Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0105/18
Data do Acordão:04/11/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:A natureza excecional do recurso de revista, previsto no art. 150º do CPTA, exige que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P23125
Nº do Documento:SA2201804110105
Data de Entrada:02/01/2018
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o n.º 6 do artigo 150.º do CPTA:
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1.1. A………….., Lda., deduziu impugnação, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, contra o ato de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativo ao exercício de 2007, bem como os atos de liquidação de juros compensatórios, no montante global de €150.808,01, tendo peticionado a sua anulação.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de (fls.396/422), julgou a impugnação improcedente.
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1.3. O impugnante recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 03/03/2016, fls.492/514, anulou a sentença recorrida e ordenou a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância, «cumprindo-se em conformidade as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à discussão da matéria de facto após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.».
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1.4. Em cumprimento do determinado pelo acórdão identificado no parágrafo antecedente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja proferiu nova sentença em 24/08/2016, fls.598/628, julgando improcedente a impugnação e mantendo os atos de liquidação impugnados.
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1.5. A impugnante recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 13/09/2017, fls. 734/772, negou provimento ao recurso.
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1.6. É desse acórdão que o recorrente vem, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, requerer a admissão do recurso de revista, justificando este pedido com o seguinte quadro conclusivo:
«A. O recurso respeita à interpretação que é dada pelo tribunal a quo e à consequente aplicação do disposto no artigo 45.º/1 da LGT em conjugação com os artigos 8.º/2 a), 46.º/1, 45.º/4/5, e 74.º/1 da LGT, 35.º/1/5/6 do RGIT, 58.º 242.º 243.º e 262.º do CPP, 2.º, 28.º, 37.º, 38.º, 39.º, 46.º, 51.º RCPIT, 5.º/2/h, 6.º/4 e 40.º-A do CIRS, 36.º/2, 38.º e 123.º/1 a) do CPA e 2.º, 18.º, 20.º, 32.º da CRP.
B. Haverá que considerar, portanto, que, para a apreciação da caducidade da liquidação, se mostra necessário apurar em que data a liquidação foi notificada à recorrente e as circunstâncias que relevam para efeitos de definir as causas de interrupção e suspensão do prazo de caducidade, tais como notificação do início da ação inspetiva e notificação das conclusões do relatório, como factos relacionados com eventuais causas de alargamento do prazo de caducidade.
C. Desde logo, salvo melhor e reconhecido entendimento, o procedimento tributário é ilegal e a notificação da liquidação dos autos é nula.
D. A credenciação é um dos pressupostos para o início do procedimento de inspeção tributaria.
E. Acontece que o funcionário B…………. que elaborou o relatório de inspeção de facto não se encontrava credenciado para o exercício da inspeção tributária no exercício de 2007.
F. A preterição desta formalidade legal tem como consequência a ilegalidade das liquidações.
G. Por seu lado, o artigo 51.º RCPIT diz que assinatura da ordem de serviço (notificação) determina o inicio do procedimento de inspeção. Ou seja, o procedimento de inspeção é iniciado na data da notificação da ordem de serviço que credencia o funcionário para proceder aos atos de inspeção (artigos 46.º/1 e 51.º/2 RCPIT).
H. Se esta notificação é inválida, não pode se ter por iniciado o procedimento tributário. Sendo a notificação inválida, sob a forma de nulidade, o mesmo é dizer que não produz qualquer efeito.
I. Em bom rigor esta é a verdadeira notificação que dá início ao procedimento de inspeção externo. Deve por isso ter-se sempre presente a necessidade de credenciação por parte dos funcionários
J. Ora, o ato da notificação será cominado com a sanção de nulidade nas situações em de falta de menção do autor do ato ou na falta da qualidade em que decidiu, no seu sentido e da sua data, quando o autor do ato o tenha praticado ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes.
K. Como foi o caso!
L. Quando um ato é praticado com base em delegação ou subdelegação de poderes deve ser mencionada essa qualidade no ato. Na respetiva notificação deve ser feita menção da qualidade em que foi praticado o ato, bem como do sentido da delegação ou subdelegação e a sua data, implicando a falta de qualquer destas indicações a nulidade do ato de notificação.
M. Em suma, é forçoso concluir pela nulidade da notificação da ordem de serviço.
N. Em suma, o ato de notificação padece do vício da nulidade que se estende a todo o procedimento de inspeção que levou a nova liquidação.
O. O que aporta consequência diretas e necessárias ao prazo de caducidade. Por um lado,
P. Sendo a notificação da liquidação nula, não produz quaisquer efeitos, tendo-se por não realizada, o direito previsto no artigo 45.º/1 da LGT não foi exercido no prazo previsto para o efeito, tendo o mesmo caducado.
Por outro lado,
Q. Mesmo que assim não fosse, a notificação da liquidação é 10-01-2012 quando já tinha caducado o direito à liquidação.
R. Ainda por referência ao procedimento tributário, importa denotar que não resulta provado que as quantias em apreço não tenham uma “causa”.
S. A AT subsume a conduta da recorrente no artigo 6.º/4 do CIRS sem curar de demonstrar e nem de provar a base da presunção.
T. Em suma, não se encontra preenchida a base da presunção.
U. Segundo os artigos 74.º/1 LGT e 342.º/1 CC, a base da presunção judicial deve imperativamente ser provada com os correspondentes factos dela integradores sob pena de a causa ser decidida em sentido desfavorável à parte onerada com esse ónus, ou seja, à AT.
V. Inexiste, portanto, facto tributário.
Por conseguinte,
W. Diz o 46.º/1 LGT que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa.
X. Consabidamente, os prazos de caducidade estão sujeitos ao princípio de legalidade (artigo 8.º/2 a) LGT).
Y. Os presentes autos dizem respeito ao IRS do ano de 2007.
Z. Este imposto é devido a partir do ano civil seguinte àquele a que se reporta o facto que lhe deu origem.
AA. Na medida em que a notificação da ordem de serviço é nula, não pode haver suspensão do prazo. Sem conceder,
BB. Comprovadamente, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 45.º da LGT.
CC. Dispõe o artigo 45.º/5 que sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o artigo 45.º/1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
DD. Segundo o princípio da legalidade fiscal, para que não se verifique a caducidade do direito à liquidação no prazo de quatro anos (artigo 45.º/1 LGT), é necessário que tenha sido instaurado um inquérito criminal até ao limite do prazo referido.
EE. Além da questão temporal, é necessário que os factos investigados sejam os mesmos factos que deram origem à liquidação. Não basta a existência de uma ação inspetiva para que se verifique a suspensão do prazo de caducidade e não basta a existência de um processo-crime para que haja um alargamento do prazo de caducidade. Em suma, os factos investigados em processo-crime têm de ser os factos tributários que serviram de base à liquidação.
FF. O que não é o caso! Os factos não são os mesmos.
GG. Ou seja, na base da liquidação estão os factos referentes à sociedade C…………..
HH. De notar ainda que o dever de cooperação que impende sobre o mero contribuinte não pode por em causa o núcleo essencial do direito à não autoincriminação reconhecido ao arguido suspeito da prática de um crime. Daí que processo criminal seja incompatível com procedimento de inspeção tributária. Assim, a partir do momento em que surge a notícia da prática de um crime, os inspetores devem constituir formalmente a pessoa visada como arguido. Quando a autoridade tributaria recebe a notícia da infração e, sem informar o suspeito, e em vez de fazer uso de prerrogativas legais, como as buscas, apreensões e congelamentos, aciona os deveres de cooperação, pedindo-lhe documentos e informações que entende, com base nos quais procede à instrução do processo.
II. A agir deste modo, a AT atentou diretamente contra o direito à não autoincriminação e contra o princípio da legalidade fiscal.
JJ. Sendo certo que o tribunal a quo podia e devia ter concluído de modo diverso.
Termos em que deve o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente e, em consequência, ser ordenada a reforma da decisão recorrida e assim se fazendo a costumada Justiça!».
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1.7. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.8. O MP pronunciou-se a fls. 855 afirmando que a sua intervenção se circunscreve à apreciação do mérito do recurso que é posterior à apreciação preliminar sumária sobre a verificação dos pressupostos para conhecimento do recurso.
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1.9. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) A Impugnante tem por objeto a atividade de compra e venda de Cortiça, Com O CAE 46110 (cfr. relatório de inspeção tributária – documento nº 2 junto com a petição inicial e fls. não numeradas do processo administrativo tributário apenso);
B) Em 12/10/2010, foi emitida, por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, a Ordem de Serviço nº 01201003221 para a realização de ação de inspeção externa de âmbito geral ao ano de 2007 da sociedade Impugnante, sendo identificados os funcionários …………… (Chefe de Equipa) e …………… (Técnico) (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls.56 a 153 dos autos);
C) Em 9/05/2011, foi remetida à Impugnante, por correio registado com o talão de registo n° RM 673312836PT, o ofício com a referência 012933 da Direção de Finanças de Setúbal – Serviços de Inspeção Tributária, por meio do qual se deu conhecimento, nos termos da alínea I) do nº 3 do artigo 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 49º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), da visita dos técnicos dos Serviços da Inspeção Tributária tendo em vista a ação inspetiva geral ao exercício de 2007 (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 56 a 153 dos autos);
D) Em 24/05/2011, foi emitida, por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, a Ordem de Serviço nº 01201100938 para a realização de ação de inspeção externa de âmbito geral ao ano de 2006 da sociedade Impugnante, sendo identificados os funcionários …………… (Chefe de Equipa) e B…………… (Técnico) (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 56 a 153 dos autos);
E) Em 26/10/2011, através do Oficio com a referência nº 31971, por correio registado com o registo RM673299644PT foi remetido à Impugnante o projeto de conclusões do relatório de inspeção tributária e comunicado o prazo de 10 dias para exercer o direito de audição (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 154 a 262 dos autos);
F) O ofício melhor identificado na alínea anterior foi recebido em 28/10/2011 (cfr. print dos CTT que consta do documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 154 a 262 dos autos);
G) Em 08/11/2011, deu entrada na Direção de Finanças de Setúbal a pronúncia da lmpugnante em sede de direito de audição, a qual foi registada como a entrada nº 34790 (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 154 a 262 dos autos);
H) Em 21/11/2011, através dos Ofícios nºs 34619 e 346201 foi comunicado à Impugnante e aos seus Ilustres mandatários para, nos termos do artigo 60º da LGT e artigo 60º do RCPIT, exercer o direito de audição sobre o projeto de conclusões do relatório de inspecção (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 154 a 262 dos autos e fls. 133 do processo administrativo tributário apenso);
I) Os ofícios referidos na alínea anterior foram recebidos em 23/11/2011 (cfr. print dos CTT que consta do documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 154 a 262 dos autos e fls. 134 do processo administrativo tributário apenso):
J) Em 07/12/2011, deu entrada na Direção de Finanças de Setúbal a pronúncia da Impugnante em exercício do direito de audição prévia, à qual foi atribuído o nº 37686 (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 154 a 262 dos autos e fls. 135 a 155 do processo administrativo tributário apenso);
K) Em 12/12/2011, foi elaborado, pelo técnico B………….., o relatório de inspeção tributária relativo aos exercícios de 2006 e 2007, de cujas conclusões se extrai o seguinte:
«I - CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA
(...)
C. - Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Singulares (Retenções na Fonte)
Conforme fundamentos do ponto lll. C. do relatório, foi apurado que a sociedade atribuiu rendimentos, que configuram adiantamentos por conta de lucros enquadráveis na Categoria E, sendo os mesmos sujeitos a tributação em sede de IRS, conforme estipulado nos artigos 52, nº 2, h) e 22º, nº 3, b) do CIRS e sujeitos a retenção na fonte à taxa de 20%, de acordo com o previsto nos artigos 71º, nº 3, c) e 103º, nº3 do CIRS (para o exercício de 2006) e nº4 (para o exercício de 2007 do mesmo articulado), acrescido de juros compensatórios nos termos do artigo 91º do CIRS e do artigo 35º, nº 1 e nº 3 da LGT.
De acordo com o ponto lll. C, foram calculados os seguintes montantes de imposto, não retidos e não entregues nos cofres do Estado:
(…)

II - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
A. - CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A ACÇÃO
A presente acção inspectiva teve como base a Ordem de Serviço nº 01201100938, emitida pela Divisão de Inspecção Tributária III, para o exercício de 2006.
Atendendo que se detectaram situações que são susceptíveis de gerar correcções de imposto no exercício de 2007, foi emitida a ordem de serviço n°01201003221.
A acção de inspecção ao contribuinte decorreu entre de 07-06-2011 e 21-10-2011.
Acção de inspecção foi efectuada nos termos do nº 5 do Artº 45º da LGT, com base na instauração de procedimento criminal.
B. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
A presente acção inspectiva incidiu sobre os exercícios de 2006 e 2007, e teve origem em informação e proposta de inspecção do Serviço de Finanças de Grândola.
Inicialmente foi emitido despacho de inspecção tendo dado origem a uma informação com base em factos indiciadores da prática de fraude fiscal entre a empresa C……………, Lda. NIPC ……….. e a sociedade agora em inspecção, a qual foi enviada ao Núcleo de Investigação Criminal - Serviço de Apoio Técnico à Acção Criminal (NIC-SATAC), tendo resultado na instauração do processo de inquérito nº 290/10.01 DSTB-A.
Por outro lado, da investigação encetada no âmbito do inquérito instaurado NUIPC 2/10.9IDSTB, ao contribuinte D……………, NIF ……….., foram apurados factos que resultaram em correcções a efectuar na sociedade utilizadora das facturas – A…………, Lda.
Tendo sido concluído o processo de inquérito NUIPC 2/10.91 DSTB, foi extraída certidão para os factos constarem do processo NUIPC 290/10.01 DSTB-A.
(...)
III. - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
A - Em sede de Imposto sobre Rendimentos de Pessoas Colectivas
(…)
A.3. Conclusões em sede de IRC
A.3.1. – C…………, Lda.,
1. Em conclusão das diligências efectuadas em relação à sociedade C……………, Lda., os cheques apresentados por E………….. como pagamentos a esta sociedade são endossados pelo Sr. F…………., que por sua vez são depositados em contas bancárias particulares do Sr. E……….. e de seus familiares, conforme informação bancária da Caixa Agrícola e Banco Millennium conforme se aferiu das certidões de nascimento, que evidenciam as relações familiares existentes;
2. Do exposto se prova que a beneficiária dos valores dos cheques não é a sociedade C……………, Lda., mas o próprio sócio gerente E………… ou familiares, com relação estreita com o mesmo;
3. Pode-se concluir que as facturas emitidas pela empresa C…………. Lda. à empresa A………….. Lda. não titulam transacções verdadeiras entre as duas empresas pelo facto de:
a. Os cheques emitidos pela empresa A………….. Lda., para pagar as supostas compras de cortiça contabilizadas à empresa C………… Lda. foram endossados ao próprio sócio-gerente e familiares directos, não tendo sido comprovado o pagamento das verbas àquela sociedade;
b. Verificaram-se incoerências nos valores das declarações de rendimentos, anual e periódicas de IVA entregues pela sociedade C…………., Lda., não obstante as substituições das mesmas, o que corrobora ainda mais o objectivo no sentido de simular as operações em causa;
c. A empresa A…………… Lda. pagou sempre o valor do IVA das facturas à parte, i.e., pagava o valor da cortiça com um cheque ou dois e o valor do IVA com outro, facto também indiciador;
d. Foi utilizada a figura da sociedade C…………. Lda., com o objectivo de simular as transacções inexistentes;
e. A empresa C…………. Lda. não pagou o Imposto liquidado nas suas declarações periódicas de IVA nos cofres do Estado, no prazo para pagamento voluntário ou em cobrança coerciva, nem sequer após notificação nos termos do artigo 105.5 do Regime Geral das Infracções Tributárias;
f. A empresa C…………. Lda. não pagou o Imposto liquidado na sua declaração modelo 22 de IRC de 2006;
g. Nas declarações prestadas pelo Sr. E………… em anexo nº15, de 12 de Agosto de 2010, depois de inquirido sobre o destino dos cheques emitidos à sociedade C……………., Lda., e a quem eram os mesmos endossados, não referiu quem eram os destinatários, tendo omitido esse facto, que afinal foram precisamente os seus familiares directos;
A.3.2. – G………… / H…………
1. Conforme declarações do Sr. G………….., irmão de H…………., NIF ………… emitiu facturação no valor de €171.118,20 à sociedade A………….., Lda., no entanto, pelas declarações prestadas assumiu que o valor em causa referia-se às facturas nºs 270, 391, 392 e 393 de transacções de cortiça que pertencia ao seu irmão H…………, argumentando ter feito um favor ao seu irmão;
2. Na sequência das diligências efectuadas junto da sociedade A………….., Lda., solicitaram-se os comprovativos de pagamento, tendo-se concluído que:
i. Os cheques emitidos para pagamento, ao Sr. G………….. relativas às facturas nºs 270, 391 e 392, foram endossados à Sra. …………., esposa do seu irmão H…………;
H. Relativamente à factura nº 393, o cheque do valor liquído da factura, sem IVA, de 91.000,00 foi igualmente endossado, mas depositado numa conta do Banco Comercial Português, como nº ……….., pertencente aos avós e mãe de E…………..
3. Perante tais factos, no que concerne às facturas emitidas com os nºs 270, 391 e 392, as mesmas não titulam transacções verdadeiras, visto que as vendas de cortiça não foram efectuadas pelo sujeito passivo emitente das facturas, mas pelo seu irmão, Sr. H…………;
4. Por outro lado, relativamente à factura nº 393 verificou-se que o cheque de pagamento emitido do valor líquido da factura, foi utilizado com o objectivo de simular aquela transacção, já que os valores pagos foram efectivamente depositados em conta do BCP, de familiares directos do sócio-gerente.
A.3.3. – D………….
1. Perante a informação recolhida no âmbito da investigação do inquérito nº NUIPC2/10.OIDSTB verificou-se que o Sr. D………….. actuou, como cúmplice, em obediência aos planos aparentemente estabelecidos por ………….. com o propósito, comum, de simularem transacções comerciais, sabendo que as facturas não eram verdadeiras, com o propósito do utilizador das facturas, a Sociedade A…………, Lda., obter vantagens patrimoniais.
A.3.4. Resumo em sede de IRC
1. Para a efectivação das vendas declaradas o contribuinte suportou necessariamente custos de aquisição com a mercadoria, no entanto, os documentos referentes aos contribuintes já indicados apresentam anomalias que indiciam que a escrita não revela a exacta situação patrimonial, nem os fornecedores daquela mercadoria terão sido aqueles;
2. Certamente que, se ao volume de negócios declarado expurgarmos os custos que se identificaram com fortes indícios de simulação de transacções, o resultado fiscal obtido se encontraria certamente desajustado face à realidade patrimonial da actividade desenvolvida;
3. Nesse pressuposto, entende-se que são de aceitar como custos os valores declarados, sem prejuízo do nº3 do Artº 19 do CIVA, concluindo-se que as referidas facturas contabilizadas tiveram como objectivo colmatar deficiências em documentar custos de aquisição da cortiça, cujos fornecedores efectivos não emitiram as respectivas facturas.
(…)
C – Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Singulares (Retenções na Fonte)
Conforme apurado na análise inspectiva nos pontos lll.A.1.1.1.2. §p) e lll.A.1.1.2.2. §4) do presente relatório, verificou-se que a quase totalidade dos alegados pagamentos, efectuados por cheque, das facturas da sociedade C……………, Lda. e da factura nº 393 de G…………, foram depositados em contas que o gerente da sociedade, Sr. E………… é titular e/ou pertencem a familiares directos.
A conta nº ……….., junto do CCAM – Grândola pertence a I………….. e a conta nº ………., junto do BCP pertence a ………., ………. e ………. e os respectivos titulares não têm qualquer relação comercial ou laboral com o sujeito passivo em análise, ou seja, não são fornecedores, clientes, trabalhadores dependentes ou sócios.
A relação efectivamente existente é que:
- I……………. é mãe do filho do sócio gerente da empresa, o Sr. E………….;
- ……………. e ………….. são avós do sócio gerente;
- ………….. é mãe do sócio gerente.
Logo conclui-se que as pessoas em causa apenas tiveram acesso aos depósitos em referência nas suas contas bancárias, em razão da relação familiar que têm com o único sócio e gerente da sociedade, o Sr. E…………, pelo que o primeiro beneficiário dos depósitos em causa foi realmente o Sr. E………….
De referir que os referidos depósitos não foram registados a débito de contas correntes em nome do sócio gerente ou algumas das pessoas acima identificadas. Face ao exposto, foram colocados rendimentos à disposição do Sr. E…………. nas datas dos depósitos bancários, não tendo dado entrada nas contas bancárias da empresa.
A conduta de retirar as referidas verbas da esfera patrimonial da sociedade, configura a atribuição de adiantamentos por conta de lucros, sendo os mesmos sujeitos a tributação em sede de IRS, conforme estipulado nos artigos 5º, n.º 2, h) e 22º, n.º 3, b) do CIRS e sujeitos a retenção na fonte à taxa de 20%, de acordo com o previsto nos artigos 71º, n.º 3, c) e 103º, n.º 3 do CIRS, acrescido de juros compensatórios nos termos do artigo 91º do CIRS e do artigo 35º, n.º 1 e n.º 3 da LGT.
De acordo com o artigo 22º, n.º 3, b) e com a nova redacção introduzida pelo DL nº 192/2005 de 07/11, ao artigo 71º, n.º 3, c) e n.º 6, c) e artigo 101º, n.º 2, a) todos do CIRS, os rendimentos de capitais relativos a lucros e adiantamentos por conta de lucros, deixaram de ser de englobamento obrigatório e passaram a ser sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória de 20%.
Sobre a substituição tributária refere o Artº 21º do CIRS que “Quando, através de substituição tributária, este código (do Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Singulares) exigir o pagamento total ou parcial do IRS a pessoa diversa daquela em relação à qual se verificam os respectivos pressupostos, considera-se a substituta, para todos os efeitos legais, como devedor principal do imposto, ressalvado o disposto no artigo 103.º”.
A sociedade E………….. deveria ter procedido à retenção na fonte do imposto e à sua entrega nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que deveriam ter sido deduzidas, de acordo com o artigo 98º, n.º 3 do CIRS, conforme quadros seguintes:



Em face do exposto, e uma vez que estas retenções têm carácter definitivo, subsiste à empresa a responsabilidade pelo pagamento do imposto nos termos do artº103º, nº 3 do CIRS (para o exercício de 2006) e nos termos do nºs 3 e 4, do mesmo articulado. (para o exercício de 2007)
Vão ainda apurar-se juros compensatórios nos termos do Artº 35º da LGT sobre os montantes de imposto não retido e não entregue, calculados desde a referida data limite de pagamento, dos mesmos. Os valores e os períodos sobre os quais irão incidir os juros compensatórios são os constantes nos quadros anteriores.
(...)
XIX - DIREITO DE AUDIÇÃO
(...)
Depois de analisados os factos invocados na petição elaborada pelos procuradores do contribuinte, informa-se o seguinte:
a) No que concerne ao invocado nos pontos 1º a 7º, do Capítulo 1, refere-se que os factos aí invocados são destituídos de qualquer fundamento. As correcções propostas em sede de IVA, decorrentes do procedimento inspectivo ao exercício de 2006, assentam no processo de inquérito nº 290/10.0IDSTB-A instaurado à sociedade, conforme foi referido no 2º § do ponto 11.B. do presente relatório;
b) Aliás, foi com base na instauração do processo de inquérito à sociedade A………….., Lda., a decorrer na Comarca do Alentejo Litoral – Serviço de Ministério Público, que foi solicitada a informação da identificação dos titulares das contas bancárias. E, foi precisamente nessas contas bancárias que foram depositados os cheques emitidos pelo gerente da expoente para pagamento da facturação emitida em nome da sociedade C………….., Lda.;
c) Mais acresce, que a referência ao processo de inquérito encontra-se indicada nos documentos em anexos nºs XVI e XVIII, concluindo-se que as correcções têm fundamento legal no nº 5 do Art.º 45º da LGT, até porque as sociedades A………….., Lda. e C………….., Lda., são partes do processo de inquérito instaurado;
d) Entre os pontos 8º e 29º do capítulo Il da petição, o contribuinte vem invocar, através de factos novos, contestando a correcção proposta, relativamente ao IVA deduzido pela contabilização das facturas, alegadamente emitidas pela sociedade C……………, Lda.;
a. Perante os vários indícios da prática de ilícitos criminais, foi informado o Serviço de Apoio Técnico à Acção Criminal, tendo sido instaurado processo criminal. Foi obtida informação das contas bancárias onde o sócio é titular e pertencentes a familiares directos, as quais foram utilizadas para depósito dos valores emitidos como se, de pagamentos se tratassem à sociedade C………….., Lda.;
e) A petição enferma de várias perplexidades senão veja-se:
a. No âmbito do despacho nº D1200800109, relativamente à sociedade C…………., Lda., o sócio gerente E………… declarou em 12 de Agosto de 2010 que “O pagamento efectuado à empresa C…………., Lda. era feito em regra através de 2 cheques a pedido do Sr. F…………., pois este tinha de entregar o IVA ao Estado todos os meses, pelo que um dos cheques era no valor de IVA e o outro no valor da mercadoria sem IVA – Não obstante aquela sociedade efectivamente se enquadrar no regime normal trimestral, e não mensal, como se apurou, os cheques do IVA, não serviram para pagar ao Estado, mas foram depositados em contas que o gerente E………… é titular e/ou pertencem a familiares directos. Aliás, esse imposto ainda não foi entregue até à presente data nos cofres do Estado;
b. Conforme declarações confirmadas pelo Sr. E…………, sobre “o facto dos cheques terem sido endossados a terceiros, disse que isso se devia ao facto de ter dívidas bancárias e caso depositasse os cheques na conta da empresa, o dinheiro seria logo retirado pelo banco onde a empresa C…………., Lda. tinha conta bancária para pagamento de dívidas”;
c. Nos exercícios alvo de inspecção, não foram detectadas quaisquer ligações da sociedade C…………, Lda. com outra qualquer entidade, à excepção da sociedade E…………..;
d. Em momento algum da acção inspectiva foi feita referência aos factos agora invocados nos pontos 24º a 26º das petições formuladas pelos bastantes procuradores. Aliás, a conduta da gerência foi sempre no sentido de provar o pagamento das alegadas transacções tituladas em nome da sociedade C……………, Lda., e durante a acção inspectiva nunca foram efectuadas referências ao procedimento invocado nos pontos 24º a 26º;
e. Apesar da expoente vir argumentar na fase do direito de audição que o depósito de cheques nas contas bancárias tituladas por si e/ou pertencentes a familiares directos, faz parte do esquema utilizado nos fluxos financeiros da sua actividade de comercio de cortiça, não juntou elementos comprovativos de tal procedimento;
f. Na realidade, ficou provado que os cheques emitidos pelos valores das facturas da sociedade C……………., Lda,, subdivididos em dois cheques, um do valor do IVA e outro no valor da mercadoria, têm como destino as contas em que o sócio gerente é titular e/ou pertencem a familiares directos, conforme referenciado no ponto III. A.1.1.12. do presente relatório;
g. Analisados os balancetes da contabilidade da sociedade, não se verificou que a mesma evidencie fluxos financeiros tidos entre o sócio gerente e a sua sociedade que espelhem o procedimento invocado e permitam a conferência dos valores dos alegados adiantamentos a fornecedores;
h. Por outro lado, é de salientar que face ao exposto nos pontos 18º e 26º da petição sobre o sócio gerente antecipar fundos aos seus fornecedores, salienta-se que em 2006 e 2007, verificou-se através da análise das declarações de IRS do sócio gerente, enquanto individual, que o mesmo não declarou rendimentos compatíveis com os valores envolvidos indicados como adiantamentos a fornecedores;
f) Outra perplexidade existe nos factos invocados na petição sobre a correcção das facturas em nome de G………….:
a. A correcção foi feita com origem nas declarações proferidas por G…………… e com base em cheques emitidos ao mesmo, mas que ou foram endossados a ……………. ou no caso da factura nº 393, depositado na conta de familiares directos de E………..;
b. Na petição é alegado que “situação análoga se passa com o contribuinte G………….” ou seja, vem o expoente invocar que houve restituição da quantia paga, porque já tinha sido efectuado adiantamento do gerente da expoente;
c. Ou seja, o contribuinte alega, se os valores são depositados em contas em que o mesmo é titular ou são titulares familiares directos essas contas são utilizadas para depositar valores já adiantados aos fornecedores de cortiça, no entanto, mais uma vez não exibe meios comprovativos do relatado;
d. Na petição é ainda invocado no ponto 36º que “Desconhece se o irmão do contribuinte facturou ou não essa cortiça ao contribuinte, o que aliás desconhece limitando-se a adquirir ao contribuinte partidas de cortiça, pelas quais lhe foram emitidas as facturas em questão e pelas quais passou o respectivo cheque”;
e. No entanto, é completamente incongruente que a expoente venha afirmar em relação a H…………. que “o qual aliás desconhece” quando na realidade possui registado na contabilidade da sociedade uma factura pela compra de cortiça a esse fornecedor de 1 pilha de cortiça amadia com origem na Herdade …………, tendo-lhe, o sócio gerente em nome da sociedade, emitido-lhe cheque do mesmo valor;
g) No que concerne à correcção proposta relativa ao emitente D………….., salienta-se que o sócio gerente, E………….. foi ouvido no âmbito do processo de inquérito 2/10.9IDSTB, tendo afirmado saber que “com quem efectuou todo o negócio tinha um sócio, que é o Sr. …………..”;
h) Sobre o emitente D…………… salienta-se que os factos apurados foram obtidos no âmbito do inquérito criminal instaurado. Sobre o invocado pela expoente, constatou-se não ter trazido novos factos que possam contrariar a proposta efectuada;
i) Após analisado o invocado nos pontos 45º a 51º do exercício de audição de 07/12/2011, relativamente à tributação em sede de IRS do ponto lll. C. do relatório de inspecção, salienta-se que:
a. Após várias diligências encetadas no sentido de comprovar a veracidade das transacções efectuadas com a sociedade C…………., Lda., G…………. e D………….., verificou-se de uma forma geral que os comprovativos de pagamento emitidos pela sociedade E……….., foram endossados e depositados em contas que o sócio gerente da sociedade é titular e/ou pertencem a familiares directos;
b. Os valores pagos, relacionados com as facturas dos fornecedores referidos no ponto anterior, não se destinaram aos próprios, mas sim depositados em contas que o sócio gerente da sociedade é titular e/ou pertencem a familiares directos;
c. Ou seja, para as vendas de cortiça que a sociedade declarou nos exercícios inspeccionados, suportou necessariamente custos/gastos de aquisição, mas aquelas facturas não documentam de facto transacções reais, existindo forte convicção de que aquelas facturas vêm substituir custos/gastos de que não se encontram documentados. Com este pressuposto, entende-se aceitar custos/gastos no mesmo valor, daí entender tratarem-se de custos de substituição;
d. Não se afirma no relatório de inspecção que as verdadeiras transacções não foram pagas, mas sim que as transacções tituladas pelas facturas em causa não são verdadeiras, até porque o pagamento das mesmas não foi provado e os cheques apresentados como tal foram depositados nas contas do sócio gerente e/ou de familiares diretos;
e. Por outro lado, não existe evidência na contabilidade de que o sócio tenha adiantado valores em nome da sociedade, pois se tivessem existido, os mesmos certamente estariam reflectidos em conta corrente em nome do sócio gerente;
f. Mais acresce que o sócio gerente não indicou nos extractos bancários das contas por si tituladas, as saídas de valores que provassem o que vem alegar, nem identificou as respectivas entradas nos extractos bancários das contas tituladas pela sociedade;
g. Por outro lado, provou-se que os valores emitidos como se de pagamentos se tratassem àquelas entidades, foram efectivamente depositados em contas em que o sócio gerente da sociedade é titular e/ou pertencem a familiares directos, ou seja, esses valores foram expurgados ao património da sociedade e desviados para a esfera particular;
h. A conduta anterior configura a atribuição de adiantamentos por conta de lucros, tributados em sede de IRS, conforme previsto no Artº 5º nº 2 alínea h) do Código do IRS
6. Depois de analisados os factos expostos nas petições efectuadas em 08/11 e 7/12, do corrente ano pela sociedade, verificou-se que os fundamentos apresentados não são susceptiveís de anular as propostas efectuadas no projecto de relatório de inspecção tributária.
7. Face ao exposto, não se propõem alterações às propostas de correcção efectuadas.» (cfr. Documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 56 a 153 dos autos e fls. não numeradas do processo administrativo tributário apenso);
L) Em 14/12/2011, foi lavrado parecer do chefe de equipa que concordou com o teor do relatório mencionado na alínea anterior e com os procedimentos adotados na ação inspetiva e de cujo teor se extrai o seguinte:
«(…)
Das diligências efectuadas e descritas no ponto II do relatório da acção inspectiva, concluiu-se que o sujeito passivo contabilizou custos e deduziu IVA suportados em documentos que não titulavam verdadeiras transacções, em nome dos seguintes fornecedores:
• C……………, Lda., NIPC ………..
• G………….., NIF ………..
• D………….
Em sede de IRC e apesar dos documentos emitidos em nome dos fornecedores atrás identificados não titularem verdadeiras transacções, sendo assim falsas as facturas emitidas pelos três fornecedores supra mencionados, existe a convicção de que os mesmos tiveram como finalidade colmatar a inexistência de documentos comprovativos dos custos reais, efectivamente suportados para a realização das vendas efectuadas pelo sujeito passivo.
Estaremos assim na presença de facturas de substituição relativas ao custo da mercadoria efectivamente suportado pelo sujeito passivo, mas na esfera de outros fornecedores que não os emitentes das facturas em causa.
Perante tais factos aceita-se que o sujeito passivo, tenha suportado custos de montante equivalente ao valor das facturas acima referidas, não se efectuando qualquer correcção em sede de IRC nos exercícios de 2006 e 2007 por aquele efeito.
Não obstante propõem-se correcções em sede de IVA, por se tratar de IVA não dedutível nos temos artº 19º, nº 2 e 3 do CIVA com fundamento expresso nos pontos III, nos montantes de €181.713,00 e €59.717,70, em 2006 e 2007, respectivamente.
Conforme explanado do ponto III. C do presente relatório, os referidos depósitos de cheques de valores provenientes da empresa nas contas do sócio-gerente e dos seus familiares, consubstanciam adiantamentos por conta de lucros, tributados em sede de IRS, conforme art 5º, nº 2 al. h) do CIRS.
De acordo com o art.º 22º nº 3 al. b), art.º 71º, nº 3 al. c), art.º 101º, nº 2 al. a), adiantamentos por conta de lucros são sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória de 20%, pelo que a sociedade, deveria ter procedido à respectiva retenção na fonte e à sua entrega nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte ao da retenção, de acordo com o art.º 98º, nº 3 do CIRS.
Sendo a sociedade responsável pelo imposto não retido na fonte, conforme artigo 103.º, nº 3 e nº 4 do CIRS, em 2006 e 2007, respectivamente, irá proceder-se à respectiva correcção, no montante de 231.872,60€ (1.159.363,00*20%) e liquidados os juros compensatórios, devidos nos termos do art.º 35º da LGT» (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial a fls. 56 a 153 dos autos e fls. não numeradas do processo administrativo tributário apenso);
M) Em 15/11/2011, o Chefe de Divisão lavrou parecer confirmando os fundamentos de facto e de direito expressos no relatório da ação inspetiva e parecer elaborados e a aplicação do nº 5 do artigo 45º da LGT (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 56 a 153 dos autos e fls. não numeradas do processo administrativo tributário apenso);
N) Em 15/12/2011, o Diretor de Finanças Adjunto, por delegação da Diretora de Finanças (em substituição), lavrou despacho de concordância com o teor do relatório de ação inspetiva e pareceres elaborados (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 56 a 153 dos autos e fls. não numeradas do processo administrativo tributário apenso);
O) Em 23/12/2011, por ofício com a referência 037642, com o assunto «RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTARIA – ARTº 77 DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT) E ARTIGO 62º DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTARIA (RCPIT)», foi remetido à Impugnante o relatório de inspeção tributária relativamente às ordens de serviço n°s 01201003221/01201100938 (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 56 a 153 dos autos e fls. não numeradas do processo administrativo tributário apenso);
P) A inspeção externa à escrita da lmpugnante decorreu entre 07/06/2011 e 21/10/2011 (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial a fls. 56 a 153 dos autos e fls. não numeradas do processo administrativo tributário apenso);
Q) Em 26/12/2011, foi emitida a nota de cobrança relativa à retenção na fonte de IRS, respeitante ao exercício de 2007, e relativo a IRS e juros compensatórios, no valor de €150.808,01, com data limite de pagamento de 01/02/2012 (cfr. documento nº1 junto com a petição inicial a fls. 56 a 153 dos autos e fls. não numeradas do processo administrativo tributário apenso);
R) Em 10/01/2012, a Impugnante recebeu a liquidação referida na alínea anterior (cfr. PA);
S) Em 26/10/2010, foi instaurado o processo de inquérito 290/10.0ISDTB, com base na informação preliminar elaborada no decorrer de procedimento inspetivo ao sujeito passivo C…………., Lda. e despacho do Diretor de Finanças de Setúbal (cfr. fls. 747 a 771 dos autos);
T) Consta da informação preliminar referida na alínea anterior o seguinte:
«Na sequência de ação de inspeção efetuada à empresa C…………, Lda., NIPC ……….., no âmbito da Ordem de Serviço n° O1200800148, relativamente ao exercício de 2006, verificou-se o seguinte:
- A empresa C………….. entregou, no dia 28 de Maio de 2007, uma declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, de 2006. Contudo, ao analisar o seu conteúdo verificou-se que não foram declarados quaisquer proveitos.
- No dia 29 de Novembro de 2007, foi entregue uma nova declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de 2006, onde são declarados Proveitos no valor de 865.300,00€.
- No dia 25 de Outubro de 2007, foi entregue uma declaração anual de 2006, onde não são declarados quaisquer proveitos.
- No dia 3 de dezembro de 2007, foi entregue uma segunda declaração anual de 2006, onde são declarados proveitos no valor de 865.300,00€.
- Todas as primeiras declarações periódicas de IVA, referentes ao exercício de 2006, foram entregues com valor nulo na base tributável.
- No dia 26 de Novembro de 2007 foram entregues declarações periódicas de IVA de substituição, referentes aos meses de Março, Maio, Agosto, Outubro e dezembro. As bases tributáveis destas declarações totalizam 865.300€.
- Ao fazer o cruzamento do anexo O da empresa C………… como anexo P dos seus fornecedores verificou-se que existia uma divergência no valor de 181.713, 00 €. Ao analisar a referida divergência verificou-se que esta se deveu ao facto de a empresa C…………. ter declarado o valor das suas vendas sem IVA no anexo O, enquanto que o seu cliente, a empresa A…………… Lda. ………., declarou o valor das compras com IVA.
(...)
As faturas emitidas pela C………… à empresa A…………., Lda. foram as seguintes:


Estas faturas foram pagas à empresa C…………. através dos seguintes cheques:




-Ao ser feita a análise destes cheques verificou-se que, em regra, para cada fatura eram emitidos dois cheques, um no valor do IVA e o outro no valor da mercadoria sem IVA. Questionado o Sr. E…………, sócio-gerente da entidade emitente dos cheques, sobre a razão para tal situação, este declarou que era emitido um cheque no valor do IVA, que deveria ser utilizado em primeiro lugar pelo sujeito passivo a fim de cumprir as suas obrigações em sede de IVA, enquanto que o outro cheque só deveria ser depositado pela empresa C…………. mais tarde.
- Verificou-se ainda que todos os cheques emitidos pela empresa à empresa C……………, apesar de terem sido emitidos à ordem deste, tinham sido endossados a terceiros. Questionado o Sr. E………. sobre se saberia qual o motivo para esta situação, este declarou que o Sr. F…………. lhe disse que tinha dívidas cujo pagamento estava em atraso no banco em que a empresa tinha conta bancária e que se os depositasse seriam de imediato cativados para pagamento das referidas dívidas, pelo que os endossava a terceiros que lhe entregariam o dinheiro correspondente ao valor dos cheques.
- As contas dos beneficiários dos cheques são as seguintes:





Ao analisar os extratos da conta bancária pessoal do Sr. E…………., na Caixa Agrícola de Grândola, durante o ano de 2006, verificou-se que existem movimentos de e para a conta bancária …………., do mesmo balcão da Caixa Agrícola. O titular desta conta bancária foi o beneficiário de um dos cheques, emitidos pelo Sr. E…………. para pagar a fatura n°101
-Ainda relativamente à conta bancária verificou-se que no dia 11-01-2006 houve uma transferência bancária da empresa A……………. Lda. para esta mesma conta no valor de 160.000,00€.
-O transporte desta mercadoria encontra-se suportado por guias de remessa emitidas pela empresa A………….., Lda.
-De acordo com as referidas guias de remessa, o transporte de mercadoria vendida pela empresa C………….. à empresa A………….., em 2006, foi feito através de um veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ………., propriedade desta última empresa.
-Segundo as guias de remessa, a mercadoria referida na fatura nº 101 foi carregada no estaleiro da empresa C………….. situado na R …………, em Grândola, enquanto que a restante foi carregada diretamente nas herdades onde a empresa C…………. comprava a cortiça, sendo que toda a mercadoria vendidas à empresa A………….. Lda. era sempre descarregada num estaleiro desta empresa, situada na ………….
Face ao exposto, podemos concluir que existem indícios de que as facturas emitidas pela empresa C…………. Lda. à empresa A…………… Lda., não titulam transacções verdadeiras entre as duas empresas pelos seguintes motivos:
- Todos os cheques emitidos pela empresa A…………… Lda. para pagar as compras de cortiça à empresa C………….. Lda. foram endossados a terceiros;
-No verso dos referidos cheques apenas é indicado o nº de conta do beneficiário, desconhecendo-se a identidade deste, pelo que existe a possibilidade de o beneficiário dos cheques ser o Sr. …………, situação que só é possível de esclarecer mediante o levantamento do sigilo bancário às contas tituladas por si e pela sua empresa.
-Ao analisar os extratos da conta bancária pessoal do Sr. E…………., na Caixa de Crédito Agrícola de Grândola, durante o ano de 2006, verificou-se que existem movimentos de e para a conta bancária ………….., do mesmo balcão da Caixa Agrícola. O titular desta conta bancária foi o beneficiário de um dos cheques, emitidos pelo Sr. E………… para pagar a fatura nº 101.
-Ainda, relativamente à conta bancária, verificou-se que no dia 11-01-2006 houve uma transferência bancária da empresa A………….. Lda., para esta mesma conta no valor de 160.000,00€.
-A empresa A……………. Lda. pagou sempre o valor do IVA das faturas à parte, i.e., pagava o valor da cortiça com um cheque ou dois e o valor do IVA com outro.
-A empresa C………….. Lda. não pagou o Imposto liquidado nas suas declarações periódicas de IVA, no prazo para pagamento voluntário ou em cobrança coerciva, nem sequer após notificação nos termos do artigo 105.5 do Regime Geral das Infrações Tributárias.
-A empresa C……………. Lda. não pagou o imposto liquidado na sua declaração modelo 22 de IRC de 2006» (cfr. fls. 747 a 771 dos autos);
U) Em 12/12/2011, foi levantado auto de notícia contra a sociedade lmpugnante, do qual resulta o seguinte:

V) Em 30/04/2012, a sociedade Impugnante foi constituída arguida no processo de inquérito NUIPC 290/10.0IDSTB (cfr. parecer de fls. 229 a 235 dos autos e fls. 747 a 771 dos autos);
W) Em 30/04/2012, foi remetida, por correio registado, a petição inicial de impugnação judicial (cfr. fls. 262 dos autos)»

*

Consta da mesma sentença, a título de factualidade não provada, que: «Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.».
E, em sede de motivação da decisão fáctica consignou-se na sentença recorrida que: «A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nas informações oficiais e documentos constantes do processo administrativo e do processo de execução fiscal, apensos aos autos, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.
Foram, ainda, ouvidas as testemunhas:
a) …………, agricultor, afirmou ter trabalhado no ramo das corticeiras e como tal conhecer a atividade da Impugnante. A testemunha afirmou que o Sr. F…………, da sociedade C…………., Lda., vendia cortiça à Impugnante. Questionado sobre se a Impugnante, através do seu sócio-gerente E…………, adiantava dinheiro à sociedade C…………., Lda., a testemunha limitou-se a afirmar que via frequentemente o Sr. F…………. no estaleiro do Sr. E…………. e, perante insistência do Ilustre Mandatário da Impugnante, afirmou que o Sr. F……….. lhe dizia que «o E………. vai-me desenrascar». Afirmou que às vezes faziam as contas na báscula da testemunha e que o Sr. F………… lhe transmitia ter já “acertado contas” com o Sr. E…………, mas que nada sabia quanto a cheques.
b) ……….., comerciante de cortiça, declarou prestar serviços para a lmpugnante desde 2006. Afirmou carregar cortiça do Sr. F………… para o Sr. E…………. Questionado sobre os pagamentos efetuados pela Impugnante à sociedade C…………., Lda., disse desconhecer.
As testemunhas em apreço depuseram de modo vago, genérico e impreciso, frequentemente sem conhecimento direto dos factos aos quais foram arroladas. As declarações destas testemunhas assentavam em conversas com terceiros e considerações que faziam em face das mesmas. É certo que ambas as testemunhas afirmaram que a sociedade C………….., Lda. vendia cortiça à sociedade Impugnante, porém, atenta a matéria em discussão nos presentes autos (retenção na fonte de IRS de 2007), os seus depoimentos não foram de molde a permitir a este Tribunal concluir pela prova dos factos alegados.»
*
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1.ª Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do art.º 662, nº 1, do CP.Civil (“ex vi” do art.º 281, do C.PP.Tributário):
X) As ordens de serviço identificadas na al. B) e D) supra foram emitidas pelo Director de Finanças Adjunto de Setúbal, Licenciado …………, ao abrigo de delegação de competências efectuada pelo Director de Finanças de Setúbal, constante do despacho nº 20237/2010, datado de 24/09/2010, publicado na II Série do D.R., nº 199, de 13/10/2010, mais ratificando todos os actos praticados pelos delegados desde 12/01/2010 (cfr. despacho nº 20237/2010 consultado na I Série do D.R., nº 199, de 13/10/2010);
Z) No âmbito do processo de inquérito crime identificado na aI. S) supra, o qual corre termos no DIAP - Secção Única, da Comarca de Setúbal (onde, entre outros, são investigados factos respeitantes ao IRS de 2007), foram constituídos arguidos, além de outros, a sociedade recorrente, “A………….., Lda.”, e o seu sócio gerente, E……….. (cfr. documentos juntos a fls. 571 e 572 dos presentes autos).».
*
3.1. O acórdão recorrido depois de afirmar que as questões em recurso são, em tudo idênticas, às que foram objeto do acórdão deste TCAS, proferido em 06/04/2017, no processo nº 164/12.OBEBJA, do mesmo recorrente entendeu assumir a fundamentação do que sobre tais questões ficou dito no referido acórdão, com as devidas adaptações.
E deste acórdão do TCAS foi interposto recurso de revista para este STA que por acórdão de 20-09-2017, proc. 0642/17, não admitiu o recurso de revista excecional por não se encontrarem preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Porque as questões em apreciação, nos presentes autos, são as mesmas que foram apreciadas no mencionado recurso de revista para este STA no acórdão de 20-09-2017, proc. 0642/17, que não admitiu o recurso de revista excecional por não se encontrarem preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA e porque com este entendimento concordamos integralmente passaremos a transcrevê-lo.
Com efeito nele se escreveu o seguinte:

“…
3.1. O recorrido acórdão do TCA Sul negou provimento ao recurso, concluindo, no essencial, o seguinte:
— (i) não ocorre invocada nulidade da sentença de 1ª instância, por omissão de pronúncia;
— (ii) não se verifica a alegada invalidade (por violação do disposto nos arts. 39º, nº 12, do CPPT, e 11º, 46º, nºs. 2 e 3, e 51º nº 2, todos do RCPIT), da notificação da ordem de serviço que iniciou o procedimento inspectivo, invalidade essa que consequentemente implicaria também, na tese da recorrente, ilegalidade do procedimento de inspecção externa;

— (iii) nem se verifica a também suscitada caducidade do direito à liquidação, pois que, ao invés do alegado pelo impugnante, de acordo com a factualidade provada (cfr. nºs. 12 e 15 do probatório), estão reunidos os pressupostos de aplicação da extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação constante do nº 5 do art. 45º da LGT: é que corre termos um processo de inquérito crime no DIAP - Secção Única, da Comarca de Setúbal, no âmbito do qual estão sob apreciação os factos que originaram a liquidação impugnada no presente processo (em tal inquérito crime, iniciado em 2010, a sociedade recorrente tem o estatuto de arguida, estando indiciada pela prática de crimes de fraude fiscal e fraude fiscal qualificada e não é verdade que o auto de notícia que originou a instauração do inquérito criminal date de 12/12/2011);
— (iv) também não se verifica vício de falta de fundamentação ao acto tributário impugnado;
— (v) e também não se verificam as inconstitucionalidades invocadas pela impugnante, quanto à interpretação desta norma do nº 5 do art. 45º da LGT, por alegada violação do direito a um processo equitativo, do direito a não autoincriminação, do princípio da legalidade fiscal e dos princípios da segurança e certeza jurídicas;
— (vi) por último, quanto a uma alegada tributação com base em facto desconhecido, não tendo, porém, a AT subsumido a conduta à norma contida no nº 4 do art. 6º do CIRS, e não curando de demonstrar a base da sua presunção, pelo que se deve concluir pela inexistência de facto tributário, trata-se, segundo a sentença recorrida, de questão nova que não foi suscitada na PI da impugnação.

3.2. É do assim decidido pelo TCA Sul que a recorrente interpõe o presente recurso de revista excepcional.

3.3. Vejamos, pois, se o recurso é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1, 4 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

(…)
4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

3.4. Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema» (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss).
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.) também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo caber, em princípio, ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.5. No caso, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional.
Segundo a alegação da recorrente, face ao valor probatório dos documentos que consubstanciam uma “Informação Preliminar” elaborada no âmbito de uma inspecção tributária efectuada à empresa “……………, Lda.”, que teve relações comerciais com a recorrente, e face aos autos de notícia levantados em 12/12/2011, pelas infracções alegadamente praticadas pela recorrente, deveria o acórdão recorrido ter especificado como matéria de facto provada, a indiciação de eventual crime em sede do IVA e, consequentemente, devia ter dado provimento ao recurso, anulando as liquidações adicionais de IRS uma vez que com os documentos ficou demonstrado que a recorrente não estava indiciada pelos mesmos factos que originaram a liquidação.
Daí que, para a recorrente, ocorra um evidente erro de julgamento, consubstanciado na violação de direito probatório material (arts. 371º do CCivil e 45º, nº 5 da LGT) com violação de norma que fixa força probatória aos documentos, nomeadamente do auto de notícia que data de 12/12/2011, data em que estava caducado o direito à liquidação, por estar ultrapassado o prazo de caducidade de 4 anos do direito à nova liquidação e, portanto, verificada a respectiva caducidade, nos termos do disposto no nº 1 do citado art. 45º da LGT, sendo que a nulidade da notificação da Ordem de Serviço que legitimou o procedimento de inspecção tributária externa tem efeitos invalidantes na suspensão do prazo de caducidade, bem como no acto de liquidação (ou seja, tem implicação no controlo dos prazos máximos admitidos para o procedimento de inspecção tributária externa (por ser esta que suspende o prazo de caducidade nos termos do disposto no art. 46º, nº 1 da LGT).
Ora, por um lado, mesmo atendendo à ressalva constante do segmento final do nº 4 do supra transcrito art. 150º do CPTA, a alegada questão do erro na aplicação da lei no âmbito da apreciação da força probatória da prova documental, face ao disposto nos arts. 371º do CCivil e 45º, nº 5 da LGT (prova documental essa que, no caso, se substanciará na “Informação Preliminar” elaborada em 21/10/2010 no âmbito da Inspecção Tributária) não deixa de se reconduzir à apreciação concreta da própria factualidade que o acórdão recorrido julgou provada: não se trata de saber se a lei impõe, no caso, a prova tarifada relativamente à factualidade que o acórdão recorrido julgou provada. Na verdade, na alegação da recorrente, tratando-se de um documento autêntico e nele se fazendo referência apenas “a factos que tenham implicação ao nível da Liquidação de IVA”, então, “dizendo estes autos respeito a IRS (os factos que originam as Liquidações são diferentes)” e atendendo, igualmente, à data do auto de notícia (12/12/2011), relativamente à qual estava já caducado o direito à liquidação, no acórdão recorrido deveria, então, ter-se especificado como matéria de facto provada, “face ao valor probatório deste documento”, a indiciação de eventual crime em sede do IVA e, consequentemente, deveria ter-se dado provimento ao recurso, anulando as liquidações adicionais de IRS aqui em causa, uma vez que, face à dita prova documental ficou demonstrado “que a Recorrente não estava indiciada pelos mesmos factos que originaram a liquidação”. E, de todo o modo, veja-se que no acórdão recorrido, além de se afirmar que «... não é verdade que o auto de notícia que originou a instauração do inquérito criminal date de 12/12/2011» também se considera que «... de acordo com a factualidade provada (cfr. nºs. 12 e 15 do probatório), estão reunidos os pressupostos de aplicação ao presente processo da extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação constante do examinado art. 45º, nº 5, da L.G.T., (...) porquanto corre termos processo de inquérito crime no DIAP - Secção Única, da Comarca de Setúbal (inquérito nº 290/10.0IDSTB), no âmbito do qual estão sob apreciação os factos que originaram a liquidação impugnada no presente processo», inquérito crime iniciado em 2010 e no qual «... a sociedade recorrente tem o estatuto de arguida, estando indiciada pela prática de crimes de fraude fiscal e fraude fiscal qualificada» —
Daí que a questão ora suscitada no recurso acabe por implicar a própria apreciação concreta da factualidade que o acórdão recorrido julgou provada, sem que, no entanto, se verifique a circunstância de o Tribunal ter julgado provados factos relativamente aos quais a lei exigia um especial meio de prova, ou ter desprezado a força probatória plena de um documento, impedindo que esta se sobreponha a outros meios de prova de menor valia que tenham sido produzidos no processo. (Cfr. Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, 2011, comentário nº 4 ao art. 150º, p. 987.)
E considerando desde logo tal apreciação concreta dos factos, não se antevê que essa suscitada questão revele especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, tratando-se, ao invés, de questão que convoca e assenta em argumentos específicos e particulares atinentes à situação em causa nos autos, o que desde logo restringe significativamente a capacidade de expansão da controvérsia para além dos limites da situação singular dos mesmos autos.
Por outro lado, também não estamos perante questões cuja apreciação jurídica se revista de complexidade superior ao comum em razão do respectivo enquadramento normativo ou da necessidade de compatibilizar os diferentes regimes potencialmente aplicáveis (pese embora o alegado na Conclusão V, não se vê que a interpretação do disposto no art. 371º do CCivil e do nº 5 do art. 45º da LGT implique tal complexidade) ou, mesmo, em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar.
Fica, assim, afastada a excepcionalidade e, por conseguinte, a admissibilidade, da revista, sendo que nem a alegada desconformidade constitucional, por alegada violação do princípio da legalidade da Administração Pública e do direito à não autoincriminação (nº 2 do art. 266º e art. 16º, ambos da CRP) seria fundamento deste recurso (cfr., entre muitos outros, o ac. desta Secção de Contencioso Tributário do STA, de 10/9/2014, proc. nº 0659/14, bem como os acs. da Secção de Contencioso Administrativo, de 12/9/2013, proc. nº 0982/13; de 10/7/2013, proc. nº 01123/13; de 26/9/2013, proc. nº 01371/13; de 31/10/2013, proc. nº 01603/13; de 18/12/2013, proc. nº 01788/13) uma vez que as questões de inconstitucionalidade podem discutir-se (e só podem discutir-se definitivamente) em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (art. 70º nº 1, als. a), c) e f) da Lei 28/82, de 15/11).
Em suma, não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art. 150º do CPTA.”.
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A natureza excecional do recurso de revista, previsto no art. 150º do CPTA, exige que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
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4. Termos em que se acorda em não admitir o presente recurso de revista excecional, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 11 de abril de 2018. – António Pimpão (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.