Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02083/20.8BELSB |
Data do Acordão: | 10/07/2021 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ VELOSO |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL APRECIAÇÃO PRELIMINAR REVOGAÇÃO DECISÃO CONTRATO |
Sumário: | Pela sua relevância jurídica e social, é de admitir a revista sobre «questão» atinente à consideração da pandemia da Covid 19 como circunstância superveniente justificadora da não adjudicação e da revogação da decisão de contratar. |
Nº Convencional: | JSTA000P28314 |
Nº do Documento: | SA12021100702083/20 |
Data de Entrada: | 07/20/2021 |
Recorrente: | SPMS - SERVIÇOS PARTILHADOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, E.P.E. |
Recorrido 1: | A............, LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A SPMS - SERVIÇOS PARTILHADOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, EPE, invocando o artigo 150º do CPTA, peticiona a admissão deste «recurso de revista» que intenta do acórdão do TCAS, de 02.06.2021, que concedeu provimento ao recurso de apelação intentado pela A…………, Lda., e revogou a sentença do TAC de Lisboa, que, no âmbito de acção do contencioso pré-contratual, por esta última intentada, julgara improcedente «o pedido de anulação da decisão de não adjudicação, e a consequente revogação da decisão de contratar» e julgara extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de «condenação à prática do acto de adjudicação». Alega que o acórdão recorrido incorre em erros jurídicos carecidos de sanação, sendo claramente necessária a «revista» para uma melhor aplicação do direito, e, ainda, que está em causa uma «questão» que, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de uma importância fundamental. Relativamente aos erros jurídicos, alega que o acórdão recorrido retira conclusões dos factos provados que eles não consentem, e viola os artigos 79º, nº1 alínea d), e nº2, e 148º, nº2, do CCP, e 153º, nº1, e 173º, nº1, do CPA. Relativamente à invocada relevância jurídica e social, alega que as questões de direito, tratadas no acórdão sob recurso, são susceptíveis de se repetir noutros litígios jurídicos bem como na actividade diária da contratação pública, atenta a «situação pandémica» que fundamenta, no fundo, a impugnada decisão administrativa de «não contratar». Entende, por isso, que a presente revista deverá ser admitida e julgada procedente, e, em consequência, o acórdão ora recorrido revogado e substituído por outro que julgue totalmente improcedente a acção, ou então, e se assim for entendido, se limite a julgar procedente o formulado pedido de anulação. A recorrida A………… acha que a revista não deverá ser admitida, pois que, em seu entender, a interpretação e aplicação das normas e princípios jurídicos efectuadas no acórdão recorrido é de manter, e as questões jurídicas, abordadas, não ultrapassam as fronteiras do caso concreto. 2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. 3. A proposta da ora recorrida «A…………» saiu vencedora do concurso público, aberto pela recorrente da revista, em ordem à «aquisição de serviços para transmissão em livestreaming para eventos diversos». Questionada a entidade adjudicante pela vencedora do concurso sobre a delonga da adjudicação - sem efeitos palpáveis - veio esta a intentar a presente acção, na pendência da qual a entidade adjudicante decidiu não adjudicar e revogar a decisão de contratar - invocando os artigos 79º nº1 alínea d), e 80º nº1, do CCP. A invocada «circunstância superveniente relativa aos pressupostos da decisão de contratar» teve a ver com a eclosão e o desenvolvimento da pandemia de «Covid 19» em Portugal, que levou «ao cancelamento de todos os eventos anteriormente planeados, e à desistência da realização de novos eventos». A sentença proferida pela 1ª instância abordou duas questões: - saber se a decisão de não adjudicação deveria ser anulada, e, se a tal nada obstar, saber se a SPMS deveria ser condenada a emitir a decisão de adjudicação. Respondeu «negativamente» àquela primeira questão, e, por via disso, julgou extinta a instância relativamente à segunda. O tribunal de apelação foi confrontado com a invocação, pela autora da acção, de erro sobre o julgamento de facto - pois lhe era solicitada a adição de matéria de facto alegadamente relevante - e de erro sobre o julgamento de direito, mormente por violação dos artigos 76º, nº1, 79º, nº1 alínea d), do CCP, 3º do CPA, 2º e 266º, nº2, da CRP, tudo relativamente «à dita alteração das circunstâncias ser superveniente à decisão de contratar», e quanto à «perda de interesse na decisão de contratar». E como já referimos de início, o acórdão ora objecto da pretensão de revista entendeu revogar a sentença aí recorrida, tendo, no caminho dessa decisão, julgado procedente o invocado erro de julgamento de facto e aditado vários factos ao respectivo acervo provado, e, alicerçando-se em todos eles, na doutrina e em recente aresto deste Supremo Tribunal - AC STA de 11.03.2021, Rº01445/19 - entendeu que não se mostrava juridicamente justificada, no caso, a aplicação da alínea d) do nº1 do artigo 79º do CCP, pelo que a sentença incorria em erro de julgamento de direito e devia ser revogada. Em sua substituição julgou procedente a acção, anulou o acto impugnado de não adjudicação e consequente revogação da decisão de contratar, e condenou a entidade demandada a adjudicar a proposta da autora, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 45º do CPTA. A autora da revista alega, como já dissemos, que o acórdão recorrido retira conclusões dos factos provados que eles não consentem, e viola os artigos 79º, nº1 alínea d), e nº2, e 148º, nº2, do CCP, e 153º, nº1, e 173º, nº1, do CPA. 4. A «questão nuclear» trazida à presente revista é a de saber se, no caso, se encontra densificada circunstância superveniente relativa aos pressupostos da decisão de contratar que justifique, em face da lei, a não adjudicação e a revogação da decisão de contratar. Sendo que, no caso, essa circunstância é nada mais nada menos que a sobejamente conhecida situação de pandemia «Covid 19» que levou ao «cancelamento de eventos» anteriormente planeados e à desistência da realização de novos eventos, o que se terá repercutido e minado - alegadamente - o interesse subjacente ao concurso público aqui em causa. É patente a discordância das instâncias na solução a que chegaram relativamente a tal questão. É patente, também, a actualidade e melindre da situação fundamentadora da decisão impugnada e afigura-se, na abordagem preliminar e sumária que nos é pedida, que o tratamento da questão pelo acórdão recorrido não é isento de sérias dúvidas. Este alicerçou-se demasiado no referido acórdão deste STA mas o certo é que, cremos, a doutrina aí adoptada não é de molde a impor, aqui, a anulação do acto impugnado, pois tudo se joga na densificação bastante da referida circunstância superveniente, e, obviamente, na sua superveniência. A questão carece, pois, da devida dilucidação por parte deste Supremo Tribunal, para aferir do seu acerto e garantir a uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática. Assim, atenta a relevância jurídica e social da questão, que extravasa os limites do caso concreto, e a necessidade de rever o acerto jurídico da solução que lhe foi dada pelo acórdão recorrido importa, neste caso, quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admiti-lo. Nestes termos e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista. Sem custas. Lisboa, 7 de Outubro de 2021. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho. |