Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0827/21.0BELSB
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROCEDIMENTO CAUTELAR
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito como por não se vislumbrar a sua importância fundamental.
Nº Convencional:JSTA000P28813
Nº do Documento:SA1202201130827/21
Data de Entrada:12/21/2021
Recorrente:A.........
Recorrido 1:CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A……….. - «requerente cautelar» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão deste «recurso de revista» do acórdão do TCAS, de 20.10.2021, que negou provimento à sua apelação, e, embora com diferente fundamentação, manteve a sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a sua pretensão cautelar - intentada contra o CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS [CEJ] - de suspensão de eficácia do despacho de 03.05.2021 do Director do CEJ que determinou a sua exclusão do concurso para ingresso no 37º curso normal de formação de magistrados para os tribunais judiciais.
Defende que a revista interposta - que pretende ver admitida - é necessária face à «relevância jurídica e social do caso» e à «necessidade de uma melhor aplicação do direito».

O recorrido - CEJ - por sua vez defende a «não admissão da revista», entendendo não estarem preenchidos, no caso, os pressupostos legalmente exigidos para o efeito, e informou - comprovando - que o «processo principal» - acção administrativa de contencioso de massa nº950/21.0BELSB - já tinha obtido sentença que a julgara totalmente improcedente.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Pelo acto suspendendo - despacho de 03.05.2021 do Director do CEJ - o requerente cautelar - juiz de direito a quem foi aplicada, em Dezembro de 2015, a pena disciplinar de «demissão» - foi excluído da candidatura ao CEJ por não reunir os requisitos necessários [artigo 106º, nº2, do MJ].

A pretensão cautelar «suspensiva» foi-lhe negada pelo tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - por falta de verificação do «indispensável requisito» - que apreciou «à cabeça» - do periculum in mora - artigo 120º, nº1, do CPTA.

Apreciando a apelação do requerente cautelar o tribunal de 2ª instância - TCAS - negou-lhe provimento, e manteve a sentença recorrida embora com diferente fundamentação, isto é, revogou o julgamento acerca do periculum in mora mas julgou não verificado o indispensável pressuposto do fumus boni juris - artigos 120º, nº1, e 149º, nºs 2 e 3, do CPTA.

O acórdão recorrido enquadrou, apreciou e decidiu a questão do fumus boni juris assim: «A tese do recorrente quanto a este requisito é desprovida de base que a sustente. Vejamos porquê. Invoca a desconformidade do artigo 106º, nº2, do EMJ, com a CRP, por contender com os artigos 1º [que impõe o respeito pelo princípio da dignidade humana],[que consagra o princípio do Estado de direito democrático], 18º, nºs 1 e 2 [princípios da necessidade e da proporcionalidade], 30º, nºs 1 e 4, [proibição de penas com carácter perpétuo e proibição de uma pena envolver como efeito necessário a perda de direitos civis e profissionais], 47º [liberdade de escolha de profissão e de acesso à função pública], 50º, nºs 1 e 2 [direito de acesso a cargos públicos e proibição de se ser prejudicado pelo desempenho de cargos públicos] e 58º [direito ao trabalho], da CRP, elegendo-a como a grande questão que se coloca nestes autos apensos e também nos autos principais. Sucede que esta magna questão por si eleita tem como questão prévia saber se a pena de demissão aplicada ao recorrente transitou em julgado. E no âmbito da apreciação perfunctória que nestes autos se impõe concretizar, tal questão merece uma resposta claramente positiva. Como é inequívoco decorrer do processo administrativo instrutor junto aos autos. No âmbito do processo nº10/16.6YFLSB, que correu termos no Supremo Tribunal de Justiça, o requerente apresentou recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura de 21.12.2015, em que, designadamente, se decidiu aplicar-lhe a pena de demissão. Por acórdão datado de 22.02.2017 […], o STJ julgou procedente o recurso no segmento em que se reporta à deliberação que apreciou a questão da prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos exclusivamente apreciados no processo disciplinar nº290/14-PD, e julgou em tudo o mais improcedente o recurso. O requerente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão, na parte em que negou provimento ao recurso por si interposto e confirmou a deliberação do Conselho Superior da Magistratura [CSM] que lhe impôs a pena disciplinar de demissão. Através do acórdão nº432/2019, de 15.07.2019 […], o TC decidiu não conhecer do recurso interposto. O requerente veio reclamar e arguir diversas nulidades deste acórdão, tendo o TC, através do acórdão nº571/2019, de 17.10.2019 […], decidido indeferir a arguição de nulidade. O requerente veio deduzir nova arguição de nulidade deste acórdão, tendo o TC, através do acórdão nº657/2019, de 13.11.2019 […] decidido: a) ordenar a extracção de traslado, para nele serem processados os termos posteriores do recurso, instruído com o Acórdão nº432/2019 e processado subsequente; b) Nos termos dos nºs 2 e 5 do artigo 670º do CPC, aplicável por remissão do artigo 84º, nº8 da LTC, determinar que os autos sejam imediatamente remetidos ao tribunal recorrido, considerando-se, para todos os efeitos, transitado em julgado o acórdão 571/2019. O requerente veio então apresentar requerimento no processo nº10/16.6YFLSB, pedindo se declare prescrito o processo disciplinar 155/2015-PD, tendo o Conselheiro Relator proferido despacho em 29.07.2020 […], no qual verificou o trânsito em julgado do acórdão de 22.02.2017, mostrar-se esgotado o poder jurisdicional, razão pela qual não se conheceu do requerimento apresentado. O requerente apresentou reclamação deste despacho para a conferência, tendo o STJ, através de acórdão de 24.11.2020 […], indeferido a mesma. O requerente propôs no STJ acção administrativa contra o CSM, processo nº2/21.3YFLSB, estando ainda pendente no TC o processo nº448/21, do TC, que se encontram pendentes. Ora, de toda a descrita litigiosidade um ponto é inelutável: invocando o disposto no artigo 670º, nºs 2 e 5, do CPC [defesa contra as demoras abusivas], aplicável ex vi artigo 84º, nº8, da LTC, considerou transitado em julgado o acórdão do TC que negou provimento ao recurso do acórdão do STJ de 22.02.2017. Vale isto por dizer que este aresto, que manteve a pena de demissão ao recorrente, transitou em julgado. No mais, a invocada desconformidade do artigo 106º, nº2, do EMJ, com princípios constitucionais carece de densificação mínima. […] Impõe-se, pois, concluir, que inexiste a aparência do bom direito invocado pelo recorrente, antes é manifesta a improbabilidade de procedência da acção principal».

É deste julgamento que o requerente cautelar novamente discorda, e, nesta «revista» aponta-lhe erro de direito, porque defende que, ao contrário do entendido no acórdão recorrido, existe uma aparência de «bom direito» relativamente à desconformidade dos artigos 106º nº2, do EMJ [na redacção aprovada pela Lei nº67/2019, de 27.08], e 242º nº2, do EMP [na redacção aprovada pela Lei nº68/2019, de 27.08], com os indicados artigos constitucionais, a que acrescenta, agora, os artigos 43º [liberdade de aprender], e 122º [elegibilidade do Presidente da República] da CRP.

Para além disso, o ora recorrente invoca nas suas alegações de «revista» uma alegada nulidade processual - artigos 3º, nº3, e 195º, nº1, do CPC, ex vi 1º do CPTA - que consubstancia no facto de - diz - o tribunal de apelação ter acrescentado novos factos sem ter permitido o contraditório sobre eles. Refere-se, essencialmente, ao uso que no «acórdão recorrido» foi feito dos «acórdãos do STJ e do TC» que constam do PA.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.

No presente caso, constatamos que as instâncias, embora por razões diversas, foram unânimes no julgamento de improcedência da pretensão cautelar, decisão esta que se encontra corroborada - ao momento - pelo julgamento de improcedência da acção principal.

Analisada a «apreciação perfunctória» que o acórdão recorrido fez sobre o requisito do «bom direito», e que o ora recorrente põe em causa, impõe-se concluir que ela se nos apresenta como lógica, fundamentada, razoável e «juridicamente aceitável», pelo que não emerge, nos termos assinalados, a «clara necessidade de uma melhor aplicação do direito». A que acresce que no domínio da tutela cautelar importa ser mais exigente relativamente às situações em que se justifica a intervenção deste STA, já que nesta sede, o «tribunal de revista» não emite pronúncia vocacionada para constituir a última palavra sobre as questões jurídicas suscitadas, quando elas são - ou possam ser - colocadas no âmbito do processo principal. Razão que aconselha a que a discussão jurídica se quede pelos dois graus de jurisdição em que se desenrola normalmente o contencioso administrativo. Deste modo, e com todo o respeito pelo dissenso do actual recorrente, não se apresenta, com base neste pressuposto, «justificada a admissão da revista», pois que - sublinhamos - o acórdão recorrido, na «apreciação impugnada», não ostenta qualquer erro grosseiro, ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.

A jurisprudência desta «Formação» tem considerado também, que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência ou da doutrina. E que a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

No presente caso as questões suscitadas não se apresentam como deveras complexas, atendendo a que delas se pedia um julgamento perfunctório e se apresentam, como já dissemos, resolvidas através de solução jurídica, lógica e aceitável. E também, atentas as particularidades muito concretas do caso, uma eventual decisão a proferir pelo STA sobre elas não estaria vocacionada para ser uma decisão paradigmática.

Diga-se, ainda, relativamente à «nulidade processual» também alegada na revista, que ela não é susceptível de escapar ao coador dos respectivos «pressupostos de admissão deste recurso», sob pena de «os mesmos» serem facilmente contornados, e resultar enviesada a finalidade da norma [artigo 150º, nº1, do CPTA]. E a verdade é que tal nulidade, reduzindo-se à utilização - pelo tribunal de apelação - de elementos relativos a arestos do STJ e TC - que constam do PA - reconduz-se a uma questão sem grande «relevância jurídica».

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto por A………...

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de janeiro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.