Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0461/11
Data do Acordão:09/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IVA
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
INÍCIO DO PRAZO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - Depois da redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto».
II - Atendendo a que o efeito extintivo do direito à liquidação do IVA é o decurso do "inteiro" prazo de caducidade e não a ocorrência do seu "dies a quo", a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária é aplicável ao prazo em curso, atento ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
III - Assim sendo, é aplicável ao IVA de Janeiro a Agosto de 2001 o novo prazo constante daquele citado nº 4, pelo que à data da notificação das liquidações - 24.10.2005 – ainda não estava completado o prazo de caducidade ali previsto.
Nº Convencional:JSTA00067123
Nº do Documento:SA2201109070461
Data de Entrada:05/06/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N4
L 32-B/2002 DE 2002/12/30
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC1076/09 DE 2011/03/17
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Aveiro que julgou procedente a impugnação deduzida por A…, com os demais sinais nos autos, contra liquidações adicionais de IVA de Janeiro a Agosto de 2001, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1ª). De acordo com a redacção originária do artigo 45º, nº 4 da Lei Geral Tributária, o prazo de caducidade do imposto sobre o valor acrescentado teria o seu início na data em que ocorreu o facto tributário.
2ª). A Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro alterou o artigo 45º, nº 4 da Lei Geral Tributária, prescrevendo que o início do prazo de caducidade do imposto sobre o valor acrescentado ocorresse no início do ano civil seguinte.
3ª). Esta alteração legislativa teve como efeito o alargamento de um prazo por força de postcipação, pelo que deve observar-se as regras do artigo 297.°, n.° 2, do Código Civil.
4ª). A lei nova, que fixa um prazo mais longo, é imediatamente aplicável a este prazo que já se encontra em curso, mas, como está em causa a postcipação, computa-se no novo prazo todo o tempo decorrido desde o momento inicial.
5ª). Se um prazo ainda se encontra em curso no momento de início de vigência da lei nova, significa que essa situação jurídica ainda não se encontra constituída (ou extinta) nesse momento.
6ª). Cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova.
7ª). A aplicação imediata desta nova disposição aos prazos em curso não significa que exista uma aplicação retroactiva.
8ª). Por força da alteração legislativa, o prazo de caducidade do IVA de entendimento dominante na Jurisprudência.
9ª). A douta sentença recorrida, partindo do pressuposto que a alteração introduzida pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, apenas poderia ser aplicada aos casos em que o facto gerador do IVA tenha ocorrido depois de 1 de Janeiro de 2003, data de entrada em vigor da refenda alteração, concluiu que as liquidações foram notificadas fora do prazo de caducidade.
10ª). No caso em apreço, o prazo de caducidade das liquidações adicionais de IVA de 2001 (Janeiro a Agosto) apenas teve o início no dia 1 de Janeiro de 2002, pelo que no dia 24 de Outubro de 2002 e data da notificação das liquidações, o prazo de caducidade de quatro anos ainda não estava esgotado.
Nos termos vindos de expor e nos que Vs. Ex.cias, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a impugnação totalmente improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o direito e a justiça.
2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 135/137 no qual defende a procedência do recurso.
3. Colhidos os vistos cabe agora decidir.
4. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
1º). O Impugnante A... foi objecto de uma acção inspectiva externa abrangendo os anos de 2000 e 2001 que se iniciou a 20/07/2004 e que terminou a 30/09/2004;
2º). No seguimento da acção inspectiva referida em 1), foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, as quais foram notificadas ao Impugnante a 24 de Outubro de 2005;
3º). O impugnante, na data referida em 2), foi notificado:
a). Da liquidação adicional de IVA n° 05163009, referente ao período 01/01, no valor de € 2.495,22 €, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° l 02 405 516 300 908 - cfr. documento n° 4;
b). Da liquidação adicional de IVA n° 05162985, referente ao período de 01/02, no valor de € 4.944,36, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° 102 005 516298508 - cfr. documento n° 4;
c). Da liquidação adicional de IVA n° 05162987, referente ao período de 01/03, no valor de € 17.795,98, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° l 02 205 516 298 708 - cfr. documento n° 4;
d). Da liquidação adicional de IVA n° 05162989, referente ao período de 01/04. no valor de € 10.566,40, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° l 02 505 516 298 908 - cfr. documento n° 4;
e). Da liquidação adicional de IVA n° 05162991, referente ao período de 01/05, no valor de 6 6.560,34, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário de 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° l 02 005 516 299 108 - cfr. documento n° 4;
f). Da liquidação adicional de IVA n° 05162993, referente ao período de 01/06, no valor de € 5.326,14, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° l 02 205 516 299 308 - cfr. documento n° 4;
g). Da liquidação adicional de IVA n° 05162226, referente ao período de 01/07, no valor de € 7.901,89, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° l 02 105 516 222 608 - cfr. documento n° 4;
h). Da liquidação adicional de IVA n° 05162232, referente ao período de 01/08, no valor de € 15.008,39, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° l 02 105 516 223 208 - cfr. documento n° 4;
4. Ainda no mesmo dia 24/10/2005, o Impugnante foi notificado:
i) Da liquidação de juros compensatórios n° 05163010, referente ao período de 01/01, no valor de € 520,71, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° 102 005 516 301 009 - cfr. documento n° 5;
j) Da liquidação de juros compensatórios n° 05162986, referente a um alegado período de 01/02, no valor de € 1.004,31, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° 102405516298609 - cfr. documento n° 5;
k) Da liquidação de juros compensatórios n° 05162988, referente ao período de 01/03, no valor de € 3.512,39, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° l 02 705 516 298 809 - cfr. documento n° 5;
l) Da liquidação de juros compensatórios n° 05162990, referente ao período de 01/04, no valor de € 2.020,64, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° l 02 105 516 299 009 - cfr. documento n° 5;
m) Da liquidação de juros compensatórios n° 05162992, referente ao período de 01/05, no valor de € 1.218,07, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° 102 405 516 299 209 - cfr. documento n° 5;
n) Da liquidação de juros compensatórios n° 05162994, referente ao período de 01/06, no valor de € 957,25, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° 102 705 516 299409 - cfr. documento n° 5;
o) Da liquidação de juros compensatórios n° 05162227, referente ao período de 01/07, no valor de € 1.373,20, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° 1 02 605 516 222 709 - cfr. documento n° 5;
p) Da liquidação de juros compensatórios n° 05162233, referente ao período de 01/08, no valor de € 2.521,82, sendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até 2005-11-30 e correspondendo ao documento de cobrança n° 102605516223309 - cfr. documento n° 5.
5. Conforme resulta da decisão, o Mmº Juiz recorrido entendeu que à data da notificação das liquidações adicionais havia já decorrido o prazo de caducidade constante do artº 45º da LGT.
Por sua vez, a Fazenda Pública entende que ao caso é aplicável essa norma, mas na redacção dada pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro. Assim sendo, e contando-se aquele prazo a partir do ano seguinte ao do facto tributário, em 24.10.2005 - data da notificação - o mesmo ainda não havia decorrido.
5.1. Resulta do nº 1 do probatório que o impugnante foi alvo de uma acção inspectiva externa, abrangendo os anos de 2000 e 2001.
Na sequência dessa acção inspectiva foram emitidas liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, as quais foram notificadas ao impugnante em 24.10.2005 (nº 2 do mesmo probatório).
O artº 45º, nº 4 da LGT, em vigor à data dos factos, dispunha o seguinte:
“4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”.
A Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, veio dar àquela norma a seguinte redacção:
“4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.
Pretende agora a recorrente Fazenda Pública que, em face da nova redacção daquela norma, devem observar-se as regras do artº 297º, nº 2 do Código Civil, com a argumentação que se segue.
A lei nova que fixa um prazo mais longo, é imediatamente aplicável a este prazo que já se encontra em curso, mas, como está em causa a postcipação, computa-se no novo prazo todo o tempo decorrido desde o momento inicial.
Se um prazo ainda se encontra em curso no momento de início de vigência da lei nova, significa que essa situação jurídica ainda não se encontra constituída (ou extinta) nesse momento.
Cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova.
A aplicação imediata desta nova disposição aos prazos em curso não significa que exista uma aplicação retroactiva.
Por força da alteração legislativa, o prazo de caducidade do IVA de 2001 tem o seu início no dia 1 de Janeiro de 2002, sendo este o entendimento dominante na Jurisprudência.
A douta sentença recorrida, partindo do pressuposto que a alteração introduzida pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, apenas poderia ser aplicada aos casos em que o facto gerador do IVA tenha ocorrido depois de 1 de Janeiro de 2003, data de entrada em vigor da refenda alteração, concluiu que as liquidações foram notificadas fora do prazo de caducidade, o que não é correcto.
Vejamos então se esta argumentação colhe apoio legal.
5.2. A questão a conhecer no presente recurso é então a de saber se à determinação do termo inicial de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA relativo a Janeiro a Agosto de 2001 se aplica o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária na redacção vigente à data da ocorrência do facto tributário ou, ao invés, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.
Sobre esta matéria escreveu-se no recente Acórdão do Pleno desta Secção, de 17.03.2011 – Processo nº 1076/09, o seguinte:
“Na verdade, a jurisprudência mais recente tem-se consolidado no sentido da tese adoptada no acórdão recorrido, neste sentido se podendo apontar os acórdãos de 26/11/08, 20/05/09, 25/06/09, 25/05/10 e 15/09/10, nos recursos n.ºs 598/08, 293/09, 1109/08, 115/10 e 545/10.
Não se descortinam razões válidas para divergir desta jurisprudência que tem vindo a formar-se na secção e que igualmente foi seguida no acórdão recorrido.
Sendo assim, à míngua de mais válidos e proficientes argumentos que sustentem esse mais recente entendimento jurisprudencial, limitar-nos-emos a acompanhar o que tal respeito foi afirmado no acórdão sob recurso.
Escreveu-se nesse aresto o seguinte:
“Entendemos pois que à determinação do termo inicial de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA relativo a Fevereiro e Junho de 2002 se aplica o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, não se consubstanciando tal aplicação numa aplicação retroactiva daquela disposição legal, pois que o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo, ao contrário do alegado (cfr. conclusão 2.ª das alegações de recurso), uma vez que o efeito extintivo do direito de liquidar apenas opera no termo do prazo e este estava ainda em curso à data da entrada em vigor da lei nova.
Ora, na lição de BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpress., Coimbra, Almedina, 2002, p. 235), «(…) nada impede que a lei nova se aplique a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivos (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência”».
E continua o insigne Mestre, a páginas 242/243, «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».
Assim, aceite o pressuposto de que não é o início do prazo de caducidade, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à liquidação do tributo por parte da administração fiscal, pressuposto que nos parece inquestionável, impõe-se a conclusão, por aplicação da regra contida na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil e no artigo 12.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, de que a nova redacção do preceito é aplicável aos caso dos autos (prazos de caducidade do IVA relativo a Fevereiro e Junho de 2002).”
Aplicando este entendimento ao caso dos autos temos que, na data da alteração do citado nº 4 do artº 45º da LGT pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, ainda não havia decorrido integralmente o prazo para extinção do direito. Assim, achando-se a situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova, passando o prazo a contar-se de acordo com a nova redacção da norma citada.
Deste modo, estando em causa IVA de Janeiro a Agosto de 2001, iniciando-se a contagem do prazo a partir de 01.01.2002, à data da notificação das liquidações – 24.10.2005 - ainda não havia decorrido o prazo legal de quatro anos previsto no citado nº 4.
Procede, pelo exposto, o recurso.
6. Nestes termos concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a impugnação.
Custas pela impugnante apenas em 1ª instância.
Lisboa, 07 de Setembro de 2011. – Valente Torrão (relator) – Dulce NetoCasimiro Gonçalves.