Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01466/13.4BEPRT
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATO DE CONCESSÃO
FARMACIA HOSPITALAR
INCUMPRIMENTO DE CONTRATO
EQUILÍBRIO FINANCEIRO DO CONTRATO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA que manteve o juízo do TAF de improcedência da presente ação administrativa - na qual se discute, nomeadamente, o incumprimento de contrato de concessão de gestão e de exploração de farmácia hospitalar celebrado ao abrigo do DL n.º 235/2006 e a necessidade do seu reequilíbrio financeiro - se no entendimento firmado pelas instâncias não se vislumbra que, no plano dos raciocínios lógicos ou jurídicos, o mesmo enferme de erros manifestos, seja em termos da estrita interpretação das regras, seja no plano da confrontação com os princípios pertinentes, e se relativamente às questões suscitadas não se descortina uma especial relevância social ou um indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso concreto
Nº Convencional:JSTA000P25966
Nº do Documento:SA12020052101466/13
Data de Entrada:03/06/2020
Recorrente:A.................., SA
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DE S. JOÃO, E.P.E.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………….., SA [doravante R.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 29.11.2019 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 2797/2861 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso de apelação pela mesma deduzido e que manteve a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/P] [cfr. fls. 2191/2342], a qual havia julgado procedente a ação administrativa contra si instaurada pelo CENTRO HOSPITALAR DE S. JOÃO, EPE [doravante A.] condenando-a a pagar ao A. «o valor de € 2.302.188,20, acrescido de juros de mora desde o dia seguinte ao termo da data do vencimento de cada uma das faturas até efetivo e integral pagamento» e absolvendo o A. do pedido reconvencional contra si formulado [respeitante ao pedido de condenação do A. no pagamento à R. do montante mínimo de 2.908.277,00 €, a título de compensação/indemnização devida pelos prejuízos causados pelo incumprimento contratual que se consubstancia na obrigação de reposição do respectivo equilíbrio financeiro, acrescida de juros de mora].

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 2870/2906] na «relevância jurídica» e, bem assim, na melhor aplicação do direito fundada no erro de julgamento que acomete ao acórdão recorrido, já que proferido com alegada violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 37.º e 49.º, do DL n.º 235/2006, 81.º, al. f), e 266.º, da Constituição da República Portuguesa [CRP], 05.º, 06.º e 06.º-A, todos do Código Procedimento Administrativo [CPA], 01.º, 282.º, 314.º, 327.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Contratos Públicos [CCP], 428.º, e 762.º, n.º 2, do Código Civil [CC], porquanto sustenta ter ocorrido na situação uma violação da obrigação de reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato e que seria ainda legítima a invocação da exceção de não cumprimento dada a ocorrência de uma alteração superveniente dos pressupostos que acompanharam a negociação e celebração do contrato de concessão de gestão e de exploração da farmácia hospitalar do Hospital de S. João, mercê da «redução drástica do preço e margens de lucro na venda dos medicamentos de marca e de medicamentos genéricos selecionados» que ocorreu «por via legislativa e, nessa medida, por facto imputável apenas à contraparte» dado ter sido o Estado «aquele que alterou o valor dos medicamentos e margens de venda», sendo que «não podia ignorar estes pressupostos como determinantes para a vontade de contratar nos termos em que o foi».

3. O A. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 2912/2927] nas quais pugna, desde logo, pela não admissão da presente revista.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Na ação administrativa sub specie o TAF/P julgou, por um lado, procedente a pretensão condenatória deduzida pelo A., aqui recorrido, e, por outro lado, improcedente a pretensão condenatória formulada em sede de pedido reconvencional pela R., ora recorrente, fundando tais juízos, respetivamente, na demonstração do incumprimento contratual havido por parte desta última e que correspondeu a uma dívida ao A. no valor global que veio a ser objeto de condenação, e na ausência de demonstração por parte da R. da ocorrência de uma situação que motivasse a reposição do equilíbrio financeiro do contrato e da necessidade de funcionamento do mecanismo, inexistindo, de igual modo, «qualquer motivo justificativo que leve a R. a invocar a exceção de não cumprimento do contrato, consubstanciada no não cumprimento da obrigação de pagamento das rendas e dos consumos de água e eletricidade» e, bem assim, para o invocado direito de retenção [cfr. 2191/2342].

7. O TCA/N confirmou inteiramente este juízo, negando provimento ao recurso da R. quanto aos erros no julgamento de facto e de direito que a mesma lhe assacou.

8. A alegação expendida pela R., aqui recorrente, não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie, no sentido de que as instâncias decidiram com pleno acerto, tanto mais que não se vislumbra que, no plano dos raciocínios lógicos ou jurídicos, a interpretação acolhida pelas mesmas enferme de erros manifestos seja em termos da estrita interpretação das regras, seja no plano da confrontação com os princípios pertinentes, encontrando-se o juízo sob impugnação sustentado em fundamentação jurídica plausível e razoável, que afasta a clara necessidade da intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para uma melhor aplicação do direito.

9. Ademais, temos que o juízo impugnado se mostra marcadamente estribado por aquilo que foi o concreto julgamento de facto firmado pelas instâncias realidade esta que condiciona ou mesmo aniquila a virtualidade de expansão de controvérsia das questões colocadas na revista de molde a considerá-la como dotada de relevância jurídica ou social fundamental no sentido de a decisio litis a proferir poder ser orientadora em hipotéticos casos futuros, não revestindo, assim, tal questão, interesse comunitário relevante que extravase os limites do caso concreto e a sua singularidade, na certeza de que não foram sinalizados e desconhecem-se outros litígios com contornos similares e nos quais se debatam estas mesmas questões.

10. Por fim, atenta as mudanças legislativas havidas quanto ao regime de instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e as condições da respetiva concessão por concurso público que conduziram à sua revogação pelo art. 04.º, al. b), do DL n.º 75/2016 [in casu o DL n.º 241/2009 o qual havia revogado o anterior regime definido pelo DL n.º 235/2006] temos que também por isso as quaestiones juris não apresentam grau de controvérsia bastante ou litigiosidade significativas e que transcendam o caso, já que insuscetíveis de serem repetíveis ou recolocadas em casos futuros e que justifiquem a necessidade de admissão deste recurso excecional de revista.

11. Assim, tudo conflui para a conclusão de que a presente revista mostra-se inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo face à valia da regra da excecionalidade supra enunciada, e, face ao juízo ora firmado, prejudicado o conhecimento de outras questões.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da R./Recorrente. D.N..

Lisboa, 21 de maio de 2020. – Carlos Carvalho (relator) – Madeira dos Santos – Teresa de Sousa.