Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0485/18
Data do Acordão:05/24/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:EXPROPRIAÇÃO
EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO
Sumário:É de admitir a revista quando, por um lado, importa saber se o acto impugnado ainda pode ser considerado um acto de execução do Acórdão anulatório - visto o mesmo só ter sido praticado cerca de 4 anos após o trânsito daquele - e, por outro, saber se ainda pode ser declarada uma DUP quando a obra pública está já realizada e os prédios a que ela respeita já se encontram integrados há vários anos na finalidade que a justifica.
Nº Convencional:JSTA000P23347
Nº do Documento:SA1201805240485
Data de Entrada:05/10/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO E INFRA-ESTRUTURAS E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………………. intentou, no TAF de Coimbra, contra o Ministério da Economia e do Emprego, acção administrativa especial pedindo a declaração de nulidade ou a anulação do despacho, proferido em 7/06/2010, pelo Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas que, a pedido da contra-interessada, declarou a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas do Autor identificadas na petição inicial.

Indicou como contra interessada a Infra-Estruturas de Portugal, S.A.

O TAF julgou a acção procedente.

O TCA Norte, para onde o Réu e a contra interessada apelaram, revogou a decisão recorrida e julgou a acção improcedente.

É desse Acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Resulta da M.F que por despacho do Sr. Secretário das Obras Públicas, de 4/04/1995, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas do Autor identificadas nos autos para as mesmas serem integradas nas obras de beneficiação da EN n.º 234, entre Mira e Cantanhede. Inconformado, impugnou judicialmente esse despacho o qual, com fundamento na sua ininteligibilidade, veio a ser declarado nulo por decisão confirmada pelo Acórdão de 29/11/2006 do Pleno da Secção Administrativa deste Supremo.
Na sequência dessa declaração de nulidade e, novamente a pedido da contra interessada, o Secretário Adjunto das Obras Públicas, por acto de 7/06/2010, voltou a declarar a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação daquelas parcelas para serem aplicadas na mesma finalidade.
O Autor impugnou esse despacho e o TAF julgou a acção procedente com a seguinte fundamentação:
“…
Dos factos provados resulta com segurança que o pedido e a emissão do despacho impugnado se inscrevem no procedimento tido como meio ao menos legal de executar o acórdão do STA de 29/11/2006.
O elemento subjectivo específico do tipo de ilícito residiria na intenção, por parte dos titulares dos órgãos do Réu e da Cl de se eximirem ao cumprimento de todas as consequências legais da nulidade do acto de 1995, designadamente a inexistência qualquer efeito do acto nulo, com a consequente nulidade de todos os actos subsequentes.
…..
Ora, lidos quer o despacho impugnando quer o pedido da sua emissão, feito pela Cl, no contexto da restante matéria de facto, é impossível não concluir pela impossibilidade desde logo cronológica do objecto do despacho, por isso que a obra por cuja realização os terrenos alegadamente expropriados se destinavam a serem ocupados já estava terminada desde pelo menos 1997, com ocupação de todas as parcelas de terreno que segundo o seu projecto se mostrara necessário ocupar, e em plena utilização do público. Mas a impossibilidade do objecto é também natural, pois as parcelas de terreno agora objecto do DUP não serão mais do que uma ficção. Na verdade, se eram necessárias para a realização da obra segue-se que foram ocupadas pela estrada ab initio e, portanto, já não existem. No que foi o seu lugar está parte da plataforma e ou da zona de domínio público envolvente da Estrada Nacional 234.
Não se diga que os pressupostos e objecto bastantes para a prática do acto são constituídos por uma decisão judicial que declarou nula a DUP de 1995.
À realidade não se constitui por decreto, O que é impossível naturalmente não o deixa de ser por força de uma decisão judicial.
A decisão judicial de nulidade, em abstracto, não prejudica uma eventual possibilidade de praticar novo acto administrativo no respeito pelos limites ditados pelo caso julgado - cf. n° 1 do artigo 173° do CPTA. Mas, evidentemente, o objecto do novo acto tem de ser possível no mundo real. A própria norma citada considera essa repetição como uma mera eventualidade: “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto...”
Ora, se a obra está executada, se os terrenos que era necessário expropriar já estão integradas na estrada, é impossível pedir e declarar a utilidade pública para “expropriação urgente”, com vista ao “início das obras em seis meses”! - de quaisquer terrenos a ocupar pela mesma obra.
Como executar, então, a decisão do STA, sendo certo que, nos termos do citado n° 1 do artigo 173° do CPTA, a anulação (leia-se, in casu, a declaração de nulidade) constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado?
A execução não passa, seguramente, por destruir toda a construção objecto da obra de beneficiação da EN nº 234 entre Cantanhede e Mira e devolver aos proprietários todos os terrenos ocupados para sobre eles se emitir nova DUP. Isso não só é impensável segundo um princípio de Boa Administração e de salvaguarda do interesse público, como se mostra naturalisticamente impossível, pois, alterada a topografia dos terrenos, já não é possível discernir o que pertencia a quem, reconstituir parcelas, vistoriá-las ad perpetuam rei memoriam e avaliá-las, etc. Também não poderia passar por destruir ou devolver determinadas extensão e largura do domínio público da estrada, eventualmente correspondentes às parcelas terrenos pertencentes ao Autor, não só porque a já referida alteração topográfica impede de isso se fazer com exactidão como, sendo a DUP de 1995 ininteligível por impossibilidade de identificação das parcelas expropriadas, está logicamente prejudicada uma exacta associação de concretas zonas da EN 234 actual com parcelas objecto daquela DUIP.
Porém, a solução para esta perplexidade é simples e estava prevista na lei.
Era impossível, naturalística, lógica e cronologicamente executar a declaração de nulidade designadamente no tocante à reconstituição da situação imediatamente anterior à prática do acto nulo? Pois se assim era, como era, não havia que executar a declaração judicial de nulidade da DUP de 1995, ou melhor, que ficcionar uma sua execução contra toda a realidade. Havia, sim, que, nos termos dos artigos 175.°, n.ºs 1 e 2, 162°/1 e 163° do CPTA, invocar a existência de causa legítima de inexecução - neste caso a impossibilidade absoluta de execução - e notificar disso mesmo o Autor, com os respectivos fundamentos. Ao Autor, então, competiria mover a acção executiva, podendo ele mesmo admitir a impossibilidade de execução, já invocada pela Administração, seguindo-se de imediato os termos do artigo 166°, ex vi artigo 178° do CPTA com vista à fixação da indemnização devida pela não execução.
Pode e deve, portanto, concluir-se, sem sede cair em aporia alguma, que o acto impugnado é nulo por impossibilidade do seu objecto.

Outro foi o entendimento do TCA pelas seguintes razões:
II - Nas suas conclusões 6 a 16 vem o recorrente, quanto ao mérito do presente recurso sustentar, que o que se pretendeu com o despacho impugnado, a DUP de 2010, foi a renovação da DUP de 1995, praticado este por referência à situação existente em 1995, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 173.º do CPTA, pelo que contrariamente ao que foi decidido, é possível a prática de um novo ato, válido, no respeito pelos limites do caso julgado.
…..
Ou seja, tendo sido anulado ou declarado nulo um determinado acto administrativo, a sua execução passa pela reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade referida.
Assim sendo, tendo sido declarado nulo determinado acto, nada obsta a que a Administração não possa emitir um novo acto mas sem as ilegalidades que o anterior acto continha.
Foi o que aconteceu no caso dos autos.
Como se vê da matéria de facto dada como provada ocorreu uma primeira DUP (declaração de utilidade pública) sobre os terrenos em causa, em 30-05-1995 (n.º 1 do probatório). Essa DUP foi, por Acórdão do STA transitado em julgado em 21/12/2006, declarada nula.
Nesta sequência, em reunião de 19/3/2008, o Conselho de Administração da contra-interessada deliberou requerer ao Réu a “declaração de utilidade pública com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à construção do empreendimento EN 234 – Beneficiação entre Mira e Cantanhede.”
Este pedido foi satisfeito através do Despacho 9974/2010 do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas e Comunicações.
Como estamos perante a renovação do acto, esta renovação tem a ver com a situação fáctica anterior, razão pela qual a questão da urgência invocada decorre da situação então existente e não da actual prática do acto. Não ocorre assim a perplexidade referida pelo recorrido.
Ora, tendo sido declarado nulo anterior DUP, não se vê como não pode a entidade demandada emitir nova DUP, nos termos do artigo 173º do CPTA, desprovida das ilegalidades conhecidas pelos Tribunais.
….
Assim sendo, pelo exposto, não se verificando os vícios invocados ao acto impugnado, julga-se a presente acção improcedente.”

3. Como se acaba de ver o que determinou o contraditório julgamento das instâncias foi o modo como encararam o acto impugnado. E isto porque, muito embora tanto o TAF como o TCA tenham considerado que o mesmo se inseria na execução do mencionado Acórdão do Pleno, certo é que divergiram na forma como viram a sua integração nessa execução.
Com efeito, o TAF a considerou ser impossível a sua prática uma vez que “a obra por cuja realização os terrenos alegadamente expropriados se destinavam … já estava terminada desde pelo menos 1997, com ocupação de todas as parcelas de terreno que …. se mostrara necessário ocupar, e em plena utilização do público. … Na verdade, se eram necessárias para a realização da obra segue-se que foram ocupadas pela estrada ab initio e, portanto, já não existem. No que foi o seu lugar está parte da plataforma e ou da zona de domínio público envolvente da Estrada Nacional 234.” Deste modo, o cumprimento daquele Acórdão passava pela declaração de causa legítima de inexecução e pela atribuição de uma indemnização.
Ora, o TCA entendeu que “tendo sido declarado nulo determinado acto, nada obsta a que a Administração não possa emitir um novo acto mas sem as ilegalidades que o anterior acto continha.” E que tendo sido isso o que acontecera não havia que censurar o despacho impugnado.
Nesta conformidade, e desde logo, importa saber se o acto impugnado ainda pode ser considerado um acto de execução do Acórdão anulatório - visto o mesmo só ter sido praticado cerca de 4 anos após o trânsito daquele - e, depois, saber se ainda pode ser declarada uma DUP quando a obra pública está já realizada e, portanto, os prédios a que ela respeita já se encontram integrados há vários anos na finalidade que a justifica. Como assinala o TAF, parece que os mesmos já não existem quer física quer juridicamente.
Ora, estas são questões de relevante importância jurídica e social o que justifica a admissão da revista.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 24 de Maio de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.