Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0547/23.0BELRA
Data do Acordão:02/29/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROTECÇÃO INTERNACIONAL
Sumário:Não se justifica admitir a admissão da revista por tudo apontar para a sua inviabilidade se a única ilegalidade que é imputada ao acórdão recorrido é a de neste se ter alterado a matéria de facto provada quando o apelante não tinha cumprido o imposto pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 640.º do C. P. Civil e na realidade aquele manteve integralmente tal matéria, tendo-se limitado a proceder a uma distinta valoração da mesma.
Nº Convencional:JSTA000P31989
Nº do Documento:SA1202402290547/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



1. AA, cidadã da República Popular da China, intentou, no TAF, contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI), acção administrativa, onde pediu a anulação do despacho, de 11/11/2020, do Ministro da Administração Interna - que lhe recusara o direito de asilo e a concessão de autorização de residência por protecção subsidiária, bem como a condenação desta entidade a praticar o acto administrativo de concessão do direito de asilo ou, se assim se não entender, a conceder-lhe protecção subsidiária.
Foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando a entidade demandada “a conceder proteção subsidiária à Autora, nos termos do artigo 7.°, n.° 1 da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho”.
A entidade demandada apelou para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 12/12/2023, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença e julgou a acção improcedente.
É deste acórdão que a A. vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.° 150.°, n.° 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.a instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.° 150.°, n.° 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
A sentença, depois de considerar que a A. não tinha direito à concessão de asilo por não ter demonstrado a verificação dos requisitos dos n°s. 1 e 2 do art.° 3.° da Lei n.º 27/2008, entendeu que, nos termos do art.° 7.°, n.° 1, do mesmo diploma legal, lhe assistia o direito à autorização de residência por protecção subsidiária em virtude de constarem do processo informações “que apontam no sentido da existência de uma efetiva situação de sistemática violação da liberdade religiosa na China e perseguição motivada por questões religiosas”.
Para conceder provimento ao recurso da entidade demandada, que incidia sobre o deferimento do pedido de protecção subsidiária, o acórdão recorrido, depois de considerar que o que estava em causa era um erro de julgamento de direito, e não de julgamento da matéria de facto, referiu o seguinte:
“(…)
É certo que o processo administrativo contém elementos que corroboram a existência de perseguição de crentes de várias religiões, assim como de situações de impedimento de manifestação de credo religioso e com graves atropelos à liberdade religiosa pelas autoridades chinesas.
Sucede que a causa de recusa de protecção subsidiária não reside na falta de informação que corrobore a alegação da Requerente.
Não foi essa a motivação da Entidade Demandada
O que motivou a recusa do pedido de protecção internacional pela Administração (na vertente de protecção subsidiária) foi a falta de credibilidade das declarações prestadas pela Requerente. A Administração não ficou convencida, desde logo, que a Requerente, de nacionalidade chinesa, professa religião não oficial, de índole cristã.
Ora, se a Administração não se convence da alegada crença religiosa da requerente, de nada serve a existência de informação no sentido de que pessoas que professam essa religião são objecto de perseguição pelas autoridades chinesas
De resto, o que é dito pela Administração é que o relato da Requerente não é genuíno, constituindo precisamente um intento de “colagema tais notícias, veiculadas em órgãos de comunicação social.
Sobre a imputada falta de credibilidade do relato da Requerente, nada é dito na sentença. Esta é totalmente omissa sobre os termos em que a Requerente prestou declarações, as enunciadas hesitações, a memorização de discurso, a falta de espontaneidade, a repetição da “história’' por 74 requerentes de asilo de nacionalidade chinesa, no mesmo ano, que “supostamente ” não se conheçam entre si.
Donde, não foi a Administração que ignorou elementos constantes do processo administrativo que corroboram a perseguição das autoridades chinesas em razão de crenças religiosas, foi o Tribunal a quo que desconsiderou as reais causas de recusa do pedido efectuado pela Requerente.
Analisada a fundamentação exarada na informação que integra o acto impugnado, este Tribunal não vislumbra razões para dela divergir, tanto mais que é a Administração a entidade que beneficia da imediação, podendo apreciar os gestos, hesitações, espontaneidade ou a falta dela.
Por força dos artigos 15° n.°s 1, als. a) a d), e 2 e 18° n.° 4 (corpo), da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5 e ainda dos pontos 195 e 196 (1a parte) do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, da autoria da ACNUR, é entendimento pacífico que cabe ao requerente de protecção internacional, o ónus da prova dos factos que alega. Isto, sem prejuízo dos deveres de inquisitório que recaem sobre a Administração (cfr. arts. 18° n.°s 1 e 2 e 28°n.° 1, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5).
Todavia, tem-se entendido, reiteradamente, que o ónus que recai sobre o requerente de protecção internacional é muitas vezes mitigado pela concessão do beneficio da dúvida, atendendo às especiais circunstâncias em que o pedido é formulado e desde que a versão dos factos alegada pelo requerente seja credível, coerente e consistente - a título de exemplo, acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, processos n.° 11750/14 e 09498/12, de 12/02/2015 e de 21/02/2013, publicados em www.dgsi.pt.
Neste sentido se pronunciou aresto deste TCAS, datado de 21.09.2017, que, conhecendo de situação semelhante à dos presentes autos (com a diferença que a sentença recorrida julgou a acção improcedente), apontou a incoerência existente entre a ausência de dificuldade em obter o passaporte com que viajou para Portugal, emitido em 2014, com o receio de ser presa pelas autoridades chinesas; e bem assim a incoerência entre a alegação de ser perseguida na República Popular da China pela sua crença religiosa e por evangelizar, o que levou a que saísse do país para poder usufruir de liberdade religiosa, com a falta de prática religiosa em Portugal (proc. n° 996/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Idênticas incoerências se detectam no caso sub judice.
Já em acórdão anterior, de 05.07.2017, este TCAS se pronunciara sobre situação semelhante, tendo concluído que “Para efeitos da concessão de proteção internacional com base em perseguição religiosa do interessado, nos termos da Lei do Asilo, há que fundamentar e não presumir que o interessado é membro e ou praticante de certa religião, religiosidade essa que, assim, não deve ser pressuposta acriticamente pelo Estado Português“ (proc. n.º 464/17.3 BELSB, publicado em www.dgsi.pt)
Também, no caso que nos ocupa, o Tribunal a quo profere a sua decisão assumindo - de forma infundada - que a requerente é cristã.
A A. justifica a admissão da revista com a sua relevância jurídica das questões processuais a apreciar e com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão recorrido erro de julgamento por violação do art.° 640.°, do CPC, aplicável ao caso por remissão do n.° 3 do art.° 140.° do CPTA, dado que, na apelação, a entidade demandada, pretendendo impugnar a matéria de facto considerada provada, incumpriu o especial ónus previsto naqueles preceitos.
Assim, a única ilegalidade que é imputada ao acórdão recorrido será, segundo parece, a de se ter alterado a matéria de facto provada quando a apelante não tinha cumprido o imposto pelas als. a) e b) do n.° 1 do citado art.° 640.°.
Porém, como resulta claramente do seu teor, o acórdão manteve integralmente os factos dados por provados na sentença, tendo-se limitado a proceder a uma distinta valoração dos mesmos.
Portanto, porque tudo aponta para a inviabilidade do recurso, não há uma clara necessidade de reapreciação do aresto recorrido, devendo, por isso, prevalecer a regra da excepcionalidade da admissão da revista.

4. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Sem custas, por isenção objectiva (art.° 84.°, da Lei n.° 27/2008).

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.