPIT, exista dispensa de notificação prévia do procedimento de inspecção, a ausência de notificação do correto âmbito da inspecção tributária traduz-se em omissão de uma formalidade essencial do procedimento inspectivo, invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta.
Nº Convencional:JSTA000P23600
Nº do Documento:SA22018091901460
Data de Entrada:12/18/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 31 de Maio de 2017, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….., S.A., com os sinais dos autos, contra a liquidação adicional de IVA do ano de 1999 e juros compensatórios no valor remanescente de EUR 415.072,69, apresentando para tanto as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA do ano de 1999 e juros compensatórios no valor remanescente de € 415.072,69, por falta de notificação do despacho fundamentado que alterou o âmbito e a extensão do procedimento inspetivo que a impugnante foi alvo.

B. Sem colocar em crise a matéria de facto dada como provada considera, no entanto, a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que não se verifica qualquer vício de violação de lei e/ou dos princípios da boa fé e da colaboração.

C. Outrossim considera a Fazenda Pública, sempre com o devido respeito, que o inciso decisório incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, fazendo uma errada interpretação e subsunção da lei ao caso em apreço, designadamente, o disposto nos artigos n.º 15.º e 49.º do RCPIT, bem como o art.º 59.º n.º 3 alínea l), da LGT, o art.º 266.º n.º 2 da CRP e ainda os princípios da boa fé e da colaboração.

D. O ato de liquidação adicional de IVA, referente ao ano de 1999 foi emitido na sequência de uma ação inspetiva realizada entre 31.07.2003 e 19.12.2003 que teve o seu âmbito e extensão ampliado por despacho fundamentado de 28.11.2003.

E. O despacho fundamentado que determinou a ampliação da ação inspetiva não foi objeto de notificação autónoma, porquanto, o artigo 15.º n.º 1 do RCPIT, na redação à data dos factos (inspeção realizada em 2003), não impunha o cumprimento de tal formalidade.

F. Considera a Fazenda Pública que o douto decisório incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação do disposto no artigo 15.º n.º 1 do RCPIT, na redação à data em vigor.

G. Efetivamente, o preceito em causa permitia, à data, a alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento de inspeção, durante a sua execução, desde que a entidade que tivesse ordenado a mesma o consignasse em despacho devidamente fundamentado.

H. O que sucedeu no caso em apreço: a inspeção decorreu no período compreendido entre 31.07.2003 e 19.12.2003, e o despacho que determina a alteração do âmbito e extensão é datado de 28.11.2003.

I. Mas não impunha, à data (2003), a notificação do sobredito despacho, pois essa exigência apenas foi introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30/08.

J. Ressalvado sempre o devido respeito, a Fazenda Pública também não aceita nem concede que tenha manifesta e intencionalmente decidido não notificar a Impugnante do despacho fundamentado de ampliação do âmbito e extensão do procedimento inspetivo com o intuito de negar o acesso aos fundamentos que determinaram a referida ampliação e impedindo-a de sindicar a respetiva legalidade.

K. Ainda que tivesse ocorrido a alegada violação de Lei por preterição de formalidade essencial, o que não se concede, é entendimento da Fazenda Pública que se verifica, in casu, a conversão desta em preterição legal não essencial, porquanto, a impugnante exerceu sobre o projeto de relatório com as correções propostas em sede de Inspeção Tributária para o ano de 1999, após notificação para o efeito, o respetivo direito de audição/contraditório previsto no artigo 60.º da LGT, sem que nessa sede tivesse sido aflorada a questão aqui invocada da preterição de formalidade.

L. A falta de notificação do despacho que alterou o âmbito e extensão do procedimento de inspeção deve considerar-se degradada em formalidade não essencial e como tal não invalidante da liquidação posterior, quando se possa concluir com um grau de certeza acima de qualquer dúvida razoável, que o resultado a atingir sempre seria o mesmo, quer porque o contribuinte prestou a sua colaboração com a fiscalização nesse âmbito alargado sem jamais haver colocado em causa a falta da notificação do despacho, só o fazendo em sede de impugnação judicial.

M. Verificando-se assim uma ratificação expressa do ato inspetivo por parte da impugnante, não podendo esta vir agora impugnar um ato do qual teve pleno conhecimento, no qual participou como parte integrante, aceitando-o plenamente sem qualquer oposição.

N. A Impugnante prestou colaboração ao longo de todo o procedimento inspetivo, interagindo diretamente com os SIT, o que mais uma vez comprova a aceitação do ato inspetivo e o pleno conhecimento dos factos.

O. Inexistiu vício de violação de Lei por inobservância do preceito legal. n.º 1 do artigo 15.º do RCPIT, cfr. neste sentido o Acórdão do TCA Sul n.º 01078/03 de 2004.11.16.

P. A Fazenda Pública também não aceita nem concede que o procedimento tributário de inspeção tenha violado, de qualquer forma, os princípios da boa fé e da colaboração.

Q. O princípio da boa-fé está consagrado, entre outros, no disposto no artigo 59.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária e no n.º 2 do art.º 266.º da CRP e pressupõe que a administração tributária atue segundo a boa fé. Trata-se de uma exigência com conteúdo de carácter ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que atuem com lealdade e sinceridade recíprocas no decurso do procedimento tributário, abstendo-se de atuações que possam enganar o outro interveniente, ou ocultando-lhe elementos que possam ter proveito para a defesa das suas posições. Não foi claramente a situação!

R. Em sintonia com o preceituado no artigo 59.º da Lei Geral Tributária o artigo 48º do Código de Procedimento e Processo Tributário estabelece ainda que a administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem.

S. Assim sendo, por força do preceituado no artigo 266.º da CRP, a atividade da administração tributária tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, como efetivamente sucedeu.

T. O ato administrativo tem de ser em tudo conforme com a lei, sob pena de ilegalidade. A necessidade de rigorosa subordinação à lei é a primeira das características essenciais do ato administrativo, a tal obriga o princípio da legalidade (vide, entre outros art.º 266.º, n.º 2 da CRP, art.º 8.º n.º 2, al. a) da LGT), como se verificou no caso.

U. Como se constata dos autos, foi dado cumprimento ao estipulado no artigo 15.º do RCPIT, não ocorrendo, portanto, qualquer vício que possa inquinar o procedimento de inspeção de âmbito geral e parcial que visou a impugnante relativamente ao ano de 1999.

V. A pretendida falta de notificação do despacho fundamentado que ampliou o âmbito e a extensão da inspeção neste procedimento não impediu que o contribuinte ficasse ciente do âmbito da ação inspetiva, de tal forma que cooperou com a inspeção como a lei dispõe nos termos dos seus art.ºs 9.º e 48.º e segs do RCPIT, em ordem a apurar a sua situação tributária real, nos termos do art.º 63.º da LGT.

W. A alegada falta da notificação do despacho que alterou o âmbito e extensão do procedimento (que não ocorre pois não estava legalmente prevista), ainda assim, não influiria no resultado final da inspeção, nem, verdade seja dita, em qualquer momento do procedimento ou na impugnação, tal é invocado.

X. Discorda, pois, a Fazenda Pública do entendimento perfilhado pelo Mmo. Juiz do tribunal a quo de que a exigência da notificação do despacho fundamentado pelo qual a Administração Tributária determina a alteração do âmbito e da extensão da ação inspetiva já existia à data dos factos em causa nestes autos e que a consagração expressa introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, no n.º 1 do art.º 15.º do RCPIT não apresenta verdadeiro carácter inovatório, vindo apenas traduzir em letra de lei aquele que era já o entendimento do legislador que se extraía da lógica e da coerência sistemática do RCPIT, da LGT e da CRP.

Y. Com todo o respeito que merece este entendimento, não o acompanhamos, pelo contrário. Entendemos que quando o legislador optou por esta redação da norma e no prudente balanço que se lhe impõe entre os direitos e deveres que impendem sobre a atuação da Administração e Administrados, pretendeu suficiente a oposição dos visados à prática dos atos, sem o que a atuação da Administração ficaria validada, degradando-se em formalidade não essencial qualquer vício formal do despacho fundamentado de alteração do âmbito e extensão do procedimento inspetivo.

Z. Destarte, é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença na parte recorrida não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência da impugnação judicial, por não estar a liquidação ora em apreço ferida de ilegalidade, sendo que esta por ser legal, deverá manter-se na ordem jurídica.

AA. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO quanto à interpretação e aplicação lei ao caso em apreço, designadamente, o disposto nos artigos n.º 15.º e 49.º do RCPIT, bem como o art.º 59.º n.º 3 alínea l), da LGT, o art.º 266.º n.º 2 da CRP e ainda os princípios da boa fé e da colaboração.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

Mais requer, atendendo a que o valor da ação é superior a €275 000,00, seja a RFP dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º n.º 7 do Regulamento de Custas Processuais.

2 – A Recorrida A……………….., S.A. apresentou as suas contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

1. A douta Sentença recorrida, de 31.05.2017, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, não é passível de qualquer censura.

2. Aliás, a douta Sentença recorrida confirmou o entendimento expresso no douto Parecer do Ministério Público de 08.04.2008.

3. A douta Sentença recorrida sufraga precisamente o entendimento deste Venerando STA, Secção de CT, designadamente no douto Acórdão de 15.06.2016, Proc. 01101/15.

4. Precisamente porque os actos inspectivos, praticados na pendência do procedimento inspectivo, são passíveis de impugnação e oposição por parte do contribuinte, tais actos TÊM DE SER OPORTUNAMENTE NOTIFICADOS ao contribuinte (artigos 77º nº 1 e 2 da LGT e 268º nº 3 da CRP, entre outros) – designadamente o despacho administrativo de alteração do âmbito e extensão da inspecção (artigo 15º nº 1 do RCPIT),

5. sob pena de indelével prejuízo do direito de defesa do contribuinte.

6. Pelo que, contrariamente ao entendimento da Recorrente, a AT incorreu efectivamente nos vícios de violação de lei doutamente assinalados na Sentença recorrida, determinantes da anulação das liquidações, pois estas são actos tributários consequentes do procedimento inspectivo,

7. particularmente tendo em conta que as liquidações não anuladas administrativamente incidem precisamente sobre períodos mensais aos quais foi ampliada a extensão do procedimento de inspecção externa – como pertinentemente se afirma a fls. 41 da douta Sentença recorrida.

8. Para além do mencionado na douta Sentença recorrida, verifica-se ainda a falta de credenciação, ou seja, a falta de competência funcional dos inspectores tributários para o concreto âmbito e extensão inspectiva que o procedimento de inspecção externa acabou por ter – em violação dos artigos 46º nº 2 e 63º da LGT (cfr. artigo 47º do RCPIT).

Explicitando,

9. Conforme factualidade provada, o procedimento externo de inspecção subjacente às liquidações teve por base a Ordem de Serviço/Despacho nº 47509, de 25.07.2003.

10. Conforme factualidade provada, esta Ordem de Serviço/Despacho nº 47509, de 25.07.2003, ordenou a inspecção externa à Impugnante tendo por extensão o exercício de 1999 e âmbito o “IVA – Reemb. IVA – Desp. Normativas”.

11. Conforme factualidade provada, e quanto a esta inspecção, a Recorrida, em 28.07.2003, recepcionou a carta aviso de inspecção.

12. Da qual resulta que, a coberto da dita ordem de serviços/despacho nº 475/09, a acção inspectiva iria iniciar-se “a muito curto prazo”, tendo por âmbito o IVA e por extensão apenas o mês de Abril de 1999.

13. O procedimento externo de inspecção iniciou-se efectivamente a 31.07.2003 (passados, portanto, apenas 3 dias da recepção da referida carta aviso) e cessou em 19.12.2003 – conforme resulta da factualidade provada e conforme se afirma na nota de diligência, recebida no final da inspecção.

14. Contrariando a referida carta-aviso, e segundo esta nota de diligência, afinal a inspecção teve por âmbito o IRC e o IVA e por extensão o exercício completo de 1999.

15. E não, apenas, a análise do pedido de reembolso de IVA de Abril de 1999, segundo constava daquela carta aviso.

16. Conforme prova documental e testemunhal produzidas, DESCONHECE-SE A EXISTÊNCIA DE QUALQUER DESPACHO DA DIRECÇÃO DE FINANÇAS QUE TENHA ALARGADO O ÂMBITO E EXTENSÃO DA REFERIDA ORDEM DE SERVIÇO.

17. Apesar de tal despacho vir mencionado em II A. e B. do relatório de inspecção tributária, na verdade não se encontra junto aos autos.

18. E A PRÓPRIA RFP CONFESSA EXPRESSAMENTE NESTES AUTOS QUE TAL DESPACHO NUNCA FOI NOTIFICADO À RECORRIDA – como bem salienta a douta Sentença recorrida.

19. Assim, e contrariamente ao entendimento da Recorrente, foram violados os artigos 59º nº 3 l) da LGT, 15º e 49º do RCPIT e 266º nº 2 da CRP.

20. Com efeito, a legalidade da alteração (extensão) superveniente de âmbito e extensão do procedimento de inspecção estava dependente de despacho fundamentado,

21. e, obviamente, da sua prévia notificação ao contribuinte, porque conflituante com os seus direitos e legítimos interesses em matéria tributária (cfr. artigos 36º nº 1 do CPPT, 77º nº 6 da LGT e 268º nº 3 da CRP).

22. Com o consequente vício de violação de lei dos actos de liquidação emergentes desse procedimento de inspecção afectado de ilegalidade – dado que as liquidações dependem e decorrem da inspecção (artigos 133º nº 2 i) e 135º do CPA, redacção aplicável),

23. sendo certo que vigora o princípio da impugnação unitária do acto de liquidação (artigo 54º do CPPT).

24. Por conseguinte, a douta Sentença recorrida deve ser mantida.

SEM PRESCINDIR, POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO,

25. A Impugnante/Recorrida imputou outros vícios às liquidações – que não foram objecto de apreciação na douta Sentença recorrida pela simples razão do seu conhecimento ter ficado prejudicado pela apreciação/procedência do sobredito vício de violação do artigo 15º nº 1 do RCPIT.

26. Assim, e por meras razões de cautela de patrocínio, convém salientar esses outros vícios de que padecem as liquidações, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos.

NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O DOUTO SUPRIMENTO DESTE VENERANDO STA, NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, JULGANDO A IMPUGNAÇÃO PROCEDENTE E ANULANDO NA ÍNTEGRA AS LIQUIDAÇÕES DE IVA E JC EM QUESTÃO, V. EXAS., COMO SEMPRE, FARÃO INTEIRA JUSTIÇA.

Sem prescindir, renova-se o requerimento formulado na p.i. “in fine”, no sentido do Tribunal a quo ordenar a notificação da AF Portuguesa para que esta efectue nova consulta ao VIES e junte aos presentes autos, em prazo a designar pelo Tribunal, os dados informativos actualmente constantes do VIES quanto a todas as TICB e AICB declaradas pela A………… España quanto ao ano de 1999 e às transacções com a Recorrida.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o parecer de fls. 833/834 verso dos autos, pronunciando-se pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida, porquanto:

“(…) como enfatizou o julgador do TAF do Porto, irreleva, nesta sede, o facto de, à data do procedimento inspetivo em causa, o artigo 15.º do RCPIT, alegadamente afrontado pelo TAF a quo, não impor a notificação do despacho fundamentado proferido pela entidade que tiver ordenado o referido procedimento, a determinar a alteração dos respetivos fins, âmbito e extensão.

Efetivamente, essa exigência procedimental já decorria do bloco normativo aplicável, decorrente das disposições conjugadas dos artigos 59.º, n.º 3, alínea l), da LGT, 42.º e 49.º, estes últimos do RCPIT e, outrossim, dos princípios gerais da boa-fé, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo (na redação então em vigor) e da colaboração, contemplado nos artigos 55.º e 59.º da LGT.

Destarte, tal exegese, para além de se mostrar alicerçada na letra e no espírito da lei, é a que melhor se adequa a todos os interesses em presença e, especificamente, aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação, proclamados no artigo 5.º do RCPIT.

Na esteira de JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, sobre a melhor interpretação a conferir ao citado n.º 1 do artigo 15.º do RCPIT, dir-se-á que “(…) A alteração em causa deve, evidentemente, ser juridicamente enquadrada e obedecer a requisitos precisos: (i) por um lado, do ponto de vista orgânico-competencial deve ser efetuado pela entidade que tiver ordenado a inspeção; (ii) do ponto de vista formal, deve revestir a forma de despacho, o qual, também evidentemente, deverá ser fundamentado (de um modo claro, preciso, direto, atual e completo); e (iii) do ponto de vista procedimental deve ser adequadamente notificado aos respetivos destinatários (entidades inspecionadas). A ausência ou preterição dos dois primeiros requisitos acarretará a invalidade/ilegalidade da alteração em causa com fundamento em incompetência ou vício de forma, enquanto a ausência ou preterição do terceiro implicará a respetiva ineficácia, uma vez que a notificação configura uma simples condição de eficácia.

A notificação legal e válida do despacho que ordene a alteração da extensão do procedimento inspetivo assume extrema relevância, na medida em que a partir desse momento o sujeito passivo deixa de poder opor-se à realização dos respetivos atos inspetivos.

Quer a falta de despacho fundamentado, quer a falta de notificação válida ao contribuinte deste despacho determina, quanto a nós, a invalidade do ato de liquidação resultante do procedimento de inspeção, por violação do princípio da legalidade (…)” (in «Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária RCPIT Anotado e Comentado», Coimbra Editora, 2013, pág. 90; sem realce no original).

De resto, acompanha-se a fundamentação jurídica da sentença em crise, por, além do mais, se mostrar confortada na doutrina que emerge do douto Acórdão deste Colendo STA, de 15/06/2016, tirado no âmbito do Processo n.º 01101/15, segundo a qual “I - Na pendência do procedimento de inspeção podem ser alterados os fins e a extensão daquele, posto que tal conste de despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, o art.º 15.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro). // II - Verifica-se falta de fundamentação da decisão que determinou o alargamento da acção inspectiva quando foi alargado o âmbito da acção inspectiva, sem que disso fosse dado conhecimento ao contribuinte, pois diz-se «houve necessidade de alargar o seu âmbito» quando o art.º 42.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária apenas prevê que a notificação dos actos de inspecção possa ser efectuada ou no momento da prática dos actos de inspecção ou em momento anterior e nunca em momento posterior, como aqui ocorreu. // III - Tendo em conta, que o sujeito passivo, não foi devidamente notificado através de despacho fundamentado, da alteração dos fins, do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo pela entidade que o ordenou, todas as conclusões referentes ao relatório de inspecção, relativas a tal alargamento são ilegais e, não poderão ter validade fiscal, nem fundamentar qualquer acto de liquidação. // IV - São impugnáveis os actos lesivos praticados no procedimento inspectivo, por desconformes com a lei, ofendendo, em consequência disso, os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da necessidade, ao causar transtornos superiores aos que a realização do direito à tributação implicava, da imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade e da garantia do sujeito passivo em ser constrangido a um procedimento inspectivo confinado aos limites fixados na lei. (…)”.

Assim sendo, forçoso é concluir que ocorreu in casu a violação dessa formalidade essencial do procedimento de inspeção tributária e, consequentemente, que foi infringido o disposto nos citados preceitos do RCPIT.

Acresce que, conforme foi, elucidativamente, explicitado na sentença em crise, asserção que o Ministério Público sufraga inteiramente, a preterição da notificação do despacho fundamentado que procedeu à ampliação do âmbito e da extensão da ação inspetiva vicia e contamina o ato de liquidação, determinando a sua invalidade, facto que prejudica o conhecimento dos demais vícios que lhe foram assacados pela Impugnante, de harmonia com o que dispõe o artigo 124.º do CPPT.

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público, veio a recorrente responder nos seguintes termos:

1. A Digna Procuradora-Geral Adjunta sufraga inteiramente a sentença recorrida, quando entende que “a preterição da notificação do despacho fundamentado que procedeu à ampliação do âmbito e da extensão da ação inspetiva vicia e contamina o ato de liquidação, determinando a sua invalidade, facto que prejudica o conhecimento dos demais vícios que lhe foram assacados pela Impugnante, de harmonia com o que dispõe o artigo 124.º do CPPT”.

2. A doutrina e jurisprudência (RCPIT Anotado e Ac. n.º 01101/15 do STA, de 2016.06.15) que sustenta o parecer da Digna Procuradora-Geral Adjunta são determinadas pela redação em vigor oferecida pelo art.º 15º do RCPIT.

3. Cabe salientar, que no caso do RCPIT Anotado, conforme referência utilizada no Parecer, reporta ao ano de 2013 e, no caso do Acórdão de 2016.06.15, foram discutidas as correções efetuadas ao lucro tributável do exercício de 2010 em resultado de um procedimento inspetivo que, necessariamente, terá sido efetuado em data posterior ao ano de 2010.

4. No caso dos autos, tendo presente a matéria de facto provada, deve ser considerada a redação do art.º 15º do RCPIT em vigor no ano de 2003, ano em que ocorreu o procedimento inspetivo.

5. A redação do art.º 15º do RCPIT (atual RCPITA) foi alterada pela Lei n.º 50/2005, de 30 de agosto:

Redação do art.º 15º do RCPIT anterior à Lei n.º 50/2005, de 30 de agosto:

1. Os fins e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado.

2. O âmbito e extensão do procedimento de inspecção pode ser determinado a solicitação dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários caso existam motivos atendíveis de certeza e segurança jurídica e não existam inconvenientes à actividade da inspecção tributária.

Redação do art.º 15º do RCPIT posterior à Lei n.º 50/2005, de 30 de agosto:

1 - Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.

2 - O âmbito e extensão do procedimento de inspecção pode ser determinado a solicitação dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, nos termos do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro. (negrito nosso)

6. Não obstante a alegada falta de notificação do despacho que autorizou a alteração do âmbito e extensão do procedimento – porquanto a lei àquela data (em 2003) não o exigia –, a impugnante, ainda durante o procedimento inspetivo, teve conhecimento de que se deu tal alteração uma vez que exerceu o direito de audição sobre as correções constantes no projeto de relatório da inspeção, nos termos dos art.ºs 60º do RCPIT e 60º da LGT.

7. Nestes termos e considerando as alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional.

5 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

6 – Questão a decidir

É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado que a falta de notificação à entidade inspeccionada do despacho fundamentado que alterou o âmbito e a extensão do procedimento inspetivo determina a invalidade do acto de liquidação adicional subsequente por violação dos princípios da legalidade, da boa-fé e da colaboração.


7 – Matéria de facto


É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:

1. A Impugnante, «A……………………., S.A.», iniciou em 29/04/1996 a sua actividade de “comércio a retalho em supermercados e hipermercados” (CAE 52111), dedicando-se à comercialização de artigos de desporto, possuindo uma cadeia de lojas localizadas essencialmente em centros comerciais, em diversos pontos do país (admitido por acordo);

2. No exercício de 1999, a Impugnante efectuou vendas por grosso para Espanha, destinadas à sociedade comercial de direito espanhol «A………… España – ……………, S.A.», com o número de identificação fiscal espanhol ……………. (cf. Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 36 a 53 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

3. A Impugnante detém a totalidade do capital social da sociedade «A…………. España – ………………., S.A.» (cf. Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 36 a 53 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

4. A «A………….. España – …………….., S.A.» foi constituída em 29/12/1997 (cf. documento n.º 27 junto aos autos com a petição inicial);

5. A «A…………. España – ……………….., S.A.» iniciou a sua actividade para efeitos de IVA em Espanha no dia 22/01/1998 (cf. documento n.º 25 junto aos autos com a petição inicial);

6. A Impugnante esteve, em sede de IVA, em situação permanente de crédito de imposto desde o início da sua actividade até ao período 2000/05 (cf. Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 36 a 53, bem como documentos de fls. 65 a 76, todas do processo administrativo apenso aos presentes autos);

7. A Impugnante solicitou à Administração Tributária o reembolso de IVA nos períodos de 1997/09, 1998/09 e 1999/04, nos montantes de 59.157.224$00, de 37.177.177$00 e de 363.957.875$00, respectivamente (cf. Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 36 a 53 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

8. O reembolso solicitado pela Impugnante referente ao período 1999/04 resulta de crédito acumulado desde o período de 1998/01, em que o crédito referente ao ano de 1998 ascende a 355.060.263$00 e o crédito relativo aos períodos de 1999 totaliza o valor de 8.897.612$00 (cf. Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 36 a 53 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

9. No exercício de 1999 a Impugnante efectuou transmissões intracomunitárias de bens para a «A………… España – ……………., S.A.», no valor total de EUR 2.632.193,85, dos quais EUR 434.359,08 respeitam aos períodos de 1999/01 a 1999/04 (cf. Relatório de Inspecção Tributária, de fls. 36 a 53 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

10. As compras de mercadorias junto dos fornecedores eram efectuadas essencialmente pela Impugnante e pontualmente, segundo critérios comerciais e de oportunidade, pela «A……… España – ……………., S.A.»;

11. Quando adquiridas pela Impugnante, as mercadorias eram armazenadas nos armazéns da «B……………., S.A.», localizados na Azambuja, em Alverca e na Maia, ou, residualmente, nas lojas da Impugnante»;

12. Era a «B……………., S.A.» quem tratava da expedição e transporte para a generalidade das lojas «A…………..», nomeadamente em Espanha;

13. Para o transporte das mercadorias, a «B………….., S.A.» contratava serviços de transporte junto de variadas empresas transportadoras (cf. documento n.º 11 junto aos autos com a petição inicial);

14. Os serviços de transporte eram facturados à «B………….., S.A.» que, por sua vez, os debitava, com o código interno M2, à Impugnante que, por sua vez também, debitava à «A……….. España – …………, S.A.» a parte dos encargos de transporte que lhe fossem imputáveis (cf. documento n.º 10 junto aos autos com a petição inicial);

15. Além dos custos de transporte, a «B…………., S.A.» debitou também fees, com o código interno M1, relativas ao armazenamento (cf. documento n.º 10 junto aos autos com a petição inicial);

16. No exercício de 1999, a Impugnante efectuou compras à «A……….. España – ……………….., S.A.» que perfizeram um total de EUR 1.080.343,53 (cf. documentos n.ºs 12 e 13 juntos aos autos com a petição inicial, bem como Relatório de Inspecção Tributária constante de fls. 36 a 53 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

17. Os serviços de transporte das mercadorias adquiridas pela Impugnante à «A…………. España – …………., S.A.» foram, nuns casos, contratados pela «B……………., S.A.» e, noutros casos, directamente pela «A……… España – …………….., S.A.» (cf. documentos n.ºs 11 e 14 juntos aos autos com a petição inicial);

18. As transacções entre a Impugnante e a «A………. España – ……………., S.A.» eram constantes devido à gestão centralizada do abastecimento e aprovisionamento das várias lojas «A……….» em Portugal e em Espanha, no sentido de maximizar a eficiência do escoamento dos produtos e de minimizar o tempo e o espaço alocados ao seu armazenamento nas lojas;

19. Os pagamentos dos fornecimentos da Impugnante para a «A………. España – ………………, S.A.» e desta para a Impugnante eram registados em conta-corrente contínua e mediante encontro de contas;

20. Em 19/10/2000 a «A………. España – …………..,, S.A.» celebrou com a sociedade «C………….., S.A.» um contrato denominado “contrato de compraventa de activos”, pelo qual aquela vendeu a esta todas as lojas detidas em território espanhol (cf. documento n.º 20 junto aos autos com a petição inicial);

21. Em 04/12/2002, a «A………… España – ……………., S.A.» alterou a sua denominação para «D………………, S.A.», o que foi averbado no Registo Mercantil de Madrid em 16/12/2002 (cf. documento n.º 23 junto aos autos com a petição inicial);

22. Em 03/05/2004, a «D………………, S.A.» apresentou uma exposição à Administração Tributária espanhola onde reconhece a existência de erro nos montantes de aquisições e transmissões intracomunitárias de bens realizadas entre si e a Impugnante, por si declarados nos documentos Modelo 349, relativos ao exercício de 1999, que apresentara junto daquela entidade, por desconformidade entre os valores reais e aqueles que se encontravam reflectidos na sua contabilidade (cf. documento n.º 16 junto aos autos com a petição inicial);

23. Nessa mesma exposição, a «D……………., S.A.» corrigiu os valores daquelas operações, declarando, relativamente ao exercício de 1999, um total de aquisições intracomunitárias de bens à Impugnante no valor de EUR 2.828.804,19 e um total de transmissões intracomunitárias de bens para a Impugnante no valor de EUR 1.479.520,44 (cf. documento n.º 16 junto aos autos com a petição inicial);

24. Em 20/05/2004, a Administração Tributária espanhola emitiu um certificado atestando que a exposição rectificativa referida nos dois pontos anteriores foi aceite e que as rectificações solicitadas foram devidamente reflectidas como correctas no VIES (cf. documento n.º 17 junto aos autos com a petição inicial);

25. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 47509, de 25/07/2003, foi desencadeado, pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças do Porto, um procedimento inspectivo à Impugnante, com extensão ao período de Abril de 1999, âmbito parcial em IVA e a descrição “Reemb. IVA – Desp. Normativas” (cf. documentos de fls. 36 a 53, 56, 58 e 604 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

26. A Ordem de Serviço referida no ponto anterior foi recebida pela Impugnante em 28/07/2003, através do ofício n.º 428739, datado de 24/07/2003, com, além do mais, o seguinte teor:

“(…)

Nos termos da alínea l) do n.º 3 do artigo 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 49º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), fica V. Ex.a notificado de que, a muito curto prazo, se deslocará(ão) à morada acima referenciada, técnico(s) dos Serviços de Inspecção Tributária.

A visita do(s) técnico(s) tem como finalidade a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias por parte de V. Ex.a e terá o âmbito e extensão a seguir indicados:

(…) parcial (…) IVA (…) 1999 (…) 04 (…)

A eventual alteração, ao âmbito e extensão da acção inspectiva, resultará de despacho fundamentado da entidade que o ordenou (artigo 15º do RCPIT).

(…)”

(cf. documento de fls. 58 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

27. Por despacho de 28/11/2003 do Director de Finanças Adjunto dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, foram ampliados o âmbito e a extensão da acção inspectiva referida nos pontos anteriores, passando a abranger, além do IVA, também o IRC, e deixando de ter como extensão apenas o período de 1999/04 para passar a abarcar todo o exercício de 1999 (cf. documento de fls. 604 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

28. Em 19/12/2003, a Impugnante foi notificada da nota de diligência n.º 561016, no qual é mencionada a ordem de serviço n.º 47509, que a inspecção iniciou-se em 31/07/2003, às 09 horas, e foi concluída em 19/12/2003, às 16 horas, tendo âmbito parcial em IRC e IVA e por extensão o exercício completo de 1999 (cf. documento de fls. 60 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

29. Em 19/12/2003, a Impugnante foi notificada da ordem de serviço n.º 47509, desta feita com data de 09/12/2003, na qual é, além do mais, mencionado que a acção inspectiva tem por extensão o exercício de 1999 e âmbito parcial em IRC e IVA, com a descrição “Reemb. IVA – Desp. Normativos” (cf. documento de fls. 62 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

30. A Impugnante não foi notificada do despacho referido no ponto 27., pelo qual foram ampliados o âmbito e a extensão da acção inspectiva desencadeada pela ordem de serviço n.º 47509 (confessado pela Fazenda Pública no artigo 23. Da contestação);

31. No âmbito da acção inspectiva referida nos pontos anteriores foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

32. “O Relatório de Inspecção Tributária referido no ponto anterior foi notificado pessoalmente à Impugnante em 23/01/2004 (cf. documento de fls. 54 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

33. Em resultado das conclusões extraídas da acção inspectiva, a Administração Tributária emitiu, em nome da Impugnante, a seguinte “nota de apuramento” (Mod. 382) de IVA e de juros compensatórios, referente ao ano de 1999, que foi notificada à Impugnante em 01/03/2004, através do ofício n.º 3490, de 27/02/2004, expedido por correio registado com aviso de recepção”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

“(cf. documento de fls. 599 e 600 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

34. A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no dia 28/06/2004 (cf. carimbo aposto na folha de rosto da petição inicial, que faz fls. 02 do suporte físico dos presentes autos);

35. Em 19/03/2007, os Serviços da Área da Justiça Tributária da Divisão da Representação da Fazenda Pública da Direcção de Finanças do Porto, elaboraram parecer” cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

“(cf. documento de fls. 617 a 626 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

36. Em 22/03/2007, sobre o parecer referido no ponto anterior, foi proferido despacho de concordância, revogando parcialmente a liquidação referida no ponto 14. acima, com, além do mais, o seguinte teor:

“Em concordância com a informação vertida no parecer infra, revogo parcialmente o acto tributário impugnado, pelos montantes a seguir discriminados:

a) € 221.244,11, relativamente ao IVA correspondente aos períodos de imposto de Janeiro/99 a Julho/99; e

b) € 169.533,96, correspondente ao somatório dos juros compensatórios quantificados no item 8.2

(…)”

(cf. documento de fls. 617 a 626 do processo administrativo apenso aos presentes autos);

37. O despacho referido no ponto anterior foi notificado à Impugnante em 26/03/2007, através do ofício nº 26908, de 23/03/2007, expedido por correio registado com aviso de recepção (cf. documento de fls. 627 a 630 do processo administrativo apenso aos presentes autos).

8 – Apreciando

8.1. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 711 a 732 (verso) dos autos, concedeu provimento à Impugnação Judicial deduzida pela Recorrida contra o acto de liquidação de IVA respeitante ao exercício de 1999 e praticado na sequência daquele procedimento inspectivo. Para assim decidir, o Tribunal a quo considerou que a circunstância de, à data dos factos, o artigo 15.º do RCPIT “não obrigar expressamente a Administração Tributária a notificar a entidade objecto de acção inspectiva daquele despacho fundamentado não desonerava a Administração de proceder àquela notificação. Desde logo, atendendo aos normativos relativos ao procedimento inspectivo e respectivas notificações [arts. 59º, n.º 3, alínea l) da LGT e 42º e 49º do RCPIT]. Mas também ao abrigo dos princípios da boa-fé [arts. 266º, n.º 2 da CRP e 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo (CPA, na redacção em vigor à data dos factos)] e da colaboração [arts. 55º e 59º da LGT], aqui correcta e pertinentemente invocados pela Impugnante. (…) Ademais, o próprio princípio da legalidade [arts. 266º, n.º 2 da CRP e 55º da LGT] sempre imporia à Administração Tributária uma actuação bem diferente daquela que empreendeu no presente caso, pois a necessidade de levar ao conhecimento da Impugnante a alteração do âmbito e da extensão da acção inspectiva de que se encontrava a ser alvo é sobremaneira relevante porquanto contende com os seus direitos e interesses legítimos em matéria tributária, tendo desde logo em vista que está a ser objecto de um procedimento intrusivo e de natureza inspectiva”.

Para o Tribunal a quo, “a consagração expressa daquela obrigação de notificação introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, não apresenta verdadeiro carácter inovatório, vindo apenas traduzir em letra de lei aquele que era já o entendimento do legislador que se extraía da lógica e da coerência sistemática do RCPIT, da LGT e da CRP”. Neste contexto, o Tribunal avança ainda que “não seria curial, nem apresentaria qualquer coerência lógica e sistemática, o entendimento de que o despacho que determina ab initio o fim, o âmbito e a extensão da acção inspectiva tivesse que ser levado ao conhecimento da entidade a ser inspeccionada – assegurando a lei que tal seria efectuado através de uma “notificação prévia para procedimento de inspecção”, a efectuar com uma antecedência mínima de cinco dias [cf. art. 49º do RCPIT] –, e que, depois, qualquer alteração desses fins, âmbito e extensão pudesse ser efectuada sem o conhecimento atempado por banda da entidade inspeccionada. Por outro lado, não se perspectivaria qual a utilidade prática da exigência legal de emanação de um despacho fundamentado a determinar a alteração do fim, do âmbito e da extensão da acção inspectiva se o mesmo nunca chegaria ao conhecimento do seu destinatário: a entidade inspeccionada. Ora, se o legislador impôs que a decisão de alteração dos fins, do âmbito e da extensão da acção inspectiva fosse fundamentada, naturalmente que o fez com o objectivo de que o mesmo pudesse ser compreendido, questionado e escrutinado pela entidade inspeccionada. Qualquer outra interpretação, entende o Tribunal, carece de razoabilidade e ofende o princípio geral de notificação das decisões que afecte os direitos e interesses legítimos dos contribuintes”.

Discorda do decidido a Recorrente, alegando que “contrariamente ao doutamente decidido, [não] se verifica qualquer vício de violação de lei e/ou dos princípios da boa fé e da colaboração”, já que “o preceito em causa permitia, à data, a alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento de inspeção, durante a sua execução, desde que a entidade que tivesse ordenado a mesma o consignasse em despacho devidamente fundamentado (…) mas não impunha, à data (2003), a notificação do sobredito despacho, pois essa exigência apenas foi introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30/08”. Para a Recorrente, “ainda que tivesse ocorrido a alegada violação de Lei por preterição de formalidade essencial, o que não se concede [verifica-se] in casu, a conversão desta em preterição legal não essencial, porquanto, a impugnante exerceu sobre o projeto de relatório com as correções propostas em sede de Inspeção Tributária para o ano de 1999, após notificação para o efeito, o respetivo direito de audição/contraditório previsto no artigo 60.º da LGT, sem que nessa sede tivesse sido aflorada a questão aqui invocada da preterição de formalidade (…) verificando-se assim uma ratificação expressa do ato inspetivo por parte da impugnante, não podendo esta vir agora impugnar um ato do qual teve pleno conhecimento, no qual participou como parte integrante, aceitando-o plenamente sem qualquer oposição” (inexistindo assim “vício de violação de Lei por inobservância do preceito legal. n.º 1 do artigo 15.º do RCPIT, cfr. neste sentido o Acórdão do TCA Sul n.º 01078/03 de 2004.11.16”).

A Recorrida apresentou as suas contra-alegações, nas quais defende que “precisamente porque os actos inspectivos, praticados na pendência do procedimento inspectivo, são passíveis de impugnação e oposição por parte do contribuinte, tais actos têm de ser oportunamente notificados ao contribuinte (artigos 77º nº 1 e 2 da LGT e 268º nº 3 da CRP, entre outros) – designadamente o despacho administrativo de alteração do âmbito e extensão da inspecção (artigo 15º nº 1 do RCPIT), sob pena de indelével prejuízo do direito de defesa do contribuinte”. Adicionalmente, a Recorrida aponta ainda “a falta de credenciação, ou seja, a falta de competência funcional dos inspectores tributários para o concreto âmbito e extensão inspectiva que o procedimento de inspecção externa acabou por ter – em violação dos artigos 46º nº 2 e 63º da LGT (cfr. artigo 47º do RCPIT)”, referindo que “conforme prova documental e testemunhal produzidas, desconhece-se a existência de qualquer despacho da Direcção de Finanças que tenha alargado o âmbito e extensão da referida ordem de serviço”, sendo que “a própria RFP confessa expressamente nestes autos que tal despacho nunca foi notificado à Recorrida”, sendo consequentemente violados os “artigos 59º nº 3 l) da LGT, 15º e 49º do RCPIT e 266º nº 2 da CRP”.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, no seu parecer junto aos autos, pronuncia-se pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

Vejamos.

À data dos factos (2003 e 2004), dispunha o n.º 1 do artigo 15.º do RCPIT que “os fins e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado”. Em 2005, com a aprovação e entrada em vigor da Lei n.º 50/2005, de 30 de agosto, a letra deste preceito legal foi alterada, passando a prever que “os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada(alterações a negrito).

Sendo actualmente inequívoca, porque expressa, a obrigação de notificação ao contribuinte do despacho de alteração dos fins, do âmbito ou da extensão do procedimento de inspecção “durante a sua execução”, entendeu o Tribunal a quo que essa obrigação se impunha de igual forma antes da alteração legislativa verificada em 2005. E segundo cremos, não existem motivos para alterar o entendimento sufragado neste aresto, por ser este o entendimento que se revela mais curial.

Com efeito, e reiterando a decisão e o discurso de fundamentação aduzido na sentença recorrida, conclui-se com natural evidência que o legislador impunha já à data, de forma expressa, que os actos praticados no procedimento inspectivo, mormente aqueles que determinam a realização da acção inspectiva e que lhe fixam o fim, o âmbito e a extensão, bem como aqueles que respeitam à prática de actos de inspecção, devem ser previamente notificados à entidade que se encontra a ser inspeccionada.

Com efeito, a consagração expressa daquela obrigação de notificação introduzida pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, não apresenta verdadeiro carácter inovatório, vindo apenas traduzir em letra de lei aquele que era já o entendimento do legislador que se extraía da lógica e da coerência sistemática do RCPIT, da LGT e da CRP”. Assim o era ao abrigo dos princípios da boa-fé [arts. 266º, n.º 2 da CRP e 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo (CPA, na redacção em vigor à data dos factos)] e da colaboração [arts. 55º e 59º da LGT], aqui correcta e pertinentemente invocados pela Impugnante. E mais. Também o próprio princípio da legalidade [arts. 266º, n.º 2 da CRP e 55º da LGT] sempre imporia à Administração Tributária uma actuação bem diferente daquela que empreendeu no presente caso. Em rigor, a Administração Tributária não se podia mostrar alheia às consequências práticas e jurídicas de uma ampliação do âmbito e extensão da acção inspectiva a que estava a submeter a Impugnante, negando-lhe, manifesta e intencionalmente, o acesso aos fundamentos que determinaram aquela ampliação, impedindo-a, desde logo, de sobre os mesmos poder emitir qualquer pronúncia ou questionar a sua legalidade, tendo em conta o reflexo que tal despacho teria na sua esfera jurídica. E, repare-se, a privação de acesso aos fundamentos daquele despacho ocorreu quer no procedimento inspectivo quer posteriormente, pois a Impugnante, inequivocamente, nunca teve acesso ao mesmo nem ao seu teor.

Era também assim atendendo aos normativos relativos ao procedimento inspectivo e respectivas notificações [arts. 59º, n.º 3, alínea l) da LGT e 42º e 49º do RCPIT]. Repare-se que a alínea l) do n.º 3 do art. 59º da LGT determina que a colaboração da Administração Tributária com os contribuintes compreende, designadamente, “a comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo”. (…) Sendo que o n.º 1 do art. 42º do RCPIT, na redacção então em vigor, já impunha que as notificações no procedimento de inspecção tributária devem ser sempre realizadas em momento anterior ao da prática dos actos de inspecção, podendo ser, o mais tardar, efectuadas no momento da sua prática.

Por outro lado, não seria curial, nem apresentaria qualquer coerência lógica e sistemática, o entendimento de que o despacho que determina ab initio o fim, o âmbito e a extensão da acção inspectiva tivesse que ser levado ao conhecimento da entidade a ser inspeccionada – assegurando a lei que tal seria efectuado através de uma “notificação prévia para procedimento de inspecção”, a efectuar com uma antecedência mínima de cinco dias [cf. art. 49º do RCPIT] –, e que, depois, qualquer alteração desses fins, âmbito e extensão pudesse ser efectuada sem o conhecimento atempado por banda da entidade inspeccionada. Por outro lado, não se perspectivaria qual a utilidade prática da exigência legal de emanação de um despacho fundamentado a determinar a alteração do fim, do âmbito e da extensão da acção inspectiva se o mesmo nunca chegaria ao conhecimento do seu destinatário: a entidade inspeccionada. Ora, se o legislador impôs que a decisão de alteração dos fins, do âmbito e da extensão da acção inspectiva fosse fundamentada, naturalmente que o fez com o objectivo de que o mesmo pudesse ser compreendido, questionado e escrutinado pela entidade inspeccionada. Qualquer outra interpretação, entende o Tribunal, carece de razoabilidade e ofende o princípio geral de notificação das decisões que afecte os direitos e interesses legítimos dos contribuintes.

Concluindo-se que à data dos factos impendia sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira a obrigação de comunicar à Recorrida a decisão unilateral de alteração do âmbito e da extensão do procedimento inspectivo no momento em que foi tomada – isto é, no decurso da inspecção fiscal de que era alvo e não apenas no momento da respetiva conclusão –, cumpre analisar se assiste razão à Recorrente Fazenda Pública quando alega que a falta de comunicação daquela decisão se converteu em formalidade não essencial a partir do momento em que a Recorrida exerceu o seu direito de audição sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária “sem que nessa sede tivesse sido aflorada a questão aqui invocada da preterição de formalidade (…) verificando-se assim uma ratificação expressa do ato inspetivo por parte da impugnante”.

Mas não assiste razão à Recorrente, conforme decorre aliás do Acórdão proferido por este Supremo Tribunal a 15 de Junho de 2016 no âmbito do Processo 01101/15, nos termos do qual o “direito de audição é um direito de exercício facultativo para os contribuintes, cujo não exercício não importa a perda de direitos nomeadamente de contenciosamente reagirem contra os actos tributários ou em matéria tributária que sejam lesivos dos seus interesses patrimoniais e não hajam sido praticados com observância estrita da lei. De todo o modo quando foi dado cumprimento ao disposto no art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária por definição estavam já praticados os actos de inspecção tornando impossível qualquer oposição à sua realização que já tinha tido lugar.

Assim, não estando em causa um procedimento de inspecção em que nos termos do disposto no art.º 50.º esteja dispensada a notificação prévia do procedimento de inspecção, verifica-se que (…) não foram levadas ao conhecimento da recorrida o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção em manifesta desconformidade com o disposto nos artigos 2.º, 5.º, 9.º, 14.º, 15.º, 37.º, 40.º, 46.º e 47.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, com a consequente falta de credenciação os inspectores que a levaram a cabo. Tais formalidades são formalidades previstas na lei como formalidades essenciais, na ausência de disposição legal em contrário, estruturantes do procedimento inspectivo, que uma vez não observadas serão invalidantes dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta, dado não poder concluir-se, face à prova produzida, com um grau de certeza razoável, que o resultado a atingir sempre seria o mesmo, caso a formalidade tivesse sido cumprida, ou que o sujeito passivo prestou a sua colaboração com o acto inspectivo nesse âmbito alargado sem haver colocado em causa a falta de tal despacho.

Nos termos do disposto no art.º 135.º do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15 de Novembro, vigente à data do procedimento inspectivo, aqui aplicável por força do disposto no art.º 4.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, como aqui ocorre, pelo que a omissão do acto procedimental invalida, por anulabilidade que ora se confirma, todo o procedimento arrastando necessariamente a validade do acto de liquidação oficiosa [subsequente], que nele obteve os seus fundamentos legais”.

Tudo quanto se aplica ao caso sub judice, concluindo-se que a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe era apontado, impondo-se, antes, a respectiva confirmação.


- Decisão -


9 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, nos termos do artigo 6.º n.º 7 do Regulamento de Custas Processuais, atendendo a que questão similar à dos autos foi já objecto de anterior pronúncia por parte deste STA, daí que se apresente, agora, de “complexidade inferior à comum”.

Lisboa, 19 de Setembro de 2018. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Ascensão Lopes - Ana Paula Lobo.