Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01124/09
Data do Acordão:01/13/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO DE SELO
USUCAPIÃO
INCIDÊNCIA
Sumário:I - Pelo imposto do selo tributam-se, inter alia, os actos de aquisição de imóveis, incluindo o acto de aquisição por meio de usucapião.
II - E, assim, o acto de «aquisição por usucapião» do imóvel usucapido é objecto de incidência de tributação em imposto de selo, e não também o acto de aquisição de obras ou benfeitorias realizadas no mesmo imóvel pelo próprio usucapiente.
Nº Convencional:JSTA00066200
Nº do Documento:SA22010011301124
Data de Entrada:11/11/2009
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR FISC - SELO.
Legislação Nacional:CIS09 ART1 N1 N3 ART5 R.
CCIV66 ART1287.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC652/09 DE 2009/10/21.
Referência a Doutrina:CARDOSO DA COSTA CURSO DE DIREITO FISCAL 1972 PAG266.
ALBERTO XAVIER CONCEITO E NATUREZA DO ACTO TRIBUTÁRIO PAG263.
CASTANHEIRA NEVES QUESTÃO DE FACTO QUESTÃO DE DIREITO
PAG264.
BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR 1991 PAG187.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…, e mulher, contra liquidações de imposto de selo.
1.2 Em alegação, a entidade recorrente formula as seguintes conclusões.
I. As liquidações postas em crise, têm por base a aquisição por USUCAPIÃO, através de escritura de Justificação Notarial, celebrada em 22 de Março de 2005, relativa ao prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, andar e sótão, para habitação, com logradouro e anexo, sito no lugar de …, freguesia de Lage, concelho de Vila Verde, com a área coberta de cento e nove metros quadrados e descoberta de dois mil e sessenta e um metros quadrados, a confrontar de Norte com Estrada para Bouços, de Sul com Caminho, de Nascente com B… e de Poente com C…, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 582º.
II. Na douta sentença ora recorrida julgou-se procedente a impugnação deduzida tendo-se, consequentemente, determinado “anular a liquidação impugnada.”.
III. Porquanto o M.mo Juiz entendeu que,
“ – O prédio urbano integrado por edifício construído pelos Impugnantes em terreno que estava na sua posse e que adquiriram por usucapião não pode, sob nenhuma perspectiva, considerar-se ter-lhes sido transmitido;
– Por outro lado, resultando essa construção do investimento de activos patrimoniais dos Impugnantes, tendo, portanto, uma contrapartida económica, também não pode considerar-se que, a ter ocorrido transmissão, ela seja gratuita;
– Por isso, é ilegal a liquidação de imposto do selo que considere verificada tal transmissão e que incida sobre a mesma tomando em linha de conta o valor do edifício que integra o prédio urbano.”
IV. Porém, salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com a decisão ora recorrida, pelos argumentos que de seguida se expõem.
V. A questão que se coloca no presente recurso reconduz-se à questão da determinação da matéria colectável, ou seja, consiste em saber se o Imposto de Selo deve incidir sobre o valor de todo o imóvel – partes rústica e urbana – ou se, ao invés, aquele apenas deverá incidir sobre o valor do prédio onde foi edificada a construção.
VI. Por outras palavras, nos presentes autos importa determinar qual a realidade imobiliária que foi objecto de justificação: a existente à data da escritura de justificação ou a contemporânea do início da posse pelos usucapientes.
VII. Quanto a esta questão desde já se diga que é entendimento da Administração Tributária (doravante AT) que será a realidade inscrita na matriz à data da justificação a relevante para efeitos de tributação. Senão vejamos,
VIII. Por força do disposto no art. 7º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, foi alterado substancialmente o Código do Imposto de Selo (de aqui em diante designado CIS), tendo, no âmbito da incidência do imposto, sido integradas – a título de transmissões gratuitas – as aquisições por usucapião do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real de gozo sobre bens imóveis.
IX. As aquisições por usucapião – não obstante não serem, em bom rigor, transmissões, nem tão-pouco gratuitas ou onerosas – são ficcionadas pelo legislador do CIS como tal, ou seja, como se tratando de transmissões a título gratuito.
X. Na verdade, estabelece o art. 1º, n.º 3, alínea a) do CIS que “são consideradas transmissões gratuitas, designadamente as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião” (sublinhados nossos).
XI. Constituindo o tributo encargo do adquirente dos bens, no caso o usucapiente, nos termos do preceituado no art. 3º, nºs 1 e 3, alínea a) do CIS.
XII. No que toca ao nascimento da obrigação tributária determina a alínea r) do art. 5º do CIS que “A obrigação tributária considera-se constituída nas aquisições por usucapião, na data em que (...) for celebrada a escritura de justificação notarial” (sublinhados nossos).
XIII. Ou seja, para efeitos de incidência do Imposto de Selo e determinação do nascimento da obrigação tributária o legislador estabeleceu que seria a data de celebração da escritura de justificação o momento elegível.
XIV. E não o termo inicial da posse ou o momento em que se completaria o prazo de usucapião.
XV. Por seu lado, o art. 13º, n.º 1 do CIS dispõe que o valor dos imóveis a atender nas transmissões a título gratuito é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI ou o determinado por avaliação, quanto aos prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
XVI. Por último, a verba 1.2 da Tabela Geral do CIS estabelece que a “aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião” é tributada à taxa de 10% sobre o valor dos mesmos.
XVII. Para além dos normativos legais ínsitos no CIS acabados de referir importa, ainda, atentar que da concatenação dos arts. 92º do Código do Notariado (CN) e 117º-A do Código do Registo Predial (CRP) resulta que as aquisições por usucapião formalizada por escritura de justificação realizada na vigência do CIS só podem reportar-se aos direitos reais inscrito na matriz à data da celebração da escritura pública de justificação notarial ou cuja inscrição se encontre pedida na mesma data.
XVIII. Acrescendo, ainda, que nos termos do disposto no art. 30º, n.º 1 do CRP nos “títulos respeitantes a factos sujeitos a registo, a identificação dos prédios não pode ser feita em contradição com a inscrição na matriz”.
XIX. Voltando ao caso sub judicio, é patente que – mesmo que se considere, como se fez na douta sentença ora recorrida, que para o património dos ora impugnantes apenas se transmitiu o terreno e, ainda, que foram os impugnantes ora recorridos quem no mesmo edificou a habitação – o objecto da dita aquisição é a realidade imobiliária existente à data da celebração da escritura e não qualquer outra.
XX. Na verdade, os ora impugnantes – a ser aquela a factualidade – construíram um prédio em terreno de terceiro,
XXI. facto este que não lhes confere a propriedade do mesmo, pois tal construção se revela uma mera benfeitoria útil, cfr. n.º 3 do art. 216º do Código Civil (CC), o que o poderá originar o seu levantamento ou, eventualmente, a indemnização do possuidor, como decorre do disposto no art. 1273º do CC.
XXII. Assim, o facto de os usucapientes terem edificado a construção em momento anterior à celebração da escritura de justificação não os torna proprietários do mesmo, apenas lhe conferindo os acima referidos direitos.
XXIII. Nem sendo, igualmente, admissível que o valor das benfeitorias seja deduzido ao valor tributável para efeitos de tributação da aquisição por usucapião.
XXIV. Por último, refira-se que a solução defendida pela AT – embora possa ser contestável no plano da justiça – não resulta, no entender da Fazenda Pública, de deficiente interpretação e aplicação da lei por parte dos serviços da AT, antes sendo consequência da imperfeita técnica legislativa empregue nos normativos legais citados.
XXV. Destarte é entendimento da AT que a factualidade dos presentes autos preenche os pressupostos de incidência previstos no CIS, sendo, por isso passível de tributação nos exactos moldes que o foram e que constam dos actos tributários ora em crise.
XXVI. Pelo que, é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença ora recorrida não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência dos invocados vícios dos actos tributários, por não estarem as liquidações ora em apreço feridas de ilegalidade.
XXVII. Tendo na douta sentença ora recorrida se decidido de forma diversa é inevitável que se conclua que foram violados os arts. 1º, n.º 3, alínea a), 5º, alínea r), 13º, n.º 1 todos do CIS e, bem assim, a verba 1.2 da Tabela Geral do CIS.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que o recurso não merece provimento – apresentando a seguinte fundamentação.
Sobre situação em tudo semelhante já se pronunciou este Supremo Tribunal por acórdão de 21/10/2009, no processo 652/09. Subscrevemos, com a devida vénia, o discurso jurídico daquele douto aresto, pelo que entendemos carecer de razão o recorrente.
O próprio recorrente, nas conclusões da sua alegação de recurso, entende que a solução por si defendida pode ser contestável no plano da justiça, sendo, no entanto, a que resulta da utilização de uma imperfeita técnica legislativa empregue em diferentes disposições legais.
A resposta a esta perplexidade do recorrente pode encontrar-se no douto aresto a que atrás fizemos referência, que não se quedou por uma interpretação literal dos preceitos do CIS. Passamos a transcrever algumas passagens mais impressivas e esclarecedoras daquele acórdão: “No Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade, que se traduz no brocardo latino nullum tributum sine lege, ou nullum vectigal sine lege, paralelo àquele outro, vigente no direito penal, nullum crimen sine lege. Assim como não há crime que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal, também não haverá imposto que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal. Nisto consiste a tipicidade do imposto. O facto tributável, consistindo num facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva. Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue se eles se verificarem. A tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos abstractamente, na lei de imposto.
No caso concreto a questão que interessa resolver não é tanto a de saber qual o valor a atender para efeitos de imposto de selo, mas antes a de saber qual o objecto de incidência do imposto de selo devido no caso: o acto de aquisição do prédio objecto de usucapião, ou, também, o acto de aquisição das benfeitorias nesse mesmo prédio levadas a cabo pelos impugnantes.
Ora de acordo com o disposto nos n.° 1 e 3, alínea a), do artigo 1.º do CIS, e da verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo, é objecto de incidência em imposto de selo, apenas o acto de «aquisição por usucapião», pelo que será temerário afirmar que nestas aquisições a incidência do imposto seja sobre o valor patrimonial tributário do prédio adquirido, no momento do nascimento da obrigação tributária, sem qualquer dedução.
É que, pode dar-se o caso, como sucede na situação sub judice, de estarem incluídos no valor tributável em imposto de selo, valores que nada têm a ver com o valor do acto ou do facto tributário previsto na lei – o acto de aquisição por usucapião – ou seja, as benfeitorias feitas pelos impugnantes no prédio objecto de usucapião.
Parece-nos, por isso, que a liquidação impugnada exorbitou as normas de incidência objectiva do Código de Imposto de Selo, devendo, em consequência, ser anulada, conforme bem se decidiu na sentença recorrida.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é a de saber se as liquidações impugnadas foram operadas exorbitando, ou não, das normas de incidência objectiva do Código do Imposto do Selo.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
a) No dia 22 de Março de 2005, foi celebrada no Cartório Notarial de Vila Verde, a escritura de justificação notarial cujo teor consta de fls. 15 a 18 e aqui se dá por reproduzido.
b) Nessa escritura disseram os ora Impugnantes, através do seu procurador, que são donos do prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, andar e sótão, para habitação, com logradouro e anexo, sito no lugar de …, freguesia de Laje, concelho de Vila Verde, com a área coberta de 109 metros quadrados e descoberta de 2061 metros quadrados, inscrito na matriz predial da freguesia de Laje, concelho de Vila Verde, sob o artigo 582 urbano.
c) O edifício referido na alínea anterior foi construído pelos impugnantes num prédio rústico que compraram verbalmente, já no estado de casados, no ano de 1974, a D… e mulher E…
d) Em 23 de Janeiro de 2008, a administração tributária procedeu às liquidações do imposto do selo relativo à transmissão gratuita a que se reporta a escritura pública atrás referida, cujas demonstrações constam de fls. 19 e 20 e aqui se dão por reproduzidas.
e) Como consta das referidas demonstrações, foi considerado o valor tributável de 30.275,00 euros por cada liquidação, correspondente ao prédio urbano referido na alínea b).
f) A data limite para o pagamento voluntário do imposto liquidado foi a de 30 de Abril de 2008.
g) Em 18 de Julho de 2008, foi apresentada a petição inicial da presente impugnação judicial.
2.2 No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, procedeu à reforma da tributação do património, aprovando os Códigos do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), revogando os Códigos do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD) e da Contribuição Autárquica (CCA), procedendo a várias alterações de diversa legislação tributária conexa com a reforma empreendida.
A partir da chamada “Reforma da Tributação do Património”, operada pelo citado Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o antigo imposto sobre sucessões e doações foi revogado, sendo que as transmissões gratuitas (doação e sucessão por morte) passaram a ser tributadas em sede do imposto do selo sobre transmissões gratuitas.
O Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro veio também estender ou alargar a transmissões gratuitas o campo de incidência do Código do Imposto do Selo.
Com efeito, foi alargado o âmbito da incidência objectiva deste imposto, sendo que o mesmo tributa as transmissões gratuitas que tenham por objecto, entre outros, o direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião.
Assim, sob a epígrafe “Incidência objectiva”, o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo estabelece que «O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens».
E, por seu lado, a alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo 1.º do Código do Imposto do Selo preceitua que «Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião».
Por sua vez, e segundo a verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, o imposto do selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de «aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião (…)».
Chama-se usucapião à posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, o que faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação – nos termos do artigo 1287.º do Código Civil.
Do específico regime legal do imposto do selo, logo se vê que o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo, incluindo as transmissões gratuitas de bens. E, constituindo embora a usucapião uma aquisição originária (artigo 1287º e seguintes do Código Civil), é a aquisição por usucapião considerada, para efeitos fiscais, uma transmissão gratuita de bens imóveis.
Tal aquisição, consonantemente, aliás, com o princípio da expressão formal dos actos tributáveis em imposto do selo, só ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou “transmissão”: a data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial – cf. a alínea r) do artigo 5.º do Código do Imposto do Selo [“Nascimento da obrigação tributária”].
O que é certo, no entanto, é que o acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Tal base é, pois, o pressuposto de facto ou o facto gerador da imposição – cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 266.
Segundo o ensinamento de Alberto Pinheiro Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss., no Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade, que se traduz no brocardo latino nullum tributum sine lege, ou nullum vectigal sine lege, paralelo àquele outro, vigente no Direito Penal, nullum crimen sine lege. Assim como não há crime que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal, também não haverá imposto que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal. Nisto consiste a tipicidade do imposto. O facto tributável, com ser um facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva. Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue se eles se verificarem. Sobre o conceito de "implicação intensiva", cf. Castanheira Neves, Questão-de-facto-Questão-de-direito, p. 264, e ainda J. Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1991, 5.ª reimpressão, p. 187.
A tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto.
Cf. o que vem de dizer-se no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de Outubro 2009, proferido no recurso n.º 652/09.
2.3 No caso sub judicio, a sentença recorrida pondera, além do mais, como segue.
[…] o imposto de selo, mesmo quando está em causa uma aquisição por usucapião, só incide sobre o bem que, ab initio, não se encontrava no património do adquirente pois que só esse bem foi, na perspectiva da lei fiscal, presumivelmente transmitido.
Se a aquisição por usucapião é, em termos fiscais, uma transmissão, ela só pode ter relevância, enquanto tal (enquanto transmissão fiscal) na medida em que tenha por objecto algo que não integrava o património do transmissário, algo que não era sua propriedade, pois só desse modo se pode conceber uma transmissão uma coisa que passa do património de uma pessoa para o património de outra, uma coisa que se transmite. E é sobre essa transmissão que incide o imposto do selo.
Por outro lado, importa não perder de vista que as transmissões tributáveis em imposto do selo são as transmissões gratuitas, isto é, aquelas que não implicaram qualquer contrapartida económica da parte do transmissário.
Sendo isto assim, facilmente se pode concluir que a liquidação do imposto de selo aqui impugnada é ilegal.
Com efeito, a administração tributária, partindo de uma escritura de justificação notarial de posse realizada pelos Impugnantes considerou que estes adquiriram por usucapião e que, portanto, lhes foi transmitido gratuitamente um prédio urbano.
Trata-se, salvo o devido respeito, de claro equívoco.
O prédio urbano que a administração tributária considerou transmitido para os Impugnantes não lhes foi transmitido, antes foi pelos mesmos construído sobre um terreno que, esse sim, lhes foi transmitido.
De resto, a construção do prédio, representou um acto de posse dos Impugnantes sobre o referido terreno conducente, entre outros, à usucapião do dito terreno.
Tendo o edifício que se encontra implantado no terreno transmitido e aqui em causa sido construído pelos Impugnantes jamais se pode considerar, por um lado, que o mesmo lhes foi transmitido e, por outro, que o foi a título gratuito.
Aliás, mesmo que houvesse dúvidas sobre o sentido interpretativo das normas de incidência – e pensamos que não há – sempre seria de considerar a substância económica dos factos e, a esta luz, parece-nos indiscutível que edifício construído no terreno resultou do investimento de activos patrimoniais dos Impugnantes e, como tal, não se pode considerar que lhes foi transmitido e muito menos a título gratuito – cfr. art. 11º nº 3 da LGT.
Finalmente, refira-se que o facto de a norma do art. 5º alínea r) do CIS estatuir que a obrigação tributária se considera constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial e de a norma do art. 13º n° 1 do CIS referir que o valor dos imóveis a considerar nas transmissões gratuitas ser o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, não permite, em nosso entender, extrair qualquer argumento no sentido de que o valor a considerar para efeitos de tributação é o valor de todo o prédio incluindo, portanto, o edifício que nele se acha implantado.
E não permite porque, previamente à questão do valor do bem imóvel a considerar, coloca-se, como prius lógico, a questão da determinação do bem imóvel que foi objecto da transmissão gratuita tributável.
Na realidade, o que está em causa não é simplesmente o valor a atender para efeitos de imposto de selo, ou o momento apenas em que esse valor deve ser atendido.
A questão que, antes de todas, importa equacionar, previamente a saber qual o valor a atender para efeitos de imposto de selo, é a questão de saber qual o objecto de incidência do imposto de selo devido no caso: o acto de aquisição do prédio usucapido, ou também o acto de aquisição das benfeitorias nesse prédio levadas a cabo pelos impugnantes, ora recorridos?
E o certo é que só o acto de aquisição do prédio usucapido é que pode inscrever-se no âmbito de incidência objectiva do imposto de selo, e não o acto de aquisição das obras ou benfeitorias nesse prédio realizadas.
De harmonia com as supracitadas disposições do n.º 1 e do n.º 3, alínea a), do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, e da verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, é objecto de incidência em imposto de selo não mais que o acto de «a aquisição por usucapião».
E, por isso, julgamos que não poderá dizer-se, com carácter genérico, que o valor tributável nas aquisições por usucapião é o valor patrimonial tributário do prédio adquirido, no momento do nascimento da obrigação tributária (trânsito em julgado da acção de justificação judicial ou celebração da escritura de justificação notarial), sem qualquer dedução – proposição que estará na base dos actos de liquidação impugnados.
Na verdade, só depois de definido e identificado o objecto de incidência do imposto do respectivo imposto é que poderá saber-se se do valor tributável deve ser “deduzido” ou subtraído algum “valor” indevidamente incluído no valor tributável em imposto de selo. É que pode dar-se o caso, como é seguramente o presente, de, por via de indevida compreensão na norma de incidência, estarem incluídos no valor tributável em imposto de selo “valores” que nada têm a ver com o valor do acto ou do facto tributário previsto na lei de tributação: o acto de aquisição de valores em obras ou benfeitorias feitas pelo usucapiente no prédio usucapido, e não apenas, como simplesmente deve ser, a «aquisição por usucapião».
Estamos deste modo a concluir, e em resposta à questão decidenda, que as liquidações impugnadas foram operadas exorbitando das normas de incidência objectiva do Código do Imposto do Selo – pelo que devem as liquidações impugnadas ser anuladas, na medida de tal exorbitância.
Quer dizer: as liquidações impugnadas devem ser anuladas na exacta medida em que as mesmas exorbitam dos limites legais de incidência objectiva, balizados apenas pelo acto de «aquisição por usucapião», fora do qual se encontra evidentemente o acto de aquisição de obras ou de benfeitorias realizadas pelo usucapiente.
Então, havemos de convir, em síntese, que pelo imposto do selo tributam-se, inter alia, os actos de aquisição de imóveis, incluindo o acto de aquisição por meio de usucapião.
E, assim, o acto de «aquisição por usucapião» do imóvel usucapido é objecto de incidência de tributação em imposto de selo, e não também o acto de aquisição de obras ou benfeitorias realizadas no mesmo imóvel pelo próprio usucapiente.
3. Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se em parte a sentença recorrida que, todavia, se mantém na dimensão em que anula as liquidações por tributarem valores relativos às aludidas benfeitorias.
Custas pela recorrente Fazenda Pública, no grau do seu decaimento, também na instância, fixando-se a procuradoria em um oitavo.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2010. - Jorge Lino (relator) – Casimiro Gonçalves – Dulce Neto.