Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:060/20.8BALSB
Data do Acordão:01/20/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REQUISITOS
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - De conformidade com o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo requisito para a sua admissibilidade a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.
III -Quando em ambas as decisões em confronto a diversa solução jurídica a que chegaram decorre da diversidade dos factos apurados e não de qualquer diversa solução jurídica, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos arts. 25º, nº 2 do RJAT - e no 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que inviabilizada está a possibilidade de tomar conhecimento do mérito do recurso.
IV- O que ocorre no caso concreto pois, ainda que se verifiquem aparentes semelhanças nas situações em causa, por estar em causa a tomada em consideração de elementos de exercícios anteriores, certo é que a análise e enquadramento do reporte de prejuízos é diverso do reporte do saldo do PEC, em razão da existência de créditos fiscais, assumindo cambiantes que por si só exigem e demandam soluções díspares, acrescendo que, enquanto da matéria de facto vertida na decisão arbitral recorrida, nas correcções realizadas pela AT esta entidade não põe em causa a veracidade dos investimentos realizados pelo sujeito passivo no ano de 2015 ou a sua comprovação e o correspondente benefício fiscal, no caso da decisão que serve de fundamento as correcções em sede de prejuízos fiscais dedutíveis têm subjacente a dúvida sobre a sua verificação e quantificação.
Nº Convencional:JSTA000P27057
Nº do Documento:SAP20210120060/20
Data de Entrada:07/01/2020
Recorrente:A………….– EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

A……………..– EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, S.A., melhor sinalizado nos autos, vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, nºs. 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 652/2019-T, de 06/05/2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou improcedente o Pedido de Pronuncia Arbitral apresentado pela ora Recorrente, com vista à obtenção da dedução no exercício de 2016, do valor do pagamento especial por conta (doravante, «PEC») referente ao ano de 2015, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2014-T, de 26/09/2014.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A……………- EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS, S.A., as seguintes conclusões:

1.ª O presente recurso vem interposto contra a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo arbitral tributário n.° 652/2019-T, em cujo âmbito aquele Tribunal entendeu «que o princípio do inquisitório [consagrado no artigo 58.° da LGT] não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários», julgando o «pedido de pronúncia arbitral improcedente, por não provado e, assim, absolvendo a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências».
2.ª Como resulta do disposto no artigo 25.°, n.°2, do RJAT e no artigo 152.° do CPTA (ex vi artigo 25.°, n.° 3, do RJAT), quando interposto de uma decisão arbitral, o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo deve ser admitido sempre que exista oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitrai ou acórdão proferido por um dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, e a decisão recorrida não perfilhar a jurisprudência consolidada mais recente deste último tribunal.
3.ª Ora, cotejando os pertinentes quadros factuais e normativos das decisões em confronto (ou seja, das prolatadas nos processos arbitrais tributários n.° 652/2019-T — a decisão arbitral recorrida — e n.° 90/2014-T — a decisão arbitral fundamento), verifica-se, em síntese:
i) Quanto à conduta do(s) respetivo(s) sujeito(s) passivo(s) de IRC:
a. Que na decisão arbitral recorrida esteve em causa a apresentação de uma declaração modelo 22 de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2016, em cujo âmbito se declarou um PEC reportável e dedutível à respetiva coleta de IRC que foi apurado tendo em consideração a situação tributária desse mesmo sujeito passivo no exercício anterior (relativamente ao qual, porém, o sujeito passivo não apresentou uma declaração de substituição ou qualquer outro meio de reação - cf. pontos d) a j) da matéria de facto assente na decisão arbitral recorrida);
b. Que, semelhantemente, na decisão arbitrai fundamento foi apreciada uma situação em que o respetivo sujeito passivo de IRC apresentou uma declaração modelo 22 de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2012, em cujo âmbito declarou prejuízos fiscais reportáveis e dedutíveis ao respetivo lucro tributável que foram apurados tendo em consideração a situação tributária desse mesmo sujeito passivo nos exercícios anteriores (relativamente aos quais, porém, o sujeito passivo não apresentou tempestivamente as respetivas declarações modelo 22 de IRC ou qualquer outro meio de reação — cf. pontos 27. e 33. da decisão arbitral fundamento);
(ii) Quanto à postura adotada pela Administração tributária em cada um dos casos:
a. Que na decisão arbitral recorrida a Administração tributária aceitou e tratou a declaração de substituição apresentada, corrigindo apenas o valor do PEC reportável e dedutível à respetiva coleta de IRC, observando, para o efeito, que «estando correta a liquidação de IRC do exercício de 2016, pretendendo a recorrente deduzir um valor superior de PEC neste exercício, o qual não é possível, na sequência dos valores declarados em 2015, considerando o sujeito passivo que esta declaração/liquidação não reflete de forma adequada a realidade, deveria também no que respeita ao período de 2015, ter substituído a declaração, deduzido reclamação graciosa ou revisão oficiosa» (cf. ponto j) da matéria de facto assente na decisão arbitrai recorrida);
b. Que na decisão arbitral fundamento, a declaração de substituição apresentada foi igualmente aceite e tratada pela Administração tributária, exceto na parte correspondente ao valor declarado a título de prejuízos fiscais reportáveis e dedutíveis ao respetivo lucro tributável, os quais foram corrigidos, verificando-se que «A AT na fundamentação da decisão de não aceitar os prejuízos fiscais em causa invocou a entrega não atempada das declarações de rendimentos dos períodos de 2010 e 2011» (cf. ponto 42. da decisão arbitrai fundamento);
iii) E, finalmente, quanto à questão decidenda submetida pelas entidades requerentes a cada um dos respetivos Tribunais Arbitrais:
a. Que na decisão arbitral recorrida a RECORRENTE alegou a violação, por parte da Administração tributária (aí requerida) e no âmbito dos procedimentos administrativos que antecederam o respetivo pedido de pronúncia arbitrai, do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT;
b. Que na decisão arbitrai fundamento «A Requerente invoca ainda a violação pela Requerida, no procedimento administrativo, do princípio do inquisitório» (cf. ponto 43. da decisão arbitral fundamento).
4.ª Foi, pois, perante tais - idênticos - quadros factuais e normativos, que a decisão arbitral recorrida entendeu «que o princípio do inquisitório não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários», declarando o respetivo pedido arbitrai improcedente, ao passo que a decisão arbitral fundamento se pronunciou no sentido de que «A inobservância dos deveres legais pela Requerente, que acima se apontou, não constitui motivo de dispensa de observância do princípio do inquisitório pela Requerida», concluindo, em consequência, que «a AT não realizou no procedimento todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, tendo violado o art. 58.° da Lei Geral Tributária» (cf. pontos 44. e 45. da decisão arbitrai fundamento).
5.ª Isto visto, verifica-se, pois, que ambas as decisões - decisão arbitral recorrida e decisão arbitral fundamento -, além de incidirem sobre idêntico contexto factual, trataram da mesma questão jurídica fundamental, tendo esta sido resolvida, numa e noutra, em sentido totalmente oposto; por outras palavras, impõe-se concluir que as duas decisões arbitrais enunciadas (a decisão arbitrai recorrida e a decisão arbitrai fundamento) se encontram em contradição sobre a mesma questão fundamental de direito (i. e., sobre o concreto alcance a conferir ao princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT), dando-se por verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso.
6.ª Finalmente, realça-se que a posição perfilhada na decisão arbitral recorrida não está de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, inexistindo qualquer Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em sentido igual ou sequer idêntico ao que foi seguido pelo Tribunal a quo na decisão arbitral.
7.ª Em face de tudo o que antecede, impõe-se a W. Excelências admitir o presente recurso, por se encontrarem verificados todos os requisitos prescritos pelo artigo 152.° do CPTA (ex vi artigo 25.° do RJAT) para o efeito, prosseguindo os presentes autos com a apreciação da invalidade da decisão proferida no processo arbitrai tributário n.° 652/2019-T.
8.ª Ora, o princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT faz impender sobre a Administração tributária, no âmbito do procedimento tributário, o efetivo dever de averiguar todos os factos necessários ou relevantes com vista à definição (parametrizada pelos princípios da legalidade e da imparcialidade) da concreta situação tributária dos respetivos sujeitos passivos, independentemente de tais factos serem favoráveis ou desfavoráveis aos interesses da Fazenda Pública {dever que, naturalmente, recrudesce nos casos em que a Administração tributária é convocada pelo contribuinte a fazê-lo).
9.ª Porém, no caso vertente, a Administração tributária, não obstante ter sido objetivamente confrontada por diversas vezes durante os procedimentos instaurados pela RECORRENTE com a possibilidade de subsistência de factos determinativos de uma desadequação entre o valor inicialmente declarado pela RECORRENTE a título de PEC dedutível no exercício de 2016 e a realidade, limitou-se a corrigir oficiosamente o valor declarado pela RECORRENTE sem realizar qualquer outra diligência tendente à descoberta da verdade material, dito de outro modo: a Administração tributária corrigiu acrítica e automaticamente o valor do PEC dedutível apurado na declaração modelo 22 de IRC de substituição relativa ao exercício de 2016, resguardando-se, para o efeito, no que considerou ser uma putativa falta - exclusivamente formal - de um pedido da RECORRENTE insuscetível de a constituir {i.e., a Administração tributária) no dever de promover uma tal análise.
10.ª A apontada atuação da Administração tributária consubstancia, por conseguinte, uma desconsideração liminar do dever que sobre si impendia de realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que devia assentar a sua decisão, violando, por esse motivo, o princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT.
11.ª Com efeito, a violação do princípio do inquisitório que impendia sobre a Administração tributária é, no caso concreto, especialmente reforçada pela verificação de inúmeras circunstâncias agravantes que impunham à Administração tributária a realização de uma análise mais detalhada da situação tributária da RECORRENTE, em particular:
i) A de a RECORRENTE ter manifestado a sua intenção de relevar os créditos fiscais resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados nos anos de 2015 e de 2016 no prazo de dois anos após a apresentação da primeira declaração modelo 22 de IRC do exercício de 2015 (ou seja, dentro do prazo de reclamação graciosa da liquidação de IRC de 2015) e no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal para apresentação da declaração modelo 22 de IRC do exercício de 2016 (cf. ponto d) da matéria de facto assente na decisão arbitrai recorrida);
ii) A de a Administração tributária ter identificado, em termos materiais, as pretensões manifestadas pela RECORRENTE - e os motivos que as justificavam - através da submissão da declaração modelo 22 de IRC de substituição no dia 31 de maio de 2018 (cf. ponto j) da matéria de facto assente na decisão arbitrai recorrida);
iii) A de a Administração tributária ter considerado, no apuramento da coleta do IRC devido no exercício de 2016, os créditos fiscais resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados pela RECORRENTE nos exercícios de 2015 e de 2016 (cf. ponto g) da matéria de facto assente na decisão arbitral recorrida);
iv) A de ainda se encontrar em curso - à data da tramitação dos procedimentos administrativos de reclamação graciosa de recurso hierárquico instaurados pela RECORRENTE - o prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC relativo aos exercícios de 2015 e de 2016, permitindo-se (rectius, impondo-se) à Administração tributária corrigir quaisquer desconformidades apuradas neste âmbito (cf. artigos 90.°, n.° 12, e 101.°, ambos do Código do IRC).
12.ª O mesmo é dizer, em suma, que, no caso concreto, a Administração tributária se encontrava legalmente habilitada - e, nessa medida, vinculada - a realizar todas as diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente ao pedido formulado — e corretamente compreendido pelos respetivos Serviços - na declaração de substituição apresentada pela RECORRENTE no dia 31 de maio de 2018, tanto mais que se encontrava em curso o prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC relativo aos exercícios de 2015 e de 2016 com a consequente faculdade de a Administração tributária poder corrigir quaisquer desconformidades que viesse a apurar neste âmbito (cf. artigo 90.°, n.° 12, do Código do IRC).
13.ª Consequentemente, a decisão arbitral recorrida, ao sufragar, neste caso concreto, que «o princípio do inquisitório não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários» (destacado da RECORRENTE), declarando o pedido arbitral improcedente, assentou em evidente erro sobre os pressupostos de direito, impondo a W. Excelências o reconhecimento da ilegalidade da decisão arbitral recorrida e, em consequência, dos atos tributários por ela mantidos na ordem jurídica, por violação do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT, bem como necessidade da sua anulação (o que se peticiona).
14.ª Por outras palavras - nas da decisão arbitral fundamento, que se recapitulam por uma última vez - , deverá considerar-se, no caso vertente, que «a AT não realizou no procedimento todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, tendo violado o art. 58.° da Lei Geral Tributária, o que constitui fundamento de ilegalidade do ato tributário, pois, como escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “(...) a falta de realização pela administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados de elementos probatórios necessários à instrução do procedimento, constitui vício deste, suscetível de implicar a anulação da decisão nele tomada”. Assim sendo, os atos de liquidação em apreciação não podem permanecer na ordem jurídica, impondo-se a sua anulação».
TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE, ANULANDO-SE A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, DECLARANDO-SE A ILEGALIDADE DOS ATOS TRIBUTÁRIOS CONTESTADOS NA PARTE EM QUE OS MESMOS TRADUZEM A CORREÇÃO REALIZADA PELA ADMINISTRAÇÂO TRIBUTÁRIA AO VALOR DECLARADO A TÍTULO DE PEC DEDUTÍVEL NO EXERCÍCIO DE 2016, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não se dever tomar conhecimento do recurso, no seguinte parecer:

“I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 152º do CPTA, por aplicação subsidiária, nos termos dos nº2 e 3 do artigo 25º do RJAT, na redação introduzida pela Lei nº 119/2019, de 18 de Setembro, tendo por objeto a decisão do CAAD proferida no processo nº 652/2019-T, que julgou improcedente o pedido formulado pela Recorrente, no sentido de ser atendido, para efeitos de dedução no exercício de 2016, do valor do PEC referente ao ano de 2015.
Considera a Recorrente que a referida decisão arbitral padece de erro sobre os pressupostos de direito e está em clara oposição com a jurisprudência vertida na decisão arbitral proferida no processo nº 90/2014, de 26 de Setembro de 2014, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e substituição por decisão que determine a anulação do ato tributário.
Para o efeito alega que «a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento se encontram em manifesta e evidente contradição quanto à apreciação judicativa que fazem do mesmo parâmetro normativo, ou seja, quanto à parametrização do alcance do princípio do inquisitório que, por força do disposto no artigo 58º da LGT, impende sobre a Administração Tributária no domínio do procedimento tributário».
Entende a Recorrente, citando diversa doutrina e jurisprudência, que «o referido princípio do inquisitório faz impender sobre a Administração Tributária, no âmbito do procedimento tributário, o efetivo dever de averiguar todos os factos necessários ou relevantes com vista à definição (parametrizada pelos princípios da legalidade e da imparcialidade) da concreta situação tributária dos respetivos sujeitos passivos, independentemente de tais factos serem favoráveis ou desfavoráveis aos interesses da Fazenda Pública (dever que, naturalmente, recrudesce nos casos em que a Administração Tributária é convocada pelo contribuinte a fazê-lo)».
Ora, diz a Recorrente, «a Administração Tributária, não obstante identificar os motivos subjacentes ao apuramento do valor do PEC declarado pela Recorrente na sua declaração modelo 22 de IRC de substituição do ano de 2016 (o direito aos créditos de RFAI não dedutíveis no exercício anterior), e de aceitar todos os outros valores declarados pela Recorrente nessa sede, se escusou a promover a análise dos factos determinativos da subsistência de uma tal desconformidade com a realidade para efeitos de confirmação do valor declarado pela Recorrente a título de PEC dedutível em 2016». O que no seu entendimento consubstancia «uma desconsideração liminar do dever que sobre si impendia de realizar das diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que devia assentar a sua decisão, violando, por esse motivo, o princípio do inquisitório consagrado no artigo 58º da LGT».
II. QUESTÃO PRÉVIA DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.1.1 Como é entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
1.2 No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam: - identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, e acórdãos do Pleno da seção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
2. Ora, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que não se mostram reunidos os pressupostos legais do recurso para uniformização de jurisprudência, conforme vem sustentado pela Recorrente, pois não estamos confrontados com situações de facto substancialmente similares.
É certo que em ambos os processos se suscitou a questão de saber se ao abrigo do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58º da LGT, se se impõe à Administração Tributária, para efeitos de liquidação de IRC de um determinado ano, a obrigação de averiguar e atender a elementos sobre a situação tributária do sujeito passivo em anos anteriores e que não foram objeto de declaração no prazo legal pelo próprio sujeito passivo, mas cuja ocorrência é suscitada pelo mesmo.
Na verdade, e conforme refere a Recorrente, enquanto na decisão recorrida, a propósito do acolhimento na declaração de IRC de 2016 de créditos fiscais decorrentes da aplicação do RFAI aos investimentos relevantes realizados em 2015, que não constavam das respetivas declarações oportunamente apresentadas pelo sujeito passivo, se considerou que « …o princípio do inquisitório não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários» , julgando desse modo improcedente o vício assacado ao ato tributário com base nessa omissão; Já na decisão que serve de fundamento, a propósito de prejuízos fiscais dedutíveis, considerou-se que « a inobservância dos deveres legais pela Requerente, …não constitui motivo de dispensa de observância do princípio do inquisitório pela Requerida.
Todavia a situação de facto configurada na decisão arbitral recorrida não se pode considerar substancialmente similar à configurada na decisão arbitral que serve de fundamento.
No caso da decisão arbitral recorrida está em causa a desconsideração pela Administração Tributária do valor do PEC que o sujeito passivo fez constar na declaração de 2016 para efeitos de dedução, a título de reporte do ano anterior (2015), e que este apurou tendo em consideração os créditos de imposto ao abrigo do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), mas que por lapso seu não fez constar da declaração do ano de 2015 (e que por esse motivo não foi apurado qualquer reporte de PEC nessa declaração para o exercício seguinte), nem corrigiu mediante a apresentação de declaração de substituição no prazo legal de um ano (artigo 122º, nº2, do CIRC).
Ou seja, como se deixou exarado na decisão arbitral recorrida, a questão que se coloca consiste em saber se a AT devia ter corrigido a conta-corrente do PEC em 2015, como se o benefício relativo ao RFAI respeitante aquele exercício tivesse sido declarado, do que resultaria um saldo maior de PEC a deduzir em 2016.
Já no caso da decisão arbitral fundamento estava em causa prejuízos fiscais dedutíveis que alegadamente teriam ocorrido em anos anteriores e nos quais não tinham sido apresentada declaração por parte do sujeito passivo, tendo as liquidações de IRC sido emitidas oficiosamente. E por outro lado o sujeito passivo apresentou uma declaração de substituição com valores substancialmente diversos da declaração apresentada anteriormente, circunstância relevada em sede da decisão arbitral que serve de fundamento, na qual se considerou que emergia «uma situação de dúvida objetiva, acerca da efectiva ocorrência dos prejuízos fiscais em causa, que deveria ter sido esclarecida no procedimento tributário».
Ora, as peculiaridades de cada uma dessas situações, independentemente do acerto ou não das decisões nelas tomadas, demanda diversos enquadramentos na apreciação da aplicação do princípio do inquisitório. Na verdade, ainda que se verifiquem aparentes semelhanças nas situações em causa, por estar em causa a tomada em consideração de elementos de exercícios anteriores, certo é que a análise e enquadramento do reporte de prejuízos é diverso do reporte do saldo do PEC, em razão da existência de créditos fiscais, assumindo cambiantes que por si só exigem e demandam soluções díspares.
Por outro lado, enquanto da matéria de facto vertida na decisão arbitral recorrida, nas correções realizadas pela AT esta entidade não põe em causa a veracidade dos investimentos realizados pelo sujeito passivo no ano de 2015 ou a sua comprovação e o correspondente benefício fiscal, já no caso da decisão que serve de fundamento as correções em sede de prejuízos fiscais dedutíveis têm subjacente a dúvida sobre a sua verificação e quantificação.
Afigura-se-nos, assim, que não se verificam os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência supra enunciados, motivo pelo qual o recurso não deve ser admitido.”

Notificada do Parecer do Ministério Público, a recorrente formulou a seguinte resposta:

“1. Como resulta do parecer a que se responde, o Digno Magistrado do Ministério Público vem pronunciar-se no sentido de que «não se verificam os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência (...), motivo pelo qual o recurso não deve ser admitido», na medida em que, afirma, «a situação de facto configurada na decisão arbitrai recorrida não se pode considerar substancialmente similar à configurada na decisão arbitrai que serve de fundamento».
2. Para o efeito, o Digno Magistrado do Ministério Público observa que «No caso da decisão arbitral recorrida está em causa a desconsideração pela Administração Tributária do valor do PEC que o sujeito passivo fez constar na declaração de 2016 para efeitos de dedução, a título de reporte do ano anterior (2015), e que este apurou tendo em consideração os créditos de imposto ao abrigo do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), mas que por lapso seu não fez constar da declaração do ano de 2015 (e que por esse motivo não foi apurado qualquer reporte de PEC nessa declaração para o exercício seguinte), nem corrigiu mediante a apresentação de declaração de substituição no prazo legal de um ano (artigo 122°, n°2, do CIRC). (...) Já no caso da decisão arbitral fundamento estava cm causa prejuízos fiscais dedutíveis que alegadamente teriam ocorrido em anos anteriores e nos quais não tinha sido apresentada declaração por parte do sujeito passivo, tendo as liquidações de IRC sido emitidas oficiosamente. E por outro lado o sujeito passivo apresentou uma declaração de substituição com valores substancialmente diversos da declaração apresentada anteriormente, circunstância relevada em sede da decisão arbitrai que serve de fundamento, na qual se considerou que emergia “uma situação de dúvida objetiva, acerca da efectiva ocorrência dos prejuízos fiscais em causa, que deveria ter sido esclarecida no procedimento tributário”».
3. À luz do que antecede, o Digno Magistrado do Ministério Público conclui que «as peculiaridades de cada uma dessas situações, independentemente do acerto ou não das decisões nelas tomadas, demanda diversos enquadramentos na apreciação da aplicação do princípio do inquisitório. Na verdade, ainda que se verifiquem aparentes semelhanças nas situações em causa, por estar em causa a tomada em consideração de elementos de exercícios anteriores, certo c que a análise e enquadramento do reporte de prejuízos é diverso do reporte do saldo do PEC, cm razão da existência de créditos fiscais, assumindo cambiantes que por si só exigem e demandam soluções díspares», observando ainda, mais adiante, que «enquanto da matéria de facto vertida na decisão arbitrai recorrida, nas correções realizadas pela AT esta entidade não põe cm causa a veracidade dos investimentos realizados pelo sujeito passivo no ano de 2015 ou a sua comprovação e o correspondente benefício fiscal, já no caso da decisão que serve de fundamento as correções cm sede de prejuízos fiscais dedutíveis têm subjacente a dúvida sobre a sua verificação c quantificação».
4. Sucede, porém, que o requisito de admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência - recortado em torno da subsistência de uma contradição quanto à mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e a decisão fundamento, nos termos prefigurados pelo artigo 152.° do CPTA - não exige, ao invés do que assume o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, que as situações de facto em confronto sejam absolutamente iguais.
5. Muito pelo contrário: o regime previsto no artigo 152.° do CPTA reclama, como vem observando este Supremo Tribunal Administrativo, que se verifique uma «identidade substancial quanto àquilo que é o núcleo essencial da situação litigiosa subjacente a cada uma das decisões cm confronto e sem o qual não poderemos afirmar que a contradição derivou tão-só duma divergente interpretação jurídica daquele mesmo quadro normativo», sendo «bastante a constatação de que o núcleo essencial dos comportamentos ou condutas concretas apresente essa mesma identidade, [ou seja,] que o mesmo, à luz da norma aplicável, se revele ou se apresente como substancialmente idêntico» (cf. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido, em 16 de dezembro de 2015, no Recurso n.° 0517/14).

6. Por outras palavras - ainda nas deste Supremo Tribunal Administrativo -, a subsistência de uma contradição quanto à mesma questão fundamental de direito «não é afetada pelo facto das realidades normativas e factuais subjacentes aos Acórdãos cm confronto serem diferentes uma vez que essa falta de sintonia factual c legislativa, que é real, não é decisiva para se afirmar a inexistência da requerida identidade material e normativa e, consequentemente, para se declarar a inexistência de oposição de julgados» (cf. Acórdão datado de 26 de fevereiro de 2015, proferido no processo n.° 01835/13).
7. Em consequência, permite-se concluir que a contradição quanto à mesma questão fundamental de direito deverá sobressair da identificação de interpretações jurídicas contraditórias ou divergentes no âmbito de quadros factuais e normativos materialmente (e não formalmente, como assume o parecer a que se responde) idênticos, ou seja, «os quadros normativos e as realidades factuais subjacentes àquelas decisões devem ser substancialmente idênticos» (cf. Acórdão datado de 25 de janeiro de 2018, proferido no processo n.° 01231/17).
8. Ora, no caso concreto, verifica-se, em termos objetivos e lineares, a subsistência de uma identidade material entre os quadros factuais - e respetivas questões decidendas - submetidoas à apreciação dos Tribunais arbitrais convocados nas decisões em confronto, de cuja análise se permite retirar, em síntese:
(i) Quanto à conduta do(s) respetivo(s) sujeito(s) passivo(s) de IRC:
a. Que na decisão arbitral recorrida esteve em causa a apresentação de uma declaração modelo 22 de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2016, em cujo âmbito se declarou um PEC reportável e dedutível à respetiva coleta de IRC que foi apurado tendo em consideração a situação tributária desse mesmo sujeito passivo no exercício anterior (relativamente ao qual, porém, o sujeito passivo não apresentou uma declaração de substituição ou qualquer outro meio de reação — cf. pontos d) a j) da matéria de facto assente na decisão arbitral recorrida);
b. Que, semelhantemente, na decisão arbitral fundamento foi apreciada uma situação em que o respetivo sujeito passivo de IRC apresentou uma declaração modelo 22 de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2012, em cujo âmbito declarou prejuízos fiscais reportáveis e dedutíveis ao respetivo lucro tributável que foram apurados tendo em consideração a situação tributária desse mesmo sujeito passivo nos exercícios anteriores (relativamente aos quais, porém, o sujeito passivo não apresentou tempestivamente as respetivas declarações modelo 22 de IRC ou qualquer outro meio de reação — cf. pontos 27. e 33. da decisão arbitral fundamento);
(ii) Quanto à postura adotada pela Administração tributária em cada um dos casos:
a. Que na decisão arbitral recorrida a Administração tributária aceitou e tratou a declaração de substituição apresentada, corrigindo apenas o valor do PEC reportável e dedutível à respetiva coleta de IRC, observando, para o efeito, que «estando correta a liquidação de IRC do exercício de 2016, pretendendo a recorrente deduzir um valor superior de PEC neste exercício, o qual não é possível, na sequência dos valores declarados em 2015, considerando o sujeito passivo que esta declaração/liquidação não reflete de forma adequada a realidade, deveria também no que respeita ao período de 2015, ter substituído a declaração, deduzido reclamação graciosa ou revisão oficiosa» (cf. ponto j) da matéria de facto assente na decisão arbitrai recorrida);
b. Que na decisão arbitral fundamento, a declaração de substituição apresentada pelo sujeito passivo de IRC foi igualmente aceite e tratada pela Administração tributária, exceto na parte correspondente ao valor declarado a título de prejuízos fiscais reportáveis e dedutíveis ao respetivo lucro tributável, os quais foram corrigidos, verificando-se que «A AT na fundamentação da decisão de não aceitar os prejuízos fiscais em causa invocou a entrega não atempada das declarações de rendimentos dos períodos de 2010 e 2011» (cf. ponto 42. da decisão arbitral fundamento).
(iii) E, finalmente, quanto à questão decidenda submetida pelas entidades requerentes a cada um dos respetivos Tribunais Arbitrais:
a. Que na decisão arbitral recorrida a RECORRENTE alegou a violação, por parte da Administração tributária (aí requerida) e no âmbito dos procedimentos administrativos que antecederam o respetivo pedido de pronúncia arbitrai, ao princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT;
b. Que na decisão arbitral fundamento «A Requerente invoca ainda a violação pela Requerida, no procedimento administrativo, do princípio do inquisitório» (cf. ponto 43. da decisão arbitral fundamento).
9. Foi, pois, perante tais — substancialmente idênticos — quadros factuais, que a decisão arbitral recorrida entendeu «que o princípio do inquisitório não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários», declarando o respetivo pedido arbitrai improcedente, ao passo que a decisão arbitral fundamento se pronunciou no sentido de que «A inobservância dos deveres legais pela Requerente, que acima se apontou, não constitui motivo de dispensa de observância do princípio do inquisitório pela Requerida», concluindo, em consequência, que «a AT não realizou no procedimento todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, tendo violado o art. 58.° da Lei Geral Tributária» (cf. pontos 44. e 45. da decisão arbitral fundamento).
10. Perante o que antecede, impõe-se concluir, contrariamente ao que veio sustentar o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, que ambas as decisões - i.e., tanto a decisão arbitral recorrida, como a decisão arbitral fundamento —, além de incidirem sobre um contexto factual idêntico nos termos prefigurados pelo artigo 152.° do CPTA, trataram da mesma questão jurídica fundamental (recortada em torno do alcance a conferir ao princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT), tendo esta sido resolvida, numa e noutra, em sentido totalmente oposto, dando-se por verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso.
11. A finalizar a presente resposta, resta destacar que a contradição invocada pela ora RECORRENTE no âmbito do presente recurso - e, nessa medida, submetida à apreciação judicativa do Supremo Tribunal Administrativo — se encontra delimitada em torno da parametrização do alcance do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT nos casos em que a Administração tributária desconsidera liminarmente, ao arrepio deste princípio, elementos declarados pelos sujeitos passivos respeitantes a exercícios passados (independentemente de os mesmos se considerarem, ou não, provados pela Administração tributária).
12. Com efeito, não está em discussão no presente recurso o ónus da prova no domínio tributário, mas apenas o dever que impende sobre a Administração tributária de, «no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (cf. artigo 58.° da LGT), apurando de forma imparcial a real situação tributária dos sujeitos passivos.
13. Nesta medida, a observação do Digno Magistrado do Ministério Público segundo a qual «enquanto da matéria de facto vertida na decisão arbitrai recorrida, nas correções realizadas pela AT esta entidade não põe em causa a veracidade dos investimentos realizados pelo sujeito passivo no ano de 2015 ou a sua comprovação e o correspondente benefício fiscal, já no caso da decisão que serve de fundamento as correções em sede de prejuízos fiscais dedutíveis têm subjacente a dúvida sobre a sua verificação e quantificação», é irrelevante para efeitos de apreciação da admissibilidade do presente recurso (devendo ser igualmente desconsiderada), já que, em qualquer um dos casos, o principio do inquisitório imporá à Administração tributária - conforme se pretende demonstrar no âmbito do presente recurso — O dever «de investigar c apurar o correto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos c, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades» (cf. Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo n.° 06883/13, datado de 06-08-2013).
TERMOS EM QUE, CONFORME INICIALMENTE PETICIONADO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE, ANULANDO-SE A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, DECLARANDO-SE A ILEGALIDADE DOS ATOS TRIBUTÁRIOS CONTESTADOS NA PARTE EM QUE OS MESMOS TRADUZEM A CORREÇÃO REALIZADA PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA AO VALOR DECLARADO A TÍTULO DE PEC DEDUTÍVEL NO EXERCÍCIO DE 2016, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

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Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão, tal como consta em www.caad.pt:
a) A Requerente, apresentou, no dia 31.05.2016, a sua declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC relativa ao exercício de 2015 (cf. Doc. 1);
b) No dia 19.05.2017, a Requerente apresentou uma declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2015; (cf. DOC. 2).
c) No dia 31.05.2017, a Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC relativa ao exercício de 2016; (cf. Doc. 3).
d) No dia 31.05.2018, a Requerente apresentou uma declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição relativa ao ano de 2016, refletindo o valor estimado dos créditos fiscais resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados nos períodos de tributação de 2015 e de 2016, tendo declarado na linha 742, do quadro 074, do anexo D à referida Modelo 22 de IRC, relativo ao RFAI, o seguinte: saldo não deduzido no período anterior - € 16.457,00; dotação do período - € 370.000,00; dedução do período - € 161.309,86; saldo que transita para período(s) seguinte(s) - € 225.147,14 (Doc. 4, esp. p. 11).
e) A Requerente inscreveu o valor de € 128.395,86 no campo referente ao pagamento especial por conta («PEC») dedutível no exercício de 2016 [cf. campo 356, do quadro 10, da mesma Modelo 22 de IRC de substituição (cf. p. 5 do cit. Doc. 4)].
f) Do cadastro da AT e do Saldo do PEC extrai-se, desde o ano de 2010 até o ano de 2018, a “conta corrente” com os seguintes PEC efetuados e deduzidos:
g) No dia 27.06.2018, a AT notificou a Requerente dos atos tributários de demonstração de liquidação de IRC n.°… e de demonstração de acerto de contas n.º 2018...relativos ao exercício de 2016, corrigindo-se, porém, o valor do PEC dedutível no exercício de 2016, mediante redução do valor declarado (de € 128.395,86) para o montante de € 66.085,81 (cf. cit. Doc. 5)
h) A Requerente apresentou, no dia 25.10.2018, Reclamação Graciosa contra os referidos atos tributários (cf. Doc. 7).
i) A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 28.10.2018, tendo a Requerente interposto Recurso Hierárquico contra a mesma (cf. cit. Doc. 7).
j) No dia 1 de julho 2019, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do Recurso Hierárquico. (cf. cit. Doc. 7)
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Na decisão arbitral fundamento foi dada como provada a seguinte matéria factual, tal como consta em www.caad.pt:

1. A Requerente é uma sociedade comercial que está licenciada, desde 10.10.2002, para o exercício da sua atividade, na Zona Franca da Madeira.
2. No dia 31.05.2013, a Requerente submeteu junto da Autoridade Tributária e Aduaneira a declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2012.
3. Esta declaração originou a liquidação de IRC nº 2013..., datada de 20.06.2013, com prejuízos fiscais de € 2.549.238,41 e nenhum imposto a pagar.
4. Este ato tributário foi comunicado à Requerente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, Imposto sobre o Rendimento, Av. Engenheiro Duarte Pacheco, 28, 1099-013 Lisboa, sendo a notificação assinada pelo Diretor-Geral dos Impostos, José António de Azevedo Pereira.
5. Na mesma notificação refere-se que o contribuinte “Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137º do CIRC e 70º e 102º do CPPT, contados continuamente após a data da presente notificação, a qual se considera efetuada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica ou, no caso de ausência de acesso à mesma, no 25º dia posterior ao seu envio”.
6. Com data de emissão de 1.06.2013 a foi enviada à Requerente pela Autoridade Tributária e Aduaneira uma notificação, assinada pela Diretora dos Serviços de IRC, ………….., comunicando a existência do seguinte erro na declaração Mod. 22 de IRC “D7E ANEXO –C PREENCHIDO E MATÉRIA COLECTÁVEL NULA”.
7. Na sequência desta comunicação, em 25.07.2013, a Requerente submeteu uma declaração de substituição modelo 22 de IRC, junto da ATA a qual foi aceite e identificada pelo nº....
8. Do confronto entre as duas declarações resultam as seguintes diferenças:
8.1-A primeira declaração apresenta um resultado líquido do período negativo de – 2.634.390,56 € enquanto a segunda apresenta um resultado positivo de 2.658.546,30 €.
8.2-A primeira declaração apresenta no campo 724 (“IRC e outros imposto incidentes sobre lucros”) o valor de zero enquanto a segunda apresenta um valor de 27.970,71 €.
8.3-A primeira declaração apresenta prejuízos fiscais de 2.549.238,41 €, enquanto a segunda apresenta um valor de zero prejuízos fiscais.
8.4-A primeira declaração apresenta zero de lucro tributável enquanto a segunda apresenta 2.771.670,16 € de lucro tributável.
8.5-A primeira declaração apresenta zero de prejuízos fiscais dedutíveis, enquanto a segunda apresenta 36.412.922,85 € de prejuízos fiscais dedutíveis.
8.6-A primeira declaração apresenta zero de prejuízos fiscais deduzidos enquanto a segunda apresenta 2.078.752,62 €.
8.7-A primeira declaração apresenta zero de matéria coletável enquanto a segunda apresenta 692.917,54 €.
8.8-A primeira declaração apresenta zero de coleta enquanto a segunda apresenta 27.716,70 €.
8.9-A primeira declaração apresenta zero de pagamento especial por conta enquanto a segunda apresenta 70.000,00 €.
8.10-A primeira declaração apresenta zero de retenções na fonte enquanto a segunda apresenta 7.124,45 €.
8.11-A primeira declaração apresenta zero de valor a recuperar enquanto a segunda apresenta 7.124,45 € de valor a recuperar.
9.Após a submissão da declaração de substituição Modelo 22, a Requerente foi notificada pela AT do ofício datado de 13.08.2013, assinada pela Diretora dos Serviços de IRC, …………., comunicando a correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis, respeitante ao período de 2012, de 2.078.752,62 € para 0,00 €.
10.Mais informou a AT que “Desta correção pode apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos e prazos previstos no artigo 137º do CIRC, quando a notificação lhe for notificada”.
11.Ao receber este ofício, a Requerente encetou diligências junto da AT no sentido de obter a fundamentação da recusa de dedução dos prejuízos fiscais indicados na declaração de substituição Modelo 22 do exercício de 2012.
12.Em resposta ao seu pedido de fundamentação, no dia 21.10.2013 a Requerente recebeu da Divisão de Liquidação da Direção de Serviços de IRC uma mensagem de correio eletrónico da autoria do Chefe de Divisão, ……….., com a seguinte informação:
1.As declarações periódicas de rendimentos modelo 22, relativas aos períodos de 2010 e de 2011, foram enviadas em 2013-03-25 e 2013-03-27, respetivamente, fora do prazo legal e encontram-se certas centralmente.
2.Apresentando as referidas declarações um resultado inferior ao valor apurado na primeira liquidação, promovido oficiosamente pela administração fiscal, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 90º do Código do IRC, não reúnem as mesmas condições para serem liquidadas.
3.Pode reclamar ou impugnar as referidas liquidações oficiosas nos termos e condições referidos no artigo 137º do Código do IRC.
4.Relativamente à declaração de rendimentos de 2012, o prejuízo fiscal inscrito no campo 320 do quadro 09 vai ser corrigido para o valor de 95.415,76 € resultante da soma do remanescente do prejuízo fiscal de 5.904,42 € de 2007 e 89.511,34 € de 2009.”
13.Em resultado deste entendimento, a Administração Fiscal e Aduaneira, através da Direção Geral dos Impostos, efetuou as liquidações ora contestadas, as quais consistem em ato de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nº 2013...e compensação nº 2013..., de 23.10.2013, bem como o ato de liquidação de juros compensatórios nº 2013...e do ato de liquidação de juros de mora nº 2013 ..., todos relativos ao exercício de 2012, no valor total 30.585,02 €.
14.A declaração modelo 22 do exercício de 2010 foi entregue no dia 25.03.2013 e a declaração respeitante ao exercício de 2011 foi submetida à AT no dia 13.12.2011 e substituída por outra no dia 27.03.2013.
15.Na declaração modelo 22 respeitante ao exercício de 2010 foi apresentado um prejuízo fiscal de 31.397.671,29 €.
16.Na primeira declaração modelo 22 de 2011 foi apresentado um prejuízo fiscal de 36.882.683,53 € e na segunda o prejuízo fiscal de 4.925.740,22 €.
17.Em ambos os casos, a não apresentação atempada da declaração levou a AT a efetuar liquidações oficiosas de IRC, nos termos do disposto no art. 90º, nº 1, al. b) do CIRC tendo, relativamente a 2010, sido emitida a liquidação oficiosa nº 2011..., datada de 30.11.2011 e relativamente a 2011 a liquidação oficiosa nº 2012…, datada de 20.11.2012, das quais não resultou qualquer imposto a pagar.
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que nos períodos tributários de 2010 e 2011 a Requerente teve prejuízos fiscais.
11.A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se no que respeita aos factos considerados provados, nos documentos juntos pela Requerente como documentos 1 a 12, não contrariados pelos elementos constantes do processo administrativo, nem impugnados pela Requerida.
A prova do facto número 1 resulta do documento nº 1 e das posições das partes expressas nos articulados; A prova do facto número 2 resulta do documento número 2; A prova do facto número 3 resulta do documento número 3; A prova do facto número 4 resulta do documento número 3; A prova do facto número 5 resulta do documento número 3; A prova do facto número 6 resulta do documento número 4; A prova do facto número 7 resulta do documento número 5; A prova dos factos constantes do número 8 resulta dos documento números 2 e 5; A prova do facto número 9 resulta do documento número 6; A prova do facto número 10 resulta do documento número 6; A prova do facto número 11 resulta do documento número 7; A prova do facto número 12 resulta do documento número 7; A prova do facto número 13 resulta especialmente do documento número 1 – notificação de liquidação endereçada à Requerente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, Imposto sobre o Rendimento, Av. Engenheiro Duarte Pacheco, 28, 1099-013 Lisboa, e assinada pelo Diretor Geral dos Imposto ……………., mas também de todos os demais documentos que sustentam a prova dos factos nºs 2 a 12 e que demonstram a intervenção da Requerida em todos os atos do procedimento que precederam as liquidações em causa; A prova do facto número 14 resulta dos documentos números 8, 9 e 10; A prova do facto número 15 resulta do documento número 9; A prova do facto número 16 resulta dos documentos número 8 e 10; A prova do facto número 17 resulta dos documentos números 11 e 12.


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2.2.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se «a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento se encontram em manifesta e evidente contradição quanto à apreciação judicativa que fazem do mesmo parâmetro normativo, ou seja, quanto à parametrização do alcance do princípio do inquisitório que, por força do disposto no artigo 58º da LGT, impende sobre a Administração Tributária no domínio do procedimento tributário».

Vejamos.

2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização

O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, nºs. 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 652/2019-T, de 06/05/2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela ora Recorrente, com vista à obtenção da dedução no exercício de 2016, do valor do PEC referente ao ano de 2015.
Invoca a recorrente oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2014-T, de 26/09/2014.
Neste Supremo Tribunal o Ministério Público sustenta, pelas razões constantes do seu douto Parecer supra transcrito e que infra se destacarão, que não se verifica um dos requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA: entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento inexiste, identidade de pressupostos de facto.
Reagindo contra o ponto de vista do Magistrado do Ministério Público, a recorrente sustenta, no essencial, que ambas as decisões - i.e., tanto a decisão arbitral recorrida, como a decisão arbitral fundamento —, além de incidirem sobre um contexto factual idêntico nos termos prefigurados pelo artigo 152.° do CPTA, trataram da mesma questão jurídica fundamental (recortada em torno do alcance a conferir ao princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT), tendo esta sido resolvida, numa e noutra, em sentido totalmente oposto, dando-se por verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso.
Importará, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1).
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, pags. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.°3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e tal como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsí.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.

2.2.2.- Da análise do caso concreto:

No caso sub judicibus, seguindo a resenha empreendida pelo EPGA no seu douto Parecer e concordando inteiramente com a solução ali propugnada, é por demais manifesto, contrariamente ao que demonstra a recorrente na sua resposta a tal apreciação, que a situação factual é dissemelhante em ambas as decisões.
Assim e na formulação efectuada pela própria recorrente, na decisão arbitral recorrida esteve em causa a apresentação de uma declaração modelo 22 de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2016, em cujo âmbito se declarou um PEC reportável e dedutível à respectiva colecta de IRC que foi apurado tendo em consideração a situação tributária desse mesmo sujeito passivo no exercício anterior (relativamente ao qual, porém, o sujeito passivo não apresentou uma declaração de substituição ou qualquer outro meio de reacção — cf. pontos d) a j) da matéria de facto assente na decisão arbitral recorrida).
Perante essa situação a AT aceitou e tratou a declaração de substituição apresentada, corrigindo apenas o valor do PEC reportável e dedutível à respectiva colecta de IRC, observando, para o efeito, que «estando correta a liquidação de IRC do exercício de 2016, pretendendo a recorrente deduzir um valor superior de PEC neste exercício, o qual não é possível, na sequência dos valores declarados em 2015, considerando o sujeito passivo que esta declaração/liquidação não reflecte de forma adequada a realidade, deveria também no que respeita ao período de 2015, ter substituído a declaração, deduzido reclamação graciosa ou revisão oficiosa» (cf. ponto j) da matéria de facto assente na decisão arbitral recorrida).
Reagindo contra o assim fundamentado e decidido, como se antolha claramente da decisão arbitral recorrida, a contribuinte e ora recorrente alegou a violação, por parte da AT e no âmbito dos procedimentos administrativos que antecederam o respectivo pedido de pronúncia arbitral, do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT.
Já no acórdão fundamento foi analisada uma situação em que o respectivo sujeito passivo de IRC apresentou uma declaração modelo 22 de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2012, em cujo âmbito declarou prejuízos fiscais reportáveis e dedutíveis ao respectivo lucro tributável que foram apurados tendo em consideração a situação tributária desse mesmo sujeito passivo nos exercícios anteriores em relação aos quais o sujeito passivo não apresentou tempestivamente as respectivas declarações modelo 22 de IRC ou qualquer outro meio de reacção — cf. pontos 27. e 33. da decisão arbitral fundamento).
A dita declaração de substituição apresentada pelo sujeito passivo de IRC foi também aceite e tratada pela AT, salvo na parte concernente ao valor declarado a título de prejuízos fiscais reportáveis e dedutíveis ao respectivo lucro tributável, os quais foram corrigidos, fundamentando a não aceitação dos ajuizados prejuízos fiscais com a entrega não atempada das declarações de rendimentos dos períodos de 2010 e 2011» (cf. ponto 42. da decisão arbitral fundamento).
Reagindo contra essa decisão, como flui cristalinamente da decisão arbitral fundamento a ali requerente invoca a violação, pela AT, no procedimento administrativo, do princípio do inquisitório (cf. ponto 43. da decisão arbitral fundamento).
Patenteia-se no requerimento recursório e na resposta da recorrente ao Parecer do Ministério Público um dissenso no que tange à in/verificação de quadros factuais substancialmente idênticos.
É assim que para a recorrente a decisão arbitral recorrida entendeu «que o princípio do inquisitório não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários», declarando o respectivo pedido arbitral improcedente, ao passo que a decisão arbitral fundamento se pronunciou no sentido de que «A inobservância dos deveres legais pela Requerente, que acima se apontou, não constitui motivo de dispensa de observância do princípio do inquisitório pela Requerida», concluindo, em consequência, que «a AT não realizou no procedimento todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, tendo violado o art. 58.° da Lei Geral Tributária» (cf. pontos 44. e 45. da decisão arbitral fundamento).
Partindo desse enquadramento e para divergir da posição amparada no Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, assevera a recorrente que ambas as decisões (recorrida e fundamento), não só incidem sobre um contexto factual idêntico nos termos previstos pelo artigo 152.° do CPTA, como trataram da mesma questão jurídica fundamental (recortada em torno do alcance a conferir ao princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT), tendo esta sido resolvida, numa e noutra, em sentido totalmente oposto, dando-se por verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso.
Porém e como já antecipámos, não logra acolhimento a tese da recorrente pelas precisas razões explanadas no douto Parecer do Ministério Público e que inteiramente se sufragam.
Na verdade, as situações de facto versadas nas decisões postas em confronto não são substancialmente similares, sem embargo de se reconhecer que em ambos os casos se levantou a questão de saber se ao abrigo do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58º da LGT, se impõe à Administração Tributária, para efeitos de liquidação de IRC de um determinado ano, a obrigação de averiguar e atender a elementos sobre a situação tributária do sujeito passivo em anos anteriores e que não foram objecto de declaração no prazo legal pelo próprio sujeito passivo, mas cuja ocorrência é suscitada pelo mesmo.
Com efeito e nas palavras da Recorrente, enquanto na decisão recorrida, a propósito do acolhimento na declaração de IRC de 2016 de créditos fiscais decorrentes da aplicação do RFAI aos investimentos relevantes realizados em 2015, que não constavam das respetivas declarações oportunamente apresentadas pelo sujeito passivo, se considerou que «…o princípio do inquisitório não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários», julgando desse modo improcedente o vício assacado ao ato tributário com base nessa omissão; Já na decisão que serve de fundamento, a propósito de prejuízos fiscais dedutíveis, considerou-se que «a inobservância dos deveres legais pela Requerente, …não constitui motivo de dispensa de observância do princípio do inquisitório pela Requerida».
O certo é que, em bom rigor, a situação de facto delineada na decisão arbitral recorrida não se pode considerar substancialmente similar à conformada na decisão arbitral que serve de fundamento.
É que, na primeira, controverte-se a desconsideração pela AT do valor do PEC que o sujeito passivo fez constar na declaração de 2016 para efeitos de dedução, a título de reporte do ano anterior (2015), e que este apurou tendo em consideração os créditos de imposto ao abrigo do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), mas que por lapso seu não fez constar da declaração do ano de 2015 (e que por esse motivo não foi apurado qualquer reporte de PEC nessa declaração para o exercício seguinte), nem corrigiu mediante a apresentação de declaração de substituição no prazo legal de um ano (artigo 122º, nº2, do CIRC).
Donde que é incontroverso, como de resto proclamado na própria decisão arbitral recorrida, que a questão debatida era a de saber se a AT devia ter corrigido a conta-corrente do PEC em 2015, como se o benefício relativo ao RFAI respeitante aquele exercício tivesse sido declarado, do que resultaria um saldo maior de PEC a deduzir em 2016.
A situação factual é inteiramente distinta da examinada na decisão arbitral fundamento na qual se questionavam prejuízos fiscais dedutíveis que alegadamente teriam ocorrido em anos anteriores e nos quais não tinham sido apresentada declaração por parte do sujeito passivo, tendo as liquidações de IRC sido emitidas oficiosamente, acrescendo que o sujeito passivo apresentou uma declaração de substituição com valores substancialmente diversos da declaração apresentada anteriormente, circunstância relevada em sede da decisão arbitral que serve de fundamento, na qual se considerou que emergia «uma situação de dúvida objetiva, acerca da efectiva ocorrência dos prejuízos fiscais em causa, que deveria ter sido esclarecida no procedimento tributário».
Daí que se apresente impreterível a asserção do EPGA de que “…as peculiaridades de cada uma dessas situações, independentemente do acerto ou não das decisões nelas tomadas, demanda diversos enquadramentos na apreciação da aplicação do princípio do inquisitório. Na verdade, ainda que se verifiquem aparentes semelhanças nas situações em causa, por estar em causa a tomada em consideração de elementos de exercícios anteriores, certo é que a análise e enquadramento do reporte de prejuízos é diverso do reporte do saldo do PEC, em razão da existência de créditos fiscais, assumindo cambiantes que por si só exigem e demandam soluções díspares.
Por outro lado, enquanto da matéria de facto vertida na decisão arbitral recorrida, nas correções realizadas pela AT esta entidade não põe em causa a veracidade dos investimentos realizados pelo sujeito passivo no ano de 2015 ou a sua comprovação e o correspondente benefício fiscal, já no caso da decisão que serve de fundamento as correções em sede de prejuízos fiscais dedutíveis têm subjacente a dúvida sobre a sua verificação e quantificação.”
Não sendo as realidades factuais subjacentes às decisões idênticas não será possível afirmar que tais decisões resultaram unicamente de uma divergente interpretação jurídica.
É, pois, patente que entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento inexiste, desde logo, identidade de pressupostos de facto, o que vale por dizer que inexiste qualquer contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
Radicando os distintos sentidos das decisões em confronto em diferentes valoração da prova produzida nos respectivos processos, no exercício do poder de livre apreciação que ao tribunal é conferido (art.607º, nº 5 CCivil), na esteira do Acórdão do Pleno desta Secção de Contencioso Tributário de 27.06.2018, proferido no Recurso n.º 165/18 (Em sentido idêntico se pronunciaram os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 06.06.2106, recurso 63/16 e de 14.12.2016, recurso 535/16), «as questões de valoração da prova não podem servir de fundamento ao recurso para uniformização de jurisprudência.
A oposição entre os arestos situa-se num plano simplesmente de facto (…).
Essa discrepância verifica-se em sede de julgamento de facto, pelo que não pode afirmar-se que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, divergência essa que poderia servir de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência.»
Não se verificam, pois, os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA, nomeadamente a existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, pelo que não deve tomar-se conhecimento do presente recurso.


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3.- Decisão

Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela recorrente.

Comunique-se ao CAAD.

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Lisboa, 20 de Janeiro de 2021

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José Gomes Correia (relator) * – Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Joaquim Condesso -Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz- Paulo José Rodrigues Antunes- Gustavo Lopes Courinha – Paula Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro- Anabela Ferreira Russo.


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Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art.3º do DL nº 20/2020, de 1/5, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.