Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0750/16
Data do Acordão:07/07/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NEXO DE CAUSALIDADE
MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Não deve admitir-se recurso de revista relativamente ao julgamento do TCA sobre a matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA000P20792
Nº do Documento:SA1201607070750
Data de Entrada:06/09/2016
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:E..., SA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A………………, B………………, C…………… e D…………… recorreram nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 22 de Janeiro de 2016 que confirmou a sentença proferida pelo TAF de Mirandela, a qual julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM instaurada pelos ora recorrentes contra E…………. SA e AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE IP visando obter a sua condenação no pagamento de indemnizações pelos prejuízos sofridos resultantes da construção da ETAR de Torre de Moncorvo, que terá transbordado para os seus prédios rústicos.

1.2. Justificam a admissão da revista por entenderem ser imperiosa a necessidade de intervenção do STA, relativamente à questão de direito que consiste em saber se o Tribunal de primeira instância dispõe de uma posição privilegiada, designadamente para avaliar a credibilidade das testemunhas, ou se o tribunal “ad quem” está em pé de igualdade com o da 1ª instância; e ainda relativamente à questão de direito que consiste em saber se o tribunal ad quem apenas poderá sindicar o juízo do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, se verificado qualquer erro manifesto na sua apreciação, ou se, pelo contrário, pode não ser manifesto o erro imputado a decisão recorrida, para que a matéria de facto possa ser sindicada pelo tribunal recorrido.

1.3. As recorridas pugnam pela não admissão do recurso.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. Na presente acção os réus foram absolvidos, essencialmente, por não se ter provado o nexo de causalidade entre os factos invocados pelos autores e os danos. Na verdade, a sentença recorrida deu como não provados, entre outros:

- não provado que a descarga de águas residuais feita a partir da ETAR desde Julho de 2004, vem causando avultados estragos nos terrenos cultivados;

- não provado que os autores sofrem desde 2004, em consequência do escoamento de águas residuais provenientes da ETAR de Torre de Moncorvo para os seus terrenos agrícolas os danos descritos no documento 16 junto com a petição inicial;

- não provado que as águas residuais da ETAR têm causado danos ao nível da saúde dos autores;

- não provado que os autores têm danos não patrimoniais que se consubstanciam na significativa diminuição da qualidade de vida e da angústia que neles se gera pela incerteza da colheita dos alimentos necessários para a sua alimentação e para a venda que lhes permita assegurar o seu sustento;

- não provado que os autores estão sujeitos, praticamente de forma permanente aos efeitos nocivos das águas residuais provenientes daquela estação de tratamento;

- não provado que os autores sofreram os danos que vêm descritos no documento 17, junto com o requerimento inicial;

- não provado que as águas residuais da ETAR têm causado danos ao nível da saúde dos autores, nomeadamente no respectivo aparelho respiratório, resultante do cheiro nauseabundo daquelas águas, e os que resultam da contaminação dos alimentos e das picadelas dos muitos mosquitos existentes na zona, susceptíveis de transmitirem doenças graves, como dengue e outras.

Não tendo os autores demonstrado que tenha sido o funcionamento da ETAR que causou o encharcamento dos seus terrenos, nem que o efluente tenha poluído os seus terrenos, ambas as instâncias julgaram improcedente o pedido de indemnização formulado pelos autores. “Com efeito – conclui o acórdão ora recorrido – sem que os recorrentes tenham demonstrado o contrário, é incontornável e insofismável ter ficado provado que a E…………… SA faz frequentes análises a qualidade do efluente e que o mesmo pode ser utilizado na agricultura e que se é certo que os alegados danos terão resultado do encharcamento dos terrenos dos recorrentes, não ficou demonstrado que o mesmo tenha tido origem no funcionamento da ETAR”.

3.3. Neste recurso os autores impugnam o julgamento da matéria de facto levado a cabo pelo TCA Norte, por entenderem que este Tribunal, apreciou a matéria de facto à luz de um critério manifestamente errado.

Dizem os recorrentes que o TCA Norte entendeu que o tribunal de 1ª instância dispõe de uma posição privilegiada para avaliar a prova, e que só a pode modificar em caso de erro grosseiro, pretendendo que o STA, diga se é assim ou seja, se o Tribunal “ad quem” ao avaliar a matéria de facto o deve fazer dentro daqueles limites.

3.4. As questões suscitadas, embora os autores lhes tenham dado uma aparência de questões gerais sobre princípios de apreciação da prova, no essencial, dizem respeito ao modo como tais princípios foram aplicados neste processo, ou consistem em claros juízos de facto.

Com efeito, o TCA Norte começou por citar o art. 640º, do CPC relativo aos ónus do recorrente que impugne a matéria de facto. Depois dessa transcrição disse o seguinte: “Assim, apreciada no seu conjunto a prova feita pelo tribunal a quo, não se vislumbram quaisquer erros de julgamento relativamente à factualidade apurada (…)”. Este juízo do TCA Norte é sem dúvida um juízo sobre matéria de facto que não pode ser sindicado no recurso de revista.

De seguida o TC Norte disse que o “tribunal “a quo” se limitou a recorrer ao princípio da livre apreciação da prova produzida para da como assente a materialidade constante dos factos assentes, em conformidade com os artigos 392º e 396º do CC e 607º, 5 do CPP.

Este aspecto do julgamento do TCA Norte é restrito ao presente caso, pois limita-se a averiguar se, no caso concreto, o princípio da livre apreciação da prova foi ou não bem aplicado. Não há aqui qualquer questão jurídica de interesse geral, mas sim de avaliação casuística dos meios de prova produzidos nos autos.

Na configuração dos princípios da oralidade, imediação, diz o TCA Norte que o tribunal recorrido dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos, juízo que o tribunal ad quem apenas poderá sindicar se verificado qualquer erro manifesto na sua apreciação. Contudo, na aplicação, em concreto deste princípio, o tribunal considerou que no caso “não se reconhece a verificação de qualquer erro de julgamento, mormente susceptível de ser entendido como grosseiro”.

A questão abordada pelo TCA em termos teóricos é de cariz jurídico mas não justifica de modo algum a intervenção do STA, pois é certo que por força da oralidade e da imediação, os aspectos da seriedade, credibilidade e fidedignidade de um depoimentos são apreendidos de modo privilegiado na 1ª instância – uma vez que o julgador está presente, interroga, questiona, vê, ouve, interrompe se for caso disso, apreende os gestos, as hesitações, a firmeza da testemunha no contexto solene de um depoimento prestado em audiência e sob contraditório. Nesta parte, o entendimento do TCA Norte não justifica de modo algum a intervenção do STA com vista a uma melhor aplicação do direito – uma vez que se limita a seguiu o que é óbvio.

Saber se só em casos de erro manifesto ou se basta o erro de julgamento para o Tribunal “ad quem” modificar a matéria de facto, também é uma questão jurídica mas não é uma questão que – em termos gerais e dados os termos em que o TCA a abordou – justifique a admissão da revista.

Na verdade a própria lei diz-nos que a matéria de facto só é modificada pelo tribunal de recurso quando os meios de prova concretamente indicados pelo recorrente “impunham decisão … diversa” (art.640º, 1, b) do CPC). Deste preceito resulta que não basta a alegação de meios de prova que permitam uma outra decisão, e, portanto, a tese do acórdão recorrido pode ser interpretada com este sentido, isto é, só pode ser alterada a decisão da matéria de facto quando os meios de prova concretamente invocados pelo recorrente impunham decisão diversa. Com esta interpretação não há qualquer razão para admitir o recurso de revista relativamente à enunciação dos poderes de modificação da matéria de facto, uma vez que a mesma não evidencia qualquer erro de interpretação do regime jurídico aplicável.

Do exposto resulta que, apesar de serem enunciadas questões jurídicas de alcance geral, o desfecho deste processo resultou essencialmente da apreciação da prova. Está em causa, no essencial, a convicção do tribunal de primeira instância sobre a credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas, pelo que, a o objecto do em litígio limita-se ao presente processo, sem ter qualquer virtualidade de se colocar no futuro.

É verdade que os recorrentes alegam a violação de princípios gerais sobre apreciação da prova. Mas como vimos o entendimento seguido pelo TCA Norte quanto a tais princípios (prevalência do julgamento sobre a credibilidade das testemunhas quando obtido sob os princípios do contraditório, imediação e oralidade; e modificação da matéria de facto apenas quando os meios invocados impunham decisão diversa) é um entendimento juridicamente plausível que não justifica a intervenção deste STA com vista a uma melhor aplicação do Direito.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 7 de Julho de 2016. – São Pedro(relator) – Vítor Gomes – Alberto Augusto Oliveira.