Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0286/14
Data do Acordão:04/23/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - De acordo com o decidido pelo acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Janeiro de 2013 em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, a aquisição de unidades de alojamento num empreendimento turístico, ainda que integradas no empreendimento em causa e, por isso, afectas à exploração turística, não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.
II - A referida interpretação e aplicação do art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, independentemente da sua correcção, não viola disposição ou princípio constitucional algum.
Nº Convencional:JSTA000P17398
Nº do Documento:SA2201404230286
Data de Entrada:03/07/2014
Recorrente:A.... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 493/11.0BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 A……., B………, C……… e D……… (a seguir Impugnantes ou Recorrentes) recorrem para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra as liquidações de Imposto Municipal sobre a Transmissão de Bens Imóveis (IMT) e de Imposto de Selo (IS) – Verba 1.1 e na qual pediram a anulação desses actos, sustentando, em síntese, que as aquisições que lhes deram origem beneficiam de isenção de IMT e redução de IS por se integrarem na previsão do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, aquisição de «fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística».

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.3 Os Recorrentes apresentaram a alegação de recurso, que resumiram em conclusões do seguinte teor: «

1.ª
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos, concluindo, por adesão aos fundamentos constantes do Acórdão 3/2013 do STA, que para efeitos do benefício fiscal previsto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de Dezembro, a primeira aquisição de fracção destinada à exploração turística não integra já a fase de instalação do empreendimento.
2.ª
Segundo o douto Acórdão 3/2013, proferido pelo STA, a decisão da questão de mérito passa pela determinação do sentido e alcance do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de Dezembro.
3.ª
O Tribunal recorrido, por adesão aos fundamentos do Acórdão 3/2013 do STA conclui que:
A isenção é objectiva
o conceito de instalação compreende “os actos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias a construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística
e pretende-se beneficiar o investimento turístico em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística.
4.ª
Apesar destas conclusões, o Acórdão 3/2013 do STA adopta a seguinte INTERPRETAÇÃO NORMATIVA do preceito (que é adoptada pelo tribunal recorrido):
«como a aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos» (fls. 28 do Acórdão 3/2013 do STA)
5.ª
E decide a fls. 213 do Acórdão [(Os Recorrentes querem referir-se à sentença recorrida. Note-se que a denominação acórdão está reservada às decisões dos tribunais colegiais (cf. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).)] recorrido que as aquisições em causa nos autos não integram a fase de instalação do empreendimento mas sim o da sua exploração e em consequência a fls. 214 julga improcedente a impugnação judicial.
6.ª
Esta conclusão que plasma o sentido da decisão é contrária ao sentido técnico jurídico de “instalação” considerado pelo Acórdão 3/2013 do STA, aqui adoptada.
7.ª
O conceito técnico jurídico de instalação a que o Tribunal que proferiu o Acórdão chegou abrange a obtenção de títulos que o tornem “apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística”.
8.ª
Nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, se a edificação não puder prestar serviços de alojamento não se pode falar de um empreendimento turístico.
9.ª
Ao contrário do que se diz no Acórdão 3/2013 do STA o empreendimento não entra em funcionamento com a comunicação de abertura, mas apenas fica autorizado a funcionar se puder. No regime da propriedade plural antes da alienação das fracções não pode o empreendimento prestar serviços de alojamento turístico, logo não estaríamos a falar de um empreendimento turístico instalado.
10.ª
Porque lhe falta a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado, tal como na definição de “Instalação” dada pelo Acórdão recorrido.
11.ª
O que habilita a funcionar um empreendimento em propriedade plural é o Título Constitutivo (artigo 54.º Decreto Lei 39/2008) aprovado pelo Turismo de Portugal e, como consta dos autos, o Titulo Constitutivo deste empreendimento só é aprovado pelo Turismo de Portugal em Março de 2009, pelo que não se pode considerar como faz o Acórdão recorrido que o empreendimento estava em funcionamento em Setembro de 2008 POIS NESSA DATA O PRÉDIO NEM ESTAVA REGISTADO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO COMERCIAL COMO EMPREENDIMENTO TURÍSTICO.
12.ª
Ora, nos empreendimentos turísticos em propriedade plural só na posse do Título Constitutivo aprovado pelo Turismo de Portugal o prédio pode ser inscrito como empreendimento turístico na Conservatória do Registo Predial, o que ocorreu com apresentação 5212 de 16 de Março de 2009 tal como consta nos autos.
13.ª
Ainda assim, para que se tome apto “a ser explorado para finalidade turística” como refere o douto acórdão, tem de poder prestar os serviços de alojamento que são a sua finalidade o que só é possível quando tiver o título que habilite as unidades de alojamento a serem exploradas nos termos do disposto no artigo 45.º n.º 3 do mesmo diploma e este título só existe a partir da compra da fracção.
14.ª
Donde, face à definição técnico jurídica de instalação plasmada no Acórdão proferido nos autos a aquisição em causa nos autos tem de se encontrar abrangida no conceito de instalação.
15.ª
Os documentos constantes dos autos eram idóneos a permitir ao Tribunal chegar a esta conclusão, nomeadamente CONSTANDO EM TAIS DOCUMENTOS A DATA DE OBTENÇÃO DO TÍTULO CONSTITUTIVO e A DATA DE INSCRIÇÃO NO REGISTO PREDIAL COMO EMPREENDIMENTO TURÍSTICO CONDIÇÃO SINE QUA NON DE FUNCIONAMENTO E A DATA DO CONTRATO DE EXPLORAÇÃO CONDIÇÃO SINE QUA NON PARA PRESTAR SERVIÇOS DE ALOJAMENTO QUE CONSTITUI A FINALIDADE DO EMPREENDIMENTO E SEM OS QUAIS ESTE NÃO EXISTE.
16.ª
A propósito da razão de ser e finalidades das isenções o Acórdão 3/2013 do STA, conclui que o Decreto-Lei 423/83 “pretende beneficiar é o investimento em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística...” (fls. 30) o que impunha também diferente decisão.
17.ª
Investimento imobiliário será construir imóveis para venda, enquanto investimento em empreendimentos turísticos constitui investimento no sector do turismo NOMEADAMENTE EM OFERTA TURÍSTICA DE QUALIDADE que constitui o “interesse público extra fiscal relevante” que justifica a isenção.
18.ª
Ora, este esforço é sempre obrigatoriamente do proprietário pois a classificação do empreendimento é revista de 4 em 4 anos nos termos da lei e como tal A GRANDE DIFERENÇA INTRODUZIDA PELO REGIME DA PROPRIEDADE PLURAL É A DE QUE QUEM COMPRA UMA FRACÇÃO É TAMBÉM DONO E CONTITULAR DO EMPREENDIMENTO E TEM DE DISPENDER ESTE ESFORÇO FINANCEIRO de financiar o funcionamento do empreendimento tal como consta no artigo 8.º do título Constitutivo.
19.ª
Daí que a isenção seja objectiva. O legislador não sabe se é o promotor ou os proprietários ou a entidade exploradora a despender esse esforço, na medida em que o promotor pode ficar com o empreendimento e vender apenas unidades ai integradas, pode vender a exploração a entidade exploradora, ou pode vender todo o empreendimento como nos presentes autos.
20.ª
Se no regime de propriedade plural o promotor “pretende desde logo, alienar ou vir a alienar as fracções autónomas ou lotes destinadas a unidades de alojamento” (fls. 27 Acórdão 3/2013 do STA). O investimento dele é apenas imobiliário como no caso dos autos.
21.ª
O empreendimento é declarado de utilidade turística devido aos seus elevados padrões de qualidade. São os PROPRIETÁRIOS DO ALDEAMENTO que têm de fazer o investimento na actividade para manter a utilidade turística pois esta foi conferida sob condição de justificarem com a realização de auditorias a manutenção da qualidade.
22.ª
Assim, a interpretação que o tribunal recorrido faz do disposto no art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, é ilegal porquanto violadora da racio da lei e do próprio conceito de instalação acolhido bem como contrária aos documentos constantes dos autos.
23.ª
Por outro lado, o entendimento acolhido a fls. 151 da sentença recorrida:
«III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação, para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos
é inconstitucional por violação do disposto no artigo 2.º, 20.º n.º 4, 81.º, al. b), 103.º n.º 2, 165.º, n.º 1, al. 1), 104.º n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa, este último conjugado com o artigo 13.º também da Lei Fundamental, enquanto Princípio Geral de Igualdade, inconstitucionalidade que ora se argui para todos os efeitos legais.
24.ª
Tal interpretação viola, por isso, o artigo 2.º da Lei Fundamental, porque abala a certeza e a confiança dos cidadãos na Lei e no Estado de Direito, confiança essa que decorre da existência de uma lei que não distingue não diz expressamente nem pretende, atenta a ratio da sua criação, que a isenção só se destine a aquisições para construção quando o próprio acórdão recorrido concebe a noção de instalação compreendendo “a obtenção de títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística».
25.ª
A interpretação normativa acolhida viola o princípio da igualdade vertido enquanto princípio fundamental no artigo 13.º da CRP e, em particular, da igualdade relativa à tributação do património, ínsita no artigo 104.º/2 da CRP, no sentido de discriminação positiva que a norma de isenção fiscal interpretada concede e que, por via da interpretação adoptada, acaba por ser negada, colocando os potenciais beneficiários em situação de desigualdade em relação a outros adquirentes de imóveis. A interpretação adoptada elimina, assim, o efeito de discriminação positiva associada à concessão do benefício fiscal.
26.ª
Acresce que a interpretação em causa viola também o disposto no artigo 81.º, al. b) da CRP, pois compete ao Estado-legislador, através da política fiscal, assegurar a justiça social, a igualdade de oportunidade e operar as necessárias correcções de desigualdades na distribuição da riqueza (art. 81.º b da CRP). No caso através do Instituto da utilidade turística o Estado pretendeu beneficiar quem faz investimento turístico numa OFERTA TURÍSTICA DE QUALIDADE uma vez que o turismo tem vindo a ser considerado como sector de intervenção prioritária face aos benefícios económico que produz e num caso como o vertente em que o construtor do empreendimento aliena todas as fracções, e logo o seu investimento é apenas imobiliário, é este que beneficia da isenção, ao invés do adquirente da fracção que será o proprietário do empreendimento qualificado e responsável pelos seus custos, fazendo investimento turístico. Esta interpretação beneficiaria o investimento imobiliário e deixaria de fora âmbito da isenção o investimento turístico.
27.ª
Conexa com a questão anterior, verifica-se que o entendimento da norma ínsita no artigo 20.º perfilhado pelo Tribunal a quo viola também o princípio da legalidade, ínsito no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, o qual dispõe que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os beneficias fiscais e as garantias dos contribuintes”. Ao adoptar a interpretação supra mencionada, a qual restringe o âmbito de aplicação do benefício fiscal em causa, extravasando o que diz a letra da lei.

Termos em que […]

Deverá ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença recorrida»» (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, as partes que no original surgiam em itálico figurarão em tipo normal, a fim de respeitar o destaque que lhes foi concedido pelos autores.).

1.4 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

1.6 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos porque a questão a dirimir tem vindo a ser decidida repetida e uniformemente por este Supremo Tribunal Administrativo.

1.7 As questões suscitadas pelos Recorrentes são a de saber

i) se as aquisições por eles efectuadas, de fracções autónomas que constituem unidades de alojamento de um aldeamento turístico que integra um empreendimento turístico a que foi reconhecido o estatuto de utilidade turística, se destinaram ainda à instalação desse empreendimento ou se integram, pelo menos, no processo de concretização dessa instalação, ou se, pelo contrário, o empreendimento já se encontrava instalado à data das aquisições; dito de outro modo, importa indagar se a primeira aquisição de imóvel integrado em empreendimento a que foi atribuída utilidade turística ainda integra a fase de instalação do empreendimento (cf. conclusões 6.ª a 22.ª);

ii) se a interpretação sufragada pela sentença recorrida viola o disposto nos arts. 2.º, 20.º, n.º 4, 81.º, alínea b), 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), 104.º, n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), este último conjugado com o art. 13.º da Lei Fundamental, enquanto princípio geral de igualdade (cf. conclusões 23.ª a 27.ª).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: «

QUANTO AO EMPREENDIMENTO TURÍSTICO:

1. Em 5 de Março de 2009, a Câmara Municipal de Loulé emitiu o alvará de licença de utilização turística n.º 43, relativo ao “E……. / F…….”.

2. O “E…….. / F………” é um empreendimento turístico com propriedade horizontal.

3. Em 25 de Fevereiro de 2011, na 2.ª Série do Diário da República, foi publicado o Despacho do Secretário de Estado do Turismo n.º 3.716/2011 no qual, além do mais, foi decidido “1 - Atribuir utilidade turística a título definitivo ao Aldeamento Turístico F…………, de 5 estrelas” e “2 - Fixar a validade da utilidade turística em sete anos contados da data do título (...) ou seja, até 4 de Setembro de 2025”.

QUANTO A A……..

4. No dia 10 de Julho de 2009, A…….. adquiriu a fracção autónoma designada pelas letras EH, destinada a habitação no âmbito de serviços de exploração turística, que faz parte do Aldeamento Turístico E……. / F…….

5. Também em 10 de Julho de 2009, o Impugnante celebrou com F……. – Aldeamento Turístico, S.A. relativo à fracção autónoma identificada no ponto anterior.

6. Em 10 de Julho de 2009 foi emitida a liquidação de IMT – actos impugnados –, relativa à aquisição referida em 4, no montante de € 103.820,60.

7. Posteriormente, o Director de Finanças de Faro indeferiu a reclamação graciosa deduzida pelo Impugnante contra a liquidação referida em 6.

QUANTO A B………

8. No dia 24 de Julho de 2009, B…….. adquiriu a fracção autónoma designada pelas letras DM, destinada a habitação no âmbito de serviços de exploração turística, que faz parte do Aldeamento Turístico E…….. / F……...

9. Também em 24 de Julho de 2009, o Impugnante celebrou com F……. – Aldeamento Turístico, S.A., na qualidade de entidade exploradora, um acordo designado “Contrato de Exploração Turística do Aldeamento Turístico F……..” relativo à fracção autónoma identificada no ponto anterior.

10. Em 23 de Julho de 2009 foi emitida a liquidação de IMT – actos impugnados –, relativa à aquisição referida em 8, no montante de € 51.350,00.

11. Posteriormente, o Director de Finanças de Faro indeferiu a reclamação graciosa deduzida pelo Impugnante contra a liquidação referida em 10.

QUANTO A C………

12. No dia 18 de Março de 2010, C……… adquiriu a fracção autónoma designada pelas letras DS, destinada a habitação no âmbito de serviços de exploração turística, que faz parte do Aldeamento Turístico E……. / F……..

13. Também em 18 de Março de 2010, o Impugnante celebrou com F……. – Aldeamento Turístico, S.A., na qualidade de entidade exploradora, um acordo designado “Contrato de Exploração Turística do Aldeamento Turístico F………” relativo à fracção autónoma identificada no ponto anterior.

14. Em 11 de Março de 2010 foi emitida a liquidação de IMT – actos impugnados –, relativa à aquisição referida em 12, no montante de € 39.000,00.

15. Posteriormente, o Director de Finanças de Faro indeferiu a reclamação graciosa deduzida pelo Impugnante contra a liquidação referida em 14.

QUANTO A D……..:

16. No dia 31 de Agosto de 2009, D……… adquiriu a fracção autónoma designada pelas letras AB, destinada a habitação no âmbito de serviços de exploração turística, que faz parte do Aldeamento Turístico E……. / F……..

17. Também em 31 de Agosto de 2009, o Impugnante celebrou com F…….. – Aldeamento Turístico, S.A., na qualidade de entidade exploradora, um acordo designado “Contrato de Exploração Turística do Aldeamento Turístico F……..” relativo à fracção autónoma identificada no ponto anterior.

18. Em 31 de Agosto de 2009 foi emitida a liquidação de IMT – actos impugnados –, relativa à aquisição referida em 16, no montante de € 36.400,00.

19. Posteriormente, o Director de Finanças de Faro indeferiu a reclamação graciosa deduzida pelo Impugnante contra a liquidação referida em 18».


*
2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A questão principal que se suscita no presente processo tem vindo a ser decidida de modo uniforme por este Supremo Tribunal Administrativo, na sequência do julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art.º 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no processo n.º 968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, de 23 de Janeiro de 2013, publicado na 1.ª Série do Diário da República, de 4 de Março de 2013 (http://dre.pt/pdfgratis/2013/03/04400.pdf), págs. 1197 a 1217(O acórdão pode também ser consultado em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f4a0c005dab5bc0980257b110039c597?OpenDocument.).
A sentença recorrida louvou-se nesse acórdão, cuja fundamentação o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé adoptou.
No processo em que foi proferido o mencionado acórdão estava em causa indagar, tal como nos presentes autos, da ilegalidade dos actos de liquidação de IMT e de Imposto de Selo respeitantes à aquisição de uma fracção autónoma que faz parte de um aldeamento turístico, ou seja, se a mesma reúne todas as condições legais para beneficiar da isenção de IMT e de redução de imposto de selo previstos no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, dada a utilidade turística reconhecida àquele aldeamento pelo Senhor Secretário de Estado do Turismo.
A sentença entendeu que não, remetendo para o referido acórdão.
Os Recorrentes continuam a sustentar que, tratando-se da primeira aquisição de uma fracção integrante de um empreendimento turístico, feita com a opção deliberada de afectar o bem à exploração turística e mantendo-se a unidade afecta a esta actividade, devem ser aplicáveis a essa aquisição os benefícios fiscais previstos no citado art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 (isenção de IMT e redução de 4/5 de Imposto do Selo).
Ou seja, o que importa determinar é se a primeira aquisição de imóvel integrado em empreendimento a que foi atribuída utilidade turística se destinou ainda à instalação desse empreendimento ou se integra, pelo menos, no processo de concretização dessa instalação, ou se, pelo contrário, o empreendimento já se encontrava instalado à data dessas aquisições.
Invocam também os Recorrentes a violação do disposto nos arts. 2.º, 20.º, n.º 4, 81.º, alínea b), 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), 104.º, n.º 3, este último conjugado com o art. 13.º, enquanto princípio geral de igualdade, todos da CRP.
Cumpre, pois, apreciar as questões suscitadas, que deixámos enunciadas em 1.7.


*

2.2.2 DO CONCEITO DE INSTALAÇÃO PARA EFEITOS DOS BENEFÍCIOS A QUE SE REFERE O ART. 20.º DO DECRETO-LEI N.º 423/83, DE 5 DE DEZEMBRO

Como deixámos já dito, a questão foi apreciada e decidida no referido acórdão de 23 de Janeiro de 2013, proferido em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, ao abrigo do disposto no art. 148.º do CPTA, o qual, por decisão tomada pela maioria dos Juízes Conselheiros em exercício na Secção, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
«O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação»».
Como tem vindo a ser afirmado por este Supremo Tribunal Administrativo em ulteriores acórdãos em que a mesma questão se colocou, «tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art. 8.º, n.º 3 do Código Civil – ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – cumpre-nos aderir a essa orientação jurisprudencial e aos fundamentos em que se estriba o referido acórdão, vertidos, de forma abreviada mas elucidativa, no respectivo sumário». Sumário que é do seguinte teor:

«I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º ss).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.

IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.

X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante».

Os Recorrentes não trazem ao processo novas razões, alegando, em síntese, por um lado, que o julgador devia ter seguido os objectivos constantes da introdução do Decreto-Lei n.º 423/83 e fazer uma interpretação mais actualizada dos princípios dele constantes, o que conduziria a uma decisão de sentido oposto àquela a que chegou e, por outro lado, alegam que a sentença recorrida e o acórdão em que a mesma se baseia enfermam de confusão conceptual entre os conceitos de exploração e instalação, por falta de percepção da realidade económica subjacente à instalação de um empreendimento turístico. O essencial da tese que defendem coincide com a tese que consta dos votos de vencido lavrados no referido acórdão.
Assim, em face do art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, e tendo em conta que, desde a prolação daquele acórdão, a questão tem vindo a ser apreciada e decidida uniformemente e com o mesmo sentido decisório em vários outros acórdãos desta mesma Secção, impõe-se-nos, em respeito pela citada orientação jurisprudencial, julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.


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2.2.3 DAS ARGUIDAS INCONSTITUCIONALIDADES

Os Recorrentes invocam que a interpretação adoptada no referido acórdão e na sentença recorrida viola o disposto nos arts. 2.º, 20.º, n.º 4, 81.º, alínea b), 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), 104.º, n.º 3, este último conjugado com o art. 13.º, todos da CRP.
Este Supremo Tribunal Administrativo também já deu resposta a esta questão, suscitada noutros recursos, sendo disso exemplo os recentes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário de 4 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 824/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a4f25a02ffb39d0280257c3d00548988?OpenDocument.), e de 5 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 1917/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/167f12f87e70122880257c7c0040b8a1?OpenDocument.), nos quais ficou dito o seguinte:

«Os recorrentes invocam, todavia, que o entendimento – interpretação do art. 20.º, n.º 1 do DL n.º 423/83, de 5 de Dezembro – expresso no transcrito acórdão viola os seguintes preceitos constitucionais: artigos 2.º, 20.º, n.º 4, 81.º, alínea b), 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i) e 104.º, n.º 2 da CRP;
Em resumo, aquelas inconstitucionalidades resultam da violação da certeza e da confiança dos cidadãos na lei, da violação da igualdade relativa à tributação do património, violação do princípio da justiça social e da igualdade de oportunidades e ainda do princípio da legalidade ínsito no art. 103.º citado.
Ora, com o devido respeito, estamos perante interpretação da lei feita por um Supremo Tribunal.
Tal interpretação em nada interfere com os princípios afirmadamente violados.
Assim, não sai violado o princípio da igualdade, já que só pode beneficiar da isenção quem preencher os respectivos requisitos. Não sendo os mesmos preenchidos a isenção tem de ser afastada, como foi.
O mesmo se dirá quanto à protecção da certeza e confiança. Só haveria violação se, por hipótese, tivessem sido criadas expectativas posteriormente retiradas, o que também não é o caso. A interpretação deste STA é no sentido claro de que só nos casos referidos existe isenção, pelo que, situações alheias não cabem na mesma isenção.
Também não se compreende muito bem a invocação do princípio da justiça social e da igualdade de oportunidades, nem o da violação do princípio da legalidade, os quais se podem aceitar no âmbito das leis e menos no da sua interpretação.
Na verdade, o facto de uma interpretação poder estar errada não acarreta necessariamente a sua inconstitucionalidade».

O recurso não pode, pois, ser provido com fundamento nas invocadas inconstitucionalidades ( No mesmo sentido, decidiram também os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 12 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 972/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c9c52c6d703494a080257c85005b0527?OpenDocument;
– de 26 de Fevereiro de 2014, proferido no processo 860/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b02e664644c060a80257c92005109ee?OpenDocument;
– de 26 de Fevereiro de 2014, proferido no processo 876/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/53d0a20add3a189880257c920057979b?OpenDocument.).


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - De acordo com o decidido pelo acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Janeiro de 2013 em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, a aquisição de unidades de alojamento num empreendimento turístico, ainda que integradas no empreendimento em causa e, por isso, afectas à exploração turística, não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.

II - A referida interpretação e aplicação do art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, independentemente da sua correcção, não viola disposição ou princípio constitucional algum.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 23 de Abril de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.