Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:099/20.3BALSB
Data do Acordão:01/26/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:REQUISITOS
RECORRIBILIDADE
JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28856
Nº do Documento:SAP20220126099/20
Data de Entrada:09/22/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..............
Votação:UNANIMDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
I. A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 757/2019-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou parcialmente procedente o pedido de pronuncia quanto à liquidação de IRS de 2018 deduzido por A…………, vem dela apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no art. 152º, nº1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do nº 2, do art. 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), com a alteração introduzida pela Lei nº 119/2019, de 18/09, por considerar que a referida decisão arbitral recorrida colide com a decisão arbitral proferida no processo nº 539/2018-T do CAAD, – datado de 22 de Abril de 2019, o qual transitou em julgado.

II. Por despacho a fls. 221 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal ordenou notificação da recorrida para contra alegar e do Ministério Público para emissão de Parecer.

III. A recorrente Fazenda Pública, veio apresentar alegações de recurso a fls. 7 a 28 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
A. In casu a questão em dissenso formula-se nos seguintes moldes: É de considerar incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas para os residentes em Portugal, extensiva aos não residentes, mas residentes em Estado-Membro da UE, por exercício da opção no quadro 8 B do Modelo 3, nomeadamente pelo preenchimento do campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes), constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE?
B. O sujeito passivo pretendia/pretende in casu a limitação da tributação a 50% das mais-valias resultantes da alienação dum imóvel sito em território português, apesar de ter declarado no modelo 3 de IRS que “pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes”, ou seja, a aplicação da taxa de 28% apenas sobre 50% dos rendimentos de mais-valias auferidos em território português.
C. A posição do tribunal arbitral divergia.
D. Em face desta divergência jurisprudencial quanto à mesma questão fundamental de direito, foi interposto Recurso para Uniformização de Jurisprudência nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e n.º 2 do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro).
E. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e nº 2 do art.º 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objeto a Decisão Arbitral proferida no processo nº 757/2019 T CAAD pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por se encontrar em contradição com a decisão fundamento, proferida pelo Tribunal Arbitral CAAD no Processo nº 539/2018 T CAAD, no segmento decisório que se reporta ao entendimento de não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, entendendo que o ato de liquidação, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.
F. Ora, a decisão arbitral sob recurso entendeu aderir à decisão arbitral vertida no Processo n.º 846/2019-T:
«Nestes termos, julga-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
Consequentemente, o acto de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade. Restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, deve esse acto ser parcialmente anulado.»
G. Por seu turno, na Decisão arbitral proferida no Processo nº 539/2018-T, convocado como fundamento, entendeu o seguinte:
«19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.
20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018..., relativa ao ano de 2017 e no valor de .»
H. Os dois arestos divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão:
É de considerar incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas para os residentes em Portugal, extensiva aos não residentes, mas residentes em Estado-Membro da UE, por exercício da opção no quadro 8 B do Modelo 3, nomeadamente pelo preenchimento do campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes), constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE?
I. O entendimento vertido na Decisão recorrida colide com a Decisão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito que se prende com saber se a norma do n.º 2 do artigo 43.º constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
J. Como tem sido afirmado de forma constante pela jurisprudência do STA, a identidade da questão fundamental de direito reporta-se, concomitantemente, aos preceitos ou princípios jurídicos aplicados e às situações de facto que eles concretamente disciplinaram. E que essa identidade não necessita de ser formal ou absoluta, mas uma identidade essencial.
O que se verifica in casu.
K. Ambas as decisões se reportam aos artigos 43.º, n.º 2 e 72.º, n.ºs 1, 9 e 10 ambos do Código do IRS, com as posteriores alterações.
L. Sendo que a identidade da questão de direito passa, necessariamente, e antes do mais, pela identidade da questão de facto subjacente, na exata medida em que aquela pressupõe que as situações de facto em que assentaram as soluções jurídicas jurídico semelhante, conforme refere o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo n.º 0485/02, de 08-05-2003.
M. A decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas e discutidas sob as mesmas normas legais, conforme salienta Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, Volume IV, p. 475 809.
N. Está em causa a decisão da mesma questão em ambos as decisões e os factos também são substancialmente idênticos, pois tratam-se de saber se a norma do n.º 2 do artigo 43.º constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
O. Enquanto na Decisão recorrida se considerou que a norma do n.º 2 do artigo 43.º constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE, na decisão fundamento o entendimento foi exatamente o contrário, ou seja, considerou-se que a norma do n.º 2 do artigo 43.º não constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
P. O que caracteriza e confere identidade às duas situações é que os factos são em tudo semelhantes e as normas jurídicas também.
Q. Nessa medida mostram-se verificados os pressupostos previstos no artigo 152.º do CPTA, para admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
R. O tribunal arbitral entendeu que a questão a apreciar era a seguinte:
«III-2-1 - Quanto ao mérito
A) Apreciação da questão de fundo, face aos factos provados.
Sobre a questão de fundo em discussão neste processo, existem várias decisões do CAAD, nomeadamente a decisão arbitral colectiva, presidida pelo Exmo. Senhor Conselheiro Carlos Cadilha, adoptada no Processo CAAD nº 846/2019-T, onde o signatário desta decisão, foi árbitro vogal.
Em declaração aposta no final da decisão arbitral atrás referida, o signatário desta decisão, expressou as razões que o levaram a alterar a sua posição sobre o reenvio prejudicial para o TJUE, que foi requerido pela AT e que antes tinha adoptado.
No Processo CAAD nº 846/2019-T acima referido, o que estava em causa, eram situações de facto e de direito idênticas às deste processo, apenas com a diferença de que a Requerente era uma pessoa singular residente no Brasil e não em Franca.
No sentido de contribuir para a uniformização das decisões adoptadas, este TAS adere, na totalidade, ao decidido no Processo CAAD nº 846/2019-T que passamos a transcrever, com as alterações relativas ao facto de se tratar de processos com Requerentes e articulados diferentes: prévia, a Requerente não pretende discutir a desconsideração, para efeito do apuramento da mais 157.465,49, mas unicamente a não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, entendendo que o acto de liquidação, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.
A Autoridade Tributária defende, em contraposição, que o legislador nacional procedeu já a adaptação do sistema fiscal ao acórdão do TJUE C-443/06, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou os n.º 7 e 8 (actuais 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS, que vieram permitir que não residentes possam optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, e que na determinação da taxa se tenham em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português, concluindo assim que a legislação nacional se mostra agora conforme com o direito europeu.
É, pois, esta a única questão que está em debate.»
S. Entendeu o tribunal arbitral que:
«Do exposto, resulta a ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2014 com a sua consequente anulação, bem como a ilegalidade parcial a mesma autoliquidação concretamente na parte em que não permitiu ao Requerente a dedução do benefício fiscal de que dispunha, no valor de € 1000 000,00, à coleta resultante das tributações autónomas apuradas naquele exercício, o que justifica a sua anulação parcial.»
T. Por seu turno, a decisão fundamento, vertida no processo n.º 539/2018-T CAAD, decide em sentido diametralmente oposto:
«20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018…relativa ao ano de 2017 e no valor de € 47,034,56».
U. Tal como foi referido na Decisão fundamento:
« (…) 14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto:
a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais-valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)[2] do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8 B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.
20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018..., relativa ao ano de 2017 e no valor de € 47.034,56.»
V. Salvo melhor opinião, é o entendimento expendido na decisão fundamento suportado nas mesmas normas jurídicas da decisão recorrida, i.e., artigos 43.º, n.º 2 e 72.º, n.ºs 1, 9 e 10 ambos do Código do IRS.
W. Razão porque o entendimento da Recorrente deverá prevalecer, na medida em que:
X. 1) para efeitos de tributação do aqui Recorrido pelas taxas do artigo 68.º, ou seja, como residente, era condição necessária ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e o quadro 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro) - o que não aconteceu por opção do próprio Requerente;
Y. 2) a norma do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, que o Recorrido pretende que lhe seja aplicada, insere-se no capítulo II do Código do IRS, da Determinação do rendimento coletável, pelo que não é legalmente possível aplicá-la, porquanto para efeitos de incidência, no que toca à matéria das mais-valias, os artigos relevantes são o 9.º e o 10.º do mesmo Código; e
Z. 3) porque o quadro legal existente (bem como a obrigação declarativa) já não são os mesmos que existiam à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, por forças das referidas alterações introduzidas pela Lei do OE n.º 67.º- A/2007, de 31/12.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Foi emitido o seguinte Parecer, a fls. 226 e seguintes do SITAF:
O presente recurso vem interposto pela Fazenda Pública, requerida no processo arbitral n.º 757/2019-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Requerente A…………; tendo sido notificada da decisão arbitral proferida e não se conformando com ela por entender que a mesma se encontra em oposição directa quanto à mesma questão fundamental de direito com a proferida também pelo CAAD no processo arbitral n.º 539/2018-T, vem, com invocação do disposto nos art.ºs 25º, n.ºs 2 e 3 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) aprovado pelo DL n.º 10/2011 e 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso para uniformização de Jurisprudência.
É recorrido A………….
I - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
De acordo com o previsto no art.º 25.º n.º 2 do RJAT, “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é … suscetível de proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”
A admissibilidade e prosseguimento do recurso para uniformização de jurisprudência depende, no que aqui interessa, da verificação dos pressupostos seguintes:
a) Contradição entre as duas decisões identificadas e que ambas, a decisão impugnada e a decisão fundamento tenham transitado em julgado;
b) Contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, substantivo ou processual;
c) Ser a orientação perfilhada na decisão impugnada desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA;
(A este propósito pode ver-se o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha e bem assim o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/11, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt)
No que concerne à caracterização da questão fundamental de direito, é inquestionável que ela deve incidir sobre situações de facto idênticas, como são, alegadamente, aquelas sobre as quais se debruçaram as decisões ditas em oposição; é, pois, pressuposta, a identidade de situações de facto objecto de aplicação das mesmas normas de direito, porém, com solução diversa e oposta.
A oposição deverá emergir de decisões expressas e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que as decisões sejam proferidas na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica.
II - OBJECTO DO RECURSO
É objecto deste parecer, o pedido de admissão e apreciação de Recurso para Uniformização de Jurisprudência apresentado pela Fazenda Pública que impugna a decisão proferida no processo n.º 757/2019-T, por Tribunal Arbitral Singular, em matéria tributária, constituído sob a égide do CAAD, na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, RJAT) e supra identificado.
A questão que vem colocada pela recorrente e para a qual solicita resposta de uniformização é a de saber se deve julgar-se, como se julgou na decisão recorrida incompatível, com o direito da União Europeia a norma constante do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os contribuintes residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
Na decisão fundamento proferida no processo n.º539/2018-T, decidiu-se que não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
Mencionando-se o Acórdão do TJCE de 2007/OUT/11 (Hollman) considerou-se que este foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeressem, o que não foi o caso.
Das decisões mencionadas retiraram-se as legais consequências quanto às liquidações de imposto que cuja legalidade estava a ser apreciada, declarando-se ilegais e anulando-as no caso da decisão recorrida, julgando procedente a impugnação e considerando não se verificar a ilegalidade e mantendo-as na ordem jurídica no caso da decisão fundamento, julgando improcedente a impugnação.
Discordando da decisão proferida no processo n.º 757/2019-T, entende a recorrente que deve prevalecer a interpretação tomada na Decisão fundamento, a qual decidiu sustentadamente que “a liquidação impugnada não é incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dado que foi tida em consideração a alteração levada a cabo no art.º 72.º do CIRS, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram, o que não foi o caso do aqui recorrido.
Defende a recorrente que não se verificou a alegada incompatibilidade com o disposto no artigo 63.º do TFUE.
Antes de analisar a questão de direito identificada importa ter em consideração as situações de facto apuradas, num e noutro caso, as quais se nos apresentam substancialmente idênticas .
Assim :
No processo n.º 757/2019-T apurou-se o seguinte:
1) O Requerente é cidadão português e em 2018 residia em França.
2) Por escritura pública de 27/06/2003, o Requerente e o seu cônjuge, compraram a fração autónoma designada pela letra "….", inscrita na respectiva matriz, situado em Vilamoura, no concelho de Loulé pelo preço de € 79.807,66.
3) Por escritura pública de 28/09/2018, pelo preço global de € 200.000,00 venderam a fração autónoma identificada.
4) Da alienação onerosa referida em 3), resultou para o Requerente e para o seu cônjuge, após aplicação de coeficiente de desvalorização, no caso de 1,23, nos termos da Portaria nº 317/2018, de 11 de Dezembro, e respectivas de deduções, uma mais-valia de € 92.999,25.


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1. Em 2017 o Requerente era residente em Madrid, Espanha e apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias, os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais.
2. Pelo rosto da Declaração Mod.3 verifica-se que no quadro 8 B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
3. Verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).
4. Os bens alienados e os rendimentos declarados foram todos auferidos em território português e eram os seguintes:
4.1 Fracção autónoma designada pela letra …., a que corresponde o ……. direito, destinado à habitação, situado em freguesia e concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz.
Este imóvel foi adquirido em 20/04/2015 pelo preço de 90 000,00 e foi vendido em 15/09/2017 pelo preço de €255 000,00.
4.2 Fracção autónoma designada pela letra …, a que corresponde o …….. esquerdo, destinado à habitação, situado em freguesia do concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz.
Este imóvel foi adquirido em 10/11/2015 pelo preço de €55 000,00 e foi vendido em 21/03/2017 pelo preço de €155 000,00.
4.3 Participações sociais vendidas em 06/10/2017 pelo montante de €21 290,10 que havia adquirido em 26/08/2014 pelo preço de € 19 805,40.
4.4 Rendimentos prediais de €4 300,00 respeitantes às rendas das duas fracções autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.
5. A declaração de IRS foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação “n.º 2018... “ com um montante de imposto a pagar de €46 551,36, posteriormente rectificada por uma 2.ª liquidação com o “n.º 2018...”, com um valor de imposto a pagar de €47 034,56, originando um estorno do montante também a pagar em relação à primeira liquidação de €483,20;
6. O requerente procedeu ao pagamento das quantias mencionadas.
7. Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o “n.º 2018...”, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e colectável de €167 980,58 e a colecta de €47 034,56. (à taxa de 28%).
***
Concentrando–nos na questão de direito que vem suscitada importa ter em mente que no caso da decisão recorrida a liquidação que foi impugnada respeitava à tributação da totalidade do saldo positivo das mais-valias imobiliárias realizadas e não apenas a 50% do seu valor, saldo esse respeitante à alienação dos bens imóveis e das mais-valias das participações sociais descritas, entendendo o impugnante que a Autoridade Tributária praticou uma discriminação negativa injustificada em relação aos residentes, proibida pelo Direito Comunitário, designadamente o artigo 62.º n.º 1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), o que determinou uma tributação excessiva em IRS.
O TJUE, no acórdão C - 443/06 (acórdão Hollmann), decidiu que o artigo 56.° do TCE (actual artigo 63.º do TFUE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado membro, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.

[IMAGEM]

Na sequência das alterações mencionadas (n.ºs 13 e 14 do art.º 72) as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes passaram a conter um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68.º do Código do IRS, opção que o Requerente não utilizou, limitando-se a assinalar a sua condição de não residente. Acrescenta ainda a AT que para efeitos de incidência, no que respeita à matérias das mais-valias são aplicáveis os artigos 9.º e 10.º do CIRS e não o art.º 43.º n.º 2 do Código do IRS.
Termina defendendo que o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS o que não fez.
Segundo o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na redacção em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efectuadas por residentes”. Quando auferidos por sujeitos passivos residentes, esses rendimentos (os 50%) são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respectivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.
Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.
Na Decisão recorrida considerou-se que, contrariamente ao entendimento da AT, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS questionadas, uma vez que após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes, sendo que este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, ainda assim, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, nº2, conforme, aliás, em vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais (ver, por todos Proc.74/2019-T).
Com se considerou, actualmente e quanto à matéria em questão coexistem dois regimes fiscais:i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e
ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.
Como se considerou, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação susceptível de excluir a discriminação em causa sendo que o regime de equiparação actualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.
Nesse sentido, se pronunciou o TJUE, no Acórdão Gielen e também o CAAD e este Supremo Tribunal Administrativo se têm vindo a pronunciar no mesmo sentido – cf. Acórdão de 20-02-2019, proferido no Proc. 0901/11.0BEALM.0692/17 e Acórdão de 03-02-2016, proferido no Proc. 01172/14.
Na sequência de tudo o que se considerou e deixou exposto julgou a decisão recorrida que a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, é incompatível com o direito da União Europeia constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
No processo n.º 56/20.0BALSB, decidiu este Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que “o entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Estando a decisão recorrida em plena sintonia harmonia com esta jurisprudência do STA, que entretanto se consolidou e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito, porquanto dispõe o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, que o recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, o que se verifica in casu.”
É o que deve ser decidido no caso presente.
Face ao exposto, damos parecer no sentido de que não deve o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tomar conhecimento do mérito do recurso.

I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso, exarada a fls. 54 e seguintes do SITAF, considerou como provados os seguintes factos:
a) O Requerente é cidadão português com residência, em 2018, em França – conforme artigo 7º do PPA e artigo 6º da Resposta da AT;
b) O Requerente e o seu cônjuge, por escritura pública de 27/06/2003, pelo preço de €79.807,66 compraram a fração autónoma designada pela letra "….", inscrita na matriz sob o artigo ……, registada na Conservatória do Registo de Vilamoura sob o número 4470, do prédio urbano sito em subzona …., … .., em Vilamoura, freguesia de Quarteira concelho de Loulé – conforme artigo 19º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;
c) Por escritura pública de 28/09/2018, pelo preço global de € 200.000,00 venderam a fração autónoma de prédio urbano atrás identificada - conforme artigo 20º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;
d) Da alienação onerosa referida em c), resultou para o Requerente e para o seu cônjuge, após aplicação de coeficiente de desvalorização, no caso de 1,23, nos termos da Portaria nº 317/2018, de 11 de dezembro, e respectivas de deduções, uma mais-valia de €92.999,25 - conforme artigo 21º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;
e) O Requerente e o seu cônjuge, por escritura pública de 16/03/2004, pelo preço de €80.000,00, compraram a fração autónoma designada pela letra "…" do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ….., registada na Conservatória do Registo de Vilamoura sob o número 4470, do prédio urbano sito em Subzona …., … .., em Vila Moura, freguesia de Loulé, concelho de Loulé -conforme artigo 22º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;
f) Por escritura pública de Outubro de 2018, pelo preço de € 200.000,00 venderam a fracção autónoma de prédio atrás identificada - conforme artigo 23º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;
g) Da venda referida em f), resultou para o Requerente e cônjuge, após aplicação do coeficiente de desvalorização, no caso de 1,21, nos termos da Portaria nº 317/2018, de11 de dezembro, e respectivas de deduções, uma mais-valia de € 95.128,13 – conforme artigo 24º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;
h) O Requerente e o seu cônjuge apresentaram, em 29/06/2019, em separado, as respectivas declarações de IRS — Modelo 3, respeitantes ao ano de 2018, juntamente com o anexo G, onde declararam as mais-valias imobiliárias atrás referidas – conforme nº 10º do PPA e documento nº 3 em anexo ao PPA;
i) O Requerente, no quadro 4 do Anexo G do Modelo 3 do IRS, declarou 50% do valor de aquisição das duas fracções autónomas € 79 903,83); 50% do valor de realização das duas fracções autónomas (€ 200 000,00) e ainda 50% das despesas e encargos (€8 454,60) – conforme nº 10º do PPA e documento nº 3 em anexo ao PPA;
j) Quanto ao Requerente, a AT procedeu ao cálculo do imposto devido, nos termos do disposto no artigo 43º-1 CIRS, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano e aplicando uma taxa fixa de 28% à totalidade das mais-valias, no valor de € 96.063,68 – conforme artigos 29º e 30º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;
k) O Requerente foi notificado da liquidação nº 2019..., documento nº 2019...,correspondente à liquidação de IRS de 2018, resultando um valor a pagar de €26.337,83, o que pagou em 27.08.2019 – conforme artigos 1º, 2º e 3º do PPA e documentos nºs 1 e 2 juntos com o PPA;
l) Em 04 de Outubro de 2019 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).

A decisão arbitral fundamento, proferido pelo Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito do processo nº 539/2018-T datado de 22 de Abril de 2019, deu como provado a seguinte factualidade:
1 - O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;
2 - O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).
3 - Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8 B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
4 - E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).
5 - Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:
3.1 - Fração autónoma designada pela letra …, a que corresponde o …… …., destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ……….., n.º …., Letras ……, freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo …… (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de €255,000,00 (Doc. 3).
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).
3.2 - Fração autónoma designada pela letra …, a que corresponde o ……… …, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua …….., n.º…, em Alcântara, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….. (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de €155,000,00 (Doc. 5).
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4).
3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de €21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de €19.805,40.
3.4 - Rendimentos prediais de €4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas frações autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.
6 - A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de €46.551,36 (Doc. 7), posteriormente retificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de €47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de €483,20 (Doc.8).
7 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 em 24-08-2018 e também de €483,20 na mesma data, num total de €47.034,56 (Doc.s 9 e 10).
8 - Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e coletável de €167.980,58 e a coleta de €47.034,56 (à taxa de 28%).
9 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 e também de €483,20, num total de €47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10).
II.2 – De Direito
I. Dispõe o artigo 25.º do RJAT – e dispunha na sua redação à data da interposição do presente Recurso – que:
1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada.
2 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
3 - Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
4 - Os recursos previstos nos números anteriores são apresentados, por meio de requerimento acompanhado de cópia do processo arbitral, no tribunal competente para conhecer do recurso.
5 - A interposição de recurso é obrigatoriamente comunicada ao Centro de Arbitragem Administrativa e à outra parte.

II. Vejamos, então e antes de tudo o mais, se se verificam as condições de recorribilidade previstas no n.º 2 deste artigo 25.º do RJAT:
- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Mais se entende que é idêntica a questão fundamental de Direito quando:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.


IV. Ora, vertendo ao caso dos presentes autos, pode-se concluir, quanto ao contexto fáctico, que o mesmo é claramente semelhante:
- Ambos os sujeitos passivos envolvidos são residentes na União Europeia, respectivamente em França (embora com nacionalidade portuguesa) e Espanha;
- Ambos os sujeitos passivos se qualificam como não residentes para efeitos do Código do IRS;
- Ambos os sujeitos adquiriram e alienaram imóveis urbanos sitos em Portugal – no primeiro caso, 2 imóveis (em 2018) e, no segundo caso, um imóvel (em 2017) – resultando dos respectivos negócios a realização de mais-valias imobiliárias sujeitas e não isentas de imposto;
- Ambos os sujeitos passivos foram submetidos a uma tributação fixa à taxa especial nominal de 28%, não tendo optado pela tributação às taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, acompanhada da consideração por metade das mais-valias imobiliárias.

V. Quanto ao enquadramento jurídico, encontramo-nos diante de uma identidade de cenários, porquanto as normas em causa da legislação nacional – artigo 43.º, n.º 2 e 72.º, n.º 1 do Código do IRS – assim como as normas europeias – artigo 63.º do TFUE, ex-artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia – à luz das quais aquelas primeiras foram interpretadas, se revelam integralmente idênticas e inalteradas na sua redacção em ambas as situações.

VI. Por seu turno, quanto à questão fundamental de Direito relativamente à qual se geram interpretações contrárias, ela é indiscutivelmente a mesma e pode sintetizar-se nos seguintes termos: pode um Não Residente cumular o regime de tributação à taxa fixa com o regime de consideração por metade do valor do saldo apurado?
A esta questão responde a decisão arbitral recorrida em termos afirmativos, estribando-se na jurisprudência europeia relevante e noutras decisões arbitrais. Por seu turno, e em absoluto contraste, a decisão arbitral fundamento responde a esta questão em termos negativos, estribando-se na coerência e integridade de soluções do sistema fiscal, assim como na não opção por parte do sujeito passivo pelo regime de englobamento por metade sujeito a taxas progressivas.
É, portanto, inequívoco que existe uma inconciliável leitura interpretativa entre as decisões arbitrais relativamente às mesmas normas jurídicas, inexistindo, também por aqui, qualquer obstáculo à admissibilidade por este Supremo Tribunal do presente Recurso.

VII. Porém, e como supra se viu, a admissibilidade do presente Recurso depende ainda da verificação de uma outra condição: que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, ex vi n.º 3 do artigo 25.º do RJAT.
É a condição que, ora, se impõe analisar.
Ora, a este respeito, é inevitável constatar que esta questão fundamental de Direito – relativamente à qual se apresentam em confronto as dissonantes decisões arbitrais aqui em causa – já foi objecto de tratamento e resposta por este Supremo Tribunal em numerosas ocasiões.
E, na linha da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União, o Pleno da Secção deste Supremo Tribunal assentou, por Acórdão proferido no Processo n.º 75/20, em 9 de Dezembro de 2020, que: “A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou. IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”, e, na mesma data, no Processo n.º 64/20, que: “I - Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.” (disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, no seguimento destas decisões do Pleno – assim como da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União no Acórdão C-388/19, de 18 de Março de 2021 (MK contra Autoridade Tributária e Aduaneira), onde se pode ler que: “Tendo em conta todas as considerações precedentes, o Tribunal decidiu que o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um EstadoMembro que faz depender a tributação das mais-valias provenientes de bens imóveis situados nesse território e auferidas por sujeitos passivos residentes noutros Estado-Membro ao abrigo do regime de tributação previsto para os sujeitos passivos residentes, de uma opção, pelos primeiros, do regime aplicável.” (disponível em www.curia.europa.eu) – este Supremo Tribunal tem mantido intacta a linha jurisprudencial pela qual se alinhou, igualmente, a decisão aqui recorrida – vd, por exemplo, as decisões vertidas no Processo n.º 1154/18, de 12 de Maio de 2021 ou no Processo n.º 95/2020, de 24 de Novembro de 2021 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
De tudo o exposto, dúvidas não podem restar de que o último requisito de admissibilidade do presente Recurso a que acima se fez referência não se encontra verificado, por ser claramente notória a existência de jurisprudência consolidada a sufragar, precisamente, a leitura vertida na decisão arbitral recorrida, que ora surge aqui contestada.
Assim sendo, e não se tendo por verificado este requisito de admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência, não pode o presente Recurso ser admitido.


III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em não tomar conhecimento do mérito do Recurso.

Custas pela Recorrente.


Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2022. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (Relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira de Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.