Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0668/10.0BECTB
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
CONTRATO NULO
RESTITUIÇÃO
Sumário:Não é de admitir revista se o acórdão recorrido parece ter decidido com acerto que sendo os contratantes no contrato nulo a Autora e o Réu, é este o responsável pela restituição do valor correspondente ao prestado por aquela, visto não ser possível a restituição em espécie (art. 289º, nº 1 do CC)
Nº Convencional:JSTA000P28721
Nº do Documento:SA1202112160668/10
Data de Entrada:12/07/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE IDANHA-A-NOVA
Recorrido 1:CONSTRUÇÕES A…………, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório

Município de Idanha-a-Nova vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Sul em 07.07.2021 que concedeu provimento ao recurso que a Autora Construções A………….., Lda interpusera da sentença do TAF de Castelo Branco, proferida na acção administrativa comum intentada por esta contra o aqui Recorrente, pedindo a respectiva condenação a pagar-lhe a quantia de €20.566,28, a título de capital, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Pede a admissão da revista por estar em causa questão jurídica complexa e com vista a uma melhor aplicação do direito.

A Recorrida apresentou contra-alegações nas quais defende não se justificar a admissão da revista, ou dever a mesma improceder.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista o Recorrente pretende ver tratada a questão de direito de saber se, não tendo ficado provado que o R., aqui Recorrente, solicitou à A. as obras realizadas por esta, poderia ou não obter o respectivo pagamento, face à inexistência de qualquer relação contratual entre Autora e Réu.

A Autora intentou a presente acção administrativa comum pedindo a condenação do Município, aqui Recorrente, a pagar-lhe a quantia de €20.566,28, a título de capital, e de €4.115,51, a título de juros vencidos, assim como o pagamento de juros vincendos, por serviços prestados, concretamente, pela reparação da piscina das termas de Monfortinho, entrada do lar de Monfortinho, demolição da casa velha e serviço de retroescavadora e drenagem do cemitério da Torre, em Monfortinho, tudo nas quantidades e espécies referidas nas facturas de 30.08.2002 e 06.10.2003.

O TAF de Castelo Branco proferiu sentença em 04.03.2014, na qual julgou improcedente a acção intentada.

O acórdão recorrido discordou da sentença, nomeadamente, quanto à resposta que tinha sido dada ao quesitos 3º “Provado que o referido nos pontos antecedentes ocorreu a solicitação da Junta de Freguesia de Monfortinho só após autorização do Réu [resposta explicativa]”, considerando ser a única resposta possível a tal quesito de não provado.
Mais considerou que desta alteração da matéria de facto se retiravam consequências relevantes para a decisão da causa. Primeiro porque os factos provados são suficientes para suportar a procedência do pedido formulado pela A., por via da nulidade do contrato/acordo existente, “pois que não resulta controvertido que a A., ora RECORRENTE, realizou os trabalhos em causa e que o R., ora RECORRIDO, beneficiou e continua a beneficiar das obras feitas – cfr. factos n.ºs 2 e 7 da matéria de facto supra.
Acresce que resulta também dos autos que o R., ora RECORRIDO, sabe, pelo menos desde 2002 da execução das referidas obras, e de que a A., ora Recorrente, esperava de si o respetivo pagamento, tendo o RECORRIDO, em 2005, revogado um seu entendimento anterior – de que a responsabilidade seria da Junta de Freguesia de Monfortinho – para nessa data – 2005 – assumir que a responsabilidade seria sua, enquanto proprietário dos bens nos quais foram efetuadas as obras – cfr. factos aditados n. 8 e 9 da matéria de facto.
Acresce que a questão sob escrutínio foi sempre configurada – face aos articulados e da matéria de facto objeto de prova, sob a perspetiva de se saber se, não obstante a inexistência de contrato escrito e da observância do procedimento pré-contratual respetivo para a prestação de serviços em causa, realizados pela A., ora RECORRENTE, a favor do R., ora RECORRIDO lhe assistia o direito ao pagamento reclamado, pagamento este que corresponde ao valor das faturas emitidas e respetivos juros moratórios.
O acórdão recorrido fazendo apelo a abundante jurisprudência, tanto do TCA Sul como deste STA (ac. de 24.10.2006, Proc. nº 732/05, sobre o mecanismo do art. 289º, nº 1 do CC) em matéria semelhante, conclui o seguinte:
Aderindo, por com ela se concordar, à doutrina que dimana dos arestos citados e transcritos, em relação ao tempo durante o qual o contrato de facto esteve em execução, e aplicando a mesma para o caso dos autos resulta que a A., ora RECORRENTE, realizou para o R., ora RECORRIDO, determinadas obras – cfr. facto n.ºs 6 e 8 e 9, da matéria de facto – pelos valores constantes das faturas constantes dos factos n.ºs 3 e 4.
O acordo que terá existido – cfr. factos nº 8 e 9 aditados – sobre a realização destas obras é nulo por ter ocorrido em violação da tipicidade e da indisponibilidade dos procedimentos de contratação pública e das normas imperativas do regime de empreitadas de obras públicas então em vigor – Decreto-Lei n.º 59/99, de 02.03, designadamente, o respetivo art. 118.º.
Valorando, porém, a relação contratual de facto, nos termos jurisprudenciais e doutrina supra citadas e transcritas, e tendo a nulidade eficácia ex tunc, como decorre da retroatividade aludida no art. 289.º, n.º 1, do CC, mas não sendo possível retribuir a obra, deverá restituir o valor correspondente, que as partes contratantes objetivamente fixaram através do preço estipulado.” [ac. STA de 18.02.2010. proc. 0397/07].
Resultando dos factos assentes que os serviços foram prestados e que o R., ora RECORRIDO, deles beneficiou e beneficia – cfr. facto n.º 7 da matéria de facto – não tendo, contudo, procedido à realização da contraprestação respetiva, ou seja, ao pagamento do preço – cfr. factos n.ºs 4 e 5 da matéria de facto -, mesmo depois de ter sido interpelado para o efeito – cfr. facto n.º 4 da matéria de facto – não pode deixar de proceder a ação, com a correspondente condenação do R., …, no pagamento dos valores constantes das faturas elencadas nos factos n.ºs 3 e 4 – acrescidos de juros moratórios – cfr. art.s 804.º, 805.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) e 806.º, n.º 1 todos do CC – até integral pagamento.
Termos em que se julga a ação totalmente procedente e se condena o R., ora RECORRIDO, no pedido.
Assim, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida, e, conhecendo em substituição, julgou a acção procedente.

O Recorrente pretende que a relação contratual de facto foi estabelecida entre a A. e a Junta de Freguesia de Monfortinho, que teria sido a entidade que mandou executar a obra, sendo, como tal esta a responsável pelo pagamento em causa.
No entanto, a tese do Recorrente não é convincente, estando em completo desacordo com a factualidade provada.
Com efeito, como claramente resulta do que se transcreveu do acórdão recorrido os contratantes no contrato nulo foram a A. e o R., sendo como tal este o responsável pela restituição do valor correspondente ao prestado por aquela, visto não ser possível a restituição em espécie (art. 289º, nº 1 do CC).
Assim, o decidido no acórdão recorrido afigura-se, tê-lo sido com acerto, através de uma fundamentação consistente, coerente e plausível por parte do mesmo.
Assim, perante a aparente exactidão do acórdão recorrido, e, porque as questões abordadas no mesmo não revestem especial relevância ou complexidade jurídica, estando o mesmo alicerçado em abundante jurisprudência em matéria semelhante, não deve ser admitido o recurso, por não se justificar postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.