Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02478/13.3BEPRT
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
FARMÁCIAS
Sumário:É de admitir revista do acórdão confirmativo da sentença que manteve o acto que admitira a abertura e a transferência de uma farmácia, nos termos do artigo 6º do DL nº 171/2012, por a aplicação e interpretação deste preceito suscitar dúvidas pertinentes, tendo a questão inegável relevância jurídica.
Nº Convencional:JSTA000P31878
Nº do Documento:SA12024020102478/13
Recorrente:AA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA SAÚDE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
AA, Autora nos autos, recorre de revista do acórdão do TCA Norte de 13.09.2023 [complementado pelo acórdão de 15.12.2023 que indeferiu a arguição de nulidades] que decidiu negar provimento ao recurso interposto pela Autora da sentença do TAF do Porto que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada contra o Ministério da Saúde e o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (doravante Infarmed), indicando como contra-interessado BB.
Na sua revista, interposta nos termos do art. 150º do CPTA, alega que neste recurso está em causa questão com relevância e complexidade jurídicas, sendo a revista necessária para uma melhor aplicação do direito.

O Ministério da Saúde apresentou contra-alegações invocando a inadmissibilidade da revista ou a sua improcedência.

O Contra-Interessado nas suas contra-alegações invoca a inadmissibilidade da revista ou a sua improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Autora intentou a presente acção contra o Ministério da Saúde e o Infarmed com vista à declaração de nulidade ou anulação do Despacho do Secretário de Estado da Saúde de 02.11.2012 que autorizou, nos termos da deliberação do Conselho Directivo do Infarmed, nº 142/CD/2012, de 25.10.2012 ao contra-interessado, a abertura com transferência de localização para a freguesia ..., da farmácia ..., como a condenação dos réus ao pagamento de uma indemnização.

Está em causa nos autos terem a Autora e o Contra-Interessado participado num concurso com vista à instalação de uma farmácia, sendo que este já era proprietário de uma farmácia há mais de 10 anos. Tendo obtido vencimento no concurso, foi forçado a abdicar do alvará da farmácia que já tinha, para instalar a farmácia que ganhou através do concurso, por, ao tempo, a propriedade das farmácias estar condicionada a um estabelecimento de farmácia por farmacêutico.
Porém, o alvará da farmácia veio a ser anulado, sendo ordenado o encerramento daquela na subsequente reconstituição do concurso, ficando o Recorrido também sem direito à farmácia que instalou no âmbito do concurso, tornando-se a A. a vencedora do concurso (do qual o Recorrido foi excluído). Surgiu, entretanto, o DL nº 171/2012, de 1/8, que na norma transitória do art. 6º contemplou situações como a do Recorrido, permitindo que o membro do Governo responsável pela área da saúde, mediante proposta do Infarmed, autorizasse «a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento de uma farmácia», desde que respeitados os condicionalismos estabelecidos no referido preceito, vindo a ser proferido o acto administrativo impugnado nos autos.
É àquele acto e ao próprio art. 6º do DL nº 171/2012 que a Autora imputa diversas ilegalidades.

O TAF do Porto por sentença de 30.12.2016 julgou totalmente improcedente a acção administrativa intentada pela Autora.

O TCA Norte, para o qual a Autora apelou, pelo acórdão recorrido entendeu que a sentença devia manter-se.

A A./Recorrente, não se conforma com esta decisão, imputando-lhe as nulidades previstas no nº 1, alíneas c) e d) do art. 615º CPC - a segunda por omissão de pronúncia por não ter sido apreciada pelo acórdão a conformidade constitucional material do art. 6º do DL nº 171/201 – com os arts. 13º, 22º, 111º, nº1 e 205º, nº 2 da CRP (propugnando pela sua desaplicação). Imputa ainda erros de julgamento ao acórdão, em síntese: i) na contagem do prazo de 90 dias previsto na norma (ao qual o acórdão entendeu ser aplicável o disposto no art. 72º do CPA), defendendo ter o acto sido praticado fora do prazo de vigência da norma de que dependia a sua validade, sendo, portanto, nulo; ii) bem como na própria qualificação jurídica do referido preceito que, conforme alega, seria um acto materialmente administrativo (e não uma norma jurídica); iii) erro no que se refere aos pressupostos de facto e de direito, não estando em causa situação necessitada da protecção decorrente da tutela da confiança, nem se verificando quaisquer «legítimas expectativas» criadas ao contra-interessado beneficiário do acto posteriormente anulado; iv) desrespeito pelo caso julgado, sendo o acto impugnado nulo, nos termos dos arts. 158º, nºs 1 e 2 do CPTA e 133º, nº 2, al. h) do CPA.
As instâncias decidiram as questões de forma consonante, mas controversa.
Ora, as questões suscitadas na revista têm inegável relevância jurídica, colocando dúvidas pertinentes, desde logo quanto à invocada nulidade por omissão de pronúncia do acórdão, bem como igualmente quanto à interpretação e aplicação do art. 6º do DL nº 171/2012.
Assim, colocando-se questões com relevância jurídica, tal reclama uma reapreciação deste Supremo Tribunal, para uma melhor dilucidação das mesmas, sendo de admitir a revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.