Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0499/17
Data do Acordão:12/20/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:CUSTAS
ISENÇÃO
FAZENDA PÚBLICA
Sumário:Nos processos instaurados em data anterior a 01.01.2004 a Fazenda Pública está isenta do pagamento de custas, ainda que se consigne na decisão a fórmula sintética e tabelar de “Custas pela Fazenda Pública”.
Nº Convencional:JSTA000P22718
Nº do Documento:SA2201712200499
Data de Entrada:04/28/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Supremo Tribunal Administrativo do Despacho de fIs. 1251 que determinou a rectificação da nota discriminativa de custas de parte, no que se refere ao cálculo de apuramento do valor devido a título de honorários, formulando, em alegações, as seguintes conclusões:
a. O presente recurso vem interposto do despacho proferido pela Exma.
Juiz do Tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte no processo à margem referenciado.
b. Destarte, salvo o devido respeito pela opinião sufragada na decisão ora recorrida, somos da opinião que a Meritíssima Juiz a quo fez uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, como infra melhor se exporá.
c. Considera, a Meritíssima Juiz no douto despacho aqui em crise, na parte que julga improcedente a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, que a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora,
d. Neste pendor, o thema decidendum, assenta em determinar se, nos processos instaurados antes de 01/01/2004, onde a FP se encontrava isenta de custas, a mesma é, apesar da isenção e enquanto parte vencida, responsável pelo pagamento de custas de parte à parte vencedora.
e. E também, subsidiariamente, e caso não proceda a 1ª das questões, se, integrando-se as custas de parte no âmbito da condenação judicial por custas, e não tendo a FP sido condenada em custas na 1ª instância, pode, ainda assim, ser responsabilizada pelas custas dessa mesma instância.
f. É nosso entendimento que não poderá ser assacada, à FP, qualquer responsabilidade pelo pagamento das custas de parte cujo pagamento vem solicitado nos autos.
g. Ora, in casu estamos perante uma impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRC referente ao exercício de 1997, tendo sido instaurada em 11 de março de 2003.
h. Assim sendo, à mesma aplica-se o CCJ, aprovado pelo DL 224-A/96 de 26/11, na redação anterior às alterações introduzidas pelo DL 324/03 de 27/12, dado que estas só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor [de acordo com o disposto no art.° 14.° deste último diploma].
i. Desta forma, deve atender-se ao previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do CCJ, que contém uma isenção subjetiva, quanto a custas, relativamente ao Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados.
j. Após a entrada em vigor do RCP, aprovado pelo DL 34/2008 de 26/2, a FP - atento o disposto no art.º 27.º deste diploma legal - continuou a beneficiar da referida isenção.
k. O mesmo se verificando, atualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei 7/2012 de 13/02, a qual, no n.º 4 do art.º 8.º, prevê que: "Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas." (sublinhado nosso).
l. Nesta senda, abrangendo o conceito de custas processuais, nos termos do disposto no art.º 529.º do CPC e no n.º 1 do art.º 3.º do RCP, a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte tal isenção terá, necessariamente, de implicar a não obrigação de pagamento de custas de parte nos presentes autos.
m. Ainda assim, caso assim não se considere, verifica-se que a FP não foi condenada em custas no segmento decisório da decisão proferida em 1.ª instância.
n. Significa isto que, abrangendo o conceito de custas processuais as custas de parte, e não tendo, a FP, sido condenada em custas nessa fase do processo, jamais poderia ser condenada ao pagamento de custas de parte no referente às taxas de justiça pagas pela impugnante em 1.ª instância (e compensação com honorários que cujo cálculo tivesse tal montante na sua base).
o. Em função do exposto, dúvidas não restam de que o despacho recorrido fez uma aplicação inadequada das normas que regem as custas processuais razão pela qual não merecerá ser confirmado.
Nestes termos e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, o douto despacho ora recorrido.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se da seguinte forma: "Pese embora em 1ª instância a FP tenha beneficiado da isenção de custas, por lhe ser aplicável o regime de isenção previsto no Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Dec.-Lei n° 29/98, de 11 de Fevereiro, a mesma é responsável pelo reembolso à parte vencedora, a título de custas de parte, da taxa de justiça por esta paga, atento o disposto no artigo 4º, nº 1, do CCJ, aplicável subsidiariamente (art. 2° do citado Regulamento).
E tendo sido condenada nas custas devidas em 2ª instância, a FP é igualmente responsável pelas custas de parte, que incluem a taxa de justiça paga pela Autora e aqui recorrida, e procuradoria, a liquidar pelo mínimo, nos termos dos artigos 33°, 40° e 41°, nº 2, do CCJ, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n° 324/2003, de 27 de Dezembro."

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

A questão que se coloca neste recurso passa por saber se nos processos instaurados em data anterior a 01.01.2004, como o dos autos, a Fazenda Pública é ou não devedora das custas -no seu conceito mais amplo- relativas aos processos em que litiga no caso de decair no todo ou em parte.
A questão surge porque na sentença proferida em primeira instância foi reconhecido que a mesma estava isenta de custas ao abrigo do disposto nos artigos 3°, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11/02, ex vi do artigo 14°, n.º 1 do DL n.º 324/03, de 27/12, enquanto que no TCA Sul, no acórdão que recaiu sobre o recurso interposto, se veio a consignar no tocante a custas "Custas pela Fazenda Pública".

Que nos processos instaurados em data anterior a 01.01.2004 a Fazenda Pública está isenta do pagamento de custas tem sido claramente dito por este Supremo Tribunal, por ser isso que resulta das normas aplicáveis, veja-se, por todos, o acórdão datado de 05.07.2017, recurso n.º 01405/16: Na verdade, no regime de custas anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro – diploma que introduziu alterações substanciais ao CCJ aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro -, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º daquele Código das Custas Judiciais (Como, aliás, já antes, e sucessivamente, constava do art. 3.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, do art. 5.º do Regulamento das Custas nos Processos das Contribuições e Impostos e do art. 2.º da Tabela das Custas no Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 42.150, de 12 de Fevereiro de 1959.).
As disposições que isentavam a Fazenda Pública de custas nos processos tributários foram revogadas pelo art. 4.º, n.ºs 4 e 5, do referido Decreto-Lei n.º 324/2003, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004 (cfr. art. 16.º, n.º 1, do mesmo diploma), deixando, desde essa data, a Fazenda Pública de beneficiar de isenção de custas.
No entanto, as alterações ao CCJ introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003 só são aplicáveis aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (cfr. o n.º 1 do seu art. 14.°), produzindo apenas efeitos, no que respeita às custas judiciais tributárias, a partir da data da transferência dos tribunais tributários para a tutela do Ministério da Justiça (cfr. art. 15.º, n.º 2), transferência que ocorreu na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, diploma legal que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (cfr. respectivo art. 18.º).
É certo que, entretanto, entraram em vigor o Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e a Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que introduziu alterações ao RCP, mas a situação - relativamente à manutenção da isenção subjectiva de custas de que beneficia a Fazenda Pública relativamente aos processos iniciados antes de 1 de Janeiro de 2004 – manteve-se inalterada, atento o disposto no art. 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 e no art. 8.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2012.
Portanto, sabendo nós, por ser incontrovertido, que os presentes autos deram entrada em juízo em data anterior a 31.12.2003, sempre a Fazenda Pública estaria isenta do pagamento das custas, tal como foi correctamente reconhecido na sentença proferida no TAF de Sintra.
A questão coloca-se na fase processual da conta uma vez que no TCA Sul se consignou que as custas seriam a cargo da Fazenda Pública -julgou-se verificada a inutilidade superveniente da lide em decorrência da prescrição da dívida-, colocando-se ainda a questão de saber se lhe incumbe ou não suportar as custas de parte.
Ou seja, não há dúvida que nos presentes autos as custas nunca deveriam ser imputadas à Fazenda Pública, independentemente do desfecho que viessem a ter, apenas se pretendendo fazê-la incorrer em tais custos pelo facto de se ter deixado consignado no TCA Sul que as custas seriam a cargo da Fazenda Pública (na verdade, no TAF de Sintra consignou-se que a mesma estava isenta das mesmas).
No entanto, tal asserção, sem qualquer outra explicação por parte dos julgadores, não implica que o caso se deva subsumir a regras jurídicas diferentes daquelas que efectivamente lhe devem ser aplicadas, ou seja, tal singela ″afirmação″ condenatória, não tem por virtualidade a revogação das normas legais aplicáveis ao caso dos autos, que continuam a ser as que determinam a isenção de custas da recorrente. Assim, e porque a elaboração da conta deve respeitar escrupulosamente o determinado na decisão pelo juiz, mas de forma conjugada com o determinado na lei, apenas se pode concluir que a Fazenda Pública haverá de pagar as custas que legalmente forem devidas, isto é, apenas e só aquelas que a lei colocar a seu encargo, se nenhumas coloca, nada deverá pagar.

Assim, no presente processo as custas não ficariam a seu encargo por força da lei, independentemente do desfecho dos próprios autos, onde se incluem as custas de parte uma vez que devem seguir a regra do disposto no artigo 4°, n.º 2 do CCJ (antes da alteração que lhe foi introduzida pelo DL n.º 324/2003) e, portanto, no seu cálculo meramente material não deverá ser feito apelo a normas inaplicáveis ao caso dos autos para tais efeitos. Quando se consignou que as custas ficariam a cargo da Fazenda Pública, sem qualquer outra explicação, apenas se quis indicar que as custas seriam pagas pela Fazenda Pública nos termos legais, nos termos determinados pela lei, nenhuma outra interpretação é consentida pela expressão usada no TCA Sul, cfr. artigos 236° e 238° do Código Civil.
Concluindo, assiste razão à Fazenda Pública quando pretende que na elaboração da conta de custas seja considerada a isenção legalmente estabelecida quanto a si, uma vez que a sua condenação em custas apenas abrange, naturalmente, aquela parte da qual não estiver isenta.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, em revogar o despacho recorrido no segmento em que impõe à Fazenda Pública o pagamento de custas em contrário das normas aplicáveis ao caso concreto que lhe concedem isenção subjectiva e objectiva.
Sem custas.
D.n.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2017. – Aragão Seia (relator) – António Pimpão – Francisco Rothes.