Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0558/11
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRC
DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS
TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO CONSOLIDADO
Sumário:I - O facto de a lei regular de um modo específico no art.º 60.º do CIRC (na redacção dada pela Lei nº 71/93, de 26.11) a dedução de prejuízos fiscais nas sociedades de grupo que haviam optado pelo regime de tributação pelo lucro consolidado, e de preceituar, na alínea c), que uma vez «terminada a aplicação do regime relativamente a uma dada sociedade, podem ser deduzidos aos seus lucros tributáveis, nos termos e condições do n.º 1 do artigo 46.º, os prejuízos a que se refere a alínea a) que não tenham sido totalmente deduzidos ao lucro tributável consolidado e os prejuízos adicionados para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos dos nºs. 10, 11 e 12, que lhe forem imputáveis», não significava que a aplicação desse específico regime excluísse o que se dispunha no art.º 46º do CIRC quanto à verificação dos pressupostos legais que conformavam o direito à dita dedução.

II - Nos termos do art. 46º, nº 7, do CIRC, aditado pela Lei nº 39-B/94, de 27.12, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995 (a que corresponde o art.º 47º, n.º 8, na redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12), a dedução de prejuízos deixava de ser aplicável quando se verificasse, à data do termo do período de tributação em que era efectuada a dedução, que fora modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida. Pelo que a lei passou a exigir uma continuidade na actividade exercida - a actividade em que foi obtido o prejuízo deve ser, de forma substancial, idêntica à actividade a que respeita o lucro a que aquele vai ser deduzido.

III - No caso vertente, a impugnante saiu do grupo de sociedades sujeita ao regime de tributação pelo lucro consolidado em 31/12/1997, altura em que já estava em vigor, desde 1 de Janeiro de 1995, o referido n.º 7 do art.º 46º do CIRC, norma que se mantinha em vigor no exercício a que respeita o lucro tributável ao qual foi efectuada a dedução (1998).

IV - E tendo alterado a sua actividade em 31/05/96, altura em que também já estava em vigor aquele preceito legal, impunha-se-lhe a observância dessa norma desde a sua entrada em vigor, a qual veio proibir, como se viu, a dedução aos lucros tributáveis dos prejuízos fiscais acumulados nos exercícios em que desenvolvera actividade económica de natureza diversa.

V - E não se verifica a aplicação retroactiva de uma norma, mas, antes, a aplicação de uma norma que, no âmbito da dedução de prejuízos, fixa os efeitos da alteração da actividade ocorrida após a sua entrada em vigor. Com efeito, estamos perante factos ocorridos em plena vigência do referido nº 7 do art. 46º do CIRC, quer se considere que o direito à dedução nasceu com a ocorrência dos prejuízos – no exercício de 1995 - quer se considere a data em que a Impugnante exerceu o direito à dedução – exercício de 1998.

VI - Razão por que o lucro tributável respeitante ao exercício de 1998 não pode absorver os prejuízos fiscais que dizem respeito a um período em que a impugnante desenvolveu uma actividade económica diversa – isto é, entre 1 de Janeiro de 1995 e 31 de Maio de 1996.

Nº Convencional:JSTA00067967
Nº do Documento:SA2201211280558
Data de Entrada:06/01/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CIRC93 ART60 ART46 N7.
L 39-B/94 DE 1994/12/27 ART46 N7.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fls. 455 a 458, de procedência da impugnação judicial que a sociedade A………, S.A., com os demais sinais dos autos, deduziu contra o acto de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1998 e juros compensatórios, no montante total de Esc. 17.102.882$00.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
A. Ressalvado sempre o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à aplicação de direito à matéria de facto dada como provada, na medida em que interpretou erroneamente as regras legais ínsitas nos artigos 46º nº 7 do CIRC, 2º nº 1 da Lei 6/83, de 29/07 (actualmente revogado por força da alínea a) do artigo 18º da Lei n.º 2/2005, de 24/01) e 12º do Código Civil, na parte em que julgou que a não consideração dos prejuízos verificados no exercício de 1995 constitui uma violação da lei.
B. Com efeito, a Lei n.º 39-B/94, de 27/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 1995, aditou ao artigo 46º do CIRC um n.º 7, com a redacção transcrita na douta decisão do Tribunal a quo.
C. Simplesmente, esta Lei n.º 39-B/94 não consagra qualquer disposição especial relativa à entrada em vigor daquele nº 7 do artigo 46º.
D. De modo que, a questão da sua aplicação no tempo tem de ser apreciada ao abrigo do preceituado no artigo 12º do Código Civil, no qual está vertido o princípio geral em matéria de aplicação das leis no tempo.
E. Recorde-se que à data dos acontecimentos controvertidos ainda não se poderia aplicar o artigo 12º da LGT, cuja vigência apenas teve lugar em 1999.
F. Nestes termos, como se encontra assente na jurisprudência dos tribunais superiores, no caso sub judice não se está perante uma situação em que seja por lei atribuída eficácia retroactiva, nem perante a regulação directa do conteúdo de relações jurídicas, pelo que é indubitável que aquele n.º 7 do art. 46º só se aplica a factos futuros, por força tanto da primeira parte do n.º 1 como da primeira parte do n.º 2 do artigo 12º do Código Civil.
G. Ademais, entendendo-se que o nº 7 do art. 46º do CIRC constitui uma norma que determina o efeito de factos (alteração da actividade), o efeito nele previsto apenas é atribuído a factos que ocorram após a sua entrada em vigor, ou seja em 01/01/95, por força do determinado no artigo 2.º n.º 1 da Lei n.º 6/83, de 29/07, ainda vigente em 1994.
H. Ora, na situação dos autos, vem provado que a alteração da actividade da impugnante ocorreu em 31/05/1996, pelo que não é de afastar a possibilidade de aplicação do preceituado naquele n.º 7 do art. 46º no que respeita aos prejuízos fiscais apurados no exercício de 1995.
I. Aliás, relativamente aos prejuízos fiscais apurados no exercício de 1995 não parece restar dúvidas que o facto constitutivo do direito à dedutibilidade ocorreu em data posterior à entrada em vigor do n.º 7 do artigo 46º do CIRC.
J. Não configurando este entendimento uma qualquer aplicação retroactiva não prevista na lei.
K. Por conseguinte, e sem prejuízo para melhor entendimento, apenas se deveria ter sentenciado pela anulação parcial da liquidação, isto é, relativamente aos prejuízos gerados no exercício da actividade em 1993 e 1994, mas já não os de 1995, que se deveriam manter no ordenamento jurídico.
L. Pelas razões acabadas de explanar, não pode a Fazenda Pública aceitar o sentido da decisão tomada, por considerar que errou a douta sentença na aplicação do direito, porquanto fez errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas aplicáveis in casu, mais concretamente os artigos 46º n.º 7 da CIRC, 2.º n.º 1 da Lei 6/83, de 29/07 (actualmente revogado por força da alínea a) do artigo 18.° da Lei n.º 2/2005 de 24/01) e 12º do Código Civil.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a douta sentença recorrida, na parte que julgou que a não consideração dos prejuízos verificados no exercício de 1995 constitui uma violação da lei, com as legais consequências.


1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, tendo rematada a sua alegação com as seguintes conclusões:
iii. A Fazenda Pública, tendo por base o facto de a impugnante ter alterado a sua actividade e objecto em 31.05.96, entendeu que ao lucro tributável do exercício de 1998 não eram dedutíveis os PF do exercício de 1995 - o que sustenta invocando a disciplina do artigo 46º nº 7 do CIRC.
iv. Nos termos da alínea c), 2ª parte, do artigo 60º do CIRC, “Terminada a aplicação do regime relativamente a uma dado sociedade, podem ser deduzidos aos seus lucros tributáveis, nos termos e condições do nº 1 do artigo 46º (...) os prejuízos adicionados para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos dos nºs 10, 11 e 12 (do artigo 59º do CIRC), que lhe forem imputáveis” (sic, destaque nosso).

v. Ora, o n.º 1 do artigo 46º do CIRC, na redacção aplicável, referia tão só que “Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, serão deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos cinco exercícios posteriores”.
vi. Ora, o artigo 60º, c), 2ª parte, do CIRC, remete única e exclusivamente para o disposto no nº 1 do artigo 46º do CIRC, afirmando que os prejuízos fiscais são dedutíveis “nos termos e condições” aí definidas e, portanto, não remete para o regime do artigo 46º do CIRC na sua globalidade, nem remete para o disposto no artigo 46º nº 7 do CIRC.
vii. O artigo 60º c) do CIRC constitui norma especial relativamente ao artigo 46º do CIRC, conforme se deduz da sua epígrafe, “Regime específico de dedução de prejuízos fiscais” (destaque nosso), por contraposição à epígrafe do artigo 46º do CIRC, relativa à “Dedução de prejuízos fiscais”.
viii. A disciplina dos elementos essenciais dos impostos, por ser matéria de competência reservada do parlamento, tem de constar de lei ou de decreto-lei autorizado, tudo em obediência ao princípio constitucional da legalidade fiscal (arts. 103º/2 e 165º, n.º 1, i) da CRP).
ix. Esta limitação legal em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, está também consagrada no artigo 11.º, nº 4, da Lei Geral Tributária (LGT), onde pode ler-se que “As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.” (sublinhado nosso).
x. Os artigos 60º c) e 46º do CIRC respeitam à determinação da matéria colectável ou seja, respeitam a questões de incidência tributária.
xi. Assim, quando a AF expande a letra da lei para nela fazer caber situações que não estão expressamente previstas, tal equivale a criar norma onde não existia norma e, portanto, em última análise, a exercer poder legislativo em matéria constitucionalmente vedada — assim violando o princípio da legalidade fiscal.
xii. No caso em apreço, o artigo 60º, c), 2ª parte, do CIRC, norma especial, como vimos, remete única e exclusivamente para os “termos e condições” do artigo 46º nº 1 do CIRC o que se justifica facilmente, atenta a situação específica em causa - dedução de prejuízos fiscais de sociedades que foram integradas e saíram de um perímetro de consolidação fiscal, especificamente regulada pelo artigo 60º do CIRC.
xiii. Assim, a AF faz uma interpretação e aplicação legislativa sem qualquer correspondência com o texto e espírito do legislador expresso na al. c) do artigo 60º do CIRC, ou, pelo menos, faz uma aplicação analógica do disposto no n.º 7 do artigo 46º do CIRC ao caso “sub judice”, na medida em que a sua aplicação não tem qualquer correspondência com o teor da al. c) do artigo 60º do CIRC, norma especial que prevalece sobre aquela, como vimos.
xiv. A aplicação analógica, ao caso sub judice, do disposto no nº 7 do artigo 46º do CIRC pressuporia sempre que fosse razoável considerar que a ratio legis subjacente a essa disposição legal teria igual cabimento no âmbito específico aqui em causa - o da dedução de prejuízos fiscais de sociedades que foram integradas e saíram de um perímetro de consolidação fiscal, especificamente regulada pelo artigo 60º do CIRC.
xv. Tal não é o caso, uma vez que, compulsado o regime legal da tributação pelo lucro consolidado, constata-se que uma das suas inegáveis vantagens consistia, precisamente, na possibilidade, embora limitada, de se efectuar uma compensação dos prejuízos fiscais individuais das várias sociedades integrantes do grupo aos lucros tributáveis de outras sociedades do mesmo grupo - prejuízos esses que, caso as respectivas sociedades tivessem sido tributadas autonomamente, não poderiam ser aproveitados, conforme se deduz do regime do artigo 59º do CIRC, na redacção anterior.
xvi. Se no âmbito do lucro consolidado, se admitia que as sociedades que o integrassem poderiam compensar os seus prejuízos fiscais aos lucros tributáveis das outras sociedades, sem quaisquer limitações ao nível do objecto social ou actividade concretamente exercida por umas e outras - em benefício e concomitante atenuação da tributação consolidada - considerar-se como aplicável a restrição constante do nº 7 do artigo 46º do CIRC no domínio específico aqui em causa, além do mais, está em clara contradição com a natureza desta mesma tributação.
xvii. A liquidação em apreço, ao fazer uma aplicação analógica do artigo 46º n.º 7 do CIRC de molde a inserir o mesmo no regime especial de dedutibilidade dos prejuízos fiscais estabelecida no artigo 60º do CIRC, claramente desrespeita o disposto no art. 11.º n.º 4 da LGT, o que vale por dizer que está, assim, inquinada de vício de violação de lei, gerador da sua anulabilidade.
Caso assim não se entenda:

xviii. Nos termos do disposto no artigo 684º-A do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281º do CPPT, pretende a Impugnante que sejam apreciados, no presente recurso, os vícios cujo conhecimento o Tribunal a quo considerou prejudicado.
xix. Se a AF efectua uma correcção aos prejuízos fiscais reportáveis de exercícios anteriores, susceptíveis de dedução ao lucro tributável do exercício de 1998, então, deveria, de igual forma, ter corrigido, a favor do contribuinte, o acréscimo de prejuízos fiscais imputáveis à Impugnante, que a B……… fez ao lucro tributável consolidado do exercício de 1997 — sob pena de violação dos princípios da justiça, proporcionalidade e interesse que devem nortear a actuação dos agentes públicos — o que constitui vício de violação de lei.
xx. Na parte em que a liquidação respeita a juros compensatórios, de 1.970.523$00, a mesma padece de vício de falta de fundamentação e de violação do disposto no n.º 9 do artigo 35º da LGT, uma vez que não foi explicitada a forma de cálculo desses juros, designadamente no que concerne à taxa, base e período de cálculo concretamente utilizados para o efeito (Cfr. artigos 77º da LGT e 268º n.º 3 da CRP).
xxi. Não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 60º n.º 1 a) da LGT, pois a Impugnante não foi notificada para exercer o seu direito de audição antes da liquidação.
xxii. sendo inoponível a esta evidência a circunstância de lhe ter sido conferida a oportunidade de exercer o mesmo direito de audição sobre o dito projecto de correcções, uma vez que o nº. 2 do mesmo preceito legal apenas dispensa a audição prévia no caso da liquidação se efectuar com base em declaração do contribuinte, o que não é o caso, como é evidente.
xxiii. É que, na lei aplicável aos factos tributários em causa, o artigo 60º da LGT não estabelecia a dispensa do direito de audição prévia, sendo que a situação de dispensa de audiência prévia prevista na al. a) do nº 2 do artigo 103º do CPA — de o contribuinte já se ter pronunciado no mesmo procedimento - não é aplicável no caso concreto, uma vez que, como é entendimento da nossa Doutrina “... este caso dispensa de audiência não foi incluída na LGT pela que, não havendo nesta matéria um caso omisso, não haverá suporte legal para fazer aplicação no procedimento tributário do preceituado nesta alínea a) do nº. 2 do art. 103º do CPA” (cfr. Diogo Leite de Campos, Jorge Lopes de Sousa e Benjamim Silva Rodrigues, LGT Comentada e Anotada, 1999, Vislis, p. 204).
xxiv. A falta de audição prévia – como preterição de formalidade essencial do procedimento tributário – determina a anulabilidade da liquidação aqui em causa.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação:
«1. A fundamentação jurídica da sentença acolhe, por remissão, o parecer do Ministério Público, onde se sustenta a anulação da liquidação adicional de IRC apenas na medida resultante da desconsideração dos prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 1993 e 1994 (fls. 356 e 457).

Por isso a decisão de procedência da impugnação judicial deve ser interpretada extensivamente, por forma a incluir no seu âmbito o prejuízo fiscal apurado no exercício de 1995 e a conferir legitimidade à Fazenda Pública para a interposição do recurso jurisdicional, como parte vencida quanto a esta questão.

2. Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores (art.46º n.º 1 CIRC redacção vigente em 1998).
Este regime é inaplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida (art. 46º n.º 7 CIRC aditado pela Lei n.º 39-B/94, 27 Dezembro - Lei OGE 1995). Esta alteração entrou em vigor em 1.01.1995, conjuntamente com o OGE 1995, aplicando-se na determinação do lucro tributável dos exercícios de 1995 e posteriores nos termos da regra geral da aplicação da lei no tempo, porque rege sobre os efeitos de factos jurídicos (art. 12º n.º 2 C.Civil).
Os prejuízos fiscais, por obediência ao princípio da capacidade contributiva e em consequência da comunicabilidade entre exercícios, atenta a continuidade da actividade económica, devem ser deduzidos aos lucros tributáveis futuros, dentro do limite temporal definido no art. 46º n.º 1 CIRC.
O facto constitutivo do direito à dedução é o apuramento do prejuízo fiscal, sendo a sua ocorrência que determina a lei competente para a regulação da respectiva relevância jurídica
Pretendeu-se com a alteração normativa prevenir acções de engenharia fiscal no sentido da dedução de prejuízos fiscais (eventualmente decorrentes de má qualidade da gestão) a lucros tributáveis obtidos em exercícios posteriores por actividade económica de natureza marcadamente distinta, para onde o sujeito passivo tenha migrado, desta forma logrando carga fiscal nula (correspondente aos prejuízos fiscais) e carga fiscal nula ou reduzida (resultante da dedução daqueles prejuízos).
No caso concreto:
a) não existe aplicação retroactiva da norma controvertida porque o facto constitutivo do direito à dedução (apuramento dos prejuízo fiscal no final do exercício de 1995) é posterior ao início da vigência da alteração normativa (1.01.1995);
b) não conflitua a interpretação propugnada com o princípio da segurança jurídica e tutela da confiança porque o sujeito passivo não ignora que a partir de 1995 os prejuízos fiscais eventualmente apurados não podem ser deduzidos ao lucro tributável de exercícios posteriores, se ocorrer uma mudança do objecto social ou uma alteração substancial da actividade económica.

3. É inaplicável o regime de ampliação do objecto do recurso previsto no art.684°-A CPC porque a parte vencedora (sujeito passivo de IRC) não decaiu quanto a qualquer fundamento, antes obtendo ganho de causa quanto ao único fundamento apreciado (violação de lei)

CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A decisão de consideração do prejuízo fiscal do exercício de 1995 na dedução ao lucro tributável do exercício de 1998 deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
-manutenção da liquidação adicional de IRC, na medida resultante da desconsideração da dedução do prejuízo fiscal do exercício de 1995 no lucro tributável do exercício de 1998.».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.

2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:
1- A impugnante foi notificada da nota de liquidação respeitante ao IRC do ano de 1998 nos termos constantes de fls.16 e 17 e que aqui se dão por reproduzidas.
2- As correcções efectuadas ao IRC do ano de 1998 decorreram de uma acção inspectiva realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária de Lisboa, cfr. fls. 22 a 53 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
3- Dá-se aqui por reproduzido o documento nº 3 junto com a petição inicial.
4- As correcções à matéria colectável efectuadas ao exercício económico de 1998 importaram em Esc. 40.460.854$00, cfr. fls. 29 destes autos.
5- Os fundamentos para as correcções referidas em 4), e exaradas no relatório da inspecção tributária identificado em 2), são em resumo os seguintes:

“A sociedade A………, SA, efectuou no exercício de 1998 uma dedução de prejuízos fiscais, no montante de 53.158.993$00, absorvendo a totalidade do lucro tributável declarado no referido exercício. (…)

Contudo, do controlo efectuado ao montante de prejuízos susceptível de ser objecto de reporte nos exercícios posteriores a 1997, nos termos da alínea c) do artº 60º do CIRC, em consequência da ocorrência da caducidade em 31/12/97 do regime de tributação pelo lucro consolidado do grupo B………, SA (onde esteve incluída como sociedade dependente desde 1993 a 1997, inclusive), constata-se que o valor dos prejuízos fiscais passíveis de dedução naquele âmbito, ascendia apenas a 12.698.139$00, correspondente à parte do prejuízo apurado no exercício de 1996 pela A………, SA.”, decorrente da nova actividade de “Gestão de Risco, Controle e Recuperação de Créditos em Atraso”, por si exercida a partir de 31/05/96, a qual foi adicionada ao lucro tributável consolidado de 1997 do grupo em questão, nos termos do n.º 12 do art.º 59º do CIRC (…).
Deste modo, verifica-se que a título de reporte de prejuízos fiscais de anos anteriores, foi indevidamente deduzida ao lucro tributável de 1998 da A………, SA, a importância de 40.460.854$00 (53.158.993$00 - 12.698.139$00) (...)”.

6- Dá-se aqui por reproduzida a declaração modelo 22 de IRC dos anos de 1993 a 1998 apresentada pela impugnante e constantes destes autos de fls. 224 a 274.
7- Dá-se aqui por reproduzida a declaração de rendimentos de consolidação relativa ao exercício de 1997 apresentada por B………, SA, e constante destes autos de fls. 276 a 288.
8- A presente impugnação foi apresentada em 12.10.2001, cfr. fls. 1 destes autos.

3. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A………, S.A., contra o acto de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1998 e respectivos juros compensatórios, acto que provém da correcção levada a cabo pela Administração Tributária à dedução de prejuízos fiscais que esta sociedade efectuou nesse exercício (e que absorveu a totalidade do lucro tributável nele declarado), desconsiderando o reporte de prejuízos apurados com referência aos anos de 1993, 1994 e 1995.

Tal impugnação tem por causa de pedir vícios de violação de lei por ofensa do disposto nos artigos 46º, nºs. 1 e 7, e 60º, alínea c), do CIRC, e por ofensa dos princípios da justiça e da proporcionalidade, vício de preterição do direito de audição, bem como, quanto aos juros compensatórios, vícios formais de falta de notificação e falta de fundamentação da respectiva liquidação.

A sentença recorrida começou pela análise do vício de violação de lei por ofensa do disposto nos arts. 46º, nºs. 1 e 7, e 60º, alínea c), ambos do CIRC, e, julgando-o verificado, anulou o acto de liquidação de imposto e dos juros, assim ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados.

É contra essa decisão que se insurge a Fazenda Pública, ora Recorrente, sustentando que ela padece de erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que terá interpretado erradamente as regras legais ínsitas nos artigos 46º nº 7 do CIRC e 12º do Código Civil, na parte em que julgou que a desconsideração dos prejuízos verificados no exercício de 1995 constitui uma violação de lei, desse modo aceitando a ilegalidade da correcção e do acto de liquidação impugnado no que toca à desconsideração do reporte de prejuízos apurados com referência aos exercícios de 1993 e 1994.

Com efeito, tal como é realçado pelo Exm.º Procurador-Geral Adjunto no parecer emitido neste Supremo Tribunal, a fundamentação jurídica da sentença acolhe, por remissão, o parecer do Ministério Público emitido em 1ª instância e onde este sustentara a anulação da liquidação apenas na medida resultante da desconsideração dos prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 1993 e 1994. Mas tendo a decisão de procedência da impugnação abrangido no seu âmbito anulatório a totalidade da correcção efectuada, incluindo, portanto, a correcção ao prejuízo fiscal apurado no ano de 1995 - já que anulou na totalidade a liquidação impugnada - e estando a Recorrente a questionar a sentença apenas na parte em que julgou que a não consideração dos prejuízos verificados no exercício de 1995 constitui uma violação da lei, há que concluir que ela aceita a anulação parcial da liquidação, isto é, aceita a ilegalidade da correcção na parte relativa à desconsideração dos prejuízos gerados nos exercícios e 1993 e 1994, somente não a aceitando na parte relativa à desconsideração dos prejuízos gerados no exercício de 1995, a qual, na sua perspectiva, deveria manter-se - cfr. as elucidativas conclusões A) e k).

É, pois, com este âmbito que importa passar ao conhecimento do objecto do recurso.

O tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, considerando ilegal o acto de liquidação impugnado, com a seguinte e única fundamentação: «Sustenta o impugnante que a liquidação do IRC ora em apreciação é ilegal por vício de violação de lei e por preterição de formalidades legais. Ora, no que concerne à questão em discussão nos presentes autos, e conforme supra mencionado, a Exm.ª Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência da impugnação nos termos constantes do parecer emitido de fls. 354 a 356 destes autos, por ocorrer o vício de violação de lei. Ora, a análise efectuada no parecer emitido, mostra-se adequada e completa, face à matéria de facto dada como assente, pelo que se dispensa outras considerações por parte deste Tribunal, dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor do mesmo e que consta destes autos a fls. 354 a 356.
Assim sendo, conclui-se pela procedência da presente impugnação por ilegalidade da liquidação por vício de violação de lei.».

Apesar de considerarmos que esta decisão carece de fundamentação de direito, na medida em que se limita a um remissão para o parecer emitido pelo Ministério Público antes da sentença, cujo teor nem sequer vem editado, e que tal equivale a uma ausência de motivação jurídica susceptível de determinar a nulidade da sentença em conformidade com o disposto nos arts. 125º do CPPT e 668º, nº 1, al. b) do CPC (Como pertinentemente se deixou explicado no acórdão do STA proferido em 31/01/2012, no recurso n.º 0795/11, mesmo não sendo o MP uma parte nos autos, nem por isso, a lei autoriza que a sentença, em termos de fundamentação de direito, remeta pura e simplesmente para o teor e sentido de Parecer emitido por aquela entidade. Veja-se também, sobre a matéria, Jorge de Sousa (CPPT, Anotado e comentado, Vol. I, 6ª ed., 2011, anotações 10 e 11 ao art. 21º, pp. 293 e 294), que entende que, dada a razão de ser desta proibição (a conveniência em impor ao juiz o estudo adequado das questões controvertidas que reclama a elaboração de uma decisão com ponderação dos argumentos invocados em favor de cada uma das teses em confronto), «ela deve estender-se à adesão a fundamentos invocados em peças distintas do requerimento ou oposição, designadamente pareceres juntos ao processo ou que constem do processo administrativo em que foi praticado o acto impugnado).»), o certo é que tal nulidade não foi arguida nem é de conhecimento oficioso, pelo que nos resta apreciar o erro de julgamento que lhe é imputado, considerando o teor do aludido parecer, onde o Ministério Público defende o seguinte:

«O art. 60º, al. c), do CIRC é uma norma especial que remete exclusivamente para o nº 1 do art. 46º do CIRC. Este último preceito na redacção vigente até 31/12/94 dispunha que “os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício nos termos das disposições anteriores, serão deduzidos dos lucros tributários, havendo-os, de um ou mais dos cinco anos anteriores.
Com a publicação da Lei do Orçamento de Estado para 95 (Lei 39-B/94) o legislador aditou ao citado artigo o nº 7 que estabeleceu que “O previsto no nº 1 deste artigo deixará de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada de forma substancial a natureza da actividade exercida”.
O efeito deste preceito legal apenas é atribuído a factos que ocorram após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 1.01.95 por força do disposto no art. 2º, nº 1, da Lei 6/83 de 29/07.
No caso dos autos verifica-se que a alteração do objecto social da impugnante ocorreu em 31/05/96, isto é, depois da entrada em vigor do aludido preceito, todavia, o facto constitutivo do direito à dedutibilidade é o apuramento dos prejuízos fiscais e estes foram verificados nos exercícios de 93, 94 e 95.
Assim, relativamente à não consideração dos prejuízos verificados nos exercícios de 93 e 94 existe vício de violação da lei por não ser aplicável o nº 7 do art. 46º do CIRC, o que determina a anulação da liquidação.».

Vejamos.
Não suscita dúvidas que o artigo 60º do CIRC contém um regime específico de dedução de prejuízos fiscais para as situações de sociedades de grupo que optem pela tributação do lucro consolidado. Porém, o facto de a lei regular de um modo especial a concreta situação da dedução de prejuízos fiscais nas sociedades de grupo que optaram pelo regime da tributação pelo lucro consolidado - exactamente porque não existe aqui uma tributação autónoma de cada uma das sociedades que integram o grupo - não significa que a aplicação deste regime específico exclua o que se dispõe no art.º 46º quanto à verificação dos pressupostos legais que conformam o direito à dita dedução.
Na verdade, o artigo 60º do CIRC, com a epígrafe «Regime específico de dedução de prejuízos fiscais», estabelece, no seu corpo, que «Quando seja aplicável o regime estabelecido no artigo anterior, na dedução dos prejuízos fiscais prevista no artigo 46.º observar-se-á ainda o seguinte: ... », determinando a sua alínea c), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 71/93, de 26 de Novembro, que «Terminada a aplicação do regime relativamente a uma dada sociedade, podem ser deduzidos aos seus lucros tributáveis, nos termos e condições do n.º 1 do artigo 46.º, os prejuízos a que se refere a alínea a) que não tenham sido totalmente deduzidos ao lucro tributável consolidado e os prejuízos adicionados para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos dos nºs. 10, 11 e 12, que lhe forem imputáveis.».
Ora, da leitura do referido normativo legal resulta evidente que o que nele se diz é que, quanto às sociedades de grupo tributadas pelo lucro consolidado, na dedução dos prejuízos fiscais, disciplinada no art. 46º, observar-se-ão ainda - ou seja, para além do que vem dito no mencionado art. 46º - as regras fixadas nas suas várias alíneas, que contemplam especificidades atinentes à tributação pelo lucro consolidado, designadamente quando esse regime cessa.
Significa isto que as regras contidas no art. 46º do CIRC constituem um prius lógico na aplicação do regime da dedução dos prejuízos fiscais e, verificados que estejam os respectivos requisitos, aplicar-se-ão, então, as normas específicas contidas no art. 60º do CIRC. O que se compreende, na medida em que dos princípios fundamentais por que se rege o reporte de prejuízos no Código do IRC é o da identidade, em termos jurídicos e em termos de actividade exercida, entre a empresa que obteve o prejuízo e a que efectua o reporte. Razão por que, o legislador veio estabelecer no n.º 7 do referido art. 46º que a dedução de prejuízos deixará de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida.
Nesta circunstância, não se podendo concluir que pelo facto do art. 60º do CIRC conter uma disciplina específica quanto à dedução de prejuízos fiscais, mormente na sua alínea c), se tenha por afastado o regime geral para tal dedução conforme previsto no art. 46º, é patente que é necessário apurar, em primeiro lugar, se a Impugnante reúne, face ao que dispunha o art. 46º do CIRC, as condições para proceder ao reporte de prejuízos e, só depois, verificados que estejam os pressupostos contidos nesse preceito legal, se poderá determinar o seu quantum nos termos disciplinados pelo art. 60º do CIRC.
Na sua redacção inicial, o artigo 46º estipulava, no seu nº 1, que «Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, serão deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos cinco exercícios posteriores».
Porém, a Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 1995), aditou ao mencionado artigo 46º a norma vertida sob o seu nº 7, onde se determina que «O previsto no n.º 1 deste artigo deixará de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida.».
Ora, visto que essa Lei nº 39-B/94 nada dispõe, em especial, quanto à entrada em vigor dessa alteração introduzida no artigo 46º, a mesma terá entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1995, por força do disposto no art. 2.º da Lei n.º 6/83, de 29 de Julho ( Preceito que dispõe o seguinte «1 - O diploma entra em vigor no dia nele fixado ou, na falta de fixação, no continente no quinto dia após a publicação, nos Açores e na Madeira no décimo quinto dia e em Macau e no estrangeiro no trigésimo dia. 2 - O dia da publicação do diploma não se conta.».), sendo, pois, a sua aplicação no tempo determinada de acordo com o princípio geral de aplicação das leis no tempo fixado pelo art. 12º, do Código Civil.
Assim, nos termos do art. 46º, nº 7, do CIRC, aditado pela Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro (a que corresponde o art.º 47º, n.º 8, na redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro), a dedução de prejuízos deixará de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida.
Como salienta RUI DUARTE MORAIS, em “Apontamentos ao IRC”, Almedina, pág. 165 e segs., «... se o prejuízo de determinado exercício puder ser compensado pelo lucro do período seguinte, a “compensação” será feita integralmente neste ano. Se não, no decurso dos exercícios subsequentes, dentro do referido limite temporal, findo o qual os prejuízos ainda mão “compensados” não poderão, mais ser deduzidos», mas há limitações a esse direito de reporte dos prejuízos, como sejam as alterações na titularidade do capital social ou na actividade prosseguida por uma empresa, pois, como também é salientado nessa obra, «... os abusos detectados (aquisição de sociedades – muitas vezes sem qualquer actividade - com elevados prejuízos fiscais reportáveis, as quais passavam a exercer outra actividade, muito lucrativa [ou a mesma actividade, mas num quadro societário totalmente diverso], aproveitando-se a vantagem resultante da dedução dos prejuízos antes acumulados), levaram à introdução do n.º 8 do art.º 47º, segundo o qual a possibilidade de dedução dos prejuízos deixa de se verificar quando haja sido modificado o objecto social da entidade em causa ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida ou se verifique a alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto. Esta proibição pode ser afastada por decisão do Ministro das Finanças, a requerimento do interessado, existindo “reconhecido interesse económico”.
Assim, para além da identidade jurídica, a lei exige uma continuidade na actividade exercida - a actividade em que foi obtido o prejuízo deve ser, de forma substancial, idêntica à actividade a que respeita o lucro a que aquele vai ser deduzido.
Pelo que, no exame desta questão deverá ter-se em conta, de uma forma global, a natureza da actividade económica desenvolvida no exercício em que se obtém o prejuízo e a actividade económica desenvolvida no exercício em que se obtém o lucro tributável, com vista a apurar se houve uma alteração substancial relevante para efeito da aplicação do apontado normativo. E, como bem salienta o Exm.º Magistrado do Ministério junto deste Tribunal, os prejuízos fiscais, por obediência ao princípio da capacidade contributiva e em consequência da comunicabilidade entre exercícios, atenta a continuidade da actividade económica, devem ser deduzidos aos lucros tributáveis futuros, dentro do limite temporal definido no art. 46º n.º 1 CIRC, sendo que o facto constitutivo do direito à dedução é o apuramento do prejuízo fiscal, sendo a sua ocorrência que determina a lei competente para a regulação da respectiva relevância jurídica
No caso vertente, verifica-se que a impugnante esteve incluída, como sociedade dependente, desde 1993 a 1997 inclusive, no grupo “B………, S.A.”, saindo do regime de tributação pelo lucro consolidado desse grupo em 31/12/1997, altura em que já estava em vigor, desde 1 de Janeiro de 1995, o referido n.º 7 do art.º 46º do CIRC. E o mesmo acontecia, por conseguinte, no exercício a que respeita o lucro tributável ao qual foi efectuada a dedução (1998). Por outro lado, consta do relatório da inspecção, e não é questionado pela impugnante, que ela alterou a sua actividade em 31/05/96, altura em que também já estava em vigor aquele preceito legal. Pelo que se lhe impunha a observância da referida norma desde a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1995, a qual veio proibir, como se viu, a dedução aos lucros tributáveis dos prejuízos fiscais acumulados nos exercícios em que desenvolvera actividade económica de natureza diversa.
E, salvo o devido respeito, não se verifica a aplicação retroactiva de uma norma, mas, antes, a aplicação de uma norma que, no âmbito da dedução de prejuízos, fixa os efeitos da alteração da actividade ocorrida após a sua entrada em vigor. Com efeito, estamos perante factos ocorridos em plena vigência do referido nº 7 do art. 46º do CIRC, quer se considere que o direito à dedução nasceu com a ocorrência dos prejuízos – no ano de 1995 - quer se considere a data em que a Impugnante exerceu o direito à dedução – exercício de 1998 – pelo que, neste conspecto, a norma terá plena aplicação no caso vertente.
Neste contexto, não pode aceitar-se que a Impugnante deduza aos lucros tributáveis do exercício de 1998 os prejuízos fiscais apurados em exercícios em que se dedicara a actividade substancialmente diversa, ou melhor dito, que o lucro tributável respeitante ao exercício de 1998 absorva os prejuízos fiscais apurados após a entrada em vigor daquele preceito legal e que digam respeito a um período em que desenvolveu uma actividade económica diversa – isto é, entre 1 de Janeiro de 1995 e 31 de Maio de 1996.
Termos em que não pode manter-se a sentença recorrida na parte em que julgou ilegal a correcção levada a cabo pela Administração Tributária no que toca à desconsideração do prejuízo fiscal do exercício de 1995 na dedução ao lucro tributável do exercício de 1998, havendo que manter, nessa parte, e perante a improcedência desse vício, o acto de liquidação adicional de IRC impugnado.

Todavia, a Impugnante invocou, na impugnação, outros fundamentos visando a anulação do acto de liquidação impugnado, como sejam, a violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade e interesse, a preterição do direito de audição antes da liquidação, bem como, quanto aos juros compensatórios, a falta de notificação e a falta de fundamentação da liquidação. Vícios cujo conhecimento ficara prejudicado, na sentença recorrida, perante a decisão de procedência da impugnação quanto ao vício de violação da lei por errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 46º, nºs. 1 e 7, e 60º, al. c), do CIRC.
Neste cenário, e pretendendo prevenir as consequências da revogação de decisão recorrida - que ora ocorre - a Recorrida pediu neste recurso a ampliação do objecto do recurso para julgamento das ditas questões que não foram apreciadas por aquele tribunal.
Vejamos.
Como se sabe, o legislador prevê duas situações em que a parte vencedora pode fazer valer as posições que sufragou e que não obtiveram vencimento na decisão recorrida: uma, quando face a um determinado pedido tenha apresentado vários fundamentos e o tribunal tenha julgado a acção procedente com base em determinado fundamento e julgado improcedentes os demais; outra, quando tenham sido deduzidos vários pedidos e algum deles tenha sido julgado improcedente. No primeiro caso, a lei permite que o recorrido lance mão do estipulado no artigo 684.º-A, n.º 1, do CPC e que, aproveitando as contra-alegações, requeira e deduza aí a ampliação do âmbito do recurso interposto pela parte vencida. Na segunda situação, a lei prevê que a parte deduza atempadamente recurso subordinado, nos termos previstos no artigo 682.º do CPC.
Assim, nas situações em que tenham sido deduzidos vários pedidos e um deles tenha sido julgado improcedente, a parte vencedora da acção, caso pretenda sindicar a decisão que lhe foi desfavorável, deverá fazê-lo através de um recurso subordinado (artigo 682.º) e não mediante uma ampliação do âmbito do recurso nos termos do disposto no artigo 684.º-A. Já o regime previsto no artigo 684.º-A pressupõe que a parte vencedora haja decaído em algum dos fundamentos (causas de pedir) que suportavam a acção ou a defesa, tendo o ónus de suscitar a apreciação da matéria em que decaiu, prevenindo a hipótese de vir a ser revogada a decisão na parte ou segmento que lhe foi favorável. Se não cumprir esse ónus, a decisão recorrida consolida-se quanto a tal segmento decisório, o qual não poderá ser objecto de reapreciação oficiosa caso o tribunal ad quem venha a inflectir o sentido da decisão recorrida no que toca ao fundamento que conduzira a que o recorrido tivesse anteriormente obtido ganho de causa.
Como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS, no “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 2003, em anotação ao artigo 684.º-A, «o nº 1, prevê o caso de haver pluralidade de fundamentos da acção (causas de pedir) ou da defesa (excepções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação”. (...) “pode figurar-se a situação de o autor ter pedido a anulação judicial de um contrato por si celebrado com fundamento em dois vícios diferentes (por exemplo erro e coacção), se a acção foi julgada procedente com base num dos vícios, afastando-se o outro por não terem sido provados os factos a ele atinentes, pode o autor recorrido pedir a ampliação do objecto do recurso de modo a abranger o fundamento em que decaiu. Mas o vencedor que se prevaleça desta faculdade não tem o estatuto de recorrente.».
Torna-se, pois, claro que, na ausência de uma decisão de improcedência dos fundamentos invocados, a situação em causa não se enquadra da previsão do art.º 684.º-A, pelo que a peticionada ampliação do âmbito do recurso não é admissível.

Não obstante, nos termos do que dispõe o art. 660º, nº 2, do CPC, torna-se agora necessário que o tribunal conheça dos fundamentos que, pelas razões expostas, não foram apreciados na decisão recorrida.
Ora, este Supremo Tribunal não pode conhecer das referidas questões nos termos do que dispõe o nº 2 do art. 715º do CPC, porquanto não dispõe da necessária base factual para decidir – uma vez que essa decisão pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o STA carecer de poderes de cognição em sede de facto – e, por conseguinte, torna-se essencial que os autos baixem à 1ª instância para conhecimento desses fundamentos, após a fixação do pertinente quadro factual.

4. Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a impugnação com base em ilegal correcção da dedução ao lucro tributável do exercício de 1998 do prejuízo fiscal do exercício de 1995, ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para conhecimento dos restantes vícios invocados.
Custas do recurso pela Recorrida, que contra-alegou.

Lisboa, 28 de Novembro de 2012. – Dulce Manuel Neto (relatora) - Casimiro Gonçalves - Lino Ribeiro.