Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0797/15
Data do Acordão:10/12/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
INTERPRETAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do art. 40.º, n.º 2, do CIRC (na redacção aplicável), são «considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados» com as realizações de utilidade social aí enumeradas, efectuadas pelas empresas a favor do seu pessoal, reformados e respectivos familiares.
II - Para determinação desse limite, a AT não estava autorizada a excluir as referidas despesas na medida em que estas não estejam sujeitas a quotizações para a segurança social.
III - A interpretação da norma, efectuada em obediência aos cânones do art. 11.º da LGT e do art. 9.º do CC, não autoriza que do texto da norma se extraia esse sentido, o qual, aliás, sempre violaria o princípio da tipicidade.
Nº Convencional:JSTA00069843
Nº do Documento:SA2201610120797
Data de Entrada:06/25/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIRC01 ART38 N2 ART40 N2.
LGT98 ART11 ART68-A N1.
CCIV66 ART9.
CONST76 ART103 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC020289 DE 1997/06/25.; AC STA PROC022418 DE 2000/02/02.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1979 PAG387.
SOARES MARTINEZ - DIREITO FISCAL 7ED PAG111.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1069/09.8BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A………….., S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrida), anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 2005, na parte que teve origem na correcção à matéria tributável declarada por a Administração tributária (AT) não ter aceitado como custo fiscal do exercício uma verba respeitante a “despesas referentes a realizações de utilidade social”.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«I- Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julga parcialmente procedente a impugnação apresentada pela ora Recorrente e condena a Fazenda Pública ao pagamento de custas (60%).

II- A fundamentação da sentença recorrida em síntese assenta «não se vislumbra que a interpretação dada pela Administração Tributária ao abrigo do art. 40.º, n.º 2 do CIRC, restringindo o seu campo de abrangência, encontre na sua letra qualquer expressão verbal. Não se encontrando outra qualquer norma legal de que se possa resultar tal entendimento».

III- Enfermando a liquidação impugnada de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, devendo a mesma ser anulada na parte em que resulta da correcção em análise.

IV- Declarando-a ilegal na parte que resulta do acréscimo ao lucro tributável no montante de € 897.364,42, decidindo, anular igualmente os juros compensatórios correspondentes ao imposto resultante da referida correcção.

V- Em suma, entende o Tribunal “a quo” que o montante pago, na parte impugnada, não era legalmente devido, condenando a Fazenda Pública a restituir à ora Recorrida o valor de imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

VI- No caso em apreço, está em discussão saber se a correcção efectuada pela DSIT – Direcção de Serviços de Inspecção Tributária no âmbito da acção inspectiva ao exercício de 2005, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI200700383 datada de 11.OUT.2007, no montante de € 897.364.42, referente às “realizações de utilidade social” (art. 40.º, n.º 2 do CIRC) a que está subjacente o acto de liquidação de IRC n.º 2009 831000383, referente ao exercício de 2005, padece de invalidade por violação do sobredito preceito legal.

VII- Apesar do 40.º do CIRC não estabelecer, expressamente, qual a amplitude do conceito de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, atendendo ao objectivo deste artigo – Realizações de utilidade social – devem considerar-se como “despesas com pessoal” todas as despesas que tendo a natureza genérica de remunerações (aquelas que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho) sejam objecto de descontos obrigatórios para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo.

VIII- Assim, solicitaram à ora Recorrida a descriminação do valor sujeito a TSU no exercício de 2005.

IX- Tendo resultado o Anexo 1 de 2 fls. junto do Relatório de Inspecção, no qual se pode constatar que os valores escriturados como custos de Utilidade Social ascenderam ao montante de € 4.232.952,11 e por outro lado, as despesas com o pessoal relativas a remunerações, ordenados ou salários sujeitas a descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer regime substituto totalizavam o montante de € 17.976.748,60.

X- Assim, tendo a ora Recorrida escriturado como custos de utilidade social o montante de € 4.232.925,11 e, o limite previsto no predito artigo ascender a € 2.692.012,29, as realizações de utilidade não dedutíveis, atingem o valor de € 897.364,42 [(Para compreender este resultado - € 897.364,42 – é necessário ter em conta o teor do relatório da inspecção, designadamente o seu Anexo I, na parte em que refere o seguinte: «[…] dado que as realizações de utilidade social não dedutível atingem o valor de € 1.540.939,82 (€ 4.232.925,11 - € 2.692.012,29) e o Sujeito Passivo apenas acresceu, para efeitos de determinação do lucro tributável, o montante de € 643.575,40, é efectuada a presente correcção no montante de € 897.364,42 (€ 1.540.939,82 - € 643.575,40), de acordo com o n.º 2 do art. 40.º do CIRC».)].

XI- Face ao exposto, deve a douta Sentença ser revogada e substituída por outra que considere que encontra bem efectuada a correcção em crise, não sendo por isso, devido a juros indemnizatórios a favor da Recorrida, como dispõe o artigo 43.º da LGT.

Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência ser revogada a Sentença ora indicada».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor:

«(A) O Tribunal ad quem é incompetente, em razão da hierarquia, para julgar o presente recurso, por violação do disposto número 1 do artigo 280.º (Recursos das decisões proferidas em processos judiciais) do CPPT;

(B) Se assim não se considerar, o que se admite por dever de patrocínio – sem conceder, a correcção de € 897.364,42 levada a cabo pela Autoridade Tributária resultante da respectiva não-aceitação como custo fiscal – ao abrigo do disposto no número 2 do artigo 40.º do CIRC –, por desconsideração para o cômputo do limite dos 15% aí previsto de despesas com o pessoal que não tenham sido objecto de descontos para a Segurança Social ou para outro regime substitutivo, foi bem anulada pela douta sentença do Tribunal a quo porquanto aquela correcção assenta numa deficiente interpretação da lei, sem qualquer fundamento, enfermando, consequentemente, de vício de violação de lei;

(C) Se assim não se entender, o que se admite por dever de patrocínio – sem conceder –, seria sempre bem anulada a mesma correcção pela douta sentença do Tribunal a quo porquanto aquela correcção violou frontalmente o número 2 do artigo 68.º-A (Orientações Genéricas) da Lei Geral Tributária.

Pelo exposto, deve ser negado in totum provimento ao recurso interposto pela Recorrente, por improcedente e não provado, devendo consequentemente manter-se na íntegra a douta sentença do Tribunal a quo, a qual não merece qualquer censura no julgamento da matéria de facto e na interpretação e aplicação do Direito».

1.4 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia, declarando como tribunal competente para conhecer do presente recurso o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido na sequência de requerimento da Recorrente.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

«Está em causa decidir se ocorreu erro de julgamento quanto ao limite a que é de reportar as “realizações de utilidade social” nos termos do previsto no art. 40.º n.º 2 do CIRC, e quanto ao entendimento tido de tal ser de reportar ao escriturado, sendo com esse fundamento que se anulou a liquidação adicional.
A recorrente defende o entendimento segundo o qual tal é de aplicar quanto à retribuição a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho segundo as normas que o regem ou os usos e conforme tiver sido objecto de desconto para a Segurança Social.
Do probatório resulta, em resumo e no que ora interessa, ter sido efectuada correcção, à impugnante, quanto ao exercício de 2005, bem como liquidação adicional de I.R.C., considerando que o limite previsto na dita norma não era de aplicar por referência aos valores contabilísticos constantes de 2 contas de Custos c/ pessoal – Remunerações Órgãos Sociais e Remunerações Pessoal, mas o valor das remunerações objecto de desconto para a Segurança Social ou para regime substitutivo.
Mais foi dado como provado ter sido proferido despacho, pelo Secretário de Estado da Administração Fiscal em 21.6.96 no processo n.º 695/1996, o qual foi publicado no site da Administração Tributária (A.T.).
O art. 40.º n.º 2 do CIRC, tinha então a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, sob a epígrafe “realizações de utilidade social”:
2- São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”.
A dita norma do art. 40.º. n.º 2 é de aplicar e interpretar, segundo o previsto no art. 9.º n.º 1 do C. Civil, em termos que não é de se cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas em que é aplicada.
Assim, e pese embora a redacção da norma em causa ser de 2001, o limite em causa já se encontrava anteriormente previsto quanto às ditas “realizações”, a acrescer ao previsto no art. 23.º n.º 1 do C.I.R.C.
Por outro lado, a norma do dito art. 40.º n.º 2, aponta para a dependência do que resulta em termos contabilísticos, o que ao tempo resultava do Plano Oficial de Contabilidade aprovado pelo Decreto-Lei n.º 232/97, de 3/4, com alterações.
Acresce que, em matéria de custos dedutíveis, é de aplicar o princípio da tributação sobre o lucro real, segundo o previsto no art. 104.º n.º 2 da C.R.P.
E certo é que o pagamento de “remunerações” a administradores pode ocorrer segundo o previsto no art. 399.º do C.S.C., ainda que não se esteja nesse caso face a contrato de trabalho –assim, Brito Correia, em Os Administradores de Sociedades Anónimas, Coimbra, 1993, pp. 386 e ss. e Pedro Martinez, Direito do Trabalho, 2002, p. 327 –, nem fosse obrigatório quanto aos mesmos efectuar desconto para a Segurança Social que se encontrava previsto ter lugar quanto a folhas de “retribuição” auferida.
Este último conceito que é o que se encontrava previsto no C. do Trabalho que tinha sido aprovado pela Lei n.º 99/03, de 27/8, aplicável apenas quanto a contrato de trabalho, segundo o previsto nos artigos 249.º e ss..
Aliás, nada faz supor que tenha sido apenas ao mesmo que se quis referir a norma em apreciação.
No sentido do decidido na sentença recorrida vão as decisões proferidas pelo CAAD, citadas pela impugnante nas contra-alegações que apresentou.
Recusando o entendimento proposto pela A.T., pronunciou-se o acórdão do T.C.A. Sul de 25-9-12, proferido no processo n.º 5073/11, acessível em www.dgsi.pt (no entanto, em sentido contrário se pronunciou o recente acórdão do mesmo tribunal de 18-6-15, proferido no processo n.º 7526/14, na mesma base de dados).
Concluindo:
É de entender o limite previsto no art. 40.º n.º 2 do C.I.R.C. como referido a “remunerações, ordenados e salários”, conforme escriturado, e foi decidido na sentença recorrida, e não a retribuições devidas por contrato de trabalho e sujeitas a descontos obrigatórios para a Segurança Social».

1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.7 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) A Impugnante acresceu ao lucro tributável do exercício de 2005, no quadro 07, campo 209, da sua declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao referido exercício, o valor de € 643.575,40, relativo a custos com realizações de utilidade social não dedutíveis (cfr. relatório de inspecção e documentos anexos a fls. 67 a 83 e 85-86 dos autos);

B) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200700383, de 11.10.2007, foi efectuada uma acção de inspecção à ora Impugnante (cfr. relatório de inspecção a fls. 67 a 83 dos autos);

C) Da acção de inspecção referida na alínea anterior resultou um relatório de inspecção, datado de 26.12.2008, do qual consta, para o que aqui importa, o seguinte:

I — 1.1 — Realizações de Utilidade Social — Art. 40.º do CIRC

A acrescer à matéria tributável o montante de 897.384,42 € relativamente às “Realizações de utilidade social não dedutíveis”, resultante do facto do contribuinte ter acrescido 643.57540 € quando deveria ter acrescido o montante de 1.540.93982 €, nos termos do art. 40.º do CIRC.
Da análise ao acréscimo efectuado pelo Sujeito Passivo, no montante de 643.575,40 €, constatou-se que o valor considerado como despesas com pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários, nos termos do n.º 2 do art. 40.º do CIRC, foi o referente aos saldos das contas de custos PCES “6800 – Custos c/ Pessoal — Remuneração Órgãos Sociais” e “6801 – Custos c/ Pessoal – Remunerações Pessoal”, tendo sempre em consideração a tributação para efeitos de IRS e o qual ascendeu a 23.929.178,06 €.
O n.º 2 do art. 40.º do CIRC estabelece que “são igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contrato de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o beneficio de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”.
Analisando os custos mencionados no normativo supra referido, verifica-se que os mesmos não reúnem, em princípio carácter de indispensabilidade que, nos termos do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, preside ao reconhecimento fiscal dos custos e perdas. No entanto e porque estamos na presença de encargos de importante cariz social, consagrou-se a respectiva dedutibilidade fiscal, mediante determinadas condições e limitada a uma percentagem das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício.
Se é certo que os encargos em questão são cometidos de uma função social importante, também é verdade que a percentagem passível de dedução respeita a despesas que têm igualmente uma considerável relevância social, a qual se efectiva de uma forma inequívoca através dos descontes obrigatórios efectuados sobre essas importâncias para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo.
Assim sendo, apesar do art. 40.º do CIRC não estabelecer, expressamente, qual a amplitude do conceito, de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, atendendo ao objectivo deste artigo – Realizações de utilidade social – devem considerar-se como “despesas com pessoal” todas as despesas que tendo a natureza genérica de remunerações (aquelas que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho) sejam objecto de descontos obrigatórios para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo.
Face ao exposto, solicitou-se ao Sujeito Passivo a discriminação do valor sujeito a Taxa Social Única (TSU) no exercício de 2005.
Da análise efectuada conforme Anexo 1 (2 fls.) constatou-se, por um lado, que os valores escriturados como custos de Utilidade Social ascenderam ao montante de 4.232,952,11 € e, por outro lado, que as despesas com o pessoal relativas a remunerações, ordenados ou salários sujeitas a descontos obrigatórios para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo totalizaram 17.946.748,60 €.
Do exposto resulta que o limite previsto no n.º 2 do art. 40.º de CIRC (15% das despesas com pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários) ascende a 2.692.012,29 € (17.946.748,60 € x 15%) e a totalidade dos custos de Utilidade Social a 4.232.952,11 €.
Assim, dado que as realizações de utilidade social não dedutíveis atingem o valor de 1.540.939,62 € (4.232.952,11 € - 2,592.072,29 €) e o Sujeito Passivo apenas acresceu, para efeitos de determinação do lucro tributável, o montante de 643.575,40 € é efectuada a presente correcção no montante de 897.364,42 € (1.540.939,82 € - 643.575,40 €), de acordo com n.º 2 do art. 40.º do CIRC - Anexo 1 (2 fls.)

III – 1.2 – Criação de emprego para jovens – Art. 17.º do EBF

Da validação ao cálculo da majoração dos encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho, para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos, verificou-se que o Sujeito Passivo considerou para efeitos de período de vigência do contrato de trabalho o exercício económico ao invés de considerar o número de meses efectivamente trabalhados.
O benefício fiscal do artigo 17º do EBF aplica-se aos encargos que forem sendo suportados pelos sujeitos passivos numa base mensal, tendo como limite temporal o período de 5 anos (60 meses) donde, a majoração a que se refere o n.º 1 do artigo 17.º do EBF origina, para a entidade empregadora, a dedução dos custos suportados com o funcionário admitido, em valor correspondente a 150% ao longo dos 5 anos seguintes ao início do contrato.
Com efeito, a referência a 5 anos efectuada no n.º 3 do artigo 17.º do EBF, deve ser entendida como efectuada a 60 meses (5 anos x 12 meses), pelo que o benefício pode reflectir-se em 6 exercícios.
Concludentemente, se o período de 5 anos a que se refere o n.º 3 do artigo 17.º do EBF é mensualizado (60 meses), então também o montante máximo da majoração anual, a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo é, obviamente, mensualizada, só podendo ser majorados os encargos correspondentes à criação líquida dos postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos, na proporção dos meses efectivamente trabalhados por esses funcionários. Não faria, aliás, sentido o entendimento que, quer o funcionário fosse contratado em Janeiro de um exercício, quer em Dezembro desse mesmo exercício, o valor a majorar nesse exercício fosse o mesmo.
Face ao exposto, é efectuada a presente correcção no montante global de 49.553,42 €, resultante do diferencial entre o cálculo da majoração dos encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos, efectuado pelo Sujeito Passivo no montante de 482.460,90 € – tendo por base 5 exercícios económicos – e o que resulta da correcta aplicação do n.º 3 do art. 17.º do EBF no montante de 432.907,48 € – consideração de 5 anos (60 meses) como limite temporal para efeitos de aplicação do benefício em causa – Anexo 2 (2 fls.)

cfr. relatório de inspecção a fls. 57 a 83 dos autos);

D) Em 21.06.1996, foi proferido despacho pelo Secretário de Estado da Administração Fiscal, exarado no processo n.º 695/1996, publicado no site da Administração Tributária, que fixou a seguinte doutrina:

Para efeito do limite previsto no n.º 2 do artigo 40.º do Código do IRC, são consideradas despesas com o pessoal todas as despesas que, tendo a natureza genérica de remunerações, sejam objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer regime substitutivo” (cfr. Documento de fls. 117 do processo administrativo apenso);

E) Em resultado das correcções identificadas na alínea C) supra — acréscimo ao lucro tributável do montante de € 897.364,42 relativo a custos com realizações de utilidade social não dedutíveis, e do montante de € 49.553,42 relativo a encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens —, a Administração Tributaria procedeu, em 21.01.2009, à liquidação adicional de IRC do exercício de 2005, com o n.º 2009 8310000383, no valor de € 286.652,95, do qual € 26.771,36 corresponde a juros compensatórios (cfr. documentos de fls. 91 a 94 dos autos);

F) Em 04.03.2009, a Impugnante procedeu ao pagamento do valor da liquidação mencionada na alínea anterior (cfr. documento de fls. 94 dos autos)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT considerou que a sociedade ora Recorrida, no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC do exercício do ano de 2005, tinha deduzido indevidamente como custo fiscal, para além do mais que ora não cumpre apreciar, o montante de € 897.364,42, respeitantes a realizações de utilidade social na medida em que, a seu ver, para o limite do cálculo do limite de 15% do montante com despesas previstas no art. 40.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção aplicável à data dos factos (A redacção aplicável é a da revisão do Código que foi operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, sendo que, anteriormente, lhe correspondia o art. 38.º, n.º 2.), apenas relevam aquelas despesas que tenham sido objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer outro regime substitutivo.
Por isso, procedeu à respectiva correcção, que (a par de outra, que a ora Recorrida também impugnou, mas relativamente à qual a sentença transitou em julgado) deu origem à liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios que a sociedade ora Recorrida impugnou.
Sustentou a Impugnante, quanto à referida correcção, e em síntese, o seguinte:
(i) referindo-se ao artigo legal em causa – que identificou como o art. 38.º, n.º 2, do CIRC, mas que, na redacção aplicável (Ver nota anterior.), é o art. 40.º, n.º 2, daquele Código – «não se vislumbra na letra do preceito em causa, ou em outro preceito do Código do IRC, e nem a administração tributária invoca qualquer normativo que esclareça que de entre as despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, apenas são ilegíveis para o cálculo dos 15% a que se refere o referido artigo 38.º, n.º 2, do CIRC aquelas que tenham sido «objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer outro regime substantivo»», pondo assim em causa a interpretação que a AT fez da norma;
(ii) «[d]esde 1989 a 2004, nunca a Administração Tributária apontou qualquer erro ou incorrecção na forma de cálculo do limite previsto no artigo 38.º, n.º 2, do CIRC» e «[s]e a Administração Tributária mudou de posição […], não sabe a Impugnante quando, nem lhe seria exigível que soubesse» e, ademais, como prescreve o art. 68.º-A, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT) «não são invocáveis retroactivamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé as orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário.
O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, no que à referida correcção respeita, julgou a impugnação judicial procedente. Entendeu, em síntese, que a interpretação com base na qual a AT procedeu à correcção em causa não tem suporte nem na letra da lei, nem no seu espírito e que se encontra, tão-só, ancorada numa informação do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que, sendo vinculativa para os serviços da AT, não tem força de lei nem eficácia externa.
Por isso, considerando que o acto impugnado, na parte que teve origem na referida correcção, enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito e considerando ainda que foi feito o pagamento do montante liquidado, decidiu pela anulação da liquidação impugnada na referida parte, bem como pela condenação da AT a restituir à Impugnante o montante indevidamente pago e respectivos juros indemnizatórios.
A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença na parte em que julgou a impugnação judicial procedente. Insiste no entendimento do art. 40.º do CIRC que esteve na origem da correcção. Isto, com a seguinte e única argumentação: «Apesar do 40.º do CIRC não estabelecer, expressamente, qual a amplitude do conceito de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, atendendo ao objectivo deste artigo – Realizações de utilidade social – devem considerar-se como “despesas com pessoal” todas as despesas que tendo a natureza genérica de remunerações (aquelas que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho) sejam objecto de descontos obrigatórios para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo» (cfr. conclusão VII, que reproduz o art. 11.º das alegações).
Daí que a questão que cumpre apreciar e decidir seja a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando decidiu que a correcção relativa a custos com realizações de utilidade social não dedutíveis é ilegal, por violação do art. 40.º, n.º 2, do CIRC, na redacção aplicável, por se ter desconsiderado, na determinação do limite de 15% estabelecido nesse normativo legal, despesas com o pessoal que não tenham sido objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer outro regime substantivo, por se entender que apenas são elegíveis para o cálculo desse limite as despesas que tenham sido objecto desse tipo de descontos.

2.2.2 A INTERPRETAÇÃO DO ART. 40.º, N.º 2, DO CIRC

A divergência que ora cumpre dirimir prende-se com a interpretação da referida norma. Recordemos os considerandos expendidos pelo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa para concluir pela procedência da impugnação judicial na parte em que a liquidação teve origem na correcção em causa:
«Através do artigo 40.º do CIRC, com a epígrafe “Realizações de utilidade social”, pretendeu o legislador, através da consagração do regime de dedutibilidade ao lucro tributável de certas despesas, consagrar preocupações de natureza extrafiscal, designadamente de melhoria da segurança social dos trabalhadores e, nalguns casos, também os seus familiares.
Com este propósito, disponha o n.º 2 do artigo 40.º do CIRC, na redacção em vigor à data do facto tributário (corresponde ao n.º 2 do artigo 38.º, na redacção anterior à revisão do articulado, efectuada pelo Decreto-lei n.º 198/2001, 3 de Julho), que:
“São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”.
Atento o teor do supra transcrito normativo legal, em análise nos autos, desde logo resulta patente da sua leitura que do mesmo não decorre qualquer restrição ao conceito de “despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício” de forma a limitar essas despesas às que tenham sido “objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer outro regime substantivo”.
De facto, não se vislumbra que a interpretação dada pela Administração Tributária ao artigo 40.º, n.º 2, do CIRC, restringindo o seu campo de abrangência, encontre na sua letra qualquer expressão verbal. Não se encontrando outra qualquer norma legal de que possa resulta tal entendimento.
Na verdade, na definição de “despesas de remunerações, ordenados ou salários” em causa o legislador procede à delimitação deste tipo de despesas por simples referência a que as mesmas sejam “escrituradas” a esse título. Quer isto dizer que, para o efeito da norma em causa, mais concretamente para o cálculo do limite de 15% aí fixado, as despesas com o pessoal que relevam são aquelas que, em termos contabilísticos, devam ser escrituradas como remunerações, ordenados ou salários. Inexistindo na lei outro critério de distinção ou delimitação daquelas apontadas despesas.
Assim, a única interpretação admissível que resulta leitura da norma legal em causa é a de que as despesas aí referidas são as que assim devam ser registadas na contabilidade da empresa, independentemente do seu tratamento em sede de Segurança Social.
Ora, no caso dos autos, a Administração Tributária não colocou em causa o registo contabilístico dos valores das despesas com remunerações, salários ou ordenados, aceitando, assim, os valores escriturados.
Tendo antes efectuado uma inadmissível interpretação restritiva do normativo legal em causa, ao abarcar na sua previsão somente as despesas com remunerações, salários ou ordenados com descontos obrigatórios para o regime da Segurança Social ou outros regimes substitutivos, fazendo, desta forma, para efeitos do citado limite de 15%, uma distinção entre estas despesas e as derivadas de remunerações, salários, ou ordenados sem tal obrigatoriedade contributiva, dado que esta distinção não se encontra prevista, directa ou indirectamente, no referido normativo.
Parte, portanto, esta distinção de uma interpretação sem qualquer correspondência na letra e, mesmo, no espírito da lei.
Ora, remetendo o artigo 11.º da LGT, quanto à interpretação das normas tributárias, para as regras e princípios gerais de interpretação das leis, os quais são fixados no artigo 9.º do Código Civil, neste artigo estipula-se que o intérprete não pode admitir uma interpretação que não tenha um mínimo de expressão ou correspondência verbal no texto da lei, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2). Devendo o intérprete, na fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3).
Julga-se mesmo que a interpretação dada ao preceito pela Administração Tributária é contraditória com o estabelecido no n.º 3 do citado artigo 40.º, o qual eleva a percentagem prevista no n.º 2 para 25%, em caso de inexistência do direito a pensões da Segurança Social.
De resto, nem em sede de relatório de inspecção, nem na própria contestação produzida nos autos se oferece uma sustentação normativa para o entendimento seguido pela Administração Tributária, sendo este, por isso, algo conclusivo.
Em substância, o entendimento da Administração Tributária subjacente à correcção em apreciação encontra-se simplesmente ancorado na informação vinculativa produzida no processo n.º 695/1996, com despacho de 21.06.1996, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais reproduzido em D) do probatório.
Todavia, escusado será reafirmar que estamos perante doutrina administrativa que, como é incontroverso, não tem força de lei nem eficácia externa, não vinculando, designadamente, o Tribunal.
Face a todo o exposto, pode concluir-se que a Administração Tributária procedeu à correcção agora em apreciação partindo de uma interpretação restritiva inadmissível da lei, sem qualquer fundamento, ao considerar que apenas são elegíveis para o cálculo do limite de 15% a que se refere o n.º 2 do artigo 40.º do CIRC as despesas que tenham sido objecto de descontos obrigatórios para a segurança Social ou para qualquer outro regime substantivo.
Logo, nesta parte, a liquidação impugnada nos autos enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, devendo a mesma ser anulada, na parte em que resulta da correcção em análise, cuja ilegalidade aqui se declara, ou seja, na parte que resulta do acréscimo ao lucro tributável no montante de € 897.364,42.
Sendo de anular igualmente os juros compensatórios liquidados correspondentes ao imposto resultante da referida correcção.»
A AT discorda deste entendimento, mas com um único argumento, qual seja o que acima deixámos referido: «Apesar do 40.º do CIRC não estabelecer, expressamente, qual a amplitude do conceito de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, atendendo ao objectivo deste artigo – Realizações de utilidade social – devem considerar-se como “despesas com pessoal” todas as despesas que tendo a natureza genérica de remunerações (aquelas que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho) sejam objecto de descontos obrigatórios para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo» (cfr. conclusão VII, que reproduz o art. 11.º das alegações).
Ou seja, a Recorrente, que diz que a sentença fez errado julgamento, não explica por que se deve entender que o conceito de “remunerações, ordenados ou salários” a que alude o art. 40.º, n.º 2, do CIRC, na redacção aplicável, sejam apenas os que «sejam objecto de descontos para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo», explicação que se impunha tanto mais quanto não encontra qualquer apoio na letra daquela norma legal.
Salvo o devido respeito, o recurso limita-se a uma mera enunciação de discordância, sem indicação dos motivos por que discorda. A Recorrente fica-se pela insistência no resultado interpretativo que sustenta ab initio. Mas, como bem referiu o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa na sentença recorrida, «nem em sede de relatório de inspecção, nem na própria contestação produzida nos autos se oferece uma sustentação normativa para o entendimento seguido pela Administração Tributária, sendo este, por isso, algo conclusivo». Em síntese, a Recorrente limita-se a afirmar a conclusão sem expor os argumentos que a possam suportar, as premissas que a antecedem.
É certo que, de acordo com a factualidade assente, «Em 21.06.1996, foi proferido despacho pelo Secretário de Estado da Administração Fiscal, exarado no processo n.º 695/1996, publicado no site da Administração Tributária, que fixou a seguinte doutrina: “Para efeito do limite previsto no n.º 2 do artigo 40.º do Código do IRC, são consideradas despesas com o pessoal todas as despesas que, tendo a natureza genérica de remunerações, sejam objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer regime substitutivo”» [cfr. facto provado sob a alínea D)] (O despacho pode ser consultado em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/17B98B1B-25D6-4789-927D-0DB79766CDF3/0/CIRC_040_695-1996.pdf.).
No entanto, como bem observou o Juiz do Tribunal a quo, a doutrina administrativa, sendo obrigatória para os serviços da AT (cfr. art. 68.º-A, n.º 1, da LGT), não é vinculativa para os tribunais. Na verdade, as instruções administrativas não se impõem aos tribunais e apenas são vinculativas para os serviços hierarquicamente dependentes do serviço que as emitiu. Por outro lado, as ordens internas da AT, seja qual for a forma que revistam – “despachos genéricos”, instruções, circulares ou outra – não são fontes de Direito Fiscal «porquanto a força vinculativa de tais diplomas se acha circunscrita a um sector da ordem administrativa. E essa mesma força vinculativa resulta tão-somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm, e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem» (SOARES MARTÍNEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, pág. 111.). A doutrina nelas veiculada apenas poderá convencer de que fazem a melhor interpretação da lei em razão da sua fundamentação. Mas, desconhecendo-se os motivos (os argumentos) por que foi fixada a doutrina ínsita ao referido despacho, não temos como aferir da validade da conclusão.
Dito isto, poderíamos até questionar se a Recorrente ataca verdadeiramente a sentença. Na verdade, a Recorrente limita-se a insistir na tese de que a o conceito de “despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício” constante da norma do art. 40.º, n.º 2, do CIRC, na redacção aplicável, se restringe a esses gastos das empresas sobre os quais incidam “quotizações ou contribuições para a segurança social”, conclusão que sustentara já junto do Tribunal Tributário de Lisboa e que o Juiz refutou, salientando desde logo que a Recorrente não tinha explicado qual o percurso hermenêutico que a tinha levado a retirar esse sentido do texto da norma.
Também agora, compulsadas as alegações de recurso e respectivas conclusões (Sendo estas últimas que delimitam o âmbito e o objecto do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC.), a Recorrente, mais do que atacar a sentença, procurando refutar a argumentação nela expendida, repete a conclusão quanto ao sentido da norma que já aduzira perante o Tribunal Tributário de Lisboa.
É certo que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a considerar como modo válido de manifestar discordância com a sentença que se tenha pronunciado sobre o mérito da causa a enunciação das razões que, no entender do recorrente, devem levar à sua procedência e que podem ser a mera reprodução das aduzidas perante a 1.ª instância (Apesar de o recorrente dever especificar os fundamentos por que discorda da decisão recorrida e pretende a revogação do que ficou decidido, indicando os concretos motivos dessa discordância, este Supremo Tribunal Administrativo, desde há muito vem admitindo como forma válida de atacar a decisão recorrida que se pronunciou sobre o mérito da causa a repetição das razões aduzidas perante o tribunal a quo. Neste sentido, entre muitos outros e por mais antigos, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Junho de 1997, proferido no recurso com o n.º 20.289, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32220.pdf), págs. 1937 a 1941;
- de 4 de Março de 1998, proferido no recurso com o n.º 20.799, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1998/32210.pdf), págs. 700 a 706;
- de 2 de Fevereiro de 2000, proferido no recurso com o n.º 22.418, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21 de Novembro de 2002 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32212.pdf), págs. 275 a 278.), jurisprudência que se baseia no entendimento, cada vez mais evidente na nossa lei processual, de que não se exige o uso de fórmulas sacramentais para a prática de actos das partes no processo e que neste se procure evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais: que a forma prevaleça sobre o fundo (Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.).
No caso sub judice, a Recorrente ataca inequivocamente a sentença recorrida, como resulta das alegações de recurso e respectivas conclusões. Nada obsta a que esse ataque se faça essencialmente através da repetição da posição assumida na petição inicial e que não logrou vencimento na 1.ª instância.
No entanto, porque já na 1.ª instância a sua argumentação se apresentava meramente conclusiva quanto ao sentido fortemente restritivo que retirou da norma e porque, mesmo depois de todo o esforço argumentativo aduzido na sentença no sentido da demonstração da inviabilidade desse sentido à luz das regras hermenêuticas, também em sede de recurso se limitou a avançar com a mesma conclusão, sem se dignar expor os respectivos argumentos, essa carência de argumentação não deixará de repercutir-se no nível de fundamentação exigível ao tribunal de recurso, quando, como no caso, concorde plenamente com os fundamentos já expendidos na sentença.
Na verdade, ainda que em matéria da interpretação das regras de direito os tribunais não estejam sujeitos à alegação das partes (art. 5.º, n.º 3, do CPC), também não lhes é exigível que, perante a total inércia da parte, se esforcem para além do razoável na procura das razões que a parte se dispensou de apresentar.
Assim, concordando nós integralmente com a argumentação aduzida pelo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa e na ausência indicação dos concretos motivos de discordância, limitar-nos-emos a confirmar a sentença recorrida.
Permitimo-nos apenas aditar, em reforço ao argumentário da sentença, que a interpretação defendida pela Recorrente, na medida em que constitui uma restrição ao conceito de “despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício”, pretendendo que desses gastos só relevem aqueles sobre os quais incidam “quotizações ou contribuições para a segurança social”, é susceptível de influir na determinação da matéria tributável, ao determinar a não aceitação de um custo fiscal. Assim sendo, essa restrição só seria admissível se resultasse autorizada, ainda que minimamente, por uma expressão verbal contida na letra da lei, não gozando a AT de discricionariedade que lhe permita introduzir esse critério na aplicação da norma. É que não podemos olvidar que estamos em sede de normas de incidência de tributos, domínio onde vigora o princípio da tipicidade – um dos corolários do princípio da legalidade (cfr. art. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) –, do qual decorre que todos os elementos necessários à caracterização e à aplicação dos impostos devem estar criados pela lei e ser previstos por ela.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do art. 40.º, n.º 2, do CIRC (na redacção aplicável), são «considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados» com as realizações de utilidade social aí enumeradas, efectuadas pelas empresas a favor do seu pessoal, reformados e respectivos familiares.
II - Para determinação desse limite, a AT não estava autorizada a excluir as referidas despesas na medida em que estas não estejam sujeitas a quotizações para a segurança social.
III - A interpretação da norma, efectuada em obediência aos cânones do art. 11.º da LGT e do art. 9.º do CC, não autoriza que do texto da norma se extraia esse sentido, o qual, aliás, sempre violaria o princípio da tipicidade.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 12 de Outubro de 2016. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.