Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0166/11
Data do Acordão:10/19/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
CITAÇÃO
Sumário:I - Sendo aplicável o prazo de prescrição previsto na Lei Geral Tributária, que obrigatoriamente se inicia no dia 1/01/1999, e não reconhecendo esta Lei efeito interruptivo ao acto de instauração da execução fiscal, conclui-se que o efeito interruptivo que a instauração da execução em 1997 produzira por força do regime contido no CPT deixa de poder relevar e de produzir efeitos sobre o prazo de prescrição previsto na Lei Geral Tributária.
II - À luz da Lei Geral Tributária, o prazo de prescrição é de 8 anos tanto em relação ao devedor originário como em relação ao responsável subsidiário.
III - Não havendo, no prazo prescricional iniciado em 1/01/1999, acto interruptivo relevante quanto à devedora principal, não há que aplicar e interpretar o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária sobre os efeitos desse tipo de acto relativamente ao responsável subsidiário.
IV - Tanto a citação do devedor originário como a citação do devedor subsidiário têm eficácia interruptiva, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, com a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil).
Nº Convencional:JSTA000P13351
Nº do Documento:SA2201110190166
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de improcedência da oposição que deduziu ao processo de execução fiscal n.º 1910199601044001 e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-1 contra a sociedade B…, LDA para cobrança de dívidas de IVA, IRS e Juros Compensatórios, todas referentes ao ano de 1996, e que veio a reverter contra si.
1.1. Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
Do efeito do recurso
A- O despacho de admissão de recurso atribui efeito meramente devolutivo ao presente recurso;
B- Não considerou tal despacho o pedido de atribuição de efeito suspensivo formulado pelo ora recorrente no requerimento de recurso apresentado;
C- Pedido esse que, fundamentado no n.º 2 do artigo 286.° do CPPT, tinha na sua base a garantia prestada no processo.
D- Ao ignorar o pedido formulado, o despacho de admissão do recurso incorre no vício de omissão de pronúncia, ao que acresce a violação flagrante do referido n.º 2 do artigo 286.° do CPPT.
E- O que motiva o pedido formulado nas presentes alegações, fundamentado no n.º 4 do artigo 687.° do CPC (aplicável ao contencioso tributário ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT), de revogação do despacho de admissão de recurso no segmento relativo ao efeito (devolutivo) do mesmo, atribuindo-lhe efeito suspensivo, com base em garantia idónea prestada, em obediência do disposto no n.º 2 do artigo 286.° do CPPT.
Do recurso propriamente dito
F- Antes de nos debruçarmos sobre os fundamentos de discórdia face à sentença proferida nos autos e objecto do presente recurso, impõe-se, para enquadramento do mesmo, um breve resumo dos factos subjacentes aquela sentença;
G- O oponente, ora recorrente, foi citado por reversão de vários processos de execução fiscal por dívidas de IVA relativas aos períodos 03, 04, 05, juros compensatórios de IR e IRS, todas relativas ao ano fiscal de 1996.
H- Após a citação dos processos de reversão, o oponente apresentou a competente oposição.
I- Sobre essa oposição recaiu sentença - objecto do presente recurso jurisdicional - com fundamento na improcedência da oposição interposta pelo oponente, aqui recorrente.
J- No entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, vertido na sentença recorrida, “Sendo assim, verifica-se que as dividas exequendas não estão prescritas, pelo que, improcede, com este fundamento, a oposição”.
K- Salvo o devido respeito, o oponente, ora recorrente não pode deixar de manifestar a sua total discordância quanto a este entendimento, logo quanto ao conteúdo da sentença no que diz respeito à prescrição, objecto do presente recurso, considerando que a mesma faz uma incorrecta aplicação das normas legais aplicáveis.
L- Delimitando o objecto do presente recurso, a questão que aqui se põe, reportada à situação em apreço, é justamente a de saber se as dívidas exequendas objecto do presente processo estão (ou não) prescritas relativamente ao oponente, ora recorrente.
M- Divergindo da sentença recorrida, o ora recorrente entende que tais dívidas exequendas estão prescritas.
N- As dívidas exequendas do presente processo dizem respeito ao ano fiscal de 1996 e referem-se a: IVA dos períodos 03, 04 e 05; IRS; Juros compensatórios de IR;
O- Tais dívidas têm como “devedor qualificado, directo, originário ou principal” a sociedade B…, Lda.
P- Sendo o aqui recorrente, relativamente a estas dívidas, responsável subsidiário, resultante das garantias especiais de natureza pessoal de que o credor tributário dispõe.
Q- É assim, por consequência, um devedor indirecto, derivado ou acessório, a quem a AT exige excepcionalmente ou em segunda linha o crédito de imposto.
R- É este o entendimento sufragado pelo Professor Casalta Nabais, “Direito Fiscal - 4° Edição”, Almedina, 2006, pp. 259 a 261, e ainda Alberto Xavier, “Manual de Direito Fiscal”, cit., p. 406.
S- As dívidas exequendas do presente processo, no que se refere à prescrição aplica-se o regime jurídico previsto na LGT, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/1999, conforme doutamente decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo e parecer do Procurador da República.
T- Porém, na decisão constante da douta sentença, o Meritíssimo Juiz a quo não levou em linha de conta o estatuído no n.º 3 do artigo 48.° da LGT, tendo aplicado erroneamente o n.º 1 do artigo 49.° da LGT e por consequência considerou que tais dívidas não estão prescritas.
U- Considerou assim o Meritíssimo Juiz a quo, que as causas de interrupção e suspensão da prescrição previstas no n.º 1 do artigo 49.° da LGT são de aplicação às dividas relativas ao presente processo e, neste entendimento, declarou tais dividas não prescritas.
V- Não é este o entendimento do ora recorrente.
W- Como atrás se referiu, as dívidas objecto do presente processo dizem respeito ao ano fiscal de 1996.
X- O ora recorrente foi no presente processo, citado por reversão, na qualidade de responsável subsidiário, resultante das garantias especiais de natureza pessoal de que o credor tributário dispõe, tornando-se por consequência um devedor indirecto, derivado ou acessório, a quem a AT exige excepcionalmente ou em segunda linha o crédito de imposto.
Y- Sendo que tal citação ocorreu em 27/04/2006.
Z- A estas dívidas aplica-se quanto à prescrição o regime jurídico da LGT.
AA- Assim, por força do n.º 1 do artigo 48.° da LGT tais dívidas prescrevem no prazo de oito anos.
BB- Diz ainda o n.º 2 do artigo 48.° da LGT que as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aplicam-se ao devedor principal e aos responsáveis subsidiários.
CC- Tais causas de suspensão ou interrupção estão previstas no n.º 1 do artigo 49.° da LGT.
DD- Porém, o n.º 3 do artigo 48.°, consagrando um regime excepcional determina que “A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.° ano posterior ao da liquidação”.
EE- E foi isto rigorosamente o que aconteceu no presente processo.
FF- A dívida exequenda, referida no presente processo, já prescreveu pois que se refere a impostos (IVA, IRS) e juros compensatórios do ano de 1996.
GG- É que relativamente ao IVA, IRS e aos juros compensatórios – respeitantes ao ano de 1996 – e tendo em conta a data em que o aqui recorrente foi citado, verifica-se que nos termos do artigo 48° da LGT, já ocorreu a prescrição, que é um facto extintivo do direito do credor e que é de conhecimento oficioso (cfr. o disposto no artigo 175.° do CPPT).
HH- Prescrição que, por ser de conhecimento oficioso, não precisa sequer de ser alegada ou tão pouco demonstrada pelo aqui recorrente.
II- Pois que, na data em que ocorreu a reversão fiscal contra o aqui recorrente - ou seja, a data de 27-04-2006 - já a divida exequenda se encontrava prescrita, por já ter decorrido o prazo do n.° 3 do artigo 48.° da LGT.
JJ- Acresce que, pelo menos em relação ao aqui recorrente, não ocorreram quaisquer causas de interrupção ou suspensão da prescrição, a que alude o artigo 49.° da LGT, e que possam ser consideradas em relação ao ora recorrente.
KK- É que, como bem refere o Ilustre Juiz Conselheiro do STA, Jorge Lopes de Sousa, in "Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária - Notas Práticas”, pág. 110 - Areas Editora, “o n° 3 do artº 48° da LGT consagra uma excepção a esta regra, fazendo depender a produção de efeitos em relação ao responsável subsidiário pelas causas de suspensão ou interrupção que se verifiquem em relação ao devedor principal da citação daqueles até ao termo do 5° ano posterior ao da liquidação”.
LL- Ora, como bem se referiu supra, o ora recorrente só viu reverter contra si a execução fiscal, por citação em 27/04/2006, portanto, já depois de ter decorrido o 5.° ano posterior ao da liquidação do IVA, IRS e juros compensatórios do ano de 1996.
MM- O que não se tendo verificado, acarretará para a Administração Fiscal a impossibilidade de receber do ora recorrente as referidas verbas a título de imposto ou de juros compensatórios - dado o facto de ter já ocorrido a prescrição de tais dívidas (cfr. o disposto no artº 175° do CPPT).
NN- E, citando de novo o Ilustre Juiz Conselheiro do STA, Jorge Lopes de Sousa - conforme se refere nas págs. 110 e 111 da obra supra – “Se o facto com efeito interruptivo - a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação (referência nossa) - ocorreu na vigência da LGT, a sua eficácia em relação ao responsável subsidiário fica subordinada à verificação da condição de que depende, que é a respectiva citação vir a ocorrer até ao termo do 5° ano posterior ao da liquidação" (sublinhado nosso).
OO- Assim, à data em que o ora recorrente foi citado, já a dívida exequenda se encontrava prescrita, por força do disposto no n.º 3 do artigo 48.° da LGT.
PP- Efeito jurídico que conduz à extinção do crédito da AF sobre o aqui recorrente, e que este não abdica de ver declarado, atento o facto de a prescrição ser do conhecimento oficioso (cfr. artº 175° do CPPT) e, assim, nem sequer necessitar de ser alegada.
QQ- E aqui chegados, permita-se discordar da opinião do lustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, quando este afirma - na pág. 112 da já referida obra – “Mas, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao 5° ano, se ele for citado até ao fim do 8° ano a contar do inicio do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele (e também em relação ao devedor originário, por força da regra do n° 2 do artº 48°)”.
RR- Uma vez que tal douto entendimento representa a total subversão do sentido que o legislador dá ao n.º 3 do artigo 48.° da LGT - para já não falar no seu carácter de norma excepcional - retirando-lhe, assim, grande parte da sua eficácia jurídica e justificação substantiva.
SS- O responsável subsidiário surge como garante pessoal do credor tributário.
TT- A sua responsabilidade advém do não pagamento por parte do devedor originário de uma divida que a este pertence.
UU- É o responsável subsidiário um devedor indirecto, derivado ou acessório, ao qual a AT exige excepcionalmente ou em segunda linha o crédito de imposto, exigência essa resultante de uma dívida que só subsidiariamente (depois de esgotado o património do devedor originário) lhe pode ser imputada.
VV- Não faz qualquer sentido aplicar-se ao responsável subsidiário as causas de suspensão e interrupção da prescrição uma vez verificados os pressupostos da norma prevista no n.º 3 do artigo 48.° da LGT, dado o seu carácter excepcional.
WW- Não pode assim a AT aplicar as causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no n.º 1 do artigo 49.° da LGT ao responsável subsidiário, se este foi citado para lá do 5.º ano posterior ao da liquidação.
XX- É isto que nos diz o n.º 3 do artigo 48.° da LGT.
YY- A este propósito veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-02-2010, proferido no processo n.º 0986/09, quando refere: “...que, no regime do Código de Processo Tributário, o efeito interruptivo da prescrição por via de execução contra o devedor originário, verifica-se também em relação ao responsável subsidiário, sem qualquer restrição - diferentemente do que prevê o n.º 3 do artigo 48.° da Lei Geral Tributária, onde aquele efeito interruptivo, em relação ao responsável subsidiário, depende da sua citação na execução, dentro do «5.° ano posterior ao da liquidação»...”;
ZZ- É este também o entendimento do Digníssimo Procurador da República quando no seu parecer constante do presente processo, refere “... Assim, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor originário não é oponível ao oponente/responsável subsidiário, pelo que o prazo de prescrição se conta ininterruptamente desde o inicio do ano civil seguinte aquele em que se verificou o facto tributário - art. 48.° -1, segunda parte, da LGT. Assim, temos que desde 01.01.1997, até ao presente - 15.03.2010 - decorreram mais de oito (8) anos, donde, o prazo prescricional já se completou....".
AAA- O que significa que ao tempo em que foi proferida a sentença ora recorrida - 28/10/2010 - as dividas objecto do presente processo, estavam prescritas.
BBB- A sentença recorrida ao julgar improcedente a oposição fiscal deduzida e, por consequência, ao declarar não prescritas as dividas exequendas, é ilegal, por infringir entre outras o disposto no artigo 48.° da LGT, razão pela qual se requer que quanto à decisão da não prescrição das dividas exequendas da douta sentença, a mesma seja alterada, declarando-se as dívidas exequendas prescritas, e, em consequência extinta a execução fiscal.
1.2. A Fazenda Pública (Recorrida) não apresentou contra-alegações.
1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que devia ser dada razão ao recorrente no que toca ao pretendido efeito suspensivo do recurso, mas já não quanto ao ataque que desfere contra a decisão recorrida, pois que embora a relevância das causas de interrupção que se verificam quanto ao devedor originário seja afastada quanto ao responsável subsidiário se a citação deste não ocorrer até ao 5.°ano posterior ao da liquidação, o certo é que se este for citado dentro do prazo de prescrição – que, no caso, é de 8 anos – os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem efeitos quanto a si. «Ora no caso não está em causa a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal, mas sim a citação do próprio responsável subsidiário, que ocorreu já no âmbito da lei aplicável (Lei Geral Tributária), ou seja em 27.04.2006 (cf. probatório a fls.82) e que determina a interrupção da prescrição nos termos previstos no n.º 1 do artigo 49.° da LGT, com a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (artigo 326.°, n.° 1 do Código Civil)».
1.4. Colhidos os vistos legais dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A. Em 14111/1996, foi instaurado contra “B…, Lda.” o processo de execução fiscal n.º 1910199601044001, por dívida de IVA, referente ao ano de 1996, período 03, cfr. P.E. apenso aos autos;
B. Em 16/01/1997, o executado foi citado para a execução fiscal identificada na alínea que antecede, cfr. fls. 2 verso do P.E. apenso aos autos;
C. Em 30/12/1996, foi instaurado contra “B…, Lda.” o processo de execução fiscal n.º 1910199601045890, por dívida de IVA, referente ao ano de 1996, período 04, cfr. P.E. apenso aos autos;
D. Em 03/06/1997, o executado foi citado para a execução fiscal identificada na alínea que antecede, cfr. fls. 2 verso do P.E. apenso aos autos;
E. Em 30/12/1996, foi instaurado contra “B…, Lda.” o processo de execução fiscal n.º 1910199601046519, por dívida de IVA, referente ao ano de 1996, período 05, cfr. P.E. apenso aos autos;
F. Em 03/06/1997, o executado foi citado para a execução fiscal identificada na alínea que antecede, cfr. fls. 2 verso do P.E. apenso aos autos;
G. Em 17/02/1997, foi instaurado contra “B…, Lda.” o processo de execução fiscal n.º 1910199701027433, por dívidas de juros compensatórios de IR, referentes ao período de 1996, cfr. P.E. apenso aos autos;
H. Em 20/04/1998, foi instaurado contra “B…, Lda.”, o processo de execução fiscal n.º 1910199801019600, por dívida de IRS, referente ao ano de 1996, cfr. P.E. apenso aos autos;
I. Em 24/01/2006 foi emitido mandado de penhora nos bens pertencentes a executada originária, cfr. fls. 7 dos presentes autos;
J. Em 25/01/2006 foi elaborado auto de diligências, no qual se fez consignar que, em nome da executada originária, não foram encontrados bens ou rendimentos, tendo esta cessado a sua actividade em 30/06/2000, cfr. fls. 10 dos presentes autos;
L. Em 21/03/2006, foi proferido despacho para audição (reversão) do ora oponente, no âmbito do processo executivo 1910199601044001 e apensos (1910199601045890, 1910199601046519, 1910199701027433, e 1910199801019600), nos termos constantes de fls. 19 e 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
M. O oponente foi notificado para exercer audição prévia sobre o projecto de reversão em 23/03/2006, cfr. fls. 21 a 23 dos presentes autos;
N. Em 06/04/2006, foi proferido despacho de reversão contra o ora oponente no processo executivo 1910199601044001 e apensos, cfr. fls. 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
O. Em 27/04/2006, foi efectuada a citação do oponente, na qualidade de subsidiário responsável pelas dívidas da executada originária, cfr. fls. 28 e 29 dos autos;
P. A presente oposição deu entrada, no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1, em 19/05/2006, cfr. carimbo aposto na PI, a fls. 2 dos autos;
Q. Em 11/12/2006 foi lavrado auto de penhora de um bem imóvel propriedade do ora oponente, cfr. fls. 35 do P.E. 1910199601044001, apenso aos presentes autos.
3. A questão colocada no presente recurso jurisdicional é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado que não se encontravam extintas, por prescrição, as dívidas em cobrança na execução fiscal que reverteu contra o ora Recorrente.
Antes, porém, há que apreciar a questão prévia de saber se é ou não de manter o efeito devolutivo fixado ao recurso no despacho que o admitiu ou se, como sustenta o Recorrente, lhe deve ser fixado o efeito suspensivo [conclusões A) a E)].
3.1. No processo judicial tributário os recursos jurisdicionais têm efeito devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos – n.º 2 do artigo 286.º do CPPT. Daí que, como refere JORGE LOPES DE SOUSA, no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”, em nota ao artigo 279.º, o relevante é que a dívida a que se reporta o processo em que é interposto o recurso esteja garantida para que lhe seja atribuído o efeito de suspensivo no recurso interposto dessa decisão, que assim não poderá, desde logo, ser cobrada coercivamente, antes devendo aguardar o trânsito em julgado dessa decisão.
Só estarão, assim, reunidos os requisitos para que ao recurso seja fixado efeito suspensivo caso o pagamento da obrigação tributária e dos legais acréscimos se encontre acautelado pela prestação de garantia idónea ou pela penhora de bens suficientes para assegurar o direito do credor à satisfação do seu crédito até ao trânsito em julgado da sentença.
E é esse, efectivamente, o caso dos autos, pois conforme resulta do processo executivo apenso encontra-se penhorado um bem imóvel de valor suficiente para assegurar o pagamento das dívidas exequendas e acrescido.
Razão por que se fixa ao recurso o pretendido efeito suspensivo.
3.2. Apesar das extensas alegações e conclusões de recurso enunciadas pelo Recorrente, o erro de julgamento que imputa à decisão recorrida consiste unicamente num pretenso erro por desconsideração da norma contida no n.º 3 do artigo 48.° da Lei Geral Tributária, segundo a qual «A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação», e num erro de interpretação do n.º 1 do artigo 49.º dessa Lei, por não terem ocorrido, relativamente a si, as causas de interrupção da prescrição aí previstas.
Não constitui objecto de controvérsia que todas as dívidas exequendas dizem respeito ao ano de 1996, emergindo de liquidações de IVA dos períodos 03, 04 e 05, e de liquidações de IRS e Juros compensatórios. E como o próprio Recorrente reconhece, a todas elas se aplica o regime jurídico da prescrição previsto na Lei Geral Tributária, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/1999.
Na verdade, a decisão recorrida, depois de ter analisado a questão da sucessão dos prazos de prescrição contidos no Código de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária para determinar, face ao disposto no artigo 297.º do Código Civil, o prazo prescricional aplicável a cada dívida uma vez que à data da entrada em vigor desta Lei faltava mais tempo para se completar o prazo de 10 anos previsto no CPT do que o de 8 anos previsto na LGT.
Partindo desse pressuposto, e considerando que esse prazo de 8 anos se iniciava no dia 1/01/1999, data da entrada em vigor da LGT, a Meritíssima Juíza finalizou com o seguinte raciocínio:
«Se não ocorresse qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, esta teria lugar em 31/12/2006. No entanto, em 27/04/2006, o ora oponente foi citado para a execução, na qualidade de responsável subsidiário, o que interrompeu a contagem da prescrição, até ao termo dos processos que deram causa à interrupção, ou seja, até à extinção dos processos de execução fiscal, que ainda não teve lugar. Como vimos, face à revogação do art.° 49.º n.° 2 da LGT, em 01/01/2007, a paragem do processo por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, deixou de fazer cessar o efeito interruptivo da prescrição. Com efeito, a interrupção da prescrição, com a citação do revertido, inutilizou todo o tempo decorrido até então (efeito instantâneo) e, para além disso, suspendeu o reinício da sua contagem até ao termo dos processos de execução fiscal (efeito duradouro).».
O Recorrente não contesta, como vimos, a aplicação do prazo de 8 anos previsto na LGT nem contesta que esse prazo só se possa iniciar em 1/01/1999. Aliás, esse termo inicial resulta expressamente do disposto no artigo 297.º do Código Civil, segundo o qual a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei.
Esse prazo iniciou-se, portanto, no dia 1/01/1999 (e não em 1/01/1997 como sucederia se fosse aplicável o prazo previsto no Código de Processo Tributário) e terminaria, em princípio, no dia 31/12/2006, como muito bem se conclui na sentença recorrida.
Ora, durante esse lapso de tempo não ocorreu nenhum facto interruptivo relativamente à sociedade devedora originária. A instauração da execução fiscal, que constituíra o acto interruptivo relativamente à devedora originária face ao regime contido no CPT (artigo 34.º n.º 3), ocorreu muito antes da entrada em vigor da LGT. E uma vez que na sentença se conclui, e bem, que o prazo a aplicar é o previsto nesta Lei, contado da sua entrada em vigor, aquela instauração perdeu o seu relevo como acto interruptivo, pois todo o prazo a considerar irá decorrer na vigência da lei nova, que não reconhece efeito interruptivo à instauração da execução (cfr. n.º 1 do artigo 49.º da LGT).
Deste modo, apesar de ser verdade que quando o responsável subsidiário é citado para além do 5.º ano posterior ao da liquidação, a interrupção do prazo de prescrição relativamente ao devedor originário não produz efeitos em relação ao responsável subsidiário, o certo é que, no caso, nem sequer se coloca essa questão, porque na contagem do prazo aplicável não foram considerados actos interruptivos quanto à devedora principal, não havendo, assim, que aplicar e interpretar o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 48.º da LGT sobre os efeitos desse acto relativamente à devedora subsidiária, ora Recorrente.
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA In “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária”, 2ª Edição, Áreas Editora, pág. 108., «...como é a nova lei a competente para regular os efeitos dos factos ocorridos na sua vigência, se esta não reconhece efeito suspensivo ou interruptivo a factos que tinham esse efeito à face da lei antiga, os efeitos sobre o prazo extintivo produzidos pelos factos ocorrido na vigência da lei antiga deixarão de produzir-se na vigência da lei nova.».
Por outro lado, a subordinação do efeito das causas interruptivas relativamente ao responsável subsidiário não constitui um prazo especial de prescrição em relação a estes. Citando, mais uma vez, JORGE LOPES DE SOUSA Obra citada, pág. 119., cuja doutrina acompanhamos, «O prazo de prescrição, à face da LGT, é de 8 anos, tanto em relação ao devedor originário como ao responsável subsidiário. E o termo desse prazo pode ser diferido se ocorrerem causas de interrupção e suspensão tanto em relação ao devedor originário como ao responsável subsidiário. É apenas a relevância das causas de interrupção que se verifiquem apenas em relação ao devedor originário (e o consequente diferimento do termo do prazo que delas deriva) que é afastada em relação ao responsável subsidiário, se a sua citação não ocorrer até ao 5.º ano posterior ao da liquidação. Mas, no caso de a citação do responsável subsidiário ser posterior ao 5.º ano, se ele for citado até ao fim do 8.º ano a contar do início do prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele (e também em relação ao devedor originário, por força da regra do n.º 2 do art.º 48.º). O efeito daquele n.º 3 do art.º 48.º é apenas de tornar irrelevante em relação ao responsável subsidiário as causas de interrupção que se verifiquem em relação ao devedor originário.».
Por conseguinte, o primeiro acto interruptivo deste prazo prescricional de 8 anos, iniciado em 1/01/1999, é constituído pela citação do responsável subsidiário, ocorrida em 27/04/2006, pois tanto a citação do devedor originário como a citação do devedor subsidiário têm eficácia interruptiva própria, em conformidade com o disposto nos ns.º 1 e 2 do artigo 49.º da LGT, com a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil).
Na verdade, e como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, não decorre da letra da lei que só a citação do devedor originário tenha eficácia interruptiva, e já não a do devedor subsidiário. Aliás, do princípio da unicidade da relação jurídica tributária, que assaca o cumprimento da obrigação tributária a todos os obrigados (artigos 18.º, n.º 3, e 43.º, n.º 2, da LGT) decorre que o acto de citação deve produzir efeitos interruptivos do prazo de prescrição relativamente a todos os obrigados, sejam eles responsáveis originários, sejam solidários e/ou subsidiários. Além de que, operando a reversão uma alteração subjectiva da instância executiva, chamando pela primeira vez à execução outro devedor, não se vê qualquer justificação para retirar eficácia interruptiva a esta citação do devedor subsidiário para efeitos de prescrição da sua dívida.
Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos proferidos em 28/05/2008, no Proc. n.º 154/08, em 27/08/2008, no Proc. n.º 719/08, em 15/04/2009, no Proc. n.º 149/09, em 30/06/2010, no Proc. n.º 158/10, em 11/08/2010, no Proc. n.º 591/10, em 19/01/2011, no Proc. n.º 629/09, e em 2/03/2011, no Proc. n.º 1038/10.
Deste modo, tendo em conta que o ora Recorrente foi citado em 27/04/2006, altura em que não decorrera ainda o prazo prescricional de 8 anos iniciado em 1/01/1999, e tendo em conta que os actos interruptivos inutilizam para a prescrição todo o tempo decorrido, torna-se inquestionável que o prazo prescricional ainda não atingiu o seu termo.
Carece, pois, de razão o Recorrente quando defende que na data em que ocorreu a reversão ou a sua citação para a execução já as dividas se encontravam prescritas. Razão pela qual o recurso não merece provimento.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, com procuradoria que se fixa em 1/6.
Lisboa, 19 de Outubro de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Valente Torrão - António Calhau.