Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0306/13.9BELRS 0424/17
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - À semelhança do que sucede no processo judicial comum conforme o estatuído na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC, é causa de nulidade da sentença em processo judicial tributário a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
II - Resultando da análise do acórdão reclamado que o STA se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre todas as causas de pedir invocadas, ainda que não aluda a sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos pois o que importa é que o tribunal decida, como decidiu, as questões postas, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a pretensão, conclui-se que o acórdão não está, de todo em todo, afectado na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
III - Apresentando-se o ora peticionado, em bom rigor, como uma mera divergência interpretativa sobre o sentido e alcance de determinada norma perfilhada na sentença e aprovada pelo acórdão reclamado, a se, não constitui fundamento para a sua pretendida reforma.
Nº Convencional:JSTA000P27193
Nº do Documento:SA2202102170306/13
Data de Entrada:04/05/2017
Recorrente:EDP – ENERGIAS DE PORTUGAL, SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
*
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1– Relatório

Notificado do Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, exarado nos autos, a Representante da Fazenda Pública, vem, nos termos do art. 615º n.º 1 al. d) e n.º 4 e do art. 666º n.º 1, ambos do CPC, aplicáveis subsidiariamente por força do art. 2º al. e) do CPPT, arguir a sua nulidade, conforme expõe e peticiona:
“I. Dos Fundamentos:
1) A al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, prevê que a sentença é nula quando:
“d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
2) Por outro lado, de acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo, tal nulidade só pode ser arguida “perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário”.
3) O mesmo regime legal se aplica ao acórdão agora proferido, nos termos do art. 666º n.º 1 do CPC.
4) Nesta conformidade, vem a Fazenda Pública, perante o tribunal que proferiu o acórdão, arguir a nulidade consubstanciada no facto do mesmo não se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
Assim,
5) No douto acórdão proferido, quanto ao ponto “Da interpretação efectuada do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC” ficou decidido:
“Vejamos.
A julgadora arrimou-se a dada jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional para concluir pela conformidade à Lei Fundamental da norma interpretativa consagrada no n.º 20 do artigo 88.º do CIRC.
Todavia, conforme bem assinalou a Recorrente, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, mormente o douto Acórdão n.º 172/2000, da 29 Secção, no Processo n.º 762/98, veio declarar a incompatibilidade das normas interpretativas com o princípio da proibição de retroactividade dos impostos.” (págs. 31 e 32 do acórdão)
E “sufragando plenamente o seu discurso fundamentador” (pág. 32 do acórdão), isto é, do aludido acórdão n.º 172/2000, este alto Tribunal concluiu:
“Por esse prisma, procedem inteiramente as razões supra aduzidas pela recorrente quanto ao fundamento recursório sob análise.” (pág. 36 do acórdão).
Ora,
6) Os argumentos e as questões colocadas pelo Recorrente no acórdão proferido, conforme melhor consta destacado na pág. 31, são, em concreto, se:
- A interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, era uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar;
- Mesmo a ser admitido esse entendimento, estamos perante uma situação de retroatividade autêntica, violando a decisão recorrida o art. 12º n.º 1 da LGT, e o art. 103º n.º 3 da CRP;
- Não se entendendo desta forma, o art. 88º n.º 20 do CIRC, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30/03, conjugada com a norma do art. 135.º do mesmo diploma, interpretadas e aplicadas no sentido de, independentemente da respetiva natureza interpretativa, abrangerem no seu âmbito de vigência temporal factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, viola o princípio da proibição da retroactividade previsto no art. 103º n.º 3 da CRP;
- O art. 88 n.° 14 do CIRC, numa interpretação que tome em consideração os elementos gramatical, histórico, teleológico e sistemático, aponta claramente no sentido de que os "sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal” a que se refere o dispositivo são as empresas individualmente consideradas e não o grupo empresarial.
7) Conforme elencado no acórdão lavrado, a primeira questão a analisar passaria por apreciar se a interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, era uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar.
Esta questão não ficou minimamente tratada, já que o acórdão lavrado apenas decidiu, por remissão para o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, que, em termos gerais, as normas interpretativas são incompatíveis com a proibição da retroatividade em matéria fiscal, consagrado no n.º 3 do art. 103º da CRP.
8) Verifica-se, assim, que o douto Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, dado que, conforme elencado no acórdão lavrado, a primeira questão a analisar passaria por apreciar se a interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, era uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar.
9) Conforme resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, para efeitos de apreciar se a interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, era uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, importa verificar se “tendo os tribunais sido chamados a pronunciarem-se sobre a interpretação a dar a leis ambíguas e controvertidas, se tenha a propósito delas estabelecido uma controvérsia jurisprudencial. Se os tribunais, aos quais cabe a autoridade de dizer o direito ─ através de decisões juridicamente fundamentadas e no termo de um processo de partes com igualdade de armas ─, refletem e alimentam a controvérsia propiciada pela ambiguidade da lei, é inevitável concluir que a questão jurídica é, no momento presente, incerta ou insanável; os destinatários desta não têm, nessas circunstâncias, qualquer razão para formarem expectativas na prevalência de uma das posições compreendidas nos «quadros da controvérsia», e não podem, por essa mesma razão, invocar a frustração das suas expectativas legítimas contra a decisão do legislador de interpretar a lei num dos sentidos já acolhidos em decisões judiciais. O mesmo se diga, por maioria de razão, nos casos em que a jurisprudência dominante for no sentido da solução consagrada pela lei interpretativa.” (vide acórdão do Tribunal Constitucional n.º 395/2017, lavrado no processo n.º 751/2016, pela 3ª Secção, em 12/07/2017, acessível no site do Tribunal Constitucional).
10) No acórdão lavrado esta análise não foi feita, o que se afigurava fundamental, dado que a questão de interpretação que na presente situação apresenta relevo, foi feita não só pelo Tribunal a quo, bem como por jurisprudência arbitral, nomeadamente nos acórdãos proferido pelo CAAD nos processos n.º 239/2014-T, de 01/09/2014, n.º 659/2014-T, de 24/04/2015.
Também o Supremo Tribunal Administrativo já procedeu a esta interpretação no acórdão lavrado no processo n.º 01065/17.1BEPRT, de 19/02/2020, acessível integralmente em www.dgsi.pt.
Sendo ainda pertinente sublinhar que, inclusive, o próprio Tribunal Constitucional também já fez essa interpretação no acórdão n.º 395/2017 (processo n.º 751/2016), de 12/07/2017 (vide www.tribunalconstitucional.pt).
11) E, nestes dois arestos identificados (acórdão do STA 01065/17.1BEPRT e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 395/2017) ficou concluído por uma “interpretação jurisdicional” da norma interpretanda (art. 88º n.º 14 do CIRC, por via da norma interpretativa constante do art. 135º da Lei n.º 7-A/2016, de 30/03) com o mesmo sentido fixado pelo art. 88º n.º 20 do CIRC, convocando os princípios hermenêuticos aplicáveis.
12) Ou seja, no Supremo Tribunal Administrativo ficou decidido que:
“III - O teor literal do art.88º nº 14 CIRC permite, por mera interpretação declarativa atribuir a qualificação de sujeito passivo à sociedade dominante dos grupos submetidos ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), por subsunção ao conceito legal de sujeito passivo e em virtude da sua qualidade de responsável, em primeira linha, pelo pagamento do IRC do grupo (art.18º nº 3 LGT; art.115º CIRC)
IV - Em consequência, é relevante para o agravamento das taxas de tributação autónoma o prejuízo fiscal do grupo declarado pela sociedade dominante, e não o prejuízo fiscal de cada uma das sociedade integrantes do grupo que realizaram as despesas sujeitas a tributação autónoma.”.
13) E no acórdão do Tribunal Constitucional ficou também concluído:
“b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, interpretada no sentido de que o agravamento de dez pontos percentuais se aplica no caso de sociedades sujeitas ao RETGS, em que a sociedade tributada não apresente prejuízo fiscal no período a que as tributações respeitem, mas o apresente o grupo de sociedades que a mesma integra.”.
II. Do Pedido:
Nestes termos, requer-se a V. Exa. que o acórdão lavrado seja julgado nulo, nos termos fundamentados, ao abrigo do art. 615º n.º 1 al. d) e n.º 4 e do art. 666º n.º 1, ambos do CPC (ex vi art. 2º al. e) do CPPT), devendo ser esta nulidade ser suprida, e, consequentemente, negado provimento (parcial) ao recurso.
Porém, V. Exas. decidindo, farão a costumada justiça.”

A EDP – Energias de Portugal, S.A., Recorrente nos Autos acima indicados e aí melhor identificada, notificada do requerimento apresentado pela Fazenda Pública em 11 de novembro de 2020, mediante o qual vem arguir a nulidade do douto Acórdão proferido por este Venerando Supremo Tribunal no âmbito do processo em epígrafe, vem, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, pronunciar-se pela não existência de qualquer nulidade e, consequentemente, pela manutenção do douto Acórdão proferido, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

“1. Com o requerimento apresentado em 11 de novembro de 2020, a Fazenda Pública vem arguir a nulidade do douto Acórdão proferido por este STA em 28 de outubro de 2020, que, concedendo provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, revogou a sentença recorrida e julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada, com a consequente anulação parcial dos atos de autoliquidação de IRC, derramas municipal e estadual e tributações autónomas do exercício de 2011 nos termos reclamados.
2. Entende a Fazenda Pública que o Acórdão proferido é nulo por omissão de pronúncia, conforme o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 4, ambos do CPC por ter alegadamente falhado em pronunciar-se sobre se a interpretação do artigo 88.º, n.º 14 do Código do IRC, preconizada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, era «uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar» – cf. artigo 8 do requerimento apresentado.
3. Fica, porém, claro, por mero confronto entre as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, o teor da sentença recorrida e o conteúdo do Acórdão proferido por este Colendo STA, que os argumentos da Fazenda Pública não têm qualquer suporte legal, e não passam de uma tentativa desesperada de alcançar um terceiro grau de jurisdição, onde a Lei há muito que o deixou de prever…
4. A latere diga-se, desde já, que esta arguição se revela absolutamente insólita, surpreendente e até inusitada porque a Fazenda Pública teve à sua disposição a oportunidade processual para rebater e refutar os erros apontados à sentença recorrida pela Recorrente, tendo optado por não se pronunciar ao ter omitido a apresentação das contra-alegações de recurso.
Vejamos.
5. Os argumentos da Fazenda Pública não colhem, não podendo o douto Acórdão proferido ser declarado nulo, na medida em que apenas se verifica a nulidade de sentença ou de acórdão, pelo fundamento de omissão de pronúncia previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e 666.º, n.º 4, ambos do CPC, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões – não argumentos – que devesse conhecer.
6. Se há poucas matérias jurídicas em que há unanimidade, na doutrina e na jurisprudência, esta é seguramente uma delas.
7. In illo tempore já defendia o Professor Alberto dos Reis à luz do CPC de 1939:1
«Não enferma de nulidade da 1.ª parte do n.º 4.º o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as 1 Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V (Coimbra Editora, 3.ª ed.), p. 143. reputar desnecessárias para a decisão do pleito […]. São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes poem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»
8. Avançando no tempo e a título meramente exemplificativo, veja-se Jorge Lopes de Sousa:
«O conceito de ‘questões’ abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.
[…]
O conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes e só a falta de conhecimento de questões constitui nulidade por omissão de pronúncia» (Cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. II (Áreas Editora, 6.ª ed.), pp. 363 e 364).
9. Finalmente, ao nível jurisprudencial, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de outubro 2002, proferido no processo n.º 02S1599, onde se lê que (sublinhado nosso):
«Tendo o acórdão reclamado conhecido das questões que lhe competia apreciar, não incorre em nulidade por omissão de pronúncia por não ter respondido, um a um, a todos os argumentos da recorrida ou por não ter apreciado questões com conhecimento prejudicado pela solução dada à anterior questão.»
10. Veja-se, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 8 de maio de 2019, no processo n.º 1211/09.9GACSC-A.L2-3, que:
«A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido.
O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes.
Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir.»
11. Ora, regressando ao caso dos Autos, é notório que a questão cuja reapreciação foi solicitada ao Tribunal ad quem foi a de saber se a taxa agravada de tributação autónoma, prevista no artigo 88.º, n.º 14 do Código do IRC podia ser aplicada às empresas de um grupo sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades e que não tivessem registado prejuízos fiscais, a título individual, com fundamento no caráter interpretativo do n.º 20 daquele artigo, aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 – cf. capítulo III das alegações de recurso apresentadas.
12. E para sustentar o entendimento de que não pode aquele agravamento ser aplicado retroativamente aos factos tributários relativos ao exercício de 2011, após o aditamento do n.º 20 ao artigo 88.º do Código do IRC com caráter interpretativo em 2016 e, especificamente, tendo-o por fundamento, a Recorrente apresentou duas ordens de argumentos:
i) Não é seguro afirmar que a interpretação que fez vencimento na sentença recorrida fosse uma das possíveis da lei antiga com que os interessados podiam contar à data dos factos, i.e., em 2011, na medida em a informação do Fisco em que o Tribunal se apoia para chegar a essa conclusão é posterior; consequentemente, a retroatividade da interpretação introduzida na Lei pelo número 20 do artigo 88.º do Código do IRC é uma retroatividade autêntica proibida pela Constituição;
ii) Especificamente em matéria fiscal, este juízo acerca da autenticidade ou não do caráter retroativo da norma interpretativa em causa não releva, na medida em que toda e qualquer retroatividade em matéria fiscal se reputa incompatível com o princípio da proibição da retroatividade das leis fiscais, plasmado no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição.
13. Analisando os argumentos carreados pela Recorrente para o processo este Colendo Tribunal aderiu à posição da ora Recorrente por via do segundo argumento apresentado, sustentando a sua posição na jurisprudência do Tribunal Constitucional citada pela Recorrente e que corporiza o princípio de que toda e qualquer retroatividade em matéria fiscal – logo, toda e qualquer norma interpretativa em matéria fiscal – é proibida pela Constituição.
14. Ou seja, à questão ‘pode o agravamento previsto no artigo 88.º, n.º 14 do Código do IRC ser aplicado às empresas de um grupo fiscal sujeito ao RETGS que não tenham apresentado prejuízos a título individual no exercício de 2011, em virtude do caráter interpretativo do n.º 20 do mesmo artigo?’ este Supremo Tribunal Administrativo respondeu, categoricamente, que não.
15. Ao contrário do alegado pela Fazenda, não existe, assim, qualquer ‘generalidade’ na fundamentação apresentada no Acórdão proferido, e muito menos este STA se omitiu de dar cabal resposta às questões levadas pelas partes à sua apreciação, nos termos arguidos pela Fazenda Pública.
16. Todas as questões, nomeadamente a levantada em torno a inaplicabilidade do entendimento sufragado pela sentença recorrida, com fundamento no caráter interpretativo de determinada norma, foram, sem dúvida, respondidas pelo Tribunal de recurso.
17. Razões pelas quais improcede, in totum, a alegação da Fazenda Pública, pelo que deve ser indeferido o pedido de declaração de nulidade formulado.
Termos em que, não se verificando a nulidade de omissão de pronúncia prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 4, ambos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, deve o requerimento de arguição de nulidade apresentado pela Fazenda Pública ser indeferido, mantendo-se na íntegra o Acórdão proferido, com as demais consequências legais.”

Notificada para se pronunciar, a Magistrada do Ministério Público expendeu o seguinte:

“1 – A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA vem invocar, nos termos do disposto nos artigos 615º, nº 1 al. d) e 666º, nº 1, do CPC, a nulidade do douto acórdão proferido nesta instância.
Entende que este Colendo Tribunal não se pronunciou sobre alegada “(…) interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, era uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar”, ver, além do mais, ponto 8 do requerimento sub judice.
2 – Porém, analisando a questão oferece-nos dizer:
Porém, entendemos não lhe assistir razão, por não se mostrar que o douto acórdão esteja afectado de quaisquer nulidades, nomeadamente a invocada omissão de pronúncia prevista nas disposições conjugadas dos artigos 615º, nº 1 al d) – 1ª parte - do CPC e 125º, nº 1 do CPPT.
Antes, a requerente pretende ver reapreciada a decisão de modo a ser-lhe favorável, lançando mão do presente meio, por outros não lhe serem possíveis processualmente.
Só seria de conhecer de nulidades, neste STA, no caso de as mesmas serem invocadas no âmbito de recurso que fosse admitido para esta instância, o que se não verifica no concreto.
Acompanha-se, no mais, o teor da pronúncia da Recorrente sobre a invocada nulidade por com ela se concordar e que nos abstemos de repetir e nomeadamente quanto à jurisprudência e doutrina invocadas.
Deve, pois, improceder o pretendido por carecer de base legal.

Notificadas as partes do parecer do Ministério Público, nada disseram.


Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.


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2. FUNDAMENTAÇÃO:

No caso, em face dos termos em que foram enunciados os requerimentos pela reclamante Autoridade Tributária e Aduaneira, pela reclamada EDP e levando em conta também o Parecer da EPGA, a questão que cumpre decidir subsumem-se a saber se (i) o acórdão padece de nulidade, por omissão de pronúncia p. nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 4, ambos do CPC por ter alegadamente olvidado pronunciar-se sobre se a interpretação do artigo 88.º, n.º 14 do Código do IRC, alvitrada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, era «uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar» – (vide artigo 8 do requerimento de arguição).
É pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que uma vez proferido acórdão, imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613º, nº.1, do C. P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613º, nº.2, e 616, nº.1, do C.P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
A reclamação, passível de interpor face a acórdão emanado de órgão jurisdicional está, como é óbvio, sujeita a prazos processuais, findos os quais aquele se torna imodificável, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
In casu, como advertem a EPGA e a recorrente na sua resposta, é absolutamente claro, por simples cotejo entre as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, o teor da sentença recorrida e o conteúdo do Acórdão proferido por este STA, que os argumentos da Fazenda Pública não têm qualquer suporte legal, e não passam de uma tentativa desesperada de alcançar um terceiro grau de jurisdição, onde a Lei há muito que o deixou de prever. E também se subscreve a asserção da requerida de que esta arguição se revela absolutamente insólita, surpreendente e até inusitada porque a Fazenda Pública teve à sua disposição a oportunidade processual para rebater e refutar os erros apontados à sentença recorrida pela Recorrente, tendo optado por não se pronunciar ao ter omitido a apresentação das contra-alegações de recurso. Ou a afirmação da EPGA de que a requerente pretende ver reapreciada a decisão de modo a ser-lhe favorável, lançando mão do presente meio, por outros não lhe serem possíveis processualmente mas só seria de conhecer de nulidades, neste STA, no caso de as mesmas serem invocadas no âmbito de recurso que fosse admitido para esta instância, o que se não verifica no concreto.
De todo o modo, porque a arguição de nulidade visa o Acórdão proferido, em abstracto é admissível porque dele já não cabe recurso, impondo-se a este tribunal que se pronuncie.
Apreciando:
Prescreve o art. 615º/1, d) do CPC (em consonância com o artº 125º do CPPT), que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão.
Vício relativamente ao qual importa definir o exacto alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de Alberto dos Reis, na distinção a que procedia:
«[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»
O mesmo é dizer, o tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam, ou dizer ainda, o juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Diz, a este mesmo propósito, Lebre de Freitas:«Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.
Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»
Numa que parece ser ainda maior exigência, referia Anselmo de Castro:
«A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»
Todavia, aquele autor logo ressalva que «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».
Omissão de pronúncia que se não verifica no caso em apreço, pois, contrariamente ao que a ora requerente de que o Tribunal, em face do que se disse antecedentemente, o facto de o Tribunal assim proceder não quer dizer que tenha deixado de apreciar os argumentos tecidos até porque a requerente nem sequer apresentou contra-alegações. Reiterando, o tribunal tem obrigação de fundamentar a sua convicção, porém, não está obrigado a justificar por que não acolheu todas as alegações da parte.
Ora, tendo o Acórdão reclamado emitido pronúncia sobre as questões suscitadas pelas partes resolvendo-as, e encontrando-se convenientemente fundamentado de facto e de Direito, não é configurável a omissão de pronúncia que lhe vem assacada.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes.
Por último importa não confundir a nulidade por falta de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vd A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, o tribunal não conheceu de questão de que não devesse conhecer. Precisamente ao conhecer da questão da termos definidos no aresto reclamado e de que cabia conhecer, aduziu a argumentação de que a mesma deveria ser aferida, nos termos que se sintetizam:
- A questão cuja reapreciação foi solicitada ao Tribunal ad quem a de saber se a taxa agravada de tributação autónoma, prevista no artigo 88.º, n.º 14 do Código do IRC podia ser aplicada às empresas de um grupo sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades e que não tivessem registado prejuízos fiscais, a título individual, com fundamento no carácter interpretativo do n.º 20 daquele artigo, aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 – cf. capítulo III das alegações de recurso apresentadas;
-E para escorar o entendimento de que não pode aquele agravamento ser aplicado retroactivamente aos factos tributários relativos ao exercício de 2011, após o aditamento do n.º 20 ao artigo 88.º do Código do IRC com carácter interpretativo em 2016 e, especificamente, tendo-o por fundamento, a Recorrente apresentou duas ordens de argumentos: (i) Não é seguro afirmar que a interpretação que fez vencimento na sentença recorrida fosse uma das possíveis da lei antiga com que os interessados podiam contar à data dos factos, i.e., em 2011, na medida em a informação do Fisco em que o Tribunal se apoia para chegar a essa conclusão é posterior; consequentemente, a retroactividade da interpretação introduzida na Lei pelo número 20 do artigo 88.º do Código do IRC é uma retroactividade autêntica proibida pela Constituição; (ii) Especificamente em matéria fiscal, este juízo acerca da autenticidade ou não do carácter retroactivo da norma interpretativa em causa não releva, na medida em que toda e qualquer retroactividade em matéria fiscal se reputa incompatível com o princípio da proibição da retroactividade das leis fiscais, plasmado no artigo 103.º, n.º 3 da Constituição.
-Dissecando os argumentos esgrimidos pela Recorrente para o processo no acórdão reclamado este STA aderiu à posição da ora Recorrente por via do segundo argumento apresentado, sustentando a sua posição na jurisprudência do Tribunal Constitucional citada pela Recorrente e que corporiza o princípio de que toda e qualquer retroactividade em matéria fiscal – logo, toda e qualquer norma interpretativa em matéria fiscal – é proibida pela Constituição.
Destarte e como bem sintetiza a ora requerida, ao quesito “pode o agravamento previsto no artigo 88.º, n.º 14 do Código do IRC ser aplicado às empresas de um grupo fiscal sujeito ao RETGS que não tenham apresentado prejuízos a título individual no exercício de 2011, em virtude do caráter interpretativo do n.º 20 do mesmo artigo?” o Supremo Tribunal Administrativo respondeu, peremptóriamente, que não.
Assim, independentemente da maior ou menor validade desta argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia porque se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devia conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente ao regime legal aplicável que, a nosso ver, abrangia a questão que agora o recorrente diz ter o tribunal deixado de conhecer.
É que, resultando da análise do acórdão reclamado que o STA se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre todas as causas de pedir invocadas, ainda que não aluda a sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos pois o que importa é que o tribunal decida, como decidiu, as questões postas, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a pretensão, conclui-se que o acórdão não está, de todo em todo, afectado na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
Acrescente-se, por fim que, face ao que vem dito e atentas as finalidades legalmente atribuídas ao presente processo a reforma do acórdão é inviável porque os factos essenciais, e com interesse para a decisão foram nele analisados aos quais, depois, se aplicou o direito.
Todas as questões pertinentes, quer de facto quer de direito, foram objecto de apreciação, estando em causa a legalidade da decisão administrativa que foi objecto de apreciação jurisdicional, em que o Tribunal valorou a patente contraditoriedade com decisões tomadas anteriormente.
Em vista da situação concreta, Fernando Amâncio Ferreira adverte para uma confusão muito amiudada e que dá origem a que a omissão de pronúncia seja frequente e indevidamente invocada nos tribunais nos seguintes termos:
«Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda» e «não enferma de nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio» (Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9.ª edição, pág. 57).
Por assim ser, a reclamante também não tem razão quando afiança existir uma “generalidade” na fundamentação apresentada no Acórdão proferido, e muito menos este STA se omitiu de dar cabal resposta às questões levadas pelas partes à sua apreciação, nos termos arguidos pela Fazenda Pública, já que todas as questões, nomeadamente a levantada em torno a inaplicabilidade do entendimento perfilado pela sentença recorrida, com fundamento no carácter interpretativo de determinada norma foram respondidas pelo Tribunal de recurso nos sobreditos termos.
Razões por que se indefere o pedido de reforma do Acórdão mais não sendo o ora peticionado, em bom rigor, a manifestação de uma mera divergência interpretativa, o que por si, não constitui fundamento para a pretendida reforma do Acórdão.
Não se verifica, pois, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia sendo a decisão, pois, de manter.

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3.- Decisão:

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em indeferir a arguição de nulidade do acórdão.

Custas pela requerente do incidente de nulidade de acórdão (cfr. artº. 527.º n.º1 do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi do artº 2º al. e) do CPPT) fixando-se em 2 Ucs. a taxa de justiça (cfr.artº.7 e Tabela II, do R.C. Processuais).


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Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.