Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01932/19.8BELSB
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ASILO
PROTECÇÃO INTERNACIONAL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:É de admitir a revista do acórdão que confirmando a decisão de TAF considerou, relativamente a um pedido de proteção internacional tido por inadmissível porque a Itália seria o Estado responsável, que o SEF não podia decidir sem previamente averiguar se havia «falhas sistémicas» no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento de refugiados naquele país, já que a pronúncia, para além controversa e replicável, mostra-se dissonante com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, carecendo de reapreciação.
Nº Convencional:JSTA000P26298
Nº do Documento:SA12020091001932/19
Data de Entrada:07/03/2020
Recorrente:SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS/MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:A..................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF)] invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 16.04.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 281/337 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso de apelação que o mesmo deduziu, por inconformado, com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante TAC/L] - cfr. fls. 115/153 - que havia julgado procedente a ação administrativa contra si instaurada por A…………, devidamente identificado nos autos, e o condenou «a) a reconstituir o procedimento de determinação do Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional [art. 36.º e ss. da Lei do Asilo] apresentado …, procedendo audiência prévia do requerente e à instrução cabal do pedido para efeitos de determinar se se encontram preenchidos os pressuposto de aplicação da cláusula de salvaguarda constante do art. 3.º/2 do Regulamento Dublin III relativamente à prefigurada transferência para Itália; e b) a apreciar as informações coligidas e decidir de acordo com os critérios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia - em diálogo com o TEDH -, uma vez que está em causa aplicação de direito da União, sendo imposta a observância do sentido e âmbito dos direitos fundamentais em causa garantidos pela CEDH».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 345/369] ao que se infere da motivação expendida «para uma melhor aplicação do direito», invocando, mormente, a incorreta aplicação dos arts. 03.º e 18.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho [vulgo Regulamento de Dublin], e 37.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06 [alterada e republicada pela Lei n.º 26/2014, de 05.05 - doravante «Lei do Asilo»].

3. Não foram produzidas quaisquer contra-alegações [cfr. fls. 371 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAC/L julgou totalmente procedente a pretensão do A., aqui recorrido, considerando, no seu discurso fundamentador, que o ato impugnado [decisão da Diretora Nacional do SEF, de 23.08.2019, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional que havia apresentado] incorre na «violação da exigência do art. 05.º, n.º 6, do Regulamento Dublin, interpretada no quadro interno do direito de participação dos interessados, constitucionalmente garantido no art. 267.º/5 da CRP, e concretizado, no plano legislativo, no direito de audiência prévia, consagrado nos artigos 12.º, 121.º e 122.º/1 e 2 do CPA» e na infração do art. 03.º, n.º 2, do mesmo Regulamento em articulação com o art. 19.º-A da Lei do Asilo quanto «à instrução do pedido para efeitos de determinar se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação da cláusula de salvaguarda … em relação à transferência para Itália, assim como a apreciar as informações coligidas e decidir com conformidade».

7. O TCA/S confirmou este juízo decisório apenas quanto à infração do art. 03.º, n.º 2, do referido Regulamento, e 19.º-A da Lei do Asilo, mantendo «a sentença recorrida na parte em que procedeu à condenação à reinstrução do procedimento, com base no défice de instrução».

8. O R., ora recorrente, insurge-se contra este juízo, acometendo-o de erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do quadro normativo atrás enunciado.

9. A questão objeto de revista tem vindo, por um lado, a colocar-se na jurisdição administrativa com frequência, constituindo matéria juridicamente relevante cuja solução é aplicável em casos futuros.

10. Temos, por outro lado, que o julgamento firmado pelas instâncias mostra-se, primo conspectu, ao arrepio e afrontando a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a matéria [cfr., nomeadamente, os Acs. de 16.01.2020 - Proc. n.º 02240/18.7BELSB, de 04.06.2020 - Proc. n.º 01322/19.2BELSB, de 02.07.2020 - Procs. n.ºs 01786/19.4BELSB e 01088/19.6BELSB, de 09.07.2020 - Proc. n.º 01419/19.9BELSB], donde se segue a necessidade de recebimento do recurso para reanálise do assunto com vista a uma esclarecida aplicação do direito como decidido já por esta Formação de Admissão Preliminar em situações similares [vide, nomeadamente, os Acs. de 02.04.2020 - Proc. n.º 01322/19.2BELSB, de 23.04.2020 - Proc. n.º 01088/19.6BELSB, de 07.05.2020 - Proc. n.º 01705/19.8BELSB].

11. Assim, tudo conflui para a conclusão de que se mostra necessária a intervenção deste Supremo e daí que se justifique a admissão da revista.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas [cfr. art. 84.º da Lei n.º 27/2008].
D.N..
Lisboa, 10 de setembro de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Augusto Araújo Veloso]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho