Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0684/10
Data do Acordão:09/29/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
Sumário:I - Nos termos do n.º 1 do artigo 48.º da LGT, vigente à data da constituição das dívidas (IRC de 2000 e 2001), o prazo de prescrição, de 8 anos, conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, no caso de IRC relativo a 2000 e 2001, a partir do dia 1 de Janeiro de 2001 e de 2002, respectivamente (artigo 279.º, alínea b) do Código Civil).
II - A citação do responsável subsidiário determina a interrupção da prescrição nos termos previstos no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, com a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil).
III - Não havendo acto interruptivo da prescrição relativamente à devedora principal, não há que aplicar e interpretar o disposto nos números 2 e 3 do artigo 48.º da LGT sobre os efeitos desse acto relativamente ao responsável subsidiário.
Nº Convencional:JSTA00066612
Nº do Documento:SA2201009290684
Data de Entrada:09/13/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA DE 2010/07/08 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART48 N1 ART49 N1 N2.
CCIV66 ART279 B ART12 N2 ART326 N1 ART327 N1.
CPPTRIB99 ART175.
L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART91.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC52/10 DE 2010/02/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– Relatório –
1 – A…, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 8 de Julho de 2010, na parte em que julgou improcedente o pedido de declaração da prescrição da dívida exequenda relativa a IRC dos anos de 2000 e 2001, apresentando para tal as seguintes conclusões:
30. Face a todo o exposto nos articulados anteriores, dúvidas não haverá de que, salvo melhor opinião, a douta sentença que julgou improcedente o pedido de declaração da prescrição da dívida exequenda relativa a IRC dos anos de 2000 e 2001, não teve em linha de conta nenhum dos factos constantes da p.i., nem lhes fez qualquer alusão, porquanto:
a) Enquadrou a situação na hipótese prevista no artigo 48º, nº 3 da LGT, sem que tal circunstância houvesse sido colocada na p.i.;
b) Aproveitou a revogação do n.º 2 do artigo 49º da LGT para “ligar” à data (1/6/2007), da citação da revertida, quando na data em que produziu efeitos aquela revogação (1/1/2007 data da entrada em vigor da Lei 53-A/2006, de 29/12), ainda não tinha sido feita aquela citação;
c) E em consequência, inutilizado todo o tempo decorrido até essa data e daí o início da contagem de novo prazo de prescrição;
d) Culminando na improcedência da invocada prescrição;
e) Quando, na p.i., a sua sustentação, uma vez verificadas (que estão) todas as condicionantes está, precisamente, no regime transitório consagrado no artigo 91º da Lei 53-A/2006, de 29/12 (A LOE para o ano de 2007 que entrou em vigor em 01/01/2007);
f) O qual determina, a título transitório, que a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, tem aplicação a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do Processo por facto não imputável ao SP;
g) O que significa que, tendo em conta as datas da citação da devedora originária - na data da sua entrada em vigor ainda a ora recorrente não tinha sido citada - que o n.º 2 do artigo 49.º da LGT (antes da revogação, como é obvio) tinha e tem que ser observado até à extinção dos processos;
h) Porque, a Lei 53-A/2006, de 29/12, tendo entrado em vigor em 1/1/2007, aquele regime transitório é para observar, sempre, para aquela dívida e para aquele processo até à sua cobrança ou à verificação da Prescrição;
i) E a situação que ditou a p.i., enquadra-se, inteiramente, naquele regime transitório;
j) Tal como se demonstrou nos artigos 32º a 41º da Reclamação e nos antecedentes desta peça, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais;
l) Não se descortinando as razões para que, na douta sentença, não fossem apreciadas as alegações, nem sequer aquele regime transitório, nem ainda, o facto de se tratarem de dívidas dos anos de 2000 e 2001, cujos processos datam de 2001 e 2005 onde, desde há muito, haviam sido feitas, já, as citações;
m) Realidades estas que, por força do regime transitório referido (artigo 91º da Lei 53-A/2006, de 29/12), fazem com que seja aplicada ainda (e sempre até à extinção dos processos), a redacção, embora revogada, do n.º 2 do artigo 49.º da LGT;
n) E em consequência, dado que o pedido de declaração da prescrição teve lugar em Janeiro de 2010 e ao que estatui o n.º 1 do artigo 48º da LGT (Prescrição no prazo de 8 anos), salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, a prescrição da dívida exequenda do IRC dos anos de 2000 e 2001, é inegável.
ASSIM, Nos melhores termos de direito e sempre com o muito douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, na parte improcedente e proferida nova decisão de mérito, favorável à recorrente, que declare procedente a Reclamação quanto à Prescrição do IRC dos anos de 2000 e 2001.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: decisão declaratória da improcedência da reclamação apresentada contra despacho de não reconhecimento da prescrição de dívida exequenda proferido pelo órgão da execução fiscal
FUNDAMENTAÇÃO
As dívidas exequendas emergem de IRC (anos 2000 e 2001)
Os prazos de prescrição das dívidas tributárias (8 anos) iniciaram-se em 1.01.2001 e 1.01.2002, respectivamente (art. 48º nº 1 LGT)
A devedora principal não foi citada (probatório als. F) e G)
A citação da responsável subsidiária em 1.06.2007 interrompeu o prazo de prescrição (art. 49º nº 1 LGT; probatório al. I)
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (art. 326º nº 1 CCivil)
O novo prazo de prescrição, idêntico ao prazo de prescrição primitiva, não começa a correr antes da decisão que extinguir o PEF ou declarar a execução em falhas (arts. 326º nº 2 e 327º nº 1 CCivil)
A paragem do processo de execução fiscal entre 17.07.2002 e 13.10.2006, por motivo não imputável ao contribuinte (PEF apenso fls. 3/5), é inconsequente para a cessação do efeito interruptivo, o qual apenas se produziu em consequência da citação da responsável subsidiária em 1.06.2007 (art. 49º nº 2 LGT)
Qualquer paragem do PEF por período superior a 1 ano, posteriormente à data da citação da responsável subsidiária é igualmente inconsequente, em virtude da revogação do art. 49.º nº 2 LGT pela Lei n.º 53-A/2006, 29 Dezembro (Lei OGE 2007), com início de vigência em 1.01.2007 (art. 163.º)
Neste contexto não se verifica a prescrição das dívidas tributárias exequendas.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser confirmada.
Com dispensa dos vistos, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, se não encontram prescritas as dívidas exequendas, relativas a IRC de 2000 e 2001.
5 – Matéria de facto
Na sentença do tribunal Tributário de Lisboa objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) Em 4/4/2000 foi constituída a sociedade “B…, Lda”, sendo nomeadas gerentes as duas sócias A… e C… - cfr. fls. 6 do PEF;
B) Em 27/11/2001, A… renunciou às funções de gerente - cfr. fls. 7 vs do PEF;
C) Em 17/12/2001 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a cessão de quotas da Reclamante a C…, e a transformação em “B…, Lda” - cfr. fls. 7 do PEF;
D) Corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa - 7, contra “B…, Lda”, o processo de execução fiscal nº 323200201501801 para cobrança da quantia de € 12 817,68, proveniente da liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício de 2000, 2001 a 2003 e coimas - cfr. certidão de dívida datada de 27/6/2002 de fls. 2 do PEF;
E) O processo supra referido, foi autuado em 2/6/2002 - cf. fls. 1 do PEF;
F) Através do ofício nº 8883, datado de 17/7/2002, foi remetida carta de citação por meio de aviso postal registado dirigido à sociedade “B…, Lda” - cf. fls. 3 do PEF;
G) Tal expediente foi devolvido com a indicação “disseram não existir ninguém nesta morada” - cfr. fls. 4 do PEF;
H) A sociedade “B…, Lda” foi dissolvida, tendo a dissolução e encerramento da liquidação sido registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, em 7/11/2005 - cf. fls. 71 do PEF;
I) A Reclamante foi citada para a execução, na qualidade de revertida, através do ofício nº 5395, datado de 23/4/2007, por carta registada com aviso de recepção, em 1/6/2007 - cf. fls. 31 e 31 verso do PEF;
J) Em 28/2/2008 foi penhorado 1/6 do vencimento da Reclamante, bem como o saldo de conta bancária à ordem e valores mobiliários (PPR) nº 50121486145 - cf. fls. 45-B do processo de execução fiscal;
K) A reclamante requereu o levantamento da penhora incidente sobre a conta bancária propondo-se efectuar pagamentos por conta no valor mínimo de € 200 por mês a partir de Novembro de 2008 - cf. fls. 58 do PEF;
L) Por despacho de 3/11/2008 foi aquele pedido deferido - cf. fls. 62;
M) A Reclamante efectuou pagamentos mensais com início em 4/11/2008 ocorrendo o último em 29/12/2009 - cf. fls. 63, 68, 77, 84, 85, 93, 94;
N) Em 21/1/2010, a Reclamante dirigiu pedido de extinção das execuções invocando morte do infractor, nos processos em que se cobrava coercivamente coimas, alegando a extinção da sociedade “B…, Lda”, e a declaração de prescrição da dívida exequenda relativa ao ano 2000 - cf. fls. 95;
O) Tal requerimento foi indeferido por despacho de 9/2/2010 - cf. fls. 96;
P) A Reclamante deduziu a presente reclamação em 8/3/2010 - cf. Documento de fls. 2B dos autos.
6 – Apreciando
6.1 Da prescrição das dívidas exequendas
A sentença recorrida, a fls. 113 a 120 dos autos, julgou improcedente o pedido de declaração da prescrição da dívida exequenda relativa a IRC dos anos de 2000 e 2001.
Fundamenta-se o decidido no facto de ter ocorrido - antes de se ter completado o prazo de prescrição de 8 anos previsto no artigo 48.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), cuja contagem se iniciou no dia 1 de Janeiro de 2001 (o IRC de 2000) e no dia 1 de Janeiro de 2002 (para o IRC de 2001) -, a interrupção da prescrição, em virtude da citação da reclamante no processo executivo (ocorrida em 1/6/2007), facto interruptivo este, previsto no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, que inutilizou todo o tempo decorrido anteriormente e determina o inicio de contagem de novo prazo, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil, pois que o n.º 2 do artigo 49.º da LGT foi revogado (cfr. sentença recorrida, a fls. 7 e 8 dos autos).
Discorda do decidido quanto à não verificação da prescrição a ora recorrente, alegando estarem prescritas as dívidas exequendas, pois que entende que a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT não se lhe aplica em virtude da subsunção da sua situação no regime transitório consagrado no artigo 91.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, que a sentença alegadamente desconsiderou, considerando, por seu turno, o disposto no n.º 3 do artigo 48.º da LGT, sem que tal circunstância houvesse sido colocada na p.i..
Vejamos, pois.
A dívida exequenda objecto dos presentes autos e em relação à qual importa determinar se ocorreu a prescrição respeita a IRC de 2000 e 2001.
Nos termos do n.º 1 do artigo 48.º da LGT, o prazo de prescrição, de 8 anos, conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, no caso dos autos a partir do dia 1 de Janeiro de 2001, o IRC relativo a 2000, e a partir do dia 1 de Janeiro de 2002, o IRC relativo a 2001 (artigo 279.º, alínea b) do Código Civil).
Assim, se não tivessem ocorrido interrupções dos prazos prescricionais, as dívidas em causa teriam prescrito, respectivamente, nos dias 1 de Janeiro de 2009 (a relativa a 2000) e no dia 1 de Janeiro 2010 (a relativa a 2001).
As causas de interrupção da prescrição atendíveis são as previstas na lei em vigor ao tempo em que tenham ocorrido, ex vi do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil (cfr. neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Fevereiro de 2010, rec. n.º 52/10).
Assim, atento o probatório fixado e o disposto no n.º 1 do artigo 49.º da LGT - que atribui efeito interruptivo do prazo de prescrição, entre outros, à citação - , há-de concluir-se que:
- a tentativa de citação da devedora originária não logrou realizar-se (pois que a carta registada contendo a citação foi devolvida - cfr. as alíneas F) e G) do probatório fixado), pelo que não pode relevar para efeitos de interrupção do prazo prescricional (sem considerar sequer, como fez a sentença recorrida, e correctamente, que mesmo que houvesse tido lugar a interrupção da prescrição em virtude da citação da devedora originária - ou outro facto interruptivo a ela relativo -, tais interrupções seriam inoponíveis à ora recorrente, ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 48.º da LGT, pois que esta apenas foi citada já após o 5.º ano posterior ao da liquidação)
- a interrupção da prescrição ocorreu pois, apenas com a citação da revertida, que teve lugar em 1 de Junho de 2007 (cfr. a alínea I do probatório fixado).
Ora, à data em que a citação teve lugar, os prazos de prescrição das dívidas exequendas não se tinham ainda completado, pois que o prazo de prescrição da dívida mais antiga apenas se completaria no dia 1 de Janeiro de 2009 (e o da mais recente um ano depois).
Assim sendo, como bem julgou a sentença recorrida, a interrupção da prescrição inutilizou o prazo decorrido até à instauração da execução, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil, sendo que o novo prazo de prescrição de oito anos ainda nem sequer começou a correr, pois que o processo de execução fiscal está ainda em curso (cfr. o n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil).
Não tem razão a recorrente ao pretender ser-lhe aplicável o regime transitório previsto no artigo 91.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, pois que apenas à data em que foi citada o prazo de prescrição foi interrompido, nenhum efeito havendo, pois, a salvaguardar. E nessa data a regra antes prevista no n.º 2 do artigo 49.º da LGT havia sido já revogada, não lhe sendo, pois, aplicável, pois que, como se disse já, os efeitos jurídicos dos factos são regulados pela lei em vigor à data em que estes ocorreram (cfr. a parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil).
Assim sendo, a paragem do processo de execução por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte - que no caso nem sequer se verifica posteriormente à citação da ora recorrente -, deixou de ter relevo no cômputo do prazo prescricional, que, atento ao exposto, se conclui que ainda nem sequer começou a correr.
Diga-se finalmente e em resposta à alegação sintetizada na conclusão a) das alegações de recurso, que embora a regra contida no n.º 3 do artigo 49.º da LGT não seja aplicável ao caso dos autos - pois inexiste interrupção da prescrição relativa ao devedor originário e esta é pressuposto necessário da aplicação daquela norma legal -, a sua aplicabilidade não está dependente da respectiva invocação pelo interessado, pois que jus novit curia e a prescrição tributária é de conhecimento oficioso (artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), não dependente a aplicação do seu regime de invocação das partes, nem estando este na disponibilidade destas.
Improcedem, pelo exposto, as alegações da recorrente, sendo de confirmar o julgado recorrido, que julgou não prescritas as dívidas exequendas (IRC relativo a 2000 e 2001).
O recurso não merece provimento.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 29 de Setembro de 2010. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Alfredo Madureira - António Calhau.