Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0209/16.5BEAVR
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28563
Nº do Documento:SA2202111240209/16
Data de Entrada:11/04/2021
Recorrente:A..............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………….., recorrente nos autos à margem identificados em que é recorrida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, não se conformado com o Acórdão proferido nestes autos que nega provimento ao recurso interposto da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que confirma a sentença recorrida com a manutenção da liquidação na ordem jurídica, vem, nos termos do disposto no artº 285º do CPPT interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, estando em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, reveste-se de importância fundamental, sendo ainda a sua admissão claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, designadamente a interpretação e aplicação da Diretiva e do disposto no artº 38º nº 1 do CIRS.

Alegou, tendo concluído:
1 - Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido nestes autos que nega provimento ao recurso que recai sobre a sentença proferida pelo TAF do Porto e mantém a liquidação na ordem jurídica, estando em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, reveste-se de importância fundamental, sendo ainda a sua admissão claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, designadamente a interpretação e aplicação da Diretiva e do disposto no artº 38º nº 1 do CIRS.
2 – A leitura dos factos acolhidos no probatório, ainda que não tenha merecido a alteração pretendida pela recorrente, e respetiva subsunção ao direito sustenta a pretensão da recorrente nesta impugnação.
3 – A decisão objeto de impugnação confunde a suposta inaplicabilidade do regime da neutralidade fiscal na constituição da sociedade e os reflexos dessa eventual violação ao artigo 38º do CIRS no que tange à transferência do estabelecimento individual.
4 – Numa primeira análise considera-se provado que a conta POC constituída pelas retiradas efetuadas para pagamento dos financiadores da compra da farmácia para de seguida se considerar o contrário.
5- O que tem igual consequência no que respeita à decisão de não se considerar provado o pagamento da importância de €1.607.952,79.
6 - Se as retiradas efetuadas pela recorrente, devidamente refletidas e explicadas nas contas, foram para pagamento do financiamento, capital e juros, esta importância não constitui dívida, mas o pagamento de dívida.
7 - A AT partindo de um raciocínio presuntivo, acolhido na decisão recorrida, ficciona um rendimento da recorrente;
8 – O resultado tributável em sede de categoria B de IRS terá de ter em consideração que as mais ou menos valias resultantes da alteração/transmissão dos ativos de investimento serão determinadas de acordo com as regras fiscais, previstas nos artigos 46º e 47º do Código do IRC, por remissão do artigo 32º do CIRS.
9 – Contrariamente o que consta da pág. 14 do relatório no âmbito da atividade inspetiva elaborado pela AT, é possível determinar o valor das mais ou menos valias contabilísticas e fiscais decorrentes da alienação/transmissão de tais ativos com base nos documentos que integram a organização contabilística.
10- Além do efetivo custo de aquisição do estabelecimento de Farmácia denominada Farmácia B……….., conforme factualidade considerada provada, devem considerar-se as menos valias resultantes das despesas realizadas e devidamente comprovadas pela impugnante.
11 - Assentando a liquidação de imposto objeto de impugnação em errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos patrimoniais;
12 - Uma vez que a decisão recorrida faz errada qualificação dos documentos contabilísticos da impugnante;
13 - E, consequentemente uma errada avaliação da sociedade “Exemplo Direto”.
14 - A declaração de rendimentos efetuada pela recorrente, é verdadeira, exata e não apresenta qualquer vício e/ou irregularidade.
15 - Assim sendo, não se verifica qualquer fundamento para que a AT tenha procedido à alteração da declaração de rendimentos e consequentemente à respetiva liquidação do imposto sob apreciação.
16 - Podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que, no caso sob apreciação é aplicável o regime jurídico da neutralidade fiscal aplicável às operações de transformação em sociedade comercial de uma atividade empresarial em nome individual, previsto no artigo 38.º do CIRS.
Termos em que, pelas razões aqui explanadas, no melhores de direito, deve o presente recurso merecer total provimento e consequentemente revogada a liquidação objeto de impugnação, com todas as demais consequências legais.

Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, pelo que, há, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não se encontra no âmbito deste tipo de recurso o conhecimento de questões de constitucionalidade, bem como não é permitido o conhecimento de questões de facto, cfr. n.ºs. 3 e 4.
Com o presente recurso a recorrente pretende que este Supremo Tribunal aprecie, designadamente, a interpretação e aplicação da Diretiva n.º 90/434/CEE, de 23 de Julho, relativa ao Regime Fiscal Comum Aplicável a Fusões, Cisões, Entradas de Ativos e Permutas de Ações entre Sociedades de Estados-Membros diferentes («Diretiva»), alterada pela Diretiva n.º 2005/19/CE, de 17 de Fevereiro. e do disposto no artº 38º nº 1 do CIRS ao caso concreto.
Porém, lido atentamente o acórdão recorrido é manifesto que a decisão de não provimento se fundou não numa errada interpretação das normas legais que regulam a matéria, mas antes no facto de não se ter provado, ou se ter provado o contrário, no que respeita aos factos integradores e determinantes que permitiriam a aplicação de tais normas.
Como segmento fulcral do acórdão recorrido quanto à razão pela qual se decidiu pelo não provimento do recurso extrai-se o seguinte excerto:
Com efeito, não existe qualquer elemento documental, quer nos autos, quer no PA apenso, que ateste o alegado pela impugnante. Por outro lado, também por nenhuma das testemunhas arroladas pela impugnante foi dito que esta procedeu ao pagamento do passivo de 1.607.952,79, antes resultando o contrário, nomeadamente do depoimento da testemunha C……….., TOC do estabelecimento em nome individual, o qual referiu que, no final do estabelecimento em nome individual, limitou-se a fazer o apuramento dos resultados, não modificando quaisquer contas que assim transitaram para a sociedade “D………., Lda.” [nas quais constavam já esse passivo], desconhecendo que a impugnante tivesse procedido à liquidação das dividas, ao que acresce o facto de no RIT vir expressamente referido, com base nos elementos contabilísticos da sociedade “D…………, Lda.”, que esta, em Outubro de 2010, contraiu um empréstimo no valor de €2.500.000,00 junto do Banco Santander Totta, tendo em vista liquidar os empréstimos bancários [transferidos pela impugnante] e o empréstimo da participante “………..” [nota de rodapé 5 do RIT que consta do facto 10) da matéria assente], o que corrobora, inequivocamente, que a impugnante não procedeu à liquidação do passivo que o estabelecimento em nome individual apresentava à data de 31-12-2009.
Atente-se que este passivo de € 1.607.952,79 constava do balanço a 31-12-2009, elaborado pela testemunha C……….. e permaneceu inalterado com as correcções levadas a cabo pelos SIT, que apenas corrigiu uma conta do activo [no caso a conta “………–A………..”], por contrapartida de uma subconta de capital.
Sobressai, assim, como já dissemos anteriormente, que a impugnante recebeu uma quota de 50% no capital social da “D…………, Lda.”, no valor de € 400.000,00; que recebeu, ainda, um cheque no valor de € 1.000.000,00; que entregou activos no montante de € 372.700,61 e que se libertou de passivos no valor de € 1.607.952,79, tudo perfazendo o montante total de € 2.635.252,18, sendo este o valor das contrapartidas recebidas pela impugnante pela transmissão da “Farmácia B………..” para a sociedade “D……….., Lda.” e não os atribuídos € 400.000,00, como consta do contrato de sociedade “D………., Lda.”, pelo que se conclui que não houve uma valorização pelo valor líquido correspondente aos elementos do activo e do passivo transferidos em resultado da aplicação das regras contabilísticas e fiscais.
Perante o exposto, importa afirmar, sem qualquer dúvida, que não se encontravam preenchidos todos os pressupostos para a aplicação do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 38.º, n.º 1, do Código do IRS.
Afastada, assim, a possibilidade de aplicação do regime de neutralidade fiscal ao negócio de transmissão da “Farmácia B……….” para a sociedade “D………., Lda.”, importa salientar que este estará sujeito a tributação na esfera da impugnante, se o mesmo tiver potenciado mais-valias.
Ou seja, a principal razão pela qual não se reconheceu o “direito” à recorrente não passou por uma errada ou menos correcta interpretação das normas legais, antes foi imposta pela falta de prova dos elementos de facto essenciais para que a questão pudesse ser subsumida às referidas normas legais, bem como das ilações de facto que as instâncias retiraram dos factos provados.
Assim, é evidente que o recurso não pode ser admitido para apreciar tais questões, tanto mais, que as questões que a recorrente pretende discutir resultam, principalmente, da singularidade da situação de facto concreta, não se vendo, também, que ocorra um erro evidente e manifesto no julgamento feito.
Assim, o recurso não pode ser admitido, por não se mostrarem reunidos os critérios legais para a sua admissão.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso excepcional de revista.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 24 de Novembro de 2021. - Aragão Seia (relator) - Isabel Marques da Silva - Francisco Rothes.