Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0807/09
Data do Acordão:01/27/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
NOTIFICAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO
NOTIFICACÃO POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
Sumário:I - A presunção de notificação prevista nos nºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT funciona em duas situações, a saber:
- recusa do destinatário a receber a notificação;
- não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal.
II - Tendo ficado demonstrado que tinha sido deixado aviso, no domicílio fiscal indicado pelo contribuinte, de que as cartas contendo as notificações podiam ser levantadas, o que, efectivamente, não veio a acontecer e que a sua estadia na Suíça não constituiu justo impedimento, "tanto mais que deveria ter dado conta dessa situação à administração fiscal e indicado uma morada no País onde se encontrava" - o que também não fez -, como se decidiu na sentença recorrida e cujo segmento não foi posto em causa, transitando, assim, em julgado, funciona a presunção prevista no predito nº 5, considerando-se a notificação feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (vide predito nº 6).
Nº Convencional:JSTA00066239
Nº do Documento:SA2201001270807
Data de Entrada:07/28/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART39 N5 ART102 N1 A.
CCIV66 ART279.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VI 5ED PAG357.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, veio deduzir impugnação judicial contra os actos de liquidação adicionais de imposto municipal de Sisa, imposto de Selo e juros compensatórios, no valor de € 4.618,57, € 3.875,24 e € 440,06, respectivamente.
No âmbito da sua contestação, a FP suscitou a questão da intempestividade da referida impugnação judicial.
Por decisão datada de 5/2/07, o Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga não reconheceu a excepção da intempestividade, considerando a impugnação interposta dentro do prazo legal de 90 dias após a data limite de pagamento do imposto, para concluir, assim, que o direito de acção não havia caducado (vide fls. 59 a 62).
Inconformada com esta decisão, a FP veio interpor recurso para este STA, concluindo pela forma seguinte:
I. Em 10.11.2004, através do ofício n.º 6400, da mesma data e sob a forma de carta registada com aviso de recepção, foi remetido para o domicílio fiscal do sujeito passivo ora impugnante a notificação das liquidações aqui em causa.
II. Tal correspondência foi devolvida ao Serviço de Finanças de Esposende (SF) pelos serviços postais com a indicação “ Não reclamado”,
III. Pelo que aquele SF remeteu em 26.11.2004 – nos termos e para os efeitos previstos no n.º 5 do art. 39º do CPPT – através do ofício n.º 6628, igualmente, sob a forma de carta registada com aviso de recepção, para a referida morada uma segunda notificação daqueles actos tributários.
IV. Tal correspondência foi devolvida ao SF pelos serviços postais com a indicação de “Não reclamado”.
V. Havendo lugar à segunda notificação dos actos tributários de liquidação, nos termos do disposto no art. 39º, n.º 5 do CPPT, o contribuinte presume-se notificado, ainda que a carta seja devolvida aos serviços que a remeteram por não haver sido reclamada no prazo estabelecido no regulamento dos serviços postais.
VI. Na situação acima descrita, o contribuinte – não tendo logrado provar um justo impedimento que fosse susceptível de ilidir a referida presunção – considera-se, para todos os efeitos, como notificado no terceiro dia posterior àquele em que foi efectuado o registo postal ou, no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
VII. Assim, constatando-se o registo daquela notificação no dia 26.11.2004 é imperioso concluir que a notificação do contribuinte ocorreu no dia 29.11.2004.
VIII. Sendo o prazo de pagamento voluntário estabelecido na referida notificação de 30 dias a contar da data da mesma, é forçoso concluir que o termo do prazo de pagamento voluntário dos tributos ora em crise ocorreu no dia 29.12.2004.
IX. Sendo aplicável ao caso concreto o prazo de impugnação judicial do 90 dias previsto no art. 102º, n.º 1, alínea a) do CPPT, é inevitável inferir que o prazo para o contribuinte reagir judicialmente contra os actos tributários, no caso concreto, teve o seu termo final no dia 29.03.05.
X. Tendo a petição inicial dos presentes autos sido apresentada apenas em 12.04.04 torna-se obrigatório concluir pela extemporaneidade dessa apresentação e, consequentemente, pela caducidade do direito de impugnar as liquidações.
XI. Sendo que a verificação de tal excepção conduz, se verificada em sede liminar, ao indeferimento da petição inicial ou, se verificada a final, à improcedência do pedido.
XII. No douto despacho recorrido, ao não declarar-se a caducidade do direito de impugnar o tributo, fez-se errada interpretação e aplicação do direito.
Ordenada a subida imediata deste recurso, neste STA foi proferida a decisão de fls. 90 e 90 vº, de acordo com a qual foi fixado ao referido recurso a sua subida deferida, subindo nos autos com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final e, em consequência, ordenada a abaixa dos autos ao Tribunal “a quo”, “a fim de aí prosseguirem os seus ulteriores termos”.
Em consequência foi proferida a sentença de fls. 120 a 123, datada de 17/2/09, que julgou procedente a impugnação judicial, anulando as liquidações impugnadas.
Novamente inconformada, a FP veio interpor recurso desta sentença para este STA (vide fls. 129 e segs.), formulando as seguintes conclusões:
I. Em 10.11.2004, através do ofício nº 6400, da mesma data e sob a forma de carta registada com aviso de recepção, foi remetido para o domicílio fiscal do sujeito passivo ora impugnante a notificação das liquidações aqui em causa.
II. Tal correspondência foi devolvida ao Serviço de Finanças de Esposende (SF) pelos serviços postais com a indicação de “Não reclamado”,
III. Pelo que aquele SF remeteu em 26.11.2004 - nos termos e para os efeitos previstos no nº 5 do art. 39º do CPPT - através do ofício nº 6628, igualmente sob a forma de carta registada com aviso de recepção, para a referida morada uma segunda notificação daqueles actos tributários.
IV. Tal correspondência foi devolvida ao SF pelos serviços postais com a indicação de “Não reclamado”.
V. Havendo lugar à segunda notificação dos actos tributários de liquidação, nos termos do disposto no art. 39º, nº 5 do CPPT, o contribuinte presume-se notificado, ainda que a carta seja devolvida aos serviços que a remeteram por não haver sido reclamada no prazo estabelecido no regulamento dos serviços postais.
VI. Na situação acima descrita, o contribuinte - não tendo logrado provar um justo impedimento que fosse susceptível de ilidir a referida presunção - considera-se, para todos os efeitos, como notificado no terceiro dia posterior àquele em que foi efectuado o registo postal ou, no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
VII. Assim, constatando-se o registo daquela notificação no dia 26.11.2004 é imperioso concluir que a notificação do contribuinte ocorreu no dia 29.11.2004.
VIII. Sendo o prazo de pagamento voluntário estabelecido na referida notificação de 30 dias a contar da data da mesma, é forçoso concluir que o termo do prazo de pagamento voluntário dos tributos ora em crise ocorreu no dia 29.12.2004.
IX. Sendo aplicável ao caso concreto o prazo de impugnação judicial de 90 dias previsto no art. 102, nº 1, alínea a) do CPPT, é inevitável inferir que o prazo para o contribuinte reagir judicialmente contra os actos tributários, no caso concreto, teve o seu termo final no dia 29.03.2005.
X. Tendo a petição inicial dos presentes autos sido apresentada apenas em 12.04.2005 torna-se obrigatório concluir pela extemporaneidade dessa apresentação e, consequentemente, pela caducidade do direito de impugnar as liquidações.
XI. Sendo que a verificação de tal excepção conduz, se verificada em sede liminar, ao indeferimento liminar da petição inicial ou, se verificada a final, à improcedência do pedido.
XII. No douto despacho ora recorrido, ao não declarar-se a caducidade do direito de impugnar o tributo, fez-se errada interpretação e aplicação do direito, nomeadamente do disposto no art. 39, nº 6 do CPPT.
XIII. E, consequentemente, revela-se forçoso concluir que o Tribunal a quo não poderia conhecer do mérito da questão por verificar-se a extemporaneidade da dedução da presente impugnação judicial.
XIV. Não obstante, tendo o Tribunal apreciado tal questão é forçoso que se conclua que a sentença sob recurso enferma de nulidade por excesso de pronúncia, uma vez que conheceu da questão de fundo cuja apreciação lhe estava vedada, por prejudicada em face da comprovação da excepção da caducidade da impugnação judicial que fora deduzida, cfr. art. 668º nº 1, al. d) do CPC.
Não houve contra-alegações.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, cingindo o objecto do recurso à questão da tempestividade da impugnação, concluiu que devia ser concedido provimento ao mesmo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Comecemos pela apreciação do recurso interposto a fls. 68 e segs., por que prejudicial.
Quanto à matéria de facto, uma vez que a mesma não foi impugnada e não há qualquer alteração a fazer, remete-se para os termos da decisão da 1ª instância que decidiu aquela matéria - cfr. artº 713º, nº 6, ex vi do artº 726º do CPC.
Como vimos a questão que aqui se coloca tem a ver com a (in)tempestividade da presente impugnação judicial.
Perante a factualidade apurada, na decisão recorrida entendeu-se, em suma, que, nos termos do disposto no artº 39º, nº 5 do CPPT, “a notificação presume-se efectuada, caso a carta registada com aviso de recepção não tenha sido recebida ou levantada.
O que a lei não diz é quando é que se deve presumir a notificação…
Desta forma, tem de se encontrar um critério geral para as presunções de notificações das cartas registadas com aviso de recepção…
Desta forma, nos casos de cartas registadas com aviso de recepção, temos de presumir a notificação efectuada no último dia até ao qual o interessado pode válida e legalmente dirigir-se aos correios para levantar a carta.
Conforme acima se deu por assente no ponto 5 da matéria de facto, os correios devolveram a carta no dia 13/12/2004, devendo considerar-se este dia a data limite que o interessado tinha para levantar a carta.
Assim sendo, considera-se o contribuinte notificado a 13/12/2004, ou melhor, presume-se… notificado a 13/12/2004”.
Para concluir que, dispondo o contribuinte de 30 dias para pagar a dívida tributária em causa, tendo a impugnação judicial sido interposta em 12/4/05, a mesma é tempestiva.
A recorrente, por sua vez, alega que, ao contrário do decidido, a lei diz quando se deve presumir a notificação do contribuinte, concretamente, no nº 6 do artº 39º do CPPT.
Assim sendo e pelas razões que constam das conclusões da sua motivação do recurso supra transcritas, a presente impugnação judicial é intempestiva.
Vejamos se lhe assiste razão.
3 – A respeito da presunção da notificação estabelece o artº 39º do CPPT que: “Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal” (nº 5) e
“No caso de recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”
Ora, em face destes dispositivos legais, a presunção funciona em duas situações, a saber:
- recusa do destinatário a receber a notificação;
- não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal.
Em anotação ao citado artigo 39º escreve Jorge Sousa, in CPPT anotado e comentado, Vol. I, pág. 357, versando os requisitos da presunção de notificação:
“Na segunda situação, pressupõe-se que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontrava depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar. Nesta perspectiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente de
- ter sido deixado um aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta podia ser levantada;
- não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência.
Assim, conjugando estas situações com as formas de ilidir a presunção constata-se que a presunção deixa de valer quando se demonstrar
- que não foi deixado aviso para levantamento da carta;
- que, tendo sido deixado tal aviso, houve qualquer facto que obstou a que o destinatário fosse levantar a carta (justo impedimento);
- que o destinatário tenha mudado de residência e tinha já feito a comunicação da alteração à administração tributária;
- que o destinatário tinha mudado de residência há menos de 20 dias (prazo que lhe é concedido para comunicar a alteração do domicílio, no n.º 1 do art. 43.º);
- que o destinatário tinha mudado de residência e provar que não pôde fazer tal comunicação no referido prazo.
Correlativamente, presunção só valerá nos seguintes casos:
- quando tiver sido deixado aviso e não houver justo impedimento ao levantamento da carta;
- quando o destinatário tiver mudado de domicílio há mais de 20 dias e não tiver feito comunicação da alteração à administração tributária nem tenha estado impossibilitado de o fazer.”
Feitas estas considerações e revertendo à situação em apreço no presente recurso, da matéria de facto fixada no probatório resulta que, em 12/11/04, foi expedido, por correio registado com aviso de recepção, pelo Serviço de Finanças de Esposende, o ofício nº 6.400, datado de 10/11/04, mediante o qual se pretendia notificar o impugnante da liquidação impugnada e cujo expediente foi devolvido pelos correios a 25/11/04, com a indicação “Avisado às 10,15” e “Não reclamado”.
Em 26/11/04, foi expedido, por correio registado com aviso de recepção, pelo Serviço de Finanças de Esposende, o ofício nº 6.628, datado de 26/11/04, mediante a qual se pretendia notificar o impugnante da liquidação impugnada e cujo expediente foi devolvido pelos correios a 13/12/04, com a indicação “Avisado às 10,5” e “Não reclamado”.
Nestes ofícios se referia que o impugnante ficava notificado “para no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção que acompanha o presente ofício, efectuar o pagamento de…” (vide nºs 4, 5 e 6 do probatório).
Sendo assim, ficando demonstrado que tinha sido deixado aviso, no domicílio fiscal indicado pelo recorrente, de que as cartas contendo as notificações podiam ser levantadas, o que, efectivamente, não veio a acontecer e que a sua estadia na Suíça não constituiu justo impedimento, “tanto mais que deveria ter dado conta dessa situação à administração fiscal e indicado uma morada no País onde se encontrava” - o que também não fez -, como se decidiu na sentença recorrida e cujo segmento não foi posto em causa, transitando, assim, em julgado, funciona a presunção prevista no predito nº 5, considerando-se a notificação feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (vide predito nº 6).
Ora e face ao exposto, na hipótese vertente, tendo a segunda carta registada com aviso de recepção sido enviada em 26/11/04, a notificação deve considerar-se efectuada em 29/11/04, sendo a partir desta data que passou a contar o prazo de 30 dias para o pagamento voluntário, cujo termo ocorreu em 29/12/04.
E contando a partir desta data o prazo de 90 dias fixado pelo artº 102º, nº 1, al. a) do CPPT para apresentar a impugnação judicial, o mesmo terminou em 29/3/05 (cfr. artº 279º do CC).
Pelo que, tendo a respectiva petição inicial dado entrada no tribunal recorrido em 12/4/05, nesta data ia já decorrido aquele prazo de 90 dias, pelo que a impugnação judicial é, assim, intempestiva.
4 – Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, revogar a decisão recorrida e julgar procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de impugnar, absolvendo a Fazenda Pública do pedido formulado na impugnação judicial, ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento do recurso interposto da decisão final.
Custas, pelo recorrido, apenas na 1ª instância, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2010. - Pimenta do Vale (relator) – Valente Torrão - Isabel Marques da Silva.