Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01248/04
Data do Acordão:12/07/2004
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VÍTOR MEIRA
Descritores:IRS.
SINAIS EXTERIORES DE RIQUEZA.
VALOR DE AQUISIÇÃO.
AQUISIÇÃO DE BENS.
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA.
Sumário:Não contendo a tabela inserta no artigo 89º-A da LGT qualquer indicação do que se deve entender por valor de aquisição, não pode a administração fiscal pretender que nesse valor se incluem os montantes pagos de sisa e encargos com a escritura, por tal entendimento não ter na letra da lei um mínimo de correspondência, sendo certo que o próprio CIRS, no artigo 46º nº1, considera valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa, isto é, o preço do imóvel.
Nº Convencional:JSTA00061264
Nº do Documento:SA22004120701248
Data de Entrada:11/22/2004
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO - DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF MIRANDELA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:LGT98 ART11 N1 ART89-A.
CCIV66 ART9 N1 N2.
CIRS88 ART46 N1 ART51 B.
Aditamento:
Texto Integral: A... impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela a fixação do rendimento tributável em IRS do ano de 2002 através da aplicação de métodos indirectos.
Por sentença da Mª Juíza daquele Tribunal foi a impugnação julgada procedente, anulando-se a decisão recorrida.
Não se conformando com o decidido recorreram o Ministério Público e o Director-Geral dos Impostos para este Supremo Tribunal Administrativo, formulando, respectivamente, as seguintes conclusões:
Recurso do Ministério Público:
1- No conceito legal “valor de aquisição” de um imóvel a que se refere o nº 4 do art. 89-A da LGT cabe todo o montante despendido na compra do bem, nomeadamente, além do preço da coisa, os encargos com a escritura e o montante pago a título de imposto de sisa.
2 - A sentença recorrida não perfilhando tal entendimento violou o art. 89-A da LGT.
3 - Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o recurso interposto por A....
4 - Com o que se julgará procedente, como é de lei e de justiça, o nosso recurso aqui interposto.
Recurso do Director-Geral dos Impostos:
1 – A douta sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos ao fazer uma interpretação meramente literal do artigo 89º-A da LGT, devendo, em consequência, ser revogada.
2 – A interpretação das normas fiscais está sujeita às regras consagradas no artigo 11º da LGT e 9º do Código Civil.
“...não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada...” e, havendo dúvidas sobre o sentido das normas a aplicar “deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.
3 – No caso sub judice a substância económica é a capacidade contributiva que subjaz à manifestação de fortuna (aquisição do bem que a exibe).
4 – O conceito de “valor de aquisição” utilizado no n.º 1 da Tabela constante do n.º 4 do artigo 89º-A da LGT integra necessariamente, pois, o preço de aquisição, o imposto da sisa e as despesas de escritura.
5 – A douta sentença recorrida enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, devendo, por isso, ser anulada.
Cumpre decidir.
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. Por decisão datada de 18-02-2004, o Sr. Director-Geral dos Impostos fixou à Recorrente, para o ano de 2002, o conjunto de rendimentos líquidos, no montante de 122.844,65 Euros, por recurso aos métodos indiciários – documento n.º 2 (Nota de fixação/alteração) junto com a petição.
2. A fundamentação da decisão foi remetida para a informação 24/2003 da Direcção-Geral dos Impostos – Gabinete do Director-Geral, cujo teor dou aqui por reproduzido.
3. A Recorrente, oportunamente, entregou no serviço competente a sua declaração modelo 3 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, do ano de 2002, na qual mencionou no anexo A – Rendimentos de Trabalho Dependente – 1.115,03 Euros e no anexo F – Rendimentos Prediais – 66.054,45 Euros.
4. A Recorrente, por escritura pública de 18-01-2002, comprou várias fracções autónomas, pelo preço de 554.164, 47 Euros.
5. Pagou de sisa pela transacção referida em 4) 55.416,45 Euros e 4.642,32 de despesas de escritura.
6. A decisão referida em 1) foi notificada à Recorrente em 09-03-2004, por carta registada com aviso de recepção – fls. 58 a 60.
Assentes tais factos apreciemos o recurso.
A divergência suscitada no recurso entre os recorrentes e a sentença recorrida respeita ao conceito de valor de aquisição para efeitos do artigo 89º-A da LGT e sobre quais os elementos que para tal deverão ser considerados.
O artigo 89º-A da LGT, na parte aqui relevante, preconiza a avaliação indirecta da matéria colectável quando sejam declarados rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão constante da tabela nele contida. Nessa tabela considera-se rendimento padrão, no caso de imóveis de valor de aquisição igual ou superior a 50.000 contos (correspondentes a 249.398,95€), 20% do valor de aquisição. Neste artigo não se indica como se deve interpretar a expressão “valor de aquisição” e daí resulta a divergência de entendimentos questionada nos autos. A questão é especialmente relevante porque, se se entender que o valor de aquisição é o valor da venda não existe a desproporção que justifique a avaliação indirecta nos termos deste artigo. Se porém se entender que a sisa paga e o custo da escritura se integram no valor de aquisição já se verificará a desproporção superior a 50% referida, justificativa de tal avaliação.
Prescreve o artigo 11º nº1 da LGT que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. E o artº 9º do C. Civil prescreve que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições temporais de aplicação (nº1), salvaguardando, porém, não poder ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº2). Face a estes princípios gerais de interpretação vejamos agora que entendimento dar à norma em causa relativamente ao conceito de “valor de aquisição”.
Que em sentido literal o valor de aquisição é o que for pago pelo comprador ao vendedor parece não oferecer dúvidas. Mas será esse o entendimento a dar à expressão para efeitos da tabela inserta no artigo 89º-A da LGT? No caso vertente está em causa a tributação em IRS. Por isso, vejamos o que consta das normas do respectivo código referentes a situações diferentes mas que poderão ajudar na interpretação do sentido da expressão em causa. No artigo 46º nº1 do CIRS, cuja epígrafe é “Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis”, consigna-se, para efeitos de mais-valias, que “se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa”. E no artigo 51º al. b) do mesmo código, sob a epígrafe “Despesas e encargos”, também para efeitos de mais-valias, refere-se que ao valor de aquisição acrescem as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação. Ora, como diz a sentença recorrida, se ao valor de aquisição acrescem as despesas tal significa que estas se não contém naquele valor, sendo algo que, para aquele efeito, acrescerá, mas que não tem necessariamente que acrescer em outros casos. Afigura-se-nos por isso que, sendo distintos o valor de aquisição e os encargos e referindo a tabela apenas o valor de aquisição, a interpretação pretendida pelos recorrentes não tem, in casu, um mínimo de correspondência na letra da lei, não podendo por isso sufragar-se tal entendimento. Não havendo correspondência na letra da lei, ainda que mínima, não há que recorrer aos demais elementos de interpretação das normas. Tendo a sentença recorrida julgado desse modo a situação, fê-lo correctamente.
Em conformidade com o exposto, acorda-se em conferência neste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento a ambos os recursos, assim mantendo a sentença recorrida.
Custas apenas pelo Director-Geral dos Impostos com 1/6 de procuradoria.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2004. – Vítor Meira (relator) – Jorge de Sousa – Brandão de Pinho.