Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01145/09
Data do Acordão:02/24/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRC
SOCIEDADE
FALÊNCIA
OBRIGAÇÃO FISCAL
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
Sumário:I - A sociedade dissolvida na sequência de processo falimentar continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, ficando sujeita, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual da massa falida, às disposições previstas no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedades em liquidação, mantendo-se vinculada a obrigações fiscais declarativas.
II - A inexistência de facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e falta de obtenção de quaisquer receitas constitui um vício que pode ser imputado à liquidação oficiosa do imposto por falta de entrega da declaração periódica de rendimentos.
Nº Convencional:JSTA00066828
Nº do Documento:SA22011022401145
Data de Entrada:11/20/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Área Temática 2:DIR COM - SOC COM.
Legislação Nacional:CIRC01 ART65 N4 ART73 ART110 ART7.
CIRC88 ART65.
CSC86 ART141 ART146 ART160.
CPEREF93 ART155 ART230 ART231 ART234.
Referência a Doutrina:RAUL VENTURA DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO DE SOCIEDADES PAG383.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de procedência da impugnação judicial que a sociedade A…, S.A., deduziu contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi oficiosamente efectuada com referência ao ano de 2000, Derrama e Juros Compensatórios, no montante global de € 193.815,58.
Rematou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida julgou procedente a impugnação em referência fazendo errada interpretação e aplicação das leis já que considerou que não existe fundamento para a liquidação do IRC do ano 2000, no valor de € 193.815,58, por não existir obrigação de entrega da respectiva declaração de rendimentos, mod. 22.
2. Este entendimento resultou da interpretação feita das normas conjugadas contidas nos artigos 65° e 96° do CIRC, 209° a 214° do CPEREF e 1261° do CPC, segundo o qual o Código do IRC (art. 65°) não pretende abranger as falências.
3. Esta conclusão, muito doutamente fundamentada, tem como consequência a desobrigação das sociedades insolventes apresentarem as declarações de rendimentos e, consequentemente, de apurarem a matéria tributável e o imposto relativamente ao respectivo período de liquidação.
4. A questão a decidir é a de saber se o art. 65° (actual 73°) do CIRC não se aplica ao caso das liquidações patrimoniais ocorridas em processo de falência ou insolvência e se desse facto resultará a inexistência da obrigação de pagamento de imposto relativo a esse período.
5. A AT tem entendido que o facto de a sociedade ser declarada falida ou insolvente não obsta a que se mantenham, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual de liquidação, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas, visto que se mantém a personalidade jurídica, nos termos do n.º 2 do artigo 160° do Código das Sociedades Comerciais.
6. Face ao que dispõem a alínea e) do n.º 1 do artigo 141° e o n.º 1 do artigo 146°, ambos do Código das Sociedades, não pode este diploma ser afastado relativamente às sociedades declaradas falidas ou insolventes.
7. A liquidação no processo de falência ou insolvência substitui a liquidação por dissolução "voluntária", mas não deixa de consubstanciar uma operação (ou conjunto de operações) que visa a liquidação do património, no caso da insolvência em beneficio dos credores e nos outros casos em beneficio dos sócios.
8. Não é pelo facto de, nos seus artigos (actuais) 74° e 75°, o Código do IRC se referir apenas à partilha entre sócios, e não entre credores, que poderemos interpretar no sentido de que o CIRC baniu do seu âmbito as sociedades declaradas falidas ou insolventes.
9. Não se referem os credores, como bem se entende, porque estes não estão sujeitos a imposto pelos valores que lhes forem entregues em pagamento das dívidas.
10. Uma vez declarada a falência ou insolvência, deixa de se conceber o exercício em comum de uma actividade económica com o fim de repartir lucros, mas não deixam de se verificar as condições sujeitas ao IRC, pois estas não derivam apenas do exercício efectivo de uma actividade económica.
11. Pelo que a declaração de rendimentos do ano 2000 deveria ter sido tempestivamente entregue e efectuada a autoliquidação do imposto que por lei fosse devido.
12. Na falta de entrega espontânea da declaração, a AT procedeu à liquidação oficiosa prevista no n.º 1 do artigo 83°, nos termos do n° 2 do artigo 82°, ambos do CIRC.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Exas., deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente impugnação e considere legal a respectiva liquidação, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.
1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:
«O acórdão STA SCT 29.10.2003 processo n° 1079/03 analisou a questão da aplicação às sociedades em processo de falência do regime previsto no CIRC para as sociedades em liquidação com argumentário que merece a adesão do Ministério Público e que se condensa nos seguintes tópicos:
a. os actuais arts. 73° e sgs. CIRC (anteriores arts. 65° e sgs. CIRC) regem a determinação do lucro tributável de sociedades em liquidação e não de sociedades objecto de declaração de falência.
b. decretada a falência cessa a prossecução do objecto social da empresa e a prossecução de lucros, base do IRC (arts. 1° e 3° al. a) CIRC); os bens da sociedade passam a integrar a massa falida, acervo de bens e direitos subtraídos à disponibilidade da sociedade e afectos exclusivamente, após liquidação, ao pagamento dos créditos reconhecidos.
c. pressupondo a declaração de falência a inviabilidade económica da empresa, esta não se compagina com a consideração como lucro tributável do produto da alienação de património exclusivamente dirigido ao pagamento de dívidas.
d. a admissão da tributação sem lucros reais ou presumidos seria manifestamente inconstitucional (arts. 103° n°3 e 1040 n°2 CRP/RC 97).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. Por douta sentença lavrada no processo especial de falência que corre termos no Tribunal Judicial de Coimbra sob o n.º 283/95, transitada em julgado em 96.02.22, foi decretada a falência da ora Impugnante - (Fls. 7 a 11 dos autos).
2. Em 2004.09.20, foi emitida a liquidação oficiosa relativamente ao ano de 2000, nos seguintes termos:
ImpostoPeríodoN.º LiquidaçãoValor (€)Data da Compensação
IRC20002004 8310006392193.815,582004.09.20
E com a seguinte fundamentação: « ... importância apurada proveniente de liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício a que respeitam os rendimentos, efectuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 83º do CIRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos ...» - (Fls. 7 a 11 dos autos).
3. A impugnação deu entrada neste TAF de Coimbra em 2005.01.21 - (Carimbo aposto no cabeçalho da douta P.I.).
3. A questão a decidir no presente recurso consiste em saber se decisão recorrida incorreu em erro ao julgar que não existia, relativamente a uma sociedade judicialmente declarada falida e em fase de liquidação do seu património, obrigação de apresentação da declaração anual de rendimentos a que alude o CIRC, inexistindo, consequentemente, fundamento legal para a prática do acto de liquidação de IRC que constitui o objecto da presente impugnação judicial, efectuado oficiosamente por falta de entrega da declaração periódica de rendimentos.
Na verdade, o acto impugnado tem por suporte fundamentador o entendimento, sufragado pela Administração Tributária, de que o facto de a sociedade ser declarada falida ou insolvente não a desobriga do cumprimento de obrigações fiscais declarativas, designadamente do dever de entrega da declaração anual mod. 22, uma vez que estaria obrigada ao apuramento da matéria tributável para efeitos de IRC relativamente ao período de liquidação, de acordo com o artigo 65.º do CIRC (segundo o qual as sociedades em liquidação, até ao fim do exercício imediatamente anterior ao encerramento desta, devem proceder anualmente à determinação do lucro tributável respectivo). E porque tal dever não foi cumprido, a Administração Tributária procedeu à liquidação oficiosa do IRC referente ao exercício de 2000, ao abrigo da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 83.º do CIRC (onde se determina que na falta de apresentação da declaração periódica de rendimentos a liquidação tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinado), utilizando a matéria colectável do exercício de 1995, por ser esse o exercício mais próximo cuja matéria colectável se encontrava determinada.
Na perspectiva da Impugnante, a liquidação de IRC é ilegal, por inexistência de facto tributário, uma vez que deixou de exercer qualquer tipo de actividade comercial desde 1995, não tendo praticado, a partir de então, qualquer transacção económico-financeira ou auferido quaisquer rendimentos passíveis de tributação.
A decisão recorrida julgou procedente a impugnação com base na falta de fundamento legal para a liquidação oficiosa de IRC, na medida em que inexistira obrigação de entrega da declaração anual de rendimentos após a declaração de falência. Para sustentar essa posição, o Mmº Juiz, depois de reconhecer que os preceitos contidos nos artigos 65.º e segs. do CIRC prevêem a liquidação das sociedades comerciais e a sua obrigação de procederem anualmente à determinação do lucro tributável até ao fim do exercício imediatamente anterior ao do encerramento da liquidação, não distinguindo entre a dissolução voluntária e a dissolução por virtude de falência, o que levaria, em princípio, a considerar legítima a tese da sua aplicação a todas as formas de liquidação do património societário, veio a concluir que esses preceitos não podem abranger as sociedades dissolvidas por falência, essencialmente porque o processo falimentar não está vocacionado para a observância do prazo de três anos aludido no n.º 4 do artigo 65.º, segundo o qual, “Os prejuízos anteriores à dissolução e na data desta ainda dedutíveis nos termos do artigo 46º, poderão ser deduzidos ao lucro tributável correspondente a todo o período de liquidação, se este não ultrapassar três anos”.
Segundo a decisão, «este prazo de três anos está conexionado com o artigo 150.º, n.°1, do Código das Sociedades Comerciais, o qual dispõe que a liquidação deve estar encerrada e a partilha aprovada no prazo de três anos a contar da data em que a sociedade se considere dissolvida», e esse artigo «não é aplicável às falências, que são objecto de regulamentação especial. Ao tempo da aprovação do C.I.R.C., regia para as falências o artigo 1246.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, o qual dispunha que o prazo de liquidação era fixado pelo juiz, ouvido o síndico, e que o mesmo seria prorrogável quando de tal resultasse vantagem para a massa. Não era fixado qualquer limite. E o artigo 180.º, n.º 2, do actual C.P.E.R.E.F., embora diga já que a liquidação deve estar concluída no prazo de seis meses, admite que ela possa ser prorrogada pelo tempo necessário.».
Por outro lado, «contrariamente ao que sucede na falência, a liquidação da sociedade dissolvida não comporta nenhum processo colectivo ou concursal do pagamento aos credores. No nosso direito, os credores da sociedade dissolvida não gozam de direito algum de oposição ao pagamento dos outros, que possa conduzir a um rateio de pagamentos. A conduta do liquidatário, a este respeito, deve ser pautada pelo critério da diligência devida» (Raul Ventura, «Dissolução e Liquidação de Sociedades», pág. 383) - art.º 154.° do Código das Sociedades Comerciais». Já no Código do Processo Especial de Recuperação da Empresa e de Falência «a regra é a do rateio final, só podendo haver pagamentos adiantados aos credores preferentes e rateios parciais em situações determinadas e mediante autorização do juiz - artigos 209.° a 214.°. O que significa que o processo de falência tende a apresentar, na fase de liquidação, sobretudo acréscimos patrimoniais, que não são temperados por pagamentos por conta, gerando resultados provisórios verdadeiramente distorcidos na óptica da anualidade». Para além de que «a maior parte das falências acolhem diversos litígios com tempos processuais autónomos que se furtam à gestão temporal do liquidatário e podem mesmo retardar a liquidação», razão por que «O processo de falência não está vocacionado para a observância do prazo de três anos a que alude a parte final do n.º 4 do artigo 65.° do C.I.R.C.».
Para além disso, realçou-se que o Código das Sociedades Comerciais «obriga os liquidatários a prestarem contas da liquidação nos três primeiros meses de cada ano civil, com um relatório pormenorizado do estado da mesma - artigo 155.º, n.º 1. Ainda aqui, portanto, se observa o princípio da anualidade, o que permitirá o cumprimento das obrigações declarativas a que alude o artigo 65.°, n.º 2, alínea b), do C.I.R.C.», enquanto que o «artigo 1261.º do Código de Processo Civil, em vigor ao tempo da aprovação do C.I.R.C., só previa a apresentação de contas pelo administrador no final. E o C.P.E.R.E.F. fala apenas num relatório sucinto, de seis em seis meses – artigo 219.°».
Por fim, ponderou-se que «o que torna mais notório que o legislador do artigo 65.° do C.I.R.C. só teve em vista os casos de dissolução - digamos - voluntária da sociedade é o seu n.º 5. Pois que ali teve necessidade de estender a sua aplicação às formas de liquidação decorrentes da declaração de nulidade ou de anulação do respectivo contrato.». Razão por que se concluiu «não existir, no âmbito da liquidação em processo de falência, a obrigação da apresentação da declaração anual a que aludia o artigo 96.° do C.I.R.C. E se não havia a obrigação da apresentação da declaração anual, também não existiria fundamento para a liquidação oficiosa aqui impugnada.».
Vejamos.
Em primeiro lugar cumpre salientar que o facto de se poder concluir pela inaplicabilidade, às sociedades em liquidação na decorrência de processo de falência, do prazo de três anos previsto no n.º 4 do artigo 65.° do CIRC (Que corresponde ao artigo 73.º após as alterações introduzidas pelo Dec.Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, e corresponde ao actual artigo 78º face ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que republicou o Código do IRC.) para a dedução ao lucro tributável dos prejuízos anteriores à dissolução, não significa necessariamente que todo o regime contido na Subsecção V do Código do IRC, subordinada à epígrafe “Liquidação de sociedades e outras entidades”, tenha de ser afastado relativamente a essas sociedades, e que elas não estejam obrigadas à determinação do lucro tributável e ao cumprimento das concernentes obrigações declarativas fiscais.
Pelo que, o que importa verdadeiramente indagar é se a sociedade dissolvida na sequência de processo falimentar continua ou não a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, mantendo-se, assim, vinculada a obrigações fiscais, nomeadamente declarativas.
Perante as normas contidas no Código das Sociedades Comerciais (CSC), podem ser várias as causas de dissolução das sociedades, constituindo causas gerais de dissolução a declaração de insolvência, a deliberação dos sócios, o decurso do prazo fixado no contrato, a realização completa do objecto contratual e a ilicitude superveniente do objecto contratual (cfr. CAPÍTULO XII, artigos 141º e seguintes).
Porém, qualquer que seja a causa de dissolução, ela acarreta uma fase de liquidação do património societário conducente à extinção da sociedade, pois, como decorre do disposto no artigo 160.º, n.º 2, do CSC, a sociedade só é considerada extinta após o registo do encerramento da liquidação, mantendo até lá a personalidade jurídica, sujeito de direitos e obrigações, a quem continua a ser aplicável, embora com as necessárias adaptações e em tudo que não for incompatível com o regime processual de liquidação, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas (cfr. artigo 146.º do CSC).
Isto é, a dissolução é apenas uma modificação da situação jurídica da sociedade, que se caracteriza pela sua entrada em liquidação. Razão por que, em termos fiscais, deverá ser apresentada no serviço de finanças, no prazo de 15 dias a contar da data da dissolução, a declaração de alterações referida no n.º 5 do artigo 110.º do CIRC, indicando-se no Q. 17 a identificação dos liquidatários, e aditando-se no Q. 04 à designação social a expressão «sociedade em liquidação» ou simplesmente «em liquidação» (artigo 146.º, n.º 3 do CSC).
Por outro lado, segundo o Código do IRC, são sujeitos passivos deste imposto, entre outros, as sociedades comerciais com sede ou direcção efectiva em território português, as quais são tributadas pelo respectivo lucro até à cessação de actividade [artigo 2.º, alínea a), e artigo 3.º, n.º 1, alínea a)], cessação que, relativamente às sociedades em liquidação, só ocorre na data de encerramento da liquidação [artigo 7.º, n.º 5, alínea a), na redacção então em vigor].
Ou seja, a sociedade dissolvida só se considera extinta após o registo do encerramento da liquidação (artigo 160.º, n.º 2 do CSC), razão por que deverá ser apresentada no serviço de finanças, no prazo de 30 dias a contar da data da cessação de actividade, a respectiva declaração de cessação de actividade, indicando no Q. 07 a data de encerramento da liquidação.
Por conseguinte, em termos fiscais e designadamente para a aplicação dos mecanismos estruturais do IRC, o que é decisivo não é a ausência de prossecução do objecto social, mas sim a cessação de actividade, a qual só ocorre nas situações expressamente previstas no nº 5 do artigo 7º do CIRC.
Por aqui logo se vê que qualquer que seja a causa da dissolução, a sociedade em liquidação continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC, permanecendo vinculada a obrigações fiscais. Isto é, inexistindo qualquer excepção prevista na lei, todas as sociedade dissolvidas, qualquer que seja a causa da dissolução, mantém obrigações fiscais (nomeadamente a de possuir contabilidade organizada conforme a lei comercial e fiscal, embora com a derrogação de alguns princípios contabilísticos, como, por exemplo, o da «continuidade» ou o da «especialização do exercício») e obrigações declarativas, sendo a sua responsabilidade do liquidatário ou do administrador da insolvência, conforme expressamente é referido pelo nº 7 do artigo 94.º do CIRC (Que corresponde ao n.º 9 do artigo 109.º, na redacção do CIRC em vigor previamente à produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e que corresponde, ainda, ao actual nº 9 do artigo 117.º do CIRC.).
E assim sendo, a declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a cessação em Imposto sobre o Rendimento.
O que se compreende, na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade, ou período de liquidação, pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, nº 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respectivo “Balanço”, apresentar lucro. Aliás, o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta a que, nos termos dos artigos 231.º e seguintes do CPEREF, se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade. E até o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), em vigor desde 18/09/2004, continua a prever a possibilidade de a sociedade poder retomar a sua actividade comercial após ter sido declarada insolvente (artigos 230.° e 234.°).
O que significa que, relativamente às sociedades em liquidação em processo de falência, não é o facto de se tratar de uma execução universal de bens e de se estar em presença de uma situação económica deficitária que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.
Verificada, pois, a continuidade da sua qualidade de sujeito passivo de IRC, nos termos do artigo 2º do respectivo Código, o lucro tributável destas sociedades é, porém, determinado com referência a todo o período de liquidação do património societário. Ou seja, o período de tributação não será igual a um ano, como impõe, em princípio, o n.º1 do artigo 7.º do CIRC (actual artigo 8.º), tendo, antes, a duração correspondente à fase de liquidação, como estipulado pelo n.º 6 desse artigo 7.º.
O mesmo é referido pelo n.º 1 do artigo 65.º do CIRC, que integra a subsecção V desse Código (com a epígrafe “Liquidação de sociedades e outras entidades”), onde se estipula que o lucro tributável das sociedades em liquidação é determinado com referência a todo o período de liquidação.
Esse preceito determina o seguinte:
Artigo 65º - Sociedades em liquidação
1 - Relativamente às sociedades em liquidação o lucro tributável é determinado com referência a todo o período de liquidação.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, observar-se-á o seguinte:
a) As sociedades que se dissolvam devem encerrar as suas contas com referência à data da dissolução, com vista à determinação do lucro tributável correspondente ao período decorrido desde o início do exercício em que se verificou a dissolução até à data desta;
b) Durante o período em que decorre a liquidação e até ao fim do exercício imediatamente anterior ao encerramento desta, haverá lugar, anualmente, à determinação do lucro tributável respectivo, que terá natureza provisória e será corrigido face à determinação do lucro tributável correspondente a todo o período de liquidação;
c) No exercício em que ocorre a dissolução deverá determinar-se separadamente o lucro referido na alínea a) e o lucro mencionado na primeira parte da alínea b).
3 - Quando o período de liquidação ultrapasse três anos, o lucro tributável determinado anualmente, nos termos da alínea b) do número anterior, deixa de ter natureza provisória.
4 - Os prejuízos anteriores à dissolução e na data desta ainda dedutíveis nos termos do artigo 46º, poderão ser deduzidos ao lucro tributável correspondente a todo o período de liquidação, se este não ultrapassar três anos.
5 - À liquidação de sociedade decorrente da declaração de nulidade ou da anulação do respectivo contrato é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
Sendo o lucro tributável das sociedades em liquidação determinado com referência a todo o período da liquidação, compreende-se a obrigação imposta pela alínea a) do n.º 2, de encerramento das contas com referência à data da dissolução, com vista à determinação separada do lucro tributável anterior [correspondente ao período decorrido desde o início do exercício em que se verificou a dissolução até à data desta], do lucro tributável posterior [correspondente a todo o período de liquidação] - alínea c) do n.º 2. O que implica, naturalmente, obrigações declarativas.
Neste contexto, e visto que o preceito não traça qualquer distinção quanto às causas de dissolução que determinaram a liquidação do património societário, nem excepciona, de algum modo, a liquidação ocorrida em processo de falência, não se vislumbra razão para que o seu regime não seja aplicável (ainda que parcialmente, isto é, na parte que não seja incompatível com o regime processual da massa falida) a essa forma de liquidação. Até porque o que a lei não distingue, também o intérprete não deve, em princípio, distinguir.
Acresce que do facto de o n.º 5 do artigo 65.º do CIRC estender a aplicação do preceito aos casos de «anulação ou nulidade dos contratos de sociedade» não significa necessariamente que o legislador tenha pretendido a sua aplicação somente aos casos de dissolução voluntária da sociedade e que, por isso, tenha sentido necessidade de estender esta disciplina aquela forma de liquidação do património societário. A razão mais provável da norma contida no nº 5 do artigo 65º do CIRC é a de o legislador ter sentido necessidade de esclarecer esse aspecto por virtude de o Código Comercial (cuja regulamentação seguiu de perto) não englobar a invalidade do contrato no capítulo dedicado à dissolução das sociedades (Capítulo XII, artigos 141º e segs.).
Em suma, não se vê motivo para que a liquidação derivada da dissolução em processo de falência tenha um tratamento diferenciado das demais liquidações de patrimónios societários. O facto de a sociedade ser declarada falida não obsta, pois, a que se mantenham, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual da massa falida, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas, designadamente as regras previstas no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedades em liquidação.
Assim sendo, para efeitos de determinação do lucro tributável, há que observar os seguintes procedimentos:
- no exercício em que ocorre a dissolução, o lucro tributável é determinado separadamente, contemplando o período decorrido desde o início do exercício e a data da dissolução e o período decorrido entre esta e o termo desse exercício – artigo 65.º, n.º 2, alínea a) e c) – o que implica o cumprimento das respectivas obrigações declarativas;
- durante o período em que decorre a liquidação, deverá determinar-se anualmente o lucro tributável respectivo, que terá natureza provisória e será corrigido face à determinação do lucro tributável correspondente a todo o período de liquidação – artigo 65.º, n.º 2, alínea b) – o que implica a obrigação de apresentação de declaração anual de rendimentos por cada exercício completo posterior ao da dissolução, nos respectivos prazos legais (n.º 1 do artigo 112.º do CIRC).
- no exercício em que ocorre o encerramento da liquidação, há que apresentar declaração eferente ao período decorrente entre o início desse exercício e a data do encerramento da liquidação (declaração do período da cessação) e declaração relativa a todo o período da liquidação, a menos que o lucro tributável determinado anualmente durante esse período tenha perdido natureza provisória e assumido natureza definitiva por virtude de o período de liquidação ter ultrapassado três anos.
É certo que é duvidoso se na falência as declarações anuais podem ou devem perder a natureza provisória e adquirir natureza definitiva por virtude de o período de liquidação ter ultrapassado três anos (n.º 3 do art.º 65.º) e se os prejuízos anteriores à dissolução devem deixar de poder ser deduzidos ao lucro tributável correspondente a todo o período de liquidação se este ultrapassar três anos (n.º 4 do art.º 65.º). A argumentação tecida na sentença recorrida é suficientemente convincente para nos fazer vacilar sobre essa aplicabilidade, pois os acréscimos patrimoniais porventura ocorridos no processo de falência não podem ser temperados por pagamentos por conta nem pela dedução de custos, gerando resultados provisórios verdadeiramente distorcidos na óptica da anualidade; e, por outro lado, a maior parte das falências acolhem diversos litígios com tempos processuais autónomos que se furtam à gestão temporal do liquidatário e podem mesmo retardar a liquidação, não estando, assim, o processo de falência vocacionado para a observância do aludido prazo de três anos.
Trata-se, porém, de uma problemática que não releva para a questão ora em análise, por não contender com a obrigatoriedade de apresentação da declaração anual, mas apenas com a provisoriedade ou definitividade dessa declaração.
Por tudo o que fica exposto se conclui que, mesmo que em processo de gestão ou liquidação da massa falida, a sociedade continua a ter de cumprir, através do respectivo liquidatário, com obrigações fiscais declarativas, razão por que não pode manter-se a sentença recorrida.
Face ao provimento do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, coloca-se a questão da possibilidade de conhecimento, em substituição, do verdadeiro e único fundamento que integra a causa de pedir de impugnação e que consiste na ilegalidade do acto de liquidação de IRC por inexistência de facto tributário, traduzido na alegação de total ausência de exercício de actividade desde o ano de 1995 e falta de obtenção de quaisquer rendimentos passíveis de tributação.
Com efeito, a inexistência de facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e falta de obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação constitui um vício que pode ser imputado à liquidação oficiosa do imposto sobre o rendimento.
Verifica-se, contudo, que para demonstração dos factos alegados a Impugnante ofereceu prova testemunhal (cfr. rol de testemunhas na parte final da p.i.), que não chegou a ser produzida face à solução dada ao litígio pelo Mmº. Juiz do tribunal “a quo”. Pelo que, como é evidente, o processo ainda não reúne os elementos necessários ao conhecimento desse vício, impondo-se, por esse motivo, que os autos baixem à 1.ª instância para que, produzida a prova que se mostrar necessária e fixados os factos relevantes dela apurados, se conheça depois do mérito desse fundamento de impugnação.
4. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para aí prosseguirem os seus ulteriores termos com vista ao conhecimento da questão que ficara prejudicada face à solução dada ao litígio que ora se revogou.
Sem custas, uma vez que a Recorrida não contra-alegou neste STA.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011. – Dulce Neto (relatora) – António Calhau – Casimiro Gonçalves.