Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0541/11
Data do Acordão:09/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I - O prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional nos casos em que a determinação da sanção aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária é idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação daquela prestação, ou seja, de quatro anos contados a partir do termo em que se verificou o facto tributário (art° 45°, n° 4 da LGT).
II - Verificada causa interruptiva o prazo máximo da prescrição é aquele prazo (4 anos) acrescido de metade (2 anos), ou seja de seis anos, por aplicação do disposto nos artºs 28º, nº 3 e 27º-A do RGCO e do artº 33º do RGIT, havendo ainda que considerar a existência de algum facto suspensivo previsto no nº 1 do artº 27º-A do RGCO.
III - Verificando-se, em face da aplicação das normas citadas, que a prescrição não ocorreu na data referida na decisão recorrida, mas tendo ela ocorrido já na pendência do recurso, cabe a este Tribunal declarar verificada a prescrição.
Nº Convencional:JSTA00067126
Nº do Documento:SA2201109070541
Data de Entrada:05/30/2011
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:RGIT01 ART33 N2
RGCO ART27-A N1 C N2 ART28 N3
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O MºPº veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que, nos presentes autos, julgou extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional relativo a contra-ordenação instaurada ao recorrido A… com os demais sinais nos autos, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1ª). O arguido A… veio, nos termos e ao abrigo do disposto no art° 80° do RGIT, interpor recurso da decisão, do Chefe do Serviço de Finanças, de 12.3.2008, que lhe aplicou uma coima, no valor de € 2.784,85, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos art°s 102° do CIRS (pagamento especial por conta relativo ao período de 2004) e 114°, n°s 2 e 5, alínea f) do RGIT aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5.6.;
2ª). Conforme se decidiu na sentença recorrida o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é, neste caso, em que a determinação da sanção aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária, idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação daquela prestação, ou seja, de quatro anos contados a partir do termo em que se verificou o facto tributário (art° 45°, n° 4 da LGT);
3ª). Também conforme se decidiu, por ter verificado causa interruptiva da mesma, o prazo de máximo da prescrição é aquele prazo (4 anos) acrescido de metade (2 anos), ou seja de seis anos,
4ª). Todavia, a prescrição do procedimento criminal ainda não se verificou. Com efeito,
5ª). Por força do disposto no n° 3 do art° 33° do RGIT o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral,
6ª). O art° 27º-A, n° 1 alínea c) do RGCO na redacção da Lei n° 109/2001, de 24.12., determina que a prescrição do procedimento por contra-ordenação se suspende durante o tempo em que o procedimento estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. A suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou;
7ª). No tocante à duração da suspensão o n° 2 do preceito citado, o art° 27°-A do RGCO, determina que nos casos previsto nas alienas b) e c) do n° 1 a suspensão não pode ultrapassar seis meses;
8ª). Por seu turno, o art° 28º, n° 3 do RGCO determina que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade (negrito e sublinhado nosso);
9ª). No caso sub judice foi proferido despacho a admitir o recurso judicial da decisão de aplicação da coima em 24.11.2008, notificado ao recorrente por ofício de 25.11.2008, o que constitui a causa de suspensão da prescrição prevista na alínea c) do n° 1 do art° 27°-A do RGCO, pelo que, a prescrição do procedimento criminal se suspendeu, até à decisão final do recurso, enquanto o processo estiver pendente, tendo essa suspensão a duração limite de seis meses;
10ª). Essa suspensão, que, com o referido limite de duração, subsiste até decisão final do recurso, obsta ao decurso do prazo de prescrição, somando-se (rectius descontando-se) ao prazo máximo, de seis anos (quatro acrescidos de metade), de prescrição do procedimento contra-ordenacional;
11ª). Na situação em apreço há que levar em conta, para cômputo da prescrição do procedimento contra-ordenacional, a referida suspensão, pelo que ao termo do prazo normal de prescrição acrescido de metade que ocorreria em 31 de Dezembro de 2010, haverá que descontar (ou somar) todo o período de suspensão, de seis meses, donde resulta que a prescrição do procedimento contra-ordenacional ainda não se verificou e só em 30 de Junho de 2011 ocorrerá;
12ª). A sentença recorrida, não tendo considerado o aludido período de suspensão e violando o disposto no art° 28°, n° 3 do RCGO, deverá, pois, ser revogada e ordenado o prosseguimento dos autos, como é de justiça.
2. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
1º). Em 26 de Outubro de 2007, foi levantado o auto de notícia de fls. 4 contra o recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos artºs. 114.°, n.°s 2 e 5 f), do RGIT e 102.° do CIRC, porquanto não entregou até 20/12/2004 nos cofres do Estado o imposto devido nos termos do artº. 102.° do CIRC (pagamento por conta) no montante de EUR 27.129,60 relativo ao período de 2004, tendo o prazo para o cumprimento da obrigação terminado em 20/12/2004.
2º). Por despacho do chefe do serviço de finanças, datado de 12 de Março de 2008, foi proferida a decisão sob recurso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, condenando a recorrente ao pagamento de uma coima no montante de EUR 2.784,85 por violação do disposto no artº. 102º do CIRC, nos termos do disposto nos artigos 114.°, n.°s 2 e 5, alínea f) RGIT (cf. fls. 52-53, dos autos).
3º). A infracção que esteve na origem da decisão de aplicação de coima melhor identificada no ponto anterior foi praticada em 20 de Dezembro de 2004.
4º). A recorrente interpôs o presente recurso em 24 de Abril de 2008 (cf. carimbo aposto a fls. 57 dos autos).
3. A crítica apontada pelo recorrente à decisão recorrida limita-se à não consideração na contagem do prazo de prescrição do período de suspensão previsto nos artºs 28º, nº 3 e 27º-A do RGCO.
É que, no entender do recorrente, se tal período tivesse sido considerado, a prescrição ocorreria em 30.06.2011 e não em 31.12.2010, conforme foi decidido.
Vejamos então se o prazo de prescrição decorreu ou não.
3.1. Nem o recorrente, nem a decisão recorrida divergem quanto ao prazo de prescrição do respectivo procedimento contra-ordenacional, aceitando que tal prazo é o da caducidade do direito à liquidação do respectivo imposto, ou seja, quatro anos (v. a decisão recorrida e a conclusão 2ª. das alegações).
Assim, estando em causa IRC de 2004, a caducidade do direito à liquidação ocorreu em 31 de Dezembro de 2008, pelo que a prescrição do procedimento contra-ordenacional ocorreria nessa mesma data por força do nº 2 do artº 33º do RGIT.
Porém, há que atender ainda ao disposto nos artigos 28º, nº 3 e 27º-A, nºs 1, alínea c) e nº 2 do RGCO, que estabelecem, respectivamente, o seguinte:
“3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
“1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses”.
Aplicando o comando destes normativos temos então que, mesmo apesar da existência de factos interruptivos, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
Assim, no caso concreto, em face dos seis anos a que se refere a sentença, a prescrição teria ocorrido em 31 de Dezembro de 2010.
Porém, há também que considerar o prazo de suspensão previsto na alínea c) do nº 1 do artº 27º-A citado, o qual tem como limite máximo seis meses. Assim, tendo em conta que o recorrido foi notificado em 25.11.2008 do despacho que admitiu o recurso judicial da decisão de aplicação da coima, a partir dessa data ficou suspenso o prazo de prescrição, suspensão essa que durou seis meses (prazo máximo legalmente permitido).
E, deste modo, ao prazo acima referido de seis anos, há que acrescentar os referidos seis meses, pelo que a prescrição se completou em 30 de Junho de 2011 e não na data indicada na sentença recorrida.
Assim sendo, o recurso procede.
3.2. Porém, estando já decorrido nesta data todo o prazo de prescrição acima referido, e devendo a prescrição ser declarada oficiosamente em qualquer fase do processo em que a mesma ocorra, será declarada a respectiva prescrição.
4. Nestes termos e pelo exposto, estando nesta data verificado o decurso do prazo de prescrição, declara-se verificada a prescrição e julga-se extinto o procedimento contra-ordenacional contra o ora recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Setembro de 2011. – Valente Torrão (relator) – Dulce NetoCasimiro Gonçalves.