Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01231/16
Data do Acordão:11/25/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista se está em discussão a execução de decisão anulatória de recusa de pedido de inscrição como técnico oficial de contas, decisão proferida ainda no âmbito de aplicação da LPTA, e o acórdão recorrido, confirmando a sentença, se apresenta com sustentação consistente, não resultando dele, ainda, a resolução final sobre a solicitada inscrição.
Nº Convencional:JSTA000P21206
Nº do Documento:SA12016112501231
Data de Entrada:11/04/2016
Recorrente:ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.

1.1. A………… intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção executiva contra a Comissão de Inscrição da Associação de Técnicos Oficiais de Contas, requerendo:
«a) Ser a entidade executada condenada a praticar o acto da inscrição da requerente na CTOC, no prazo de 10 dias para cumprimento de tal condenação.
b) Caso assim, não se entenda, ser a entidade executada condenada a proceder à inquirição das testemunhas requerida no DOC.1 no prazo de 15 dias.
c) Serem os membros da Comissão de Inscrição da entidade executada condenados ao pagamento de € 45,00 (quarenta e cinco euros), a título de sanção compulsória por cada dia de atraso em relação ao prazo fixado para o cumprimento da sentença»

1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 07.10.2013 (fls. 120/129), decidiu:
«Por todo o exposto, ao abrigo do artigo 179.º CPTA, julga-se procedente a presente execução e, em consequência, decide-se:
i) Declarar a nulidade da deliberação da Comissão de Inscrição da então Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, de 08.02.2010, por incumprimento do Acórdão do Pleno da 1ª Secção do STA, de 19.03.2009;
ii) Determinar que a Comissão de Inscrição da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas emita nova deliberação, em substituição da que agora foi declarada nula, com vista a reapreciar e decidir o pedido de inscrição do aqui Exequente como técnico oficial de contas, respeitando as seguintes vinculações:
a. Deverá a Comissão de Inscrição da OTOC reabrir o respetivo procedimento na fase da instrução, permitindo ao interessado a produção de qualquer meio de prova, quer os documentos juntos com o pedido inicial, quer a inquirição das testemunhas arroladas no seu requerimento de 18.12.2009;
b. Concluída a instrução, deverá a Comissão de Inscrição da OTOC decidir o pedido do Exequente, apreciando e valorando toda a prova e tendo em consideração que as declarações modelos 22 de IRC e anexos C dos modelos 2 de IRS não são meios de prova preferenciais das situações reguladas na Lei n.º 27/98 e que qualquer outro meio de prova é válido para demonstrar e provar o requisito legal consistente em o interessado ter sido responsável direito por contabilidade organizada durante o período legalmente previsto.
iii) Fixar o prazo máximo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão para a prática do determinado em ii);
iv) Fixar uma sanção compulsória no montante de 45€ por cada dia de atraso no cumprimento da presente decisão, determinando-se, para o efeito, a notificação da Executada para, no prazo de 10 dias, identificar os titulares do órgão incumbido da prática do ato, ou seja, os membros da Comissão de Inscrição da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas».

1.3. Em recurso, o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 10.03.2016 (fls. 220/241), confirmou a sentença.

1.4. É desse acórdão que a demandada vem requerer a admissão de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA.

1.5. O demandante sustenta a não admissão da revista.

Cumpre apreciar e decidir.

2.
2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. Importa recordar o contexto em que decorreu o presente litígio.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, por sentença do 28.09.2007, concedeu provimento a recurso contencioso de anulação intentado pelo ora exequente e, em consequência, anulou a deliberação da Comissão de Inscrição da ATOC de 10.08.98, que recusara o seu pedido de inscrição.
A demandada interpôs recurso para este Tribunal que, por acórdão de 11.09.2008, processo n.º 0242/08 negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida. Recorreu, ainda, para o Pleno da Secção, com fundamento em oposição de julgados. Este, por acórdão de 10.03.2009, negou provimento ao recurso.

Após o trânsito em julgado do citado aresto, o interessado requereu ao Presidente da Comissão de Inscrição a sua inscrição como técnico oficial de contas. Solicitou «que na (re)apreciação do seu pedido de inscrição fosse tido em conta, além dos modelos 22, também a certidão emitida pelo Serviço de Finanças do Alvito, já junta a fls. 53 do processo instrutor, na qual se certifica que o requerente é responsável por contabilidades organizadas desde 1990 e, ainda, para o caso de não se considerar suficiente a prova documental carreada, que fossem inquiridas as seis testemunhas que identifica para o efeito» (ponto 5 da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido).
Em 08.02.2010, a Comissão de Inscrição da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas «deliberou, por unanimidade considerar não se encontrar demonstrado no procedimento que o requerente tenha sido responsável directo por contabilidade organizada durante o período de 3 anos, razão pela qual vai, de novo, mas com fundamentos adicionais, recusado o seu pedido de inscrição como Técnico Oficial de Contas».

As instâncias consideraram que não tinha havido execução do acórdão anulatório e consignaram a necessidade de nova deliberação, sob as vinculações que enunciaram.
A demandada entende, entre o mais, que «3. Aquilo que cumpria à recorrente era emitir novo acto que, sem incorrer na restrição dos meios de prova provocada pelo Regulamento de Inscrição, apreciasse o pedido de inscrição do recorrido com base em todos os meios de prova que este juntou ao seu pedido para prova dos requisitos da Lei n.º 27/98, de 3 de junho».

Notar-se-á, portanto, que não está em discussão que havia necessidade da prática de novo acto.
Ocorre é que a entidade demandada considera que com o acto novo que prolatou se encontra cumprido o acórdão exequendo; as instâncias julgaram que não.
O cerne do problema respeita a saber se do quadro da anulação resultava a necessidade de aceitação de outros meios de prova para além dos inicialmente apresentados, a aceitação dos meios de prova carreados pelo interessado, com vista a instruir a reapreciação do seu pedido de inscrição como técnico oficial de contas.
A decisão que no presente processo se visa executar é, conforme se disse, a tomada por este Supremo Tribunal no processo n.º 0242/08, que culminou, no acórdão do Pleno de 19.03.2009, em sede de oposição de julgados.
O acórdão sob recurso ponderou, entre o mais:
«Tem razão o Recorrido quando afirma que foi precisamente por efeito da restrição ilegal aos meios de prova que o acto de recusa de inscrição foi anulado, de modo que a execução da decisão anulatória implicaria, necessariamente, a admissão e a produção de toda a prova requerida (doc. 1 junto com a petição de execução) e não apenas a repetição da decisão através da apreciação da prova inicialmente apresentada e que, então, se conformava com o Regulamento da então ATOC, o que veio a ser tido por legalmente inadmissível.
Exemplo do acerto do decidido é o que se concluiu, em situação similar, no ac. do TCAN de 25.02.2010, proc. n.º 2526/08.9BEPRT: “Ora, como supra ficou referido, os documentos juntos pela recorrente não são extemporâneos pois, a decisão em execução, anulou a 1.ª deliberação, precisamente por terem sido limitados os meios de prova. Logo, tendo ilegalmente sido restringidos os meios de prova, a recorrente, uma vez anulado o acto que os restringiu, podia, como fez, apresentar novos meios de prova.”
Também o ac. do TCAN de 9.06.2011, proc. n.º 1375/06.3BEPRT:
“A questão que se coloca, pois, é a de saber se o efeito preclusivo do caso julgado formado sobre a decisão do TAC do Porto confirmada pelo STA, no âmbito do RCA nº985/98, apenas exigia que a Comissão de Inscrição apreciasse todos os meios de prova apresentados pelo autor aquando do primeiro requerimento de inscrição, e não os apresentados com o requerimento datado de 18.08.2005, ou, pelo contrário, impunha que essa Comissão tivesse em conta também estes últimos.
Resulta destes autos que o Regulamento que está na origem do vício de violação de lei limitativo dos meios de prova, foi emitido pela Comissão Instaladora da então ATOC antes da abertura do prazo para apresentação dos requerimentos de inscrição como TOC, sendo assim conhecido dos interessados aquando dessa apresentação. Aliás, neste caso sub judice, ele foi expressamente invocado perante o requerente M… na carta que lhe foi dirigida em 28.08.98. O que só pode significar que este requerente foi efectivamente limitado na sua possibilidade de apresentar os meios de prova dos requisitos exigidos pelo artigo 1º da Lei nº27/98 de 03.06.
Assim, considerar que o efeito preclusivo do caso julgado anulatório que se formou no RCA nº985/98 se limita à obrigação da Comissão de Inscrição apreciar todos os meios de prova apresentados aquando do primeiro requerimento de inscrição, mas não os apresentados com o requerimento de 18.08.2005, só poderá traduzir-se numa execução de julgado deficiente, porque apesar de reconhecer que ocorreu, no caso, uma limitação ilegal dos meios de prova, acaba por não permitir a sua ultrapassagem pelo requerente prejudicado. Ou seja, não obstante a ilegal limitação verificada, exige-se que apenas sejam considerados os meios de prova coados por essa limitação ilegal.
Não nos restam dúvidas, pois, sobre o âmbito do efeito preclusivo do caso julgado anulatório em causa: a sua execução exigirá que sejam apreciados todos os meios de prova apresentados pelo requerente, o que inclui os por ele apresentados já livre do espartilho imposto pelo Regulamento que ilegalmente o limitava, ou seja, os apresentados com o requerimento de 18.08.2005 (assim decidiu este TCAN, em processos substancialmente idênticos: AC TCAN de 25.02.2010, Rº2526/08, e AC TCAN de 27.05.2011, Rº597-C/98) […].”
Donde, tal como decidido no Tribunal a quo, no caso em presença o efeito anulatório conformativo do caso julgado – o seu alcance – impunha a retoma do procedimento com a sua adequada instrução com vista à tomada de nova decisão, o que necessariamente implicava que tivesse tido em consideração, não apenas a prova carreada com o requerimento inicial, mas também a prova testemunhal requerida naquele requerimento de 18.12.2009.
Dito de modo diverso, não basta para julgar devidamente executada a decisão anulatória que a ora Recorrente tivesse retomado “a apreciação do requerimento de inscrição apresentado pelo recorrido, praticando novo acto que, sem restringir a sua apreciação a qualquer meio de prova específico analisou todos os meios de prova apresentados pelo recorrido no seu pedido de inscrição” (conclusão 5. do recurso). Para assim não ser, teria antes que, tal como assinalado pelo Tribunal a quo, ter considerado que o julgado anulatório implicava a reabertura de uma nova fase de instrução, nomeadamente permitindo que o recorrido juntasse novos meios de prova (em sentido oposto à crítica efectuada na conclusão 8 do recurso); o que assumidamente não fez. Deste modo impõe-se sancionar positivamente a conclusão alcançada pela Mma. Juiz a quo, quando afirma que a execução devida do julgado anulatório, envolverá a instrução do procedimento, permitindo ao interessado a produção de qualquer meio de prova, quer os documentos juntos com o pedido inicial, quer a inquirição das testemunhas arroladas no seu requerimento de 18.12.2009.
Ou seja, a substituição do acto ilegal implica que a sua prática se desenvolva sem reincidência nas ilegalidades anteriormente cometidas, o que no caso presente não sucedeu. E, se em execução de sentença vierem a ser praticados actos em ofensa do caso julgado, então a sua nulidade deve ser declarada, como o foi na sentença recorrida».

Do transcrito resulta que a decisão sob recurso se apresenta sustentada e alicerçada em variada jurisprudência. Não se descortina erro na apreciação que fez do alcance da anulação do primitivo acto impugnado no recurso contencioso de anulação.
Portanto, o problema não se coloca nos termos que noutras ocasiões têm sido discutidos, que é o da possibilidade de apreciação em execução de vícios novos, de questões novas independentes (por isso, não é pertinente o exemplo trazido pela recorrente, do processo n.º 0114/09 deste Supremo Tribunal).
Nos termos do que foi apreciado, tratou-se, simplesmente, de verificar se o acto alegadamente cumpridor do acórdão anulatório o executava realmente.
E não se descortina, como se disse, falta de sustentação sólida na posição firmada pelas duas instâncias.
Assim, não se verifica clara necessidade da revista para melhor aplicação do direito.
Notar-se-á, mais, que uma das vertentes da alegação do recurso chama a atenção para o facto de se ter que ter em conta a natureza do recurso contencioso de anulação, que foi o vigente até 2004. Ora, essa chamada de atenção, revela, afinal, que se está já perante situações residuais.
Assim, não se descortina, também, a possibilidade de integração do caso, no tempo presente, em matéria de importância fundamental.
As demais questões que aqui não se discutiram expressamente não podem deixar de se encerrar nos limites de importância que acabou de se indicar. E deve lembrar-se que, enfim, nada se encontra ainda definitivamente decidido quanto à pretensão de base do requerente da execução, a sua inscrição na entidade ora recorrente.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 25 de Novembro de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.