Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0234/13
Data do Acordão:03/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
NORMA GERAL
NORMA ESPECIAL
CPPT
Sumário:I - Após 1 de Janeiro de 2012, com a entrada em vigor da redacção dada ao n.º 1 do art. 196.º do CPPT pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (OE para 2012), passou a ser possível pedir o pagamento da dívida exequenda em prestações até à marcação da venda.
II - Porque a norma do n.º 1 do art. 196.º do CPPT tem natureza processual, a nova redacção é de aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal pendentes em 1 de Janeiro de 2012, desde que não esteja ainda notificada ao executado a data marcada para a venda.
III - O regime especial previsto no n.º 8 do art. 189.º do CPPT não se opõe, mas antes complementa, o regime-regra do n.º 1 do art. 196.º do mesmo código, pelo, ainda que tenha cessado a suspensão da execução fiscal pela decisão proferida no meio gracioso ou contencioso que tinha determinado essa suspensão (desde que estivesse prestada garantia ou houvesse dispensa da mesma), se o prazo de 15 dias após a notificação dessa decisão terminar antes do executado ser notificado da marcação da venda, sempre este poderá apresentar o pedido de pagamento em prestações até que ocorra esta última notificação.
Nº Convencional:JSTA000P15416
Nº do Documento:SA2201303060234
Data de Entrada:02/15/2013
Recorrente:A......, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2509/12.4BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A………, S.A.” (a seguir Executada, Reclamante ou Recorrente), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Tributário do Porto da decisão da Directora de Finanças do Porto, que lhe indeferiu o pedido de pagamento da dívida fiscal em prestações.
A Executada pediu que aquela decisão fosse anulada. Alegou, em resumo, que a AT não atentou na nova redacção dada ao art. 196.º do CPPT pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), que veio permitir a apresentação do pedido de pagamento em prestações até à marcação da venda.

1.2 O Juiz do Tribunal Tributário do Porto julgou a reclamação improcedente. Para tanto, considerou, em síntese, que
· como bem decidiu a autoridade administrativa em sede de execução fiscal, o pedido de pagamento em prestações foi apresentado para além do termo do prazo para o efeito, uma vez que à situação sub judice é aplicável, não o n.º 1 do art. 196.º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, mas o n.º 8 do art. 189.º do mesmo Código, que constitui disposição especial relativamente àquele art. 196.º e não foi revogado por aquela lei; por outro lado,
· o art. 196.º, n.ºs 1 a 5, do CPPT, na referida redacção, que veio permitir a apresentação do pedido de pagamento em prestações “até à venda”, nunca seria aplicável à presente execução, uma vez que esta se iniciou antes da entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, que ocorreu a 1 de Janeiro de 2012.

1.3 A Reclamante não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (A primeira conclusão tem o n.º 50 porque a Recorrente seguiu nas conclusões a numeração iniciada nas alegações.):
«
50. Foi requerido aos serviços financeiros pagamento faseado de uma dívida que a recorrente deve liquidar, mas que não tem como liquidar [(Liquidar é aqui usado com o sentido de pagar.)].
51. A recorrente nunca referiu que não queria pagar, até porque, no entretanto, já tem feito vários abatimentos à dívida num total que ronda os 250.000,00 €,
52. Reclamou pagar, como é seu dever, de forma faseada.
53. Isto para a recorrente é importante porque se assim não for a viabilidade futura da empresa, em termos económico-financeiros, deixa de ser possível.
54. Esta informação é sabida pelos serviços financeiros melhor do que ninguém.
55. A propósito, foi referido já por várias vezes, quer aos serviços financeiros quer aos tribunais, que esta tentativa de pagar às finanças o valor em dívida faseadamente é uma forma de evitar a ruptura da empresa e por consequência o encerramento da mesma que está a tentar “aguentar-se” nestes dias tão complicados.
56. Para manter postos de trabalho.
57. Para contribuir com seu rendimento para a riqueza do país.
58. Para se manter como empresa.
59. Mas, pelos vistos, os serviços fiscais do estado são insensíveis a tais questões
60. E o mais grave,
61. É que também o Tribunal a quo.
62. Pelo que, não entendemos tal posição, tal recusa e tais deliberações acerca do pedido da recorrente em pagar a dívida em prestações,
63. Não queremos, contudo, dizer com o anteriormente alegado que para tal, quer as finanças, quer o tribunal a quo, devessem ir contra a lei.
64. Apenas queríamos que tais entidades procedam em conformidade com a lei e com as orientações dadas, quer pelo estado através de seu OE 2012, quer pelas directivas da própria AT, quer por força da Lei é a n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2012.
65. Assim, não nos resta senão,
66. Contarmos com a sensibilidade por parte de quem domina o superiormente sábio como entendimento das coisas da justiça, do conhecimento e da razão como base na, experiência e da consciência de quem decide
67. Portanto,
68. O requerimento foi dirigido aos serviços financeiros de modo claro e inequívoco.
69. E que teve a ver com o pagamento da dívida que a recorrente tem para com as finanças no máximo de prestações mensais e iguais possíveis, tudo nos exactos termos da Lei.
70. O requerimento foi entregue em 24 de Maio de 2012, já depois da Lei entrar em vigor e antes da marcação para vendas dos bens dados como garantia à penhora.
71. A Lei é a n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2012.
72. Nada mais normal recorrer a esta Lei até porque como as Finanças e o Tribunal a quo bem sabem que a marcação da venda dos bens indicados à penhora ainda não foi indicada.
73. E por tal facto, indispensável por sinal, a recorrente ainda estaria e está em tempo de requerer o pagamento do valor em dívida em prestações.
74. As próprias orientações dos serviços A.T. vão no sentido de deferir tais pedidos de pagamento faseadamente.
75. Porque razão os responsáveis das finanças indeferiram tal pedido? Não sabemos.
76. Porque razão o tribunal a quo manteve tal decisão de indeferimento e não revogou a decisão dos responsáveis das finanças? Não compreendemos.
77. Não alcançamos, de todo, tais posições tomadas.
78. Não há dúvidas que é o entendimento das AT, jurisprudência e ainda OE 2012.
79. Quanto ao pagamento em prestações de dívidas fiscais, independentemente do momento,
80. Que poderá ser efectuado até à marcação venda.
81. Porque razão aquele serviço das finanças (nas pessoas dos seus responsáveis) e aquele tribunal a quo assim não decidiram no sentido de conceder tal possibilidade?
82. Para nós é um enigma.
83. Até porque, e para que não restassem dúvidas na sua aplicação e a quem abrangia a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro,
84. De forma a uniformizar procedimentos, a Administração Tributária, veio clarificar o alcance das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2012 ao regime do pagamento em prestações (Ofício-circulado n.º 60087/2012, de 6 de Março e Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, artigo 152.º Código de Procedimento e de Processo Tributário, artigos 196.º, 198.º, 199.º).
85. Quanto ao pedido de pagamento em prestações, desde 1 de Janeiro de 2012 que este pode ser apresentado até à marcação da venda, também não há duvidas.
86. Embora o momento de marcação da venda seja o do despacho do chefe de finanças que determina essa marcação, para efeitos de apresentação do pedido, esse momento determina-se com a notificação ao executado, que ainda não aconteceu.
87. Também este aspecto, nos assiste.
88. Não há dúvidas acerca disto.
89. Porém, atendendo a que a referida alteração apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2012, impôs-se clarificar a sua aplicação no tempo.
90. Desta forma, a AT esclareceu que:

- se o executado tiver apresentado, mesmo que antes da entrada em vigor da lei, o que nem foi o caso, um pedido de pagamento em prestações e este tiver sido indeferido por ter sido apresentado fora de tempo, poderá ser apresentado um novo pedido até à marcação da venda, uma vez que o prazo foi alargado;
91. Até aqui as finanças poderiam ter sugerido um outro pedido pelas razões acima invocadas
92. Coisa que as finanças não acautelaram.
93. Por outro lado quanto à apreciação do pedido de pagamento em prestações, o OE 2012 veio impor que este tem de ser apreciado imediatamente, ou seja, perante o pedido deve logo ser proferido despacho de deferimento mesmo para processos pendentes.
94. Também aqui não percebemos por um lado as orientações dadas pelos serviços financeiros pela intensidade com que pretendem penhorar a toda a força a recorrente
95. Por outro lado, a posição tomada pelo tribunal a quo, que assiste e colabora com toda esta impertinência e com toda esta ilegalidade, ao ponto de não responder à segunda reclamação entregue em tal tribunal pela recorrente.
96. Desta forma, e neste sentido, mal decidiu o tribunal a quo quando julgou a petição improcedente e, em consequência, sentenciou a reclamante nos termos aí sentenciados. Pelo que,

Termos em que, nos demais de direito e que V. Exas. decerto suprirão, deve o recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente procedente;

Que se pronunciei quanto às matérias da Questão Prévia de forma favorável à aqui recorrente;

Considerar procedente e encarado como demonstrado este recurso, respectiva reclamação, pedido às finanças do pagamento faseado, revogando, desta forma, a douta sentença a quo.

Que revogue e substitua a decisão do tribunal a quo por uma boa e adequada e que só poderá ser o assentimento do pagamento do valor em dívida de forma faseada».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.5 Não foram apresentadas contra alegações.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e anulada a decisão administrativa reclamada, com a seguinte fundamentação:

«1. A questão controvertida é relativa à aplicação da disposta no art. 196.º n.º 1 do C.P.P.T., na redacção dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2012 ao caso dos autos, solução que defende a recorrente, invocando ainda o que veio a constar do of.-circulado n.º 60087/2012, de 6 de Março no sentido da sua aplicação aos processos pendentes.
Na sentença recorrida foi afastada tal possibilidade, com 2 argumentas: ser a norma contida no n.º 8 do art. 189.º do C.P.P.T. a especialmente aplicável, e por a constante do dito art. 196.º n.º 1 só ser aplicável aos processos instaurados após a sua vigência a 1-1-2012.
2. Posição que se defende:
É de aplicar o que passou a ser previsto no art. 196.º n.º 1 do C.P.P.T.
Com efeito, tratando-se de norma relativa a acto processual, a mesma pode ser de imediato de aplicar, segundo o que resulta previsto no art. 12.º n.º 3 da L.G.T., que ressalva apenas as excepções decorrentes de garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes que haja que respeitar, o que não parece ser o caso (1) [1Sobre o que aí se pode enquadrar são situações de que resultasse a impossibilidade de revisão ou que fossem afectadas normas de incidência, conforme referido no n.º 8 da anotação a esse artigo, efectuada por Leite de Campos e outros, em LGT Anotada e Comentada, 4.ª ed. 2012, p. 132, e também J. Casalta Nabais, em n.º 21 “eficácia das normas jurídico- fiscais”, de Direito Fiscal, 7.ª ed. Almedina, 2012, p. 217].
Havendo que procurar uma interpretação congruente em face do que se encontra previsto no n.º 8 do art. 189.º do C.P.P.T., disposição que se insere na epígrafe “efeitos e função das citações”, crê-se que tal deve levar a A.T. a, nos casos nessa disposição prevista, incluir na notificação da decisão a possibilidade do executado requerer o pagamento em prestações no prazo de 15 dias, mesmo após ter cessado a suspensão da execução, sentido em que é de entender o que aí se manteve previsto, e não ser de afastar a aplicação do que passou a ser previsto no dito art. 196.º n.º 1.
Aliás, com esta disposição, terá o legislador, ciente das dificuldades financeiras de muitos contribuintes em face das medidas excepcionais previstas no dito Orçamento de Estado, querido alargar a possibilidade de pagamento em prestações até à marcação da venda em todos os casos pendentes, não fazendo sentido distinguir-se outras situações para além das excepcionadas nos n.º s segs. desta disposição.
Aliás, no despacho de indeferimento do pagamento em prestações ter-se-á pura e simplesmente ignorado o que resulta da dita nova previsão, sendo tal que terá provocado o que ficou aí decidido, ao que ora se defende sem fundamento».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão suscitada pela Recorrente é, como procuraremos demonstrar, a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando confirmou a legalidade da decisão administrativa que indeferiu o pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações, com fundamento na intempestividade do requerimento, o que passa por indagar
· se a nova redacção dada ao n.º 1 do art. 196.º pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012) é ou não aplicável aos processos de execução fiscal instaurados antes da entrada em vigor desta lei e
· se o n.º 8 do art. 189.º do CPPT constitui norma excepcional relativamente à norma do n.º 1 do art. 196.º do mesmo código e, por isso, derroga a aplicação da mesma.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«
A. O processo de execução fiscal nº 3468200201500104 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Gondomar 2 contra a reclamante para cobrança coerciva de IRC referente ao ano de 1996, no valor de € 937.162,06 (novecentos e trinta e sete mil e cento e sessenta e dois euros e seis cêntimos);
B. A executada foi citada a 18 de Novembro de 2002;
C. Foram penhorados no âmbito do processo referido em A), imóveis no valor de € 377.990,00 (trezentos e setenta e sete mil e novecentos e noventa euros) e realizada hipoteca legal de um imóvel no valor de € 1.171.647,63 (um milhão e cento e setenta e um mil e seiscentos e quarenta e sete euros e sessenta e três cêntimos);
D. A 14 de Janeiro de 2004 foi lavrado auto de penhora de máquinas e equipamento, tendo sido atribuído o valor global de € 278.381,36 (duzentos e setenta e oito mil e trezentos e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos);
E. A Reclamante deduziu impugnação judicial da liquidação de IRC de 1996, a qual foi julgada improcedente por sentença transitada em julgado a 23 de Março de 2011;
F. No seguimento da Impugnação referida em E) e das garantias referidas em C) e D), foi o processo suspenso a 23 de Junho de 2006;
G. A 24 de Maio de 2012, a reclamante apresentou requerimento de pagamento da dívida em 60 prestações alegando não ter capacidade financeira para efectuar de imediato o pagamento integral da dívida;
H. Pelo ofício nº 50392 de 2012-07-02 foi a reclamante notificada do despacho de indeferimento do pedido referido em O), o qual se considera aqui integralmente reproduzido;
I. A presente reclamação deu entrada a 10 de Julho de 2012.

Factos não provados

Dos demais factos alegados nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívida de IRC, veio a sociedade executada pedir o pagamento em prestações em 24 de Maio de 2012.
Por despacho de 21 de Junho de 2012, a Directora de Finanças do Porto indeferiu o pedido com o fundamento de que à data em que foi formulado estava já findo o prazo para pedir o pagamento em prestações, uma vez que a apresentação do requerimento ocorreu para além do termo do prazo fixado pelo n.º 8 do art. 189.º do CPPT, ou seja, mais de 15 dias depois da notificação à Executada do indeferimento da impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda.
A Executada reclamou dessa decisão ao abrigo do disposto nos arts. 276.º a 278.º do CPPT, sustentando a aplicabilidade à situação do disposto no n.º 1 do art. 196.º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), que permite a apresentação do requerimento para pagar a dívida exequenda em prestações «até à marcação da venda».
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação improcedente e manteve o acto reclamado. Isto, porque considerou que
· a Directora de Finanças do Porto (Note-se que o art. 197.º do CPPT distribui a competência para conhecer do pedido de pagamento em prestações entre o órgão da execução fiscal e órgão periférico regional, reservando para este a decisão quando o valor da dívida exequenda atinja as 500 unidades de conta.) decidiu bem ao rejeitar o pedido por intempestividade, uma vez o pedido de pagamento em prestações foi apresentado mais de 15 dias depois da Executada ter sido notificada do indeferimento da impugnação judicial que deduziu contra a liquidação, ou seja, para além do termo fixado pelo n.º 8 do art. 189.º do CPPT;
· à situação sub judice não é aplicável o n.º 1 do art. 196.º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, porque existe «regra especial» que a regula – o referido n.º 8 do art. 189.º do mesmo Código – e que não foi revogada por aquela lei; acresce que
· o art. 196.º, n.ºs 1 a 5, do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, que veio permitir a apresentação do pedido de pagamento em prestações “até à venda”, nunca seria aplicável à presente execução, uma vez que esta se iniciou antes da entrada em vigor daquela lei, que ocorreu a 1 de Janeiro de 2012.
A Executada recorre da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo mantendo a posição assumida nos autos.
Assim, como deixámos dito em 1.8, para aferir se o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fez ou não correcto julgamento quando considerou legal a decisão da Directora de Finanças que não admitiu o pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações, temos que averiguar (i) se a nova redacção dada ao n.º 1 do art. 196.º pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012) é ou não aplicável aos processos de execução fiscal instaurados antes da entrada em vigor desta lei e (ii) se o n.º 8 do art. 189.º do CPPT constitui norma excepcional relativamente à norma do n.º 1 do art. 196.º do mesmo código e, por isso, derroga a aplicação da mesma.

2.2.2 A ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELO OE 2102 NO REGIME DO PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES E SUA APLICAÇÃO AOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO FISCAL PENDENTES

O pagamento da dívida tributária em prestações, para os casos em que o devedor não a possa cumprir integralmente e de uma só vez, está previsto no art. 42.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) e no n.º 2 do art. 86.º do CPPT.
Para as situações em que a dívida esteja já em cobrança coerciva, o regime de pagamento em prestações consta dos arts. 196.º a 200.º do CPPT.
O art. 196.º, n.º 1, do CPPT, na redacção que vigorou desde a entrada em vigor do Código (O CPPT entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que o aprovou.) até 1 de Janeiro de 2012, dispunha: «As dívidas exigíveis em processo executivo poderão ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, no prazo de oposição, ao órgão da execução fiscal».
Assim, porque o prazo da oposição, de acordo com o disposto no art. 203.º do CPPT, é de 20 dias a contar, em regra (Existe também a possibilidade de a oposição ser deduzida em igual prazo, contado da ocorrência de facto superveniente, mas tendo como limite a venda dos bens. «Se os factos forem supervenientes, subjectiva ou objectivamente, em relação ao momento da venda, o executado terá de obter o reconhecimento do seu direito em acção para esse fim (n.º 3 do art. 257.º do CPPT) só podendo depois invocar esse fundamento como motivo de anulação da venda, nos termos da alínea b) do n.º 1 do mesmo art. 257.º» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 9 ao art. 203.º, pág. 434).), da data da citação, era também esse o prazo para apresentar o pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações.
Em conformidade, o n.º 1 do art. 189.º do CPPT, também na redacção que vigorou desde a entrada em vigor do Código até 1 de Janeiro de 2012, dispunha: «A citação comunicará ao devedor os prazos para oposição e para requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento».
Em 1 de Janeiro de 2012, entrou em vigor a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), cujo art. 157.º deu nova redacção quer ao n.º 1 do art. 196.º do CPPT quer ao n.º 1 do art. 189.º do mesmo Código. Assim, após aquela data, estes preceitos passaram a ter o seguinte teor, respectivamente: «As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal» e «A citação comunica ao devedor os prazos para oposição e para requerer a dação em pagamento, e que o pedido de pagamento em prestações pode ser requerido até à marcação da venda».
Ou seja, procurando de algum modo ajustar o regime legal às por demais conhecidas dificuldades financeiras de muitas famílias e empresas em virtude da crise económica, o legislador estabeleceu um regime mais flexível no que concerne ao pagamento em prestações (Flexibilização que se revela, não só no alargamento do prazo, mas também na possibilidade de o executado obter o deferimento do pedido sem prestar garantia ou estar dispensado da mesma (cf. n.º 3 do art. 198.º e n.º 8 do art. 199.º, na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).). Designadamente, quanto ao prazo para formular o pedido, entendeu diferir o seu termo final, que coincidia com o termo do prazo para deduzir oposição, até «à marcação da venda».
Esta possibilidade de apresentar o requerimento de pagamento em prestações até à marcação da venda, concedida pelas alterações normativas introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, aplicar-se-á aos processos de execução fiscal pendentes ou, como sustentou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, apenas aos processos de execução fiscal iniciados após 1 de Janeiro de 2012, data em que, nos termos do seu art. 215.º, entrou em vigor aquela Lei?
O art. 196.º, n.º 1, do CPPT é uma norma de carácter processual: não porque se encontra num compêndio de natureza processual, como inquestionavelmente o é o CPPT, mas porque visa disciplinar no processo de execução fiscal o exercício do direito de pagar a dívida exequenda em prestações.
Nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 3, da LGT, «As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes».
O que significa que a referida possibilidade de requerer o pagamento a prestações das dívidas exequendas «até à marcação da venda» se aplica, não apenas aos processos instaurados depois de 1 de Janeiro de 2012, mas a todos os processos pendentes, desde que não tenha ainda sido notificado o executado da data designada para a venda (Por óbvias razões de segurança, é a notificação do despacho que designa a data a venda que releva como termo final do prazo para pedir o pagamento da dívida exequenda em prestações.).
Isso mesmo é reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que, visando uniformizar os procedimentos relativamente às alterações introduzidas no regime de pagamento da dívida exequenda em prestações, através do ofício-circulado n.º 60.087, de 6 de Março de 2012, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/860CD4A3-9A54-43C9-B402-B8024EF3E305/0/of_circulado_60087.pdf.), difundiu instruções em que, para além do mais, deixou dito: «Atendendo a que se trata de uma norma processual, a alteração do regime do pagamento em prestações aplica-se também aos processos de execução fiscal pendentes à data da entrada em vigor da lei» (Em virtude dessa aplicabilidade imediata da nova redacção do n.º 1 do art. 196.º do CPPT a todos os processos pendentes, a AT entendeu, designadamente e, a nosso ver, correctamente, que «se o executado tiver apresentado um pedido de pagamento em prestações e este tiver sido indeferido por extemporaneidade (antes da entrada em vigor desta norma), poderá solicitar um novo pedido até à marcação da venda, uma vez que foi alargado o prazo» e «se o executado tiver formulado um pedido de pagamento em prestações, no prazo de oposição (prazo previsto na anterior redacção do n.º 1 do artigo 196.º do CPPT) e este tiver sido indeferido por não preenchimento dos pressupostos legais necessários à data da apreciação do pedido – não ser acompanhado de uma garantia idónea ou não se verificarem os pressupostos de dispensa de garantia – pode apresentar novo pedido, até à marcação da venda (não sendo, com a nova redacção), obrigatória a prestação de garantia ou a sua dispensa».).
Fica, assim, respondida, em sentido contrário ao da sentença recorrida, a primeira das questões que nos propusemos dirimir no presente recurso.

2.2.3 O N.º 8 DO ART. 189.º DO CPPT CONSTITUI UMA RESTRIÇÃO RELATIVAMENTE AO N.º 1 DO ART. 196.º DO MESMO CÓDIGO?

A decisão administrativa reclamada e a sentença recorrida alicerçaram-se no disposto no art. 189.º, n.º 8, do CPPT, que diz:

«Nos casos de suspensão da instância, pela pendência de reclamação graciosa, impugnação, recurso judicial ou oposição sobre o objecto da dívida exequenda, pode o executado, no prazo de 15 dias após a notificação da decisão neles proferida, requerer o pagamento em prestações ou solicitar a dação em pagamento».

Esta norma manteve a sua redacção inalterada desde a entrada em vigor do CPPT.
Em face da redacção inicial dos n.ºs 1 e 2 (O n.º 2 do art. 189.º, que foi revogado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, dizia: «Até ao termo do prazo de oposição à execução pode o executado, se ainda não o tiver feito anteriormente nos termos das leis tributárias, requerer o pagamento em prestações».) do art. 189.º e do n.º 1 do art. 196.º, ambos do CPPT, a regra geral era a coincidência dos termos finais dos prazo para deduzir oposição à execução fiscal e para pedir o pagamento em prestações.
O n.º 8 do art. 189.º surgia então como uma norma especial, com uma intenção bem perceptível: permitir que nos casos em que, estando garantida a dívida ou dispensada a prestação da garantia, tivesse ocorrido a suspensão da execução em virtude da dedução de alguns dos meios impugnatórios graciosos ou contenciosos aí referidos (E, para além desses, também nos casos de recurso hierárquico de decisão de reclamação graciosa (art. 76.º, n.º 2, do CPPT) e de pedido de revisão da liquidação, formulado no prazo da reclamação administrativa (art. 78.º, n.º 1, da LGT), quando, estando garantida a dívida ou dispensada a prestação de garantia, lhes seja reconhecido efeito suspensivo. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 3 ao art. 189.º, págs. 362/363.) pudesse ainda, dentro dos 15 dias seguintes à notificação da decisão neles proferida, ser requerido o pagamento em prestações. Essa norma, como é óbvio, só fazia sentido em face da preclusão dessa possibilidade pelo decurso do prazo para deduzir oposição à execução fiscal.
A teleologia da norma do n.º 8 do art. 189.º do CPPT era, pois, manifestamente, no sentido de ampliar a possibilidade de requerer o pagamento a prestações a situações em que o funcionamento da regra geral já não a permitiria.
Como bem salientou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, trata-se de uma norma especial. Isto, porque o legislador entendeu que, em determinadas situações, bem delimitadas (as descritas naquele n.º 8 do art. 189.º do CPPT), se devia permitir, para além do tratamento resultante da regra geral – de que era possível requerer o pagamento em prestações até ao termo do prazo para deduzir oposição à execução fiscal –, fosse ainda conferida uma outra oportunidade para formular o pedido de pagamento em prestações. Ou seja, o legislador entendeu conferir um especial tratamento aos casos em que a execução fiscal estivesse suspensa por força da dedução de meio gracioso ou contencioso de discussão da legalidade da dívida exequenda, permitindo que o requerimento para pagar a dívida exequenda em prestações pudesse ainda ser formulado na quinzena seguinte à notificação da decisão nele proferida.
A razão justificativa dessa especialidade poderá encontrar-se no facto de nessas situações haver já garantia prestada ou dispensa da prestação de garantia (condição indispensável para a suspensão da execução fiscal) e, por isso, o atraso introduzido na tramitação do processo pela concessão de mais uma possibilidade para requerer o pagamento em prestações não ser significativo.
O n.º 8 do art. 189.º do CPPT destina-se, pois, a regular especialmente uma gama mais restrita de situações do que as previstas no n.º 1 do art. 196.º do mesmo Código.
Acontece, porém, que, como ficou já dito, por força das alterações introduzidas pelo Orçamento do Estado para 2012 no respectivo regime, o pagamento em prestações pode agora ser requerido «até à marcação da venda».
Perante este alargamento do prazo, o n.º 8 do art. 189.º do CPPT, a nosso ver, tem hoje o seu âmbito inicial fortemente restringido. Na verdade, a venda não será marcada enquanto a execução estiver suspensa por força da pendência de algum daqueles meios impugnatórios graciosos ou contenciosos. Ora, se a marcação da venda só tem lugar após cessar a suspensão da execução fiscal, o que apenas ocorrerá com a decisão a proferir naqueles meios processuais, e sendo que após 1 de Janeiro de 2012 o pedido de pagamento em prestações pode ser apresentado até à marcação da venda, as mais das vezes pouco um nenhum tempo sobrará para que possa ser exercida a possibilidade concedida pelo n.º 8 do art. 189.º. Pode também encontrar campo de aplicação nas situações em que a suspensão por um daqueles meios tenha ocorrido já depois de marcada a venda.
Mas será que, como foi sustentado pela Directora de Finanças e sufragado pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o decurso do prazo de 15 dias após a notificação da decisão da impugnação judicial deduzida contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda faz precludir a possibilidade de apresentar pedido o pagamento até à marcação da venda?
Seguramente, não. Como resulta do que deixámos dito, a norma especial do n.º 8 do art. 189.º do CPPT não afasta a aplicabilidade da regra geral do n.º 1 do art. 196.º do mesmo Código. A circunstância de o executado não ter requerido o pagamento em prestações nos 15 dias seguintes a ter-lhe sido notificada a decisão proferida em algum dos meios de reacção instaurados contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, não o impede de, enquanto não for notificado da data marcada para a venda, requerer o pagamento em prestações.
Na verdade, nem a letra da norma do n.º 8 do art. 189.º e, muito menos, o seu espírito, permitem interpretação diversa (Nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes procurando reconstituir a partir do seu texto o pensamento legislativo.). Não faria sentido conferir àquela norma carácter restritivo da possibilidade de pedir o pagamento em prestações quando a intenção que presidiu à sua criação é manifestamente a de ampliar essa possibilidade.
Dito de outro modo, o n.º 8 do art. 189.º do CPPT não constitui uma norma excepcional, pois não cria um regime oposto ao regime-regra consagrado no n.º 1 do art. 196.º do CPPT; constitui, isso sim, uma norma especial, na medida em que, visando complementar este regime-regra, consagra uma disciplina nova ou diferente para um círculo mais restrito de relações (Cf. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 95) - (Com interesse e vasta indicação de doutrina sobre a temática da distinção entre lei geral e lei especial, vide o Parecer n.º 110/2003 da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, II série, n.º 28, de 3 de Fevereiro de 2004 (http://dre.pt/pdfgratis2s/2004/02/2S028A0000S00.pdf), págs. 1924 a 1934.).
Por isso, a nosso ver, nada obsta a que a Recorrente apresente o pedido de pagamento em prestações até à marcação da venda, motivo por que a sentença recorrida, que decidiu em sentido diverso, será revogada e, julgando-se procedente a reclamação judicial, anular-se-á a decisão administrativa reclamada.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Após 1 de Janeiro de 2012, com a entrada em vigor da redacção dada ao n.º 1 do art. 196.º do CPPT pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (OE para 2012), passou a ser possível pedir o pagamento da dívida exequenda em prestações até à marcação da venda.
II - Porque a norma do n.º 1 do art. 196.º do CPPT tem natureza processual, a nova redacção é de aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal pendentes em 1 de Janeiro de 2012, desde que não esteja ainda notificada ao executado a data marcada para a venda.
III - O regime especial previsto no n.º 8 do art. 189.º do CPPT não se opõe, mas antes complementa, o regime-regra do n.º 1 do art. 196.º do mesmo código, pelo, ainda que tenha cessado a suspensão da execução fiscal pela decisão proferida no meio gracioso ou contencioso que tinha determinado essa suspensão (desde que estivesse prestada garantia ou houvesse dispensa da mesma), se o prazo de 15 dias após a notificação dessa decisão terminar antes do executado ser notificado da marcação da venda, sempre este poderá apresentar o pedido de pagamento em prestações até que ocorra esta última notificação.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e, julgando procedente a reclamação judicial, anular a decisão administrativa reclamada.

Custas pela Fazenda Pública, mas apenas em 1.ª instância, uma vez que não contra alegou o recurso.
Lisboa, 6 de Março de 2013. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.