Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01200/16.7BESNT-A |
Data do Acordão: | 11/19/2020 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | MADEIRA DOS SANTOS |
Descritores: | APRECIAÇÃO PRELIMINAR ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO PRESCRIÇÃO |
Sumário: | É de admitir a revista do acórdão revogatório do saneador que – numa acção de indemnização por responsabilidade médica e hospitalar – julgara a improcedente a excepção de prescrição deduzida pelo comitente público, porque o recurso coloca questões relacionadas com essa figura necessitadas de esclarecimento e de directrizes firmes. |
Nº Convencional: | JSTA000P26824 |
Nº do Documento: | SA12020111901200/16 |
Data de Entrada: | 11/03/2020 |
Recorrente: | A............ E OUTROS |
Recorrido 1: | COMPANHIA DE SEGUROS ............, SA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo: A…………, identificado nos autos, interpôs a presente revista do aresto do TCA Sul que, revogando o despacho saneador do TAF de Sintra na parte em que aí se julgara improcedente a excepção de prescrição deduzida pela ré B…………, SA – na acção de indemnização instaurada pelo ora recorrente e outros contra vários réus, por responsabilidade médica – julgou procedente a mesma excepção e absolveu do pedido essa ré e apelante. O recorrente pugna pela admissão da sua revista por ela recair sobre questões relevantes e mal decididas. A B…………, SA, contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista. Cumpre decidir. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA). A acção dos autos, proposta nos tribunais comuns em 17/4/2015, funda-se em responsabilidade médica e hospitalar alegadamente causadora da morte da mulher do aqui recorrente e mãe dos restantes autores, ocorrida em 10/8/2008. A ré aqui contra-alegante – que é gestora do hospital …………, onde a senhora faleceu – excepcionou a prescrição do direito indemnizatório. O TAF denegou a excepção peremptória porque correu um processo penal contra os médicos – os quais foram condenados por homicídio negligente, através de sentença proferida em 14/6/2013 e transitada em 2/4/2014 – daí derivando a impossibilidade de se haver iniciado o prazo prescricional (de cinco anos – art. 498º, n.º 3, do Código Civil) em relação aos demais responsáveis (art. 306º, n.º 1, do Código Civil). Mas o TCA recusou a aplicabilidade desse art. 306º, n.º 1, e negou que o princípio da adesão (do pedido cível ao processo penal) funcionasse «in casu». Pelo que revogou a pronúncia recorrida e, considerando verificada a prescrição invocada por essa ré, absolveu-a já do pedido. Nesta sua revista, o recorrente insurge-se contra o acórdão «sub specie», defendendo a solução enunciada na 1.ª instância. A revista censura o TCA porque este teria afirmado que o prazo prescricional era de três anos. Mas essa crítica é desmentida pelo pormenor do aresto «sub specie» ter aludido ao art. 498º, n.º 3, do Código Civil, assim sugerindo que o prazo era realmente de cinco anos. Assim, o acórdão está, «prima facie», imune a esse erro, imputado no recurso. A revista também não é prometedora ao defender que o art. 306º, n.º 1, do Código Civil é aqui operativo – como se os autores, cientes do seu direito indemnizatório na data do falecimento da sua esposa e mãe (art. 498º, n.º 1, do Código Civil), já estivessem então impedidos de o exercitar por causa de uma acção penal só deduzida depois. É certo que esse art. 306º, n.º 1, incorpora uma regra geral de direito, cuja aplicabilidade não pressupõe, em princípio, uma qualquer cadeia de remissões; porém, o art. 498º, n.º 1, do Código Civil marca o «dies a quo» do prazo para exercer direitos de indemnização, estando as situações de impedimento desse exercício regidas pelo art. 321º do mesmo diploma. «In hoc casu», o êxito da revista parece depender da resposta à seguinte questão: se o processo penal movido ao comissário interrompe a prescrição do direito oponível ao comitente público; pois, se interrompesse, seguir-se-ia a aplicação do art. 327º, n.º 1, do Código civil – e a excepção improcederia. Ademais, a revista também coloca o problema de saber se – mesmo não havendo tal interrupção – a presença do processo criminal impede o lesado de demandar o comitente público autonomamente (arts. 71º e 72º do CPP). Ora, a problemática ligada a esses dois pontos merece a atenção do Supremo, por se tratar de matéria recolocável múltiplas vezes e necessitada, pelos vistos, de directrizes claras e firmes. Assim, e considerada a relevância jurídica do assunto – para além do seu melindre, porque nos deparamos com um dano de morte – justifica-se o recebimento da revista. Nestes termos, acordam em admitir a revista. Sem custas. Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/3, o relator atesta que os Exms.º Juízes Adjuntos – a Sr.ª Conselheira Teresa de Sousa e o Sr. Conselheiro Carlos Carvalho – têm voto de conformidade. Lisboa, 19 de Novembro de 2020 |