Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0364/10
Data do Acordão:06/30/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
MAIS VALIAS
REINVESTIMENTO
DECLARAÇÃO
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
AUDIÇÃO PRÉVIA
DISPENSA
Sumário:I. A redução do prazo de caducidade do direito à liquidação para três anos, prevista no n.º 2 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, sucede, designadamente, nos casos em que ocorrer «erro evidenciado na declaração do sujeito passivo».
II. É claro que não ocorre «erro evidenciado na declaração do sujeito passivo», quando o contribuinte faz uma declaração de reinvestimento de mais-valias, à qual não dá inteiro cumprimento.
III. Tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa ao ano de 2003, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir a totalidade da mais-valia obtida – nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS (na redacção, aqui aplicável, anterior ao Decreto-Lei 361/2007, de 2 de Novembro) –, a liquidação adicional de IRS, operada, por falta de reinvestimento, nos dois anos seguintes, não carece de audição prévia do contribuinte declarante, por, nos termos dos n.ºs 1, alínea a), e 2 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, «a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte».
Nº Convencional:JSTA000P11969
Nº do Documento:SA2201006300364
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na qual «decide-se julgar procedente a presente impugnação, anulando-se a liquidação impugnada», nestes autos em que são impugnantes A…, e mulher.
1.2 Em alegação, a recorrente Fazenda Pública formula as seguintes conclusões.
I. A presente impugnação versa sobre a liquidação adicional de IRS do ano de 2003 com o nº 2007 5002805603, no valor de € 2.471,53.
II. Na douta sentença ora recorrida julgou-se procedente a impugnação deduzida por ter o M.mo Juiz entendido que, se verificou in casu a caducidade do direito à liquidação do tributo e a falta de notificação para o exercício do direito de audição.
Porém, salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com a decisão ora recorrida, pelos argumentos que de seguida se expõem.
III. A questão que se coloca nos presentes autos, reconduz-se a saber:
– Por um lado, se na sentença recorrida se fez correcto julgamento ao considerar que há um erro evidenciado na declaração dos sujeitos passivos, e, consequentemente, se revela aplicável ao caso ora em apreço o prazo especial de caducidade do direito à liquidação dos tributos previsto no art. 45º, nº 2 da LGT, a saber, o de 3 anos.
– e por outro lado, se ocorreu a preterição do dever de audiência prévia, violando, assim o disposto no art. 60º, nº 1 da LGT.
Vejamos então,
IV. Desde já se diga que a FP entende que não se verifica qualquer erro na declaração do sujeito passivo, muito menos um erro que possa ser qualificado como “evidenciado na declaração”,
V. e que determine, portanto, a aplicabilidade do prazo especial e mais curto previsto no art. 45º, nº 2 da LGT.
VI. Com efeito, o nº 2 do art. 45º da LGT determina a aplicação de um prazo mais curto que o prazo supletivo previsto no nº 1 quando ocorram casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo.
VII. Como é notório, aquele prazo de caducidade só tem aplicação – no que para o presente caso importa – nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, sendo que, como refere Diogo Leite Campos, tal erro “é aquele que é detectável mediante simples análise da declaração”.
VIII. Assim, a questão que se impõe é de saber se da (simples) análise da declaração do sujeito passivo resulta um erro evidente.
IX. Como consta da matéria de facto dada como provada, na declaração de rendimentos do ano de 2003, apresentada em 18-05-2004, os impugnantes declararam pretender reinvestir o produto da venda de um imóvel.
X. Tal declaração corresponde, como se retira da posição assumida pelos impugnantes nos presentes autos, à sua efectiva vontade.
XI. Donde se pode, desde logo, concluir pela absoluta inexistência de um erro, de uma divergência entre o declarado e a vontade real.
XII. Sendo, igualmente, certo que mesmo que tal erro tivesse ocorrido teria o mesmo de ser detectável mediante simples análise da declaração do sujeito passivo.
XIII. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a FP que da análise da declaração dos impugnantes não se pode concluir nem pela existência de um erro, nem tão-pouco que o mesmo, a existir, se revele evidente, desde logo, porquanto é perfeitamente admissível e possível que a intenção manifestada pelos sujeitos passivos não tivesse passado disso mesmo, um mero propósito.
XIV. Acontece que o referido artº 45º, nº 2 da LGT tem em vista apenas e só os erros manifestos e patentes nas declarações dos sujeitos passivos, o que, como se disse, não acontece no caso em apreciação.
XV. Em face do que se expôs é imperioso que se conclua pela impossibilidade de aplicação ao caso sub judicio do prazo especial de 3 anos previsto naquele normativo legal, mas sim o prazo de quatro anos, previsto no artº 45º, nº 1 da LGT.
XVI. Esse prazo, relativamente ao IRS, que é um imposto periódico, conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, como determina o nº 4 do mesmo normativo legal.
XVII. Assim o prazo de caducidade do direito de liquidação do IRS iniciou-se em 01.01.2004 e terminou em 31.12.2007, ora e tendo a liquidação sido notificada aos Impugnantes em Agosto de 2007 tem de se concluir que ela foi tempestivamente efectuada e notificada, não enfermando do vício que os mesmos lhe imputaram.
XVIII. O M.mo Juiz “a quo”, considerou, ainda, que no caso concreto não deveria ter sido dispensada a audiência prévia imposta pelo art. 60º, nº 1 da LGT, posição com a qual a FP não concorda.
XIX. Tal como já foi acima referido, os impugnantes manifestaram, na respectiva declaração de rendimentos que apresentaram em 18-05-2004, que pretendiam reinvestir a totalidade da mais valia obtida.
XX. Tal manifestação determina – até que os prazos legalmente previstos para que aquele reinvestimento ocorra – a suspensão da liquidação na parte da matéria tributável relativa a tal rendimento.
XXI. No entanto, e da análise às declarações de rendimentos entregues pelos impugnantes relativas aos anos de 2004 e 2005 constatamos que não foi por eles declarado o reinvestimento do restante valor de realização,
XXII. ou seja, não obstante a intenção de reinvestimento total, manifestada pelos impugnantes na declaração de rendimentos do ano de 2003, só podemos concluir que os mesmos não procederam efectivamente àquele reinvestimento, uma vez que não o declaram como era sua obrigação.
XXIII. Assim, e sendo o acto tributário consequência dos factos constantes das ditas declarações (a intenção de reinvestimento declarada à AT na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2003 e a não consumação da dita intenção declarada à AT nas declarações de rendimentos relativas aos anos de 2004 e de 2005) e não de qualquer alteração às declarações por parte da AT, é dispensada a notificação dos sujeitos passivos para exercer o direito de participação.
XXIV. No sentido pugnado pela FP, entre outros, o Ac. do STA, proc. nº 759/06, datado de 15-11-2006.
“Tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa ao ano de 1998, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respectivo preço, a liquidação adicional, efectuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, desse reinvestimento, não precisa de ser precedida da audição do contribuinte nos termos dos nºs 1 alínea a) e do 2 do art. 60º da Lei Geral Tributária.”
XXV. Por tudo o que ficou exposto, é entendimento da FP, que a liquidação ora em apreciação não padece das invocadas ilegalidades, ao contrário do que foi decidido pelo M.mo Juiz “a quo” na douta sentença recorrida, pelo que deverá manter-se na ordem jurídica.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que o recurso merece provimento – apresentando a seguinte fundamentação.
Objecto: Saber se há erro evidenciado na declaração do sujeito passivo e, consequentemente, se é aplicável o prazo especial de caducidade do direito à liquidação de 3 anos, previsto no n° 2 do artigo 45° da LGT. Apurar se ocorreu preterição do dever de audiência prévia, violando-se, desse modo, o disposto no artigo 60°, n° 1 do mesmo diploma legal.
No que concerne à primeira questão, tanto a Doutrina como a Jurisprudência têm vindo a entender, que a aplicação do prazo de caducidade encurtado previsto no n° 2 do artigo 45° da LGT se restringe a situações de evidente facilidade de fixação da matéria tributável, em que o erro é detectável pela mera análise da declaração sem necessidade de recorrer a diligências especiais (Diogo Leite de Campos, Benjamin Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em “Lei Geral Tributária, anotada e comentada”, anotação ao artigo 45° e acórdão do STA de 26/09/2007, processo n° 481/07).
Julgamos que neste ponto a posição da Recorrente e a defendida na decisão recorrida são coincidentes. Com efeito, nesta última, entendeu-se que “a liquidação em causa não resulta, directamente da declaração do contribuinte, mas antes da ponderação desta com a circunstância de nos dois anos seguintes não ter sido declarado o reinvestimento da mais-valia auferida”.
Assim sendo e porque, de facto, do probatório não se extrai estarmos perante uma situação de erro evidenciado na declaração do contribuinte, o direito de liquidar o tributo caduca no prazo previsto no n° 1 do citado preceito legal, ou seja, a liquidação terá de ser validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos.
No que respeita à segunda questão, relativa à eventual preterição do direito de audiência prévia, deve atentar-se que esta constitui uma manifestação do princípio do contraditório e uma garantia de defesa do direito do contribuinte, cuja violação ou incorrecta realização pode determinar violação de formalidade essencial e, consequentemente conduzir à ilegalidade do acto.
Deve, no entanto, ponderar-se que isso não acontecerá sempre que a formalidade preterida se degradar em formalidade não essencial, o que ocorrerá quando se está perante decisão que não pudesse ser outra que não a efectivamente tomada, seja por força de uma actividade vinculada seja por resultar de mera operação aritmética (neste sentido o acórdão do STA de 25/06/2008, processo n° 392/08).
Será que, no caso concreto, a audição prévia do sujeito passivo era obrigatória ou apenas uma formalidade não essencial?
Sobre esta questão sufragamos o entendimento adoptado pelo acórdão de 15/11/2006, processo n° 759/06, citado pela Recorrente, segundo o qual “Tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa ao ano de 1998, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir o respectivo preço, a liquidação adicional, efectuada com base na falta de declaração, nos dois anos seguintes, desse reinvestimento, não precisa de ser precedida da audição do contribuinte nos termos dos n.ºs 1, alínea a), e 2 do artigo 60º da Lei Geral Tributária.”
Como se refere naquele douto aresto que, com a devida vénia, passamos a transcrever, “O artigo 60º da LGT, epigrafado “princípio da participação”, obriga a administração tributária a ouvir o contribuinte antes de tomar decisões que o afectem, sendo que, nos termos do seu nº 1, por via de regra, a participação do contribuinte é assegurada através do exercício do direito de audição. Pretendeu, deste modo, o Legislador fiscal concretizar o princípio constitucional da “participação dos cidadãos nas decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (artigo 265º, nº 5, da Constituição), criando uma disposição legal que evita que o contribuinte sofra uma decisão desfavorável da administração sem que tenha previamente oportunidade de expor a sua opinião.
Ora a ratio deste preceito não é prejudicada pela excepção constante do seu nº 2 do mesmo artigo 60º da LGT. Aliás, bem se compreende que não seja necessária a audição do contribuinte quando “a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável” (segunda parte deste último inciso normativo). E, do mesmo modo, a participação do contribuinte também não sai prejudicada, por não poder exercer o direito de audição, que é dispensado pela lei, “no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte” – artigo 60º, nº 2, primeira parte, da LGT.
Conclui-se depois naquele douto acórdão, com situação fáctica em tudo idêntica à do caso sub judicio, que para beneficiar da exclusão de tributação, o contribuinte tinha de demonstrar, no prazo de 24 meses, que havia reinvestido o valor realizado na venda. “Não bastava, pois, a mera intenção de reinvestir, constante na declaração de rendimentos relativa ao ano de 1998. Contudo, nas declarações de 2000 e 2001, o recorrente não demonstrou ter efectuado tal reinvestimento, pois que não apresentou o competente anexo G, motivando a liquidação adicional. Que, assim, se efectuou “com base nas declarações do contribuinte” de 1999, 2000 e 2001, pelo que, nos termos do artigo 60º, nº 2, da LGT, não era necessária, por dispensada a sua audição”.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, as questões que aqui se colocam são as de saber se se verifica a caducidade do direito à liquidação impugnada; e se ocorre a violação do direito de audiência dos contribuintes.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
1. Em Julho de 2003 os impugnantes alienaram o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 486, da freguesia de …, Braga, pelo valor de € 105.000,00.
2. Aquando da apresentação da respectiva declaração de rendimentos para o ano em causa, os impugnantes juntaram à mesma o anexo G, inscrevendo no campo 401 do quadro 4 o valor de realização de € 105.000,00, em Julho de 2003, e de aquisição de € 48.883,19, em Outubro de 1998.
3. Inscreveram ainda no quadro 5 do mesmo anexo as quantias de € 105.000,00, no campo 504 (valor a reinvestir) e de € 55.000,00 no campo 506 (valor reinvestido no ano de alienação).
4. A referida declaração deu origem à liquidação n° 5113229571, de 21-08-2004, com imposto a pagar de € 85,55.
5. Em 11-07-2007 foi reliquidada a declaração referente ao ano de 2003, tendo em conta que, nas declarações respeitantes aos dois anos seguintes ao da realização não foi declarado o reinvestimento do restante valor de realização, o que deu origem à liquidação n° 5112805603, com valor a pagar de € 2.298,85, que acrescida de acertos, estorno e juros compensatórios deu origem à nota de cobrança n° 2007846907, com o valor a pagar de € 2.285,98.
6. Em 18-10-2007 foi apresentada reclamação graciosa da liquidação em causa.
7. A mesma foi indeferida por decisão de 26-03-2008.
8. Desta decisão foi interposto recurso hierárquico em 28-04-2008, que foi igualmente indeferido por decisão de 22-01-2009.
2.2 Sob a epígrafe “Caducidade do direito à liquidação” o artigo 45.º da Lei Geral Tributária estabelece que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro» [n.º 1]; e que «nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos» [n.º 2].
O erro a que se refere o nº 2 deste art. 45º é «aquele que é detectável mediante simples análise da declaração» (cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3ª Edição, 2003, Anotação 9 ao art. 45º), ou, no dizer de Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária, Anotada, Rei dos Livros, Nota 2 ao art. 45º, pag. 214), «o erro que a AT possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza.» – cf. o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 28-04-2010, proferido no recurso n.º 1001/09.
De outra banda, encontra-se assegurada “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhe digam respeito”, através do exercício do direito de audiência, “sempre que a lei não prescrever em sentido diverso” – de acordo com o disposto no artigo 60.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. E, por força do n.º 2 deste artigo 60.º, a obrigação de audição é dispensada mormente “no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável”. Ou seja: o artigo 60.º da Lei Geral Tributária, epigrafado “princípio da participação”, obriga a administração tributária à audição do contribuinte antes de tomar decisões que o afectem, sendo que, nos termos do seu n.º 1, por via de regra, a participação do contribuinte é assegurada através do exercício do direito de audiência. Pretendeu, deste modo, o legislador fiscal concretizar o princípio constitucional da “participação dos cidadãos nas decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (artigo 265.º, n.º 5, da Constituição), criando uma disposição legal que evita que o contribuinte sofra uma decisão desfavorável da administração tributária sem que tenha previamente oportunidade de expor a sua opinião. Ora, a ratio deste preceito não é prejudicada pela excepção constante do n.º 2 do mesmo artigo 60.º da Lei Geral Tributária. Aliás, bem se compreende que não seja necessária a audiência do contribuinte quando “a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável” (segunda parte deste último inciso normativo). E, do mesmo modo, a participação do contribuinte também não sai prejudicada, por não poder exercer o direito de audiência, que é dispensado pela lei, “no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte” – artigo 60.º, n.º 2, primeira parte, da Lei Geral Tributária. É que, nesta última situação, a intervenção da administração tributária é também realizada de acordo com o declarado pelo contribuinte. Daí que a lei “dispense” o direito de audiência, já que o conteúdo deste direito seria idêntico ao conteúdo da declaração ao abrigo da qual a administração tributária age. Cf. Pedro Machete, Problemas Fundamentais de Direito Tributário, pp. 322-324, e Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária anotada, 2.ª edição, p. 254. Como escrevem estes últimos autores, “nos termos do n.º 2, nos casos de liquidação, a audiência poderá ser dispensada se aquela for efectuada ‘com base na declaração do contribuinte’ – cf. o que vem de dizer-se, a bem dizer textualmente, no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 15-11-2006, proferido no recurso n.º 759/06.
2.3 No caso sub judicio – e consoante se assenta no probatório – os impugnantes, ora recorridos, na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2003, «juntaram à mesma o anexo G, inscrevendo no campo 401 do quadro 4 o valor de realização de € 105.000,00, em Julho de 2003, e de aquisição de € 48.883,19, em Outubro de 1998»; e «inscreveram ainda no quadro 5 do mesmo anexo as quantias de € 105.000,00, no campo 504 (valor a reinvestir) e de € 55.000,00 no campo 506 (valor reinvestido no ano de alienação)»; «a referida declaração deu origem à liquidação n° 5113229571, de 21-08-2004, com imposto a pagar de € 85,55»; sendo que «em 11-07-2007 foi reliquidada a declaração referente ao ano de 2003, tendo em conta que, nas declarações respeitantes aos dois anos seguintes ao da realização não foi declarado o reinvestimento do restante valor de realização, o que deu origem à liquidação n° 5112805603, com valor a pagar de € 2.298,85, que acrescida de acertos, estorno e juros compensatórios deu origem à nota de cobrança n° 2007846907, com o valor a pagar de € 2.285,98».
Foi em face desta factualidade que a sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial, por considerar, por um lado, verificar-se a «caducidade do direito à liquidação»; e, por outro, por considerar ocorrer «a preterição do dever de audiência prévia».
A sentença recorrida considerou verificada a «caducidade do direito à liquidação», no prazo de três anos, sob a invocação do n.º 2 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, por haver pressuposto a existência de «erro evidenciado na declaração do sujeito passivo».
E considerou a sentença recorrida ter ocorrido «a preterição do dever de audiência prévia», por ter entendido, no essencial, que «a liquidação em causa não resulta, directamente da declaração do contribuinte, mas antes da ponderação desta com a circunstância de nos dois anos seguintes não ter sido declarado o reinvestimento da mais-valia auferida».
Mas – e em primeiro lugar – a liquidação em causa, segundo julgamos, não derivou de erro evidenciado na declaração dos impugnantes, ora recorridos. Os impugnantes, ora recorridos manifestaram uma declaração que não cumpriram, mas isso não constitui qualquer erro, muito menos erro evidente ou «erro evidenciado na declaração do sujeito passivo». Desde logo, na questionada declaração de IRS de 2003 não se evidencia qualquer erro, nomeadamente qualquer divergência entre o declarado e vontade real do sujeito passivo. A Administração Fiscal não procedeu a qualquer alteração do declarado pelo sujeito passivo, limitando-se, antes, a proceder à liquidação do imposto (liquidação que ficara suspensa quanto aos rendimentos em causa), logo que decorreu o prazo de tal suspensão, ou seja, o prazo para a realização do declarado reinvestimento, sem que se tenham verificado os requisitos legalmente previstos ou o sujeito passivo tenha informado que havia efectivamente procedido ao anunciado reinvestimento – conforme se diz no supracitado acórdão desta Secção, de 28-04-2010, proferido no recurso n.º 1001/09. E, assim, o caso em apreço não é de verificação de uma situação enquadrável no n.º 2 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária – pelo que não há fundamento para aplicar o referido prazo reduzido (de três anos) de caducidade do direito de liquidar imposto. Não se aplicando esse prazo de três anos, nem qualquer prazo especial, o prazo de caducidade a aplicar é o de quatro anos, previsto no n.º 1 do mesmo artigo. Esse prazo, relativamente ao IRS, que é um imposto periódico, conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (n.º 4 do mesmo art. 45.º, em qualquer das suas redacções). Assim, o prazo de caducidade do direito de liquidação do IRS em causa, iniciou-se em 1-1-2004 e terminou na data de 31-12-2007 – data que não se mostra, nem se alega, que tenha sido excedida, sendo certo que a liquidação em foco está datada de 11-07-2007 (cf., a respeito de caso semelhante, o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 26-09-2007, proferido no recurso n.º 481/07).
Por outro lado – e já no âmbito do direito de audiência dos contribuintes –, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS (na redacção, aqui aplicável, anterior ao Decreto-Lei 361/2007, de 2 de Novembro), são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português.
Os impugnantes, ora recorridos, na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2003, «juntaram à mesma o anexo G, inscrevendo no campo 401 do quadro 4 o valor de realização de € 105.000,00, em Julho de 2003, e de aquisição de € 48.883,19, em Outubro de 1998»; e «inscreveram ainda no quadro 5 do mesmo anexo as quantias de € 105.000,00, no campo 504 (valor a reinvestir) e de € 55.000,00 no campo 506 (valor reinvestido no ano de alienação)»; e «a referida declaração deu origem à liquidação n° 5113229571, de 21-08-2004, com imposto a pagar de € 85,55».
Por isso que a liquidação em causa é (apenas) aquela adicional «n° 5112805603, com valor a pagar de € 2.298,85, que acrescida de acertos, estorno e juros compensatórios deu origem à nota de cobrança n° 2007846907, com o valor a pagar de € 2.285,98», operada em 11-07-2007 referente ao ano de 2003.
E acontece que essa liquidação adicional em causa foi efectuada «tendo em conta que, nas declarações respeitantes aos dois anos seguintes ao da realização não foi declarado o reinvestimento do restante valor de realização».
Portanto: a liquidação adicional em causa resulta da declaração de rendimentos dos impugnantes, ora recorridos, relativa ao ano de 2003 – à qual juntaram «o anexo G, inscrevendo no campo 401 do quadro 4 o valor de realização de € 105.000,00, em Julho de 2003, e de aquisição de € 48.883,19, em Outubro de 1998» – e de não terem declarado (nem efectuado), nas declarações respeitantes aos dois anos seguintes ao da realização, o reinvestimento da totalidade do valor de mais-valias realizado, e primeiramente declarado.
E, assim, os impugnantes, ora recorridos – que não demonstraram ter efectuado o reinvestimento declarado, pois nem apresentaram o competente anexo G – viram a liquidação ser operada “com base nas declarações do contribuinte” ditas em 1., 2. e 3. do probatório.
Pelo que, assim sendo, como é, não era necessária, por dispensada, a audição dos impugnantes, ora recorridos – de harmonia com os termos do artigo 60.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (cf., neste sentido, por todos, o supracitado acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 15-11-2006, proferido no recurso n.º 759/06).
Estamos deste modo a concluir, e em resposta às questões decidendas, que não se verifica a caducidade do direito à liquidação impugnada; e nem ocorre a violação do direito de audiência dos contribuintes.
E, então, havemos de convir, em síntese, que a redução do prazo de caducidade do direito à liquidação para três anos, prevista no n.º 2 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, sucede, designadamente, nos casos em que ocorrer «erro evidenciado na declaração do sujeito passivo».
É claro que não ocorre «erro evidenciado na declaração do sujeito passivo», quando o contribuinte faz uma declaração de reinvestimento de mais-valias, à qual não dá inteiro cumprimento.
Tendo o contribuinte feito constar na sua declaração de rendimentos, relativa ao ano de 2003, a venda de um prédio e a intenção de reinvestir a totalidade da mais-valia obtida – nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS (na redacção, aqui aplicável, anterior ao Decreto-Lei 361/2007, de 2 de Novembro) –, a liquidação adicional de IRS, operada, por falta de reinvestimento, nos dois anos seguintes, não carece de audição prévia do contribuinte declarante, por, nos termos dos n.ºs 1, alínea a), e 2 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, «a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte».
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, julgando-se não verificada a caducidade do direito à liquidação e dispensada a audição prévia dos contribuintes, e revogando-se a sentença recorrida, na parte impugnada, devendo o Tribunal a quo conhecer dos demais fundamentos da impugnação judicial, se a tal nada obstar.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Junho de 2010. – Jorge Lino (relator) - Casimiro Gonçalves - Dulce Neto.