Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0368/04
Data do Acordão:04/13/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
PERITOS TRIBUTÁRIOS.
REGULAMENTO.
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.
Sumário:Por carecido de regulamentação, o n.° 4 do art. 91° da LGT não começou a vigorar em 01/01/1999 - cfr. art. 6° do DL n.° 398/98 - mas apenas quando aquela se concretizou, nomeadamente através da Portaria n.° 640/99, de 12 de Agosto e Aviso n.° 11.545/00, publicado no Diário da República, II Série, de 25/07/2000.
Nº Convencional:JSTA00062117
Nº do Documento:SA2200504130368
Data de Entrada:03/26/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA - SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - MATÉRIA COLECTÁVEL.
Legislação Nacional:LGT98 ART91 ART93.
DL 398/98 DE 1998/12/17 ART3 ART6.
PORT 640/99 DE 1999/08/12.
L 41/98 DE 1998/08/04 ART27.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA RLJ ANO127 PAG330.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA:
Vem o presente recurso jurisdicional, interposto por A…, do aresto do TCA - Sul, que negou provimento ao recurso contencioso que aquela deduzira contra despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 16/01/2002.
Fundamentou-se a decisão em não poder falar-se de violação de lei - art. 92°, n.° 1 da LGT - «enquanto não estiverem cumpridas todas as condições da exequibilidade desta» pois «seguramente que não viola a lei quem não tem condições de a cumprir» como acontece, no caso, à Administração Tributária que não tinha, então, condições, para a nomeação de um perito independente, no procedimento de revisão da matéria colectável».
A recorrente formulou, no que ora interessa, as seguintes conclusões:
« ... C - Tendo sido requerida a intervenção de um perito independente no procedimento de revisão da matéria tributável previsto nos artigos 91° e seguintes da Lei Geral Tributária, a não nomeação desse perito independente, por parte da Administração Fiscal, constitui preterição de formalidade legal, uma vez que essa omissão impede a sua intervenção na reunião ou debate contraditório entre peritos, ou a apresentação, por escrito, do seu parecer;
D - Com efeito, estando consagrada na lei essa faculdade e tendo sido expressamente requerida a sua intervenção por parte da recorrente, constitui-se a Administração Fiscal na obrigação de proceder à nomeação de um perito independente para o procedimento de revisão em causa;
E - A esta obrigação não é oponível a falta de elaboração das listas distritais de peritos independentes, à data em que a Administração Fiscal tomou a iniciativa de convocar a reunião a que se refere o art. 92° da LGT, uma vez que a competência para a elaboração dessas listas foi cometida ao Ministério das Finanças, a que a Administração Fiscal está subordinada;
F - A convocação da reunião ou debate de peritos, sem a prévia nomeação de um perito independente, com expressa oposição da contribuinte requerente do procedimento, e fundamentada, por parte da Administração Fiscal, na falta de elaboração das respectivas listas distritais, configura um abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium - cfr. art. 334° do Código Civil.
G - A realização da reunião de peritos nas condições supra assinaladas, com expressa oposição do perito que representava a recorrente nesse procedimento de revisão, viola, ainda, o disposto no artigo 21° do CPA, ex vi art. 2°, al. c) da LGT, e os arts. 91°, n.° 2 e 92°, n.° 1 da LGT;
H - Ao perfilhar entendimento diverso, a decisão recorrida violou, além dos citados normativos, ainda os Princípios da Legalidade, Igualdade, Proporcionalidade e Justiça, consagrados nos arts. 266° da Constituição, 8° e 55° da LGT e 3° do CPA, motivo porque deve ser revogada.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, anulado o acórdão recorrido, com as consequências daí advenientes, ou, quando assim se não entenda, revogada a mesma decisão.»
Contra-alegando, a autoridade recorrida defendeu a manutenção do julgado.
O Ex.mo magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, já que:
« ... 2. A presença do perito independente (cuja nomeação seja requerida pelo sujeito passivo) na reunião de peritos prevista no procedimento de revisão da matéria tributável constitui formalidade legal essencial (arts. 91°, n.° 4 e 92°, n.° 1 LPTA).
A ausência do perito independente na reunião configura preterição de formalidade legal essencial, determinante da invalidade dos actos posteriores do procedimento, designadamente da decisão do órgão competente da administração tributária que fixa a matéria tributável apurada por métodos indirectos.
Esta ausência não pode ser justificada com a falta de publicação, na data da reunião de peritos, das listas distritais organizadas pela Comissão Nacional de Revisão, de entre as quais é sorteado o perito independente (arts. 93°, n.° 1 e 94°, n.° 1 LGT).
Contrariamente ao entendimento vertido no acórdão, a responsabilidade pela inexistência das listas distritais é de imputar exclusivamente à administração tributária, na medida em que a Comissão Nacional de Revisão legalmente incumbida da sua organização é nomeada pelo Ministro das Finanças, órgão superior da administração tributária (art. 1.º, n.° 3 LGT).
3. No caso sub judicio a preterição da formalidade legal não ficou sanada por eventual consentimento do sujeito passivo, se considerarmos que o perito por ele indicado se opôs expressamente à realização da reunião (cfr. processo instrutor apenso para o qual remete o probatório do acórdão al. d); art. 21° CPA / art. 2° al. d) CPPT ).»
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
«a) Por ofício recebido em 28/02/2000 pela ora recorrente, esta teve conhecimento do entendimento da Administração Fiscal, manifestado no despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 28/07/1999, de que era por falta de listas distritais de peritos independentes, a que se refere o artigo 94° da Lei Geral Tributária, que não seria nomeado perito independente no caso - cfr. o processo administrativo apenso.
b) Através do ofício n.° 3165 de 24/02/2000 do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto, foi comunicado à ora recorrente que a reunião dos peritos teria lugar no dia 10/03/2000, e que para apreciação do pedido de revisão “não foi nomeado perito independente, de harmonia com o decidido por despacho de SESEAF, de 28/07/1999, por falta de listas distritais de peritos independentes a que se refere o artigo 94º da Lei Geral Tributária” - cfr. a própria petição inicial.
c) O presente recurso contencioso vem interposto no dia 29/10/2002 - cfr. o carimbo de entrada aposto na petição inicial.
d) A reunião dos peritos em foco foi realizada no dia 10/03/2000, e a esta data (10/03/2000), a competente Comissão ainda não tinha sequer publicitado (o que só veio a acontecer no Diário da República de 29/06/2000, II série, Aviso n.° 11545/2000) as listas distritais das individualidades, aludidas no n.° 1 do artigo 93° da Lei Geral Tributária - cfr. o processo administrativo apenso.»
Vejamos, pois:
A LGT erigiu - arts. 91º e segts. - um novo procedimento para revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos.
E, conforme ao seu n.° 4, podia o sujeito passivo requerer a nomeação de um perito independente, no pedido referido no n.° 1.
Tal segmento normativo não pôde, todavia, entrar em vigor em 01/01/1999 - cfr. art. 6° do DL n.° 398/98 , de 17 de Dezembro -, por carecido de regulamentação.
Na verdade, dispunha o art. 93°, n.° 1 que o perito independente era sorteado entre as personalidades constantes das listas distritais, a serem organizadas pela Comissão Nacional, nos termos do art. 94° que refere, além do mais, a sua constituição, competências e funcionamento, que vieram a ser objecto da Portaria n.° 640/99, de 12 de Agosto.
Por sua vez, a lista dos peritos independentes foi publicada no Diário da República, II Série, de 25/07/2000 - Aviso n.° 11.545/00.
Pelo que, nos autos, à data da reunião de peritos, em 10/03/2000, ainda não estava em vigor o dito n.° 4 do art. 91° da LGT - intervenção do perito independente:
Tese diversa - a da recorrente - levaria, em linha recta, à caducidade dos impostos pelo mero decurso do prazo - por impossibilidade de aplicação da lei, se vigente, o que não é admissível.
Não impedindo, por outro lado, a vigência dos demais segmentos normativos daquele art. 91°.
Como refere Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 127, pág. 330, a necessidade de regulamentação de algum segmento normativo não significa, de modo algum, «que toda a lei nova fique num regime de stand by, que a sua validade ou eficácia fiquem dependentes da publicação dos preceitos inferiores que lhe servirão de complemento, a não ser quanto àquelas normas que careçam realmente de órgãos de execução própria».
Finalmente, dada a não vigência do dito n.° 4 do art. 91º, nos termos expostos, ficam prejudicadas as demais questões postas pela recorrente - cfr. conclusões F a H.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça de €250,00 e procuradoria de 60%.
Lisboa, 13 de Abril de 2005. – Brandão de Pinho (relator) – Vítor MeiraJorge de Sousa (vencido conforme declaração junta)
Voto de vencido
Votei vencido por entender que o princípio constitucional e legal da legalidade tem um conteúdo positivo que impõe que a Administração tenha de fazer o que está previsto na lei e apenas o que tem suporte na lei.
O novo regime de revisão da matéria colectável previsto na LGT é aplicável imediatamente às reclamações apresentadas após a sua entrada em vigor, como determina o nº 1 do artigo 3° do DL n° 398/98, de 17 de Dezembro.
Por isso, não podia efectuar-se revisão da matéria colectável à face do regime anterior nem segundo o novo regime sem a participação do perito independente, que era imposta pela própria autorização legislativa concedida pela lei nº 41/98, de 4 de Agosto (art° 2° n° 27).
Lisboa, 13 de Abril de 2005.
Jorge Manuel Lopes de Sousa.