Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01826/15.6BEPRT 01501/17
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TAXA
INSTALAÇÃO DE BOMBA DE GASOLINA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
ALEGAÇÕES DO RECORRIDO
ADMISSIBILIDADE
PEDIDO
REVISÃO OFICIOSA
TEMPESTIVIDADE
Sumário:I – A falta de notificação das alegações ao recorrido constitui mera irregularidade nos termos previstos no artigo 195º, nº1, do CPC, subsidiariamente aplicável.
II – Assentando o recorrente o objecto da arguição no acto de processo que deveria ter sido observado tal é, de todo, irrelevante na medida em que o juízo de apreciação sobre a validade dos actos praticados repousa na conformidade entre o que foi feito e o que é estatuído como formalidade na norma que rege o caso concreto, aferindo-se a relação de adequação tendo em conta os actos que concretamente foram praticados e se mostram documentados no processo.
III – O princípio do contraditório é a trave mestra do sistema processual civil e é a garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
IV - O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
V - Na acepção dada, não foi prejudicada a defesa do recorrido, volvendo espúrias as asserções por ele vertidas quanto aos efeitos da preterição da formalidade que sinaliza pois se defendeu, em devido tempo, apresentando as suas contra-alegações assim se sanando a irregularidade cometida.
VI -Tendo sido invocado no recurso interposto que o entendimento tido é contrário à jurisprudência do STA, no sentido da admissibilidade da revisão oficiosa das taxas municipais independentemente de ter sido anteriormente deduzida reclamação graciosa, afigura-se não ser de obstar à admissibilidade do mesmo nos termos do artº 285º nº 1 do CPPT, aplicável em conjugação com o seu nº 5, por no caso resultar solução oposta “uma decisão de tribunal de hierarquia superior”, sendo de considerar esta disposição como um meio que se impõe aplicar para a correcção da decisão proferida independentemente do valor, não obsta ainda ao conhecimento do recurso interposto que tenha sido indicado mais do que um acórdão do STA.
VII - Ainda que estejam em causa taxas municipais como a devida pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis, nada impede que o interessado solicite a revisão oficiosa da liquidação nos termos e no prazo do artº 78º, da LGT, independentemente de não ter anteriormente deduzido reclamação graciosa.
Nº Convencional:JSTA000P26777
Nº do Documento:SA22020111801826/15
Data de Entrada:01/04/2018
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE GAIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A………………, Lda., melhor sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 11-05-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos tributários de liquidação de taxas devidas pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis, na sequência da impugnação judicial que apresentara do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa contra a liquidação daquela taxa, relativa ao ano de 2014 e no valor de €1 500.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A…………….., Lda., as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra a liquidação da taxa devida pela instalação e funcionamento de postos de combustível efectuada pelo Município de Vila Nova de Gaia com respeito ao ano de 2014.
B. A sentença recorrida tem por base o entendimento de que a Recorrente deveria ter apresentado reclamação prévia nos termos do que dispõe o artigo 16º, nº 5 do RGTAL, não lhe sendo admissível impugnar a legalidade da liquidação em causa não o tendo feito, ainda que tenha requerido a respectiva revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78º da LGT.
C. Este entendimento não se coaduna com as normas fiscais em vigor, nem tampouco com os princípios de Direito por que se deve pautar a actividade da Administração fiscal.
D. É igualmente, um entendimento contrário à jurisprudência reiteradamente emitida pelo STA em casos idênticos ao que se encontra subjacente nos presentes Autos.
E. Contrariamente ao decidido, o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela ora Recorrente relativamente à liquidação da taxa devida pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis efectuada pelo Município de Vila Nova de Gaia é impugnável judicialmente.
F. A Administração fiscal tem a obrigação de efectuar a revisão de actos tributários a favor dos contribuintes, sempre que detecte que foi cometida uma ilegalidade, seja por sua própria iniciativa, seja por iniciativa do contribuinte.
G. Este dever é transversal a todos os tributos – incluindo, como não pode deixar de ser, os tributos locais – atentos os princípios da justiça, da igualdade e legalidade, plasmados no artigo 266º, nº 2 da Constituição e no artigo 55º da LGT, a que a Administração fiscal se encontra vinculada na sua actividade.
H. A exigência da reclamação prévia à impugnação prevista no artigo 16º, nº 5 do RGTAL em nada contende, pois, com o exercício dessa justiça tributária, nem pode ser vista como um impedimento a que esta se realize.
I. O STA tem decidido sistematicamente no sentido da admissibilidade da revisão oficiosa das taxas municipais, conforme peticionada pela ora Recorrente, nos exactos termos e prazos previstos no artigo 78º da LGT.
J. Neste sentido, decidiu o STA, por Acórdão de 29 de Maio de 2013, proferido no recurso nº 0140/13, que «[a]inda que estejam em causa taxas municipais, como a de ocupação da via pública, nada impede que o interessado solicite a revisão oficiosa da liquidação nos termos e no prazo do artigo 78º da LGT, independentemente de não ter anteriormente deduzido reclamação».(sublinhado nosso, cit.)
K. No mesmo sentido foi, igualmente, decidido o Acórdão do STA de 10 de Julho de 2013, proferido no processo nº 0390/13.
L. De onde se conclui que o Tribunal a quo decidiu erroneamente ao considerar verificada a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dirigido pela Recorrente ao Município de Vila Nova de Gaia, relativamente à liquidação da taxa devida pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis que lhe foi ilegalmente efectuadas, pelo simples facto de não ter a Recorrente reclamado previamente da mesma.
M. Deve por isso a sentença recorrida ser revogada, com a consequente baixa dos Autos ao Tribunal a quo para que se decida da materialidade da causa.
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada, com as demais consequências legais, designadamente, a baixa dos Autos para que o processo de impugnação corra os seus normais trâmites até que seja proferida sentença de fundo relativamente às questões de legalidade aí colocadas.
Só nestes termos será respeitado o Direito e feita Justiça!

Houve contra-alegações em que o recorrido Município de Vila Nova de Gaia, conclui da seguinte forma:

1 – A douta sentença recorrida que julgou verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação das taxas devidas pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis, é uma decisão acertada e ajuizada, não merece qualquer reparo, encontra-se devidamente fundamentada e fez correcta interpretação da lei aos factos, não violando quaisquer normativos legais pelo que deve ser mantida.
2 – Ao recorrido é concedido prazo para contra alegar depois da apresentação das alegações do recorrente, com o intuito daquele poder conhecer os fundamentos do recurso e poder exercer o contraditório.
3 – In casu, o recorrido viu essa possibilidade coarctada, uma vez que, até à data, ainda não foi notificado das alegações do recorrente nem as mesmas se encontram disponíveis no SITAF, desconhecendo por completo os doutos argumentos utilizados pelo recorrente.
4 – Esta falta de notificação das alegações de recurso impede o recorrido de se pronunciar sobre os fundamentos do recurso, viola frontalmente o princípio do contraditório, nomeadamente o disposto no artigo 3º do CPC, e acarreta nulidade de todo o procedimento.
5 – Nulidade esta que se invoca, requerendo que seja ordenada a notificação das alegações ao recorrido e anulado todo o processado até essa data, concedendo-se novo prazo a partir dessa notificação para o recorrido apresentar as suas contra-alegações.
Sem prescindir,
6 – O presente recurso é inadmissível face ao seu valor.
7 – Dispõe o artigo 105º da Lei Geral Tributária, na redacção dada pela Lei 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que a alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância e o nº 4 do artigo 280 do CPPT, na redacção dada pela mesma Lei, determina que não cabe recurso das decisões dos tribunais de 1ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1ª instância.
8 – Estas normas produzem efeito a partir de 01 de Janeiro de 2015 e a alçada dos tribunais de 1ª instância é de (euros) 5.000,00.
9 – Ora, como a presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal em 09 de Julho de 2015 e foi-lhe fixado o valor de € 1.500,00, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 280º do CPPT, conjugado com o artigo 44º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto, não cabe recurso da sentença proferida na presente impugnação judicial e, por isso, o recurso deve ser rejeitado, sob pena de violação destes normativos legais.
Ainda sem prescindir, e por mera cautela,
10 – Desconhecendo-se os fundamentos de recurso desta bem decidida decisão mantem-se e defende-se os argumentos expendidos na mesma uma vez que não há dúvidas que nos encontramos perante uma taxa municipal e, por isso, tem que se obedecer aos normativos previstos no RGTAL, como lei especial que é.
11 – De acordo com o artigo 16º deste Regime a reclamação prévia é necessária à eventual impugnação judicial, constituindo uma condição de admissibilidade da mesma e de impugnabilidade da liquidação das taxas municipais.
12 – Esta necessidade foi levada ao conhecimento da impugnante/recorrente, uma vez que constava da notificação da liquidação vd. documento nº 2 junto com a petição.
13 – Como a impugnante não deu cumprimento a esta exigência legal, isto é, não apresentou prévia reclamação dos atos de liquidação, estes são inimpugnáveis, como bem decidiu a sentença, aliás em conformidade com a lei e, por isso, não merece qualquer censura, devendo manter-se por válida e legal.
14 – Deste modo, bem decidiu a douta sentença ao julgar verificada a excepção da inimpugnabilidade, e, não ocorrendo a violação de qualquer normativo deve a douta sentença manter-se por válida e legal.
Termos em que deve ser anulado todo o processado por falta de notificação dos fundamentos do recurso ao recorrido, violando o exercício do princípio do contraditório, ou caso assim se não entenda, sempre deve o recurso ser rejeitado por ser inadmissível face ao seu valor,
De qualquer modo, sempre deverá se manter a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação, assim se fazendo Justiça!

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, defendendo, em síntese, que as questões prévias suscitadas pelo recorrido não procedem, tanto no que respeita à nulidade do procedimento, por constituir mera irregularidade, como no que se reporta à inadmissibilidade do recurso, por ser de considerar a disposição contida no artigo 280º, nº 1 do CPPT, aplicável em conjugação com o seu nº 5, como um meio que se impõe aplicar para correcção da decisão proferida, não obstante o seu valor; já relativamente ao mérito do recurso, entende ser de admitir a revisão, nos termos do artigo 78º da LGT, independentemente de ser apresentada reclamação graciosa, tal como decidiu o Acórdão nº0390/13, de 10/07/2013.
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Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Pelo ofício n.º 9797.14, datado de 04.08.2014, remetido à Impugnante, via posta registada, a Direcção Municipal de Urbanismo e Ambiente, da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, comunicou à Impugnante, entre o mais, o seguinte:
Assunto: Liquidação de taxas devidas pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis Proc. N.º 3040/14 – ………., ……., ……….. e ………….
Comunico que, por despacho do Senhor Vice-Presidente (…) de 30/07/2014, foi determinado notificar do acto de liquidação da taxa anual devida pela instalação e funcionamento de posto de abastecimento combustíveis sito na Rua …………, freguesia de Sandim, localizado em Zona ……., correspondente ao ano de 2014, no valor de €1 500 (mil e quinhentos euros), em conformidade com os valores previstos no artigo 29.º da Tabela Anexa ao Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas de Vila Nova de Gaia.
(…)
Mais comunico que da liquidação de tais tributos poderão, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, apresentar reclamação nos termos do n.º 2 do artigo 16 da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro.
Poderá ainda, em caso de indeferimento da reclamação, impugnar judicialmente tal decisão perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no prazo de 60 dias a contar do indeferimento, de acordo com o estabelecido no n.º 4 do mesmo artigo, sendo que a impugnação judicial depende de prévia dedução da reclamação, conforme previsto no n.º 5 da mesma norma (…) ” – cf. documento 1 da Petição Inicial, notificação constante de fls. 30 e 31 dos autos, numeração referente ao processo físico;
2. O aviso de recepção referente à notificação identificada em 2., foi assinado em 13.08.2014 – cf. aviso de recepção constante de fls. 3.1. do processo administrativo apenso aos autos;
3. Em 13.02.2015 a Impugnante requereu a revisão oficiosa do acto de liquidação das taxas referentes aos postos de combustíveis identificada em 1. – cf. carimbo aposto do rosto do sobrescrito de envio da respectiva Petição Inicial à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, constante do Processo Administrativo apenso aos autos
4. O pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação das taxas foi indeferido por deliberação de 01.06.2015 – cf. fls. 37 do processo administrativo apensos aos presentes autos;
5. Por ofício n.º 7984.15, datado de 04.06.2015, expedido sob a forma registada com aviso de recepção, a Direcção Municipal de Urbanismo e Ambiente, da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, comunicou à Impugnante o indeferimento do pedido de revisão oficiosa – cf. notificação de fls.41 a 43 do processo administrativo apenso aos autos;
6. O aviso de recepção identificado em 5., foi assinado em 08.06.2015 – cf. fls. 43.1 do processo administrativo apenso aos presentes autos.

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso jurisdicional é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos, 282.º, nºs. 5 a 7, do CPPT, 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 640.º, estes últimos do CPC de 2013, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e artigo 2.º, al. e), do CPPT, atentas as datas da prolação da sentença em crise e da apresentação do recurso jurisdicional.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, bem como as questões prévias suscitadas pelo recorrido, as matérias que cumpre decidir subsumem-se a saber se, tendo a decisão vertida na sentença julgado verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos tributários de liquidação de taxas devidas pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis:
i) o procedimento padece de nulidade por falta de notificação das alegações ao recorrido;
ii) o recurso é inadmissível, face ao seu valor;
iii) a decisão padece de erro de direito por ter julgado verificada a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação da taxa, por a Recorrente não ter reclamado previamente da mesma.
Vejamos.
No que tange à nulidade do procedimento:
Dúvidas não subsistem de que a falta de notificação das alegações ao recorrido constitui mera irregularidade nos termos previstos no artigo 195º, nº1, do CPC, subsidiariamente aplicável.
A notificação tinha como finalidade proporcionar ao recorrido o direito de defesa o qual é um direito fundamental que, tal como o direito de acção, integra o direito de acesso aos tribunais, pressupondo a sua garantia um acto que dê ao réu o conhecimento efectivo do acto que o podia prejudicar.
O acto fundamental de comunicação entre o tribunal e o recorrido in casu tinha uma dupla função de transmissão de conhecimento e de convite para a defesa.
Sendo o princípio do contraditório um dos princípios estruturantes do processo civil verdadeiramente integrando a sua espinha dorsal, constituindo uma regra com poucas excepções (cfr. artº 3º nº 2 do CPC), o acto de comunicação (omitido) em causa revestia-se de primordial importância pois que, ao rigor com que ela se efectuasse estavam incindivelmente ligadas a validade e regularidade da instância, por isso a lei a rodeando de tantas cautelas, disciplinando-a em pormenor pois constitui um acto essencial para efeitos de realização do princípio do contraditório, visto que dá à contraparte a oportunidade de defesa.
E tudo isso para que, caso o recorrido queira realmente defender-se, o possa fazer com toda a eficácia, deste modo se assegurando a igualdade das partes que também é princípio fundamental do processo, garantindo-se simultaneamente a independência e a equidistância em relação aos litigantes que o juiz deve guardar.
Mas a relevância do papel da notificação não vai ao ponto de a sua falta constituir uma nulidade insuprível.
Com o CPC actual essa falta é, como já dissemos, uma nulidade sanável bastando, para tanto, que a parte tenha intervindo no processo sem arguir logo a falta dela (artº 199º do CPC).
A tipicidade dos casos de nulidade dos atos vem enumerada no art° 195° CPC, segundo o qual:
“1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.”
Patenteiam os autos, em decorrência dos documentos a eles juntos, que, tendo sido apresentadas contra-alegações, em que o Município recorrido se pronunciou sobre o recurso interposto, suscitando questões prévias e contradizendo o alegado quanto ao mérito, como diz o EPGA, afigura-se que tal irregularidade não afecta a decisão a proferir, razão porque a mesma não colhe sendo, outrossim, de entender que não se justifica notificar também o recorrente para se pronunciar sobre a nulidade.
O certo é que existiu nulidade processual mas que, em nosso entender, não influi na decisão da causa pois não ficou coarctada ao recorrido a possibilidade de reagir ao recurso interposto.
Com efeito, a nulidade relatada e que no entender do recorrido foi cometida, só tem relevo em face da preterição do seu direito e interesse que pudessem ficar obstaculizados pela irregularidade em causa.
Destarte, impõe-se-nos concluir que o recorrido não foi devidamente notificado do requerimento de interposição do recurso existindo uma irregularidade processual que, no entanto, não prejudicou as suas possibilidades de defesa, o que não acarreta a anulação do processado subsequente e que se proceda à sua notificação e, outrossim, do próprio recorrente que também, em bom rigor, deveria então ser ouvido sobre a arguição sob análise.
Provando-se que o acto foi completamente omitido mas demonstrando-se que o recorrido chegou a ter conhecimento do teor do mesmo acto, não se se prova que foi prejudicada a sua defesa.
Neste ponto, o recorrente assenta o objecto da arguição no acto de processo que deveria ter sido observado, o que é, salvo o devido respeito, de todo, irrelevante na medida em que o juízo de apreciação sobre a validade dos actos praticados repousa na conformidade entre o que foi feito e o que é estatuído como formalidade na norma que rege o caso concreto.
Assim, a relação de adequação afere-se tendo em conta os actos que concretamente foram praticados e se mostram documentados no processo.
Conclui-se, em tal desiderato, que se deu pleno cumprimento ao princípio do contraditório que, como supra se afirmou, é a trave mestra do sistema processual civil e, segundo Lebre de Freitas (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C. P. Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96), é a garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
O que vale por dizer que, na acepção dada, não foi prejudicada a defesa do recorrido, volvendo espúrias as asserções por ele vertidas quanto aos efeitos da preterição da formalidade que sinaliza pois.

Termos em que não se verifica a nulidade em apreço.

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Da inadmissibilidade do recurso face ao seu valor

O recorrido também sustenta que o presente recurso é inadmissível face ao seu valor tendo em conta o disposto no artigo 105º da Lei Geral Tributária, na redacção dada pela Lei 82-B/2014, de 31 de Dezembro, segundo o qual a alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância e o nº 4 do artigo 280º do CPPT, na redacção dada pela mesma Lei, determinando que não cabe recurso das decisões dos tribunais de 1ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1ª instância.
Ora, aduz o recorrido, estas normas produzem efeito a partir de 01 de Janeiro de 2015 e a alçada dos tribunais de 1ª instância é de (euros) 5.000,00 e como a presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal em 09 de Julho de 2015 e foi-lhe fixado o valor de €1.500,00, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 280º do CPPT, conjugado com o artigo 44º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto, não cabe recurso da sentença proferida na presente impugnação judicial e, por isso, o recurso deve ser rejeitado, sob pena de violação destes normativos legais.
Porém, na senda do Ministério Público, também entendemos que tendo sido invocado no recurso interposto que o entendimento tido é contrário à jurisprudência do STA, no sentido da admissibilidade da revisão oficiosa das taxas municipais independentemente de ter sido anteriormente deduzida reclamação graciosa, mais se afigura não ser de obstar à admissibilidade do mesmo nos termos do artº 280º nº 1 do CPPT, aplicável em conjugação com o seu nº 5, por no caso resultar solução oposta “uma decisão de tribunal de hierarquia superior”.
Assim, sendo de considerar esta disposição como um meio que se impõe aplicar para a correcção da decisão proferida independentemente do valor, não obsta ainda ao conhecimento do recurso interposto que tenha sido indicado mais do que um acórdão do STA.
Termos em que não procede a questão suscitada, sendo admissível o recurso de cujo objecto cumpre conhecer.

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Da excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa

Como decorre das conclusões do recurso, o seu objecto cinge-se à questão de saber se a sentença errou no seu julgamento dando como verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra a liquidação da taxa devida pela instalação e funcionamento de postos de combustível.
Na verdade, na consideração de que resulta dos factos provados (Facto provado n.º1) que o ofício enviado à impugnante, referente à liquidação da taxa relativa ao funcionamento de posto de combustível, referia, expressamente, a necessidade de deduzir previamente reclamação, o julgador decidiu julgar verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos tributários de liquidação de taxas devidas pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis, e em consequência, absolveu o impugnado, Município de Vila Nova de Gaia da instância, com fundamento, no essencial, de que, encontrando-nos perante uma taxa municipal, a sua liquidação tem que obedecer aos normativos previstos no RGTAL, pois este regime enquanto lei especial, afasta o Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), só se aplicando subsidiariamente. Da interpretação integral do artigo 16.º do RGTAL resulta que a reclamação prévia é necessária, relativamente à (eventual) posterior impugnação judicial, constituindo aquela uma condição de admissibilidade desta, e, por sua vez de impugnabilidade da liquidação de taxas municipais.
Contra o assim fundamentado e decidido se insurge a recorrente para tanto se arrimando à doutrina que dimana do Acórdão deste STA de 10 de Julho de 2013, proferido no processo nº 0390/13 segundo a qual se deve concluir que o Tribunal a quo decidiu erroneamente ao considerar verificada a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dirigido pela Recorrente ao Município de Vila Nova de Gaia, relativamente à liquidação da taxa devida pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis que lhe foi ilegalmente efectuadas, pelo simples facto de não ter a Recorrente reclamado previamente da mesma e por isso deve por isso a sentença recorrida ser revogada, com a consequente baixa dos Autos ao Tribunal a quo para que se decida da materialidade da causa.
No entanto, com o fundamentado e decidido na sentença concorda o recorrido afirmando que não há dúvidas que nos encontramos perante uma taxa municipal e, por isso, tem que se obedecer aos normativos previstos no RGTAL, como lei especial que é. E, de acordo com o artigo 16º deste Regime a reclamação prévia é necessária à eventual impugnação judicial, constituindo uma condição de admissibilidade da mesma e de impugnabilidade da liquidação das taxas municipais.
Ora, aduz ainda o recorrido, esta necessidade foi levada ao conhecimento da impugnante/recorrente, uma vez que constava da notificação da liquidação vd. documento nº 2 junto com a petição e como a impugnante não deu cumprimento a esta exigência legal, isto é, não apresentou prévia reclamação dos atos de liquidação, estes são inimpugnáveis, como bem decidiu a sentença, aliás em conformidade com a lei e, por isso, não merece qualquer censura, devendo manter-se por válida e legal.
Conclui, por isso, que bem decidiu a douta sentença ao julgar verificada a excepção da inimpugnabilidade, e, não ocorrendo a violação de qualquer normativo deve a douta sentença manter-se por válida e legal.
O EPGA, pronunciando-se sobre o mérito do recurso, entende ser de admitir a revisão, nos termos do artigo 78º da LGT, independentemente de ser apresentada reclamação graciosa, tal como decidiu o Acórdão nº0390/13, de 10/07/2013.
E, na verdade, neste douto aresto foi tratada a questão sub judice em termos que acolhemos plenamente e, por isso, passamos excertar o seu discurso jurídico:
“7. Conforme acima referido, a decisão recorrida julgou intempestivo o pedido de revisão do acto de liquidação de taxa de ocupação da Via Pública, porque considerou que a revisão oficiosa por ilegalidade do acto de liquidação tem que ser precedida de reclamação graciosa necessária e autónoma, apresentada nos termos do artº 131º do CPPT, atendo ao disposto no artº 16º da Lei 53-E/2006, de 29/12.
Entendimento diferente tem a entidade recorrente - no que também é acompanhada pelo MºPº - com base na jurisprudência sedimentada neste STA, argumentando em síntese que no prazo de 4 anos contados da liquidação com base em erro imputável ao serviços pode o contribuinte solicitar a revisão do acto tributário mesmo que não tenha deduzido reclamação graciosa nos termos estatuídos no artº 131º do CPPT. Assim considera por tempestivo o pedido de revisão oficiosa efectuado no prazo de 4 anos após a auto liquidação.
Vejamos então qual o entendimento que colhe o apoio legal.

7.1.O artº 16º da Lei 53-E/2006 de 29/12 acima citado estabelece o seguinte:

“1 — Os sujeitos passivos das taxas para as autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação.
2 — A reclamação é deduzida perante o órgão que efectuou a liquidação da taxa no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação.
3 — A reclamação presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial se não for decidida no prazo de 60 dias.
4 — Do indeferimento tácito ou expresso cabe impugnação judicial para o tribunal administrativo e fiscal da área do município ou da junta de freguesia, no prazo de 60 dias a contar do indeferimento.
5 — A impugnação judicial depende da prévia dedução da reclamação prevista no nº 2 do presente artigo.”

No caso dos autos a recorrente não reclamou atempadamente da liquidação nos termos do normativo acima transcrito, pelo que perdeu o direito de impugnar judicialmente a mesma.
Porém, a recorrente requereu a revisão oficiosa da liquidação ao abrigo do artº 78º, nº 1 da LGT, que estabelece o seguinte:

“1- A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

Interpretando esta norma, vem este STA entendendo que o interessado pode pedir à Administração Tributária que proceda à revisão do ato tributário ao abrigo do artº 78º da LGT, ainda que não tenha feito anteriormente uso de outros meios de garantia ao seu dispor e, nomeadamente, se tiverem decorrido os prazos de reclamação ou de impugnação judicial.
Assim, e embora no caso estivesse em causa autoliquidação (o que no presente caso não ocorre, porque resulta do probatório que foram pelo município emitidas guias de pagamento), sobre esta questão ficou escrito o seguinte no recente acórdão de 29.05.2013 – Processo nº 0140/13:
“VIII. Conforme ficou escrito no Acórdão deste STA de 14.11.2007 – Processo nº 0565/07 (que acima também seguimos), o dever de a Administração concretizar a revisão de atos tributários, a favor do contribuinte, quando detetar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (artº 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei. (Neste sentido, pode ver-se o acórdão do S.T.A. de 11.05.2005, proferido no recurso n.º 319/05)
Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar de atos ilegais, dever esse que tem vindo a ser defendido por parte da doutrina (v, por exemplo, ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Atos administrativos, 2.ª edição, páginas 255-268, – MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, Considerações sobre a Reclamação Prévia ao Recurso Contencioso, páginas 12-14, PAULO OTERO, O Poder de Substituição em Direito Administrativo, volume II, páginas 582-583, – MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, páginas 613-614 e FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 463-465).
A revisão do ato tributário tanto antes da vigência do CPT, como durante a sua vigência, como depois da LGT, constitui, assim, um meio administrativo de correção de erros de atos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração.
O regime do artº 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroativa dos efeitos do ato. A esta luz, o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação).
Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de atos administrativos, mas esse reforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os atos de liquidação de tributos.
Embora o artº 78.º da L.G.T., no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.
Idêntica referência é feita no n.º 1 do artº. 49.º da L.G.T., que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do artº. 86.º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços».
É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).
Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do artº. 95.º da L.G.T. refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (artº. 268.º, n.º 4, da C.R.P.).
Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa”.
O que acaba de referir-se ficou também anteriormente escrito no Acórdão de 11.05.2005- Processo nº 0319/05, que resumiu tal entendimento da seguinte forma:
O artº. 78° da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
Todavia, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão.
Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade - art. 266°, n.° 2 da CRP.
Como se refere no Ac. do STA de 20/03/2002, rec 26.580:
Face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no art. 2° do mesmo código».
E, mais adiante: «é claro que a revisão do ato tributário, na sua dimensão de ato a favor do contribuinte, que é a dimensão que aqui importa ter em conta, acaba por implicar um alargamento do prazo de estabilidade da situação tributária a que se refere. Mas uma tal consequência não é uma objeção que o intérprete possa colocar ... pois a adoção, pelo legislador, da possibilidade de revisão do ato pressupõe exatamente o equacionamento dessa questão e a sua resolução no sentido de fazer, dentro de certos condicionalismos ... outros valores para além da segurança jurídica a prazo certo».
E de lei escrita.
Na verdade, o próprio art. 78°, n.° 6 refere o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.
E o art. 86°, n.° 4, al. a) do CPPT menciona o «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo».
É, aliás, no sentido exposto, a jurisprudência, que se crê uniforme, do STA. Cfr., por todos, os Acds. de 20/03/2002 citado, 19/11/2003 rec. 1181/03, 17/12/2002 rec. 1182/03, 29/10/2003 rec. 462/03, 02/04/2003 rec. 1771/02, 20/07/2003 rec. 945/03, 30/01/2002 rec. 26.231”.

8. Temos então que, no caso concreto, o nº 1 do artº 78º, parte final, estabelece que a revisão por iniciativa da administração tributária pode ter lugar no prazo de quatro anos após a liquidação.
Ora, podendo proceder oficiosamente a essa revisão, do mesmo modo deve a ela proceder por iniciativa e a pedido do contribuinte, pelas razões acima referidas – interesse público na eliminação da ilegalidade do ato tributário.
Concluímos então no sentido de que, tendo a recorrente formulado pedido de revisão oficiosa da autoliquidação no prazo de quatro anos previsto na parte final do nº 1 do artº 78º da LGT (v. nºs 2 e 6 do probatório), a entidade recorrida está obrigada legalmente a conhecer de tal pedido, pelo que a sentença recorrida tem de ser revogada.”
Estando em causa taxas municipais relativas à instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustível, a ora recorrente requereu em 13/02/2015 a “revisão oficiosa da liquidação”, após ter sido notificada da respectiva liquidação por carta registada com aviso de recepção que foi assinado em 13-08-2014.
Ora, tendo a revisão sido indeferida por deliberação notificada de semelhante forma, em 08-06-2015, não obsta à impugnação contenciosa do acto de indeferimento, a falta de apresentação de reclamação graciosa, nos termos previstos no artº 16º, nº5, do R.G.A.T.L. aprovado pelo DL 53-E/2006, de 29 de Dezembro.
Com efeito, o pedido apresentado configura-se como complementar dos meios de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, e não é de obstar a que se conheça da impugnação apresentada do seu indeferimento por se referir ainda à relação tributária estabelecida, à qual se aplica a LGT nos termos do artº 2º, al. b) do R.G.T.A.L..
É, pois, de admitir a revisão, nos termos do artº 78º da LGT, independentemente de ser apresentada reclamação graciosa, tal como foi decidido em caso semelhante no acórdão do STA acabado de citar e transcrever.
No mesmo sentido, pontificam, ainda, os acórdãos deste STA referidos nas doutas alegações da recorrente de 29 de Maio de 2013, proferido no recurso nº 0140/13 e de 10 de Julho de 2013, proferido no processo nº 0390/13 e o de 21/02/2018 prolatado no Processo nº. 01320/17, ambos publicados em www.dgsi.pt.
Por esse ângulo é forçoso concluir que o Tribunal a quo decidiu erroneamente ao considerar verificada a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dirigido pela Recorrente ao Município de Vila Nova de Gaia, relativamente à liquidação da taxa devida pela instalação e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis que lhe foi ilegalmente efectuadas, pelo simples facto de não ter a Recorrente reclamado previamente da mesma.
Por assim ser, deve a sentença recorrida ser revogada, com a consequente baixa dos autos ao Tribunal a quo para que o processo de impugnação corra os seus normais trâmites até que seja proferida sentença de fundo relativamente às questões de legalidade aí colocadas.

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3.- Decisão:

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que o processo de impugnação corra os seus normais trâmites até que seja proferida sentença de fundo relativamente às questões de legalidade aí colocadas.

Custas pela recorrida.
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Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Gustavo André Simões Lopes Courinha.