Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0354/18.2BEALM
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito como por não se vislumbrar a sua importância fundamental.
Nº Convencional:JSTA000P28804
Nº do Documento:SA1202201130354/18
Data de Entrada:12/14/2021
Recorrente:A...............
Recorrido 1:B..............., S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A……………. - autor desta acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão deste «recurso de revista» do acórdão do TCAS, de 09.09.2021, que negou provimento à sua apelação e manteve a sentença do TAF de Almada - de 20.12.2019 - que julgou verificada a excepção peremptória da prescrição do seu direito a ser indemnizado pelo MUNICÍPIO DO SEIXAL, que absolveu do pedido.
Defende que a revista interposta - e que pretende ver admitida - é necessária face à relevância jurídica e social da «questão» e face à clara necessidade de «uma melhor aplicação do direito».

O recorrido - MUNICÍPIO DO SEIXAL - não apresentou contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Apesar das várias vicissitudes por que passou a acção, limitemo-nos, apenas, ao que aqui interessa.

O autor – A………… - pretende ver-se indemnizado pelo demandado - MUNICÍPIO DO SEIXAL - com fundamento em responsabilidade civil extracontratual deste, pois que teria na via pública, sob a sua jurisdição, uma «tampa de sargeta desnivelada em relação ao pavimento», que terá sido causa do acidente que lhe provocou os danos a indemnizar.

Conhecendo da excepção da prescrição invocada pelo demandado na sua contestação, o TAF de Almada fixou os pertinentes factos, e, com base neles, julgou-a procedente, porque entendeu que mesmo a ser aplicável ao caso o prazo de prescrição «resultante da qualificação criminal dos factos» - 5 anos -, mesmo este não teria sido respeitado no tocante ao demandado município.

Conhecendo da apelação suscitada pelo autor, o TCAS confirmou o julgamento do TAF, a respeito dessa questão - prescrição do direito do autor -, entendendo desabridamente que o prazo de prescrição aplicável ao caso tinha de ser o prazo regra de três anos - artigo 498º, nº1, do CC - e não - como pretendia o autor - o prazo de cinco anos, alegadamente resultante da qualificação criminal dos factos - artigo 498º, nº1, CC. Para tanto, o tribunal de apelação afrontou a «factualidade pertinente» e concluiu que ela não permitia integrar qualquer tipo criminal, mormente o de «ofensas à integridade física simples» - artigo 143º, CP.

De novo reage o autor, o qual, neste recurso de revista - convolado de primitiva «reclamação» - imputa «erro de julgamento de direito» ao acórdão recorrido, só no tocante à questão da «prescrição do direito de indemnização».

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.

Mostrando-se a decisão das instâncias, e, mormente a do acórdão recorrido, razoável e juridicamente aceitável, é evidente que não emerge, nos termos assinalados, a «clara necessidade de uma melhor aplicação do direito». Deste modo, e com todo o respeito pelo dissenso reiterado pelo autor, e ora recorrente, não se mostra, com base neste pressuposto, justificada a admissão da «revista».

A jurisprudência desta «Formação» tem considerado também, que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência ou da doutrina. E que a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

No presente caso, estamos perante uma «questão» muito tratada pela jurisprudência - mormente a deste Supremo Tribunal - de tal modo que não se configura, actualmente, e porque suficientemente dilucidada, como uma questão deveras complexa, como decorre, aliás, da solução jurídica, lógica e aceitável, das instâncias. Assim, fica também prejudicada a admissão da «revista» com fundamento na vocação paradigmática da decisão que nela viesse a ser proferida.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto por A……………….

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.