Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0738/07
Data do Acordão:01/09/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:RECURSO DO ORGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
SUBIDA IMEDIATA
SUBIDA DIFERIDA
UTILIDADE
Sumário:I - O nº 3 do artigo 278º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve interpretar-se como abrangendo nos casos de subida imediata das reclamações dos actos do órgão da Administração que dirige a execução fiscal aqueles em que, independentemente da alegação e prova de prejuízo irreparável, a sua subida diferida lhes retiraria toda a utilidade.
II - Assim, cabe na previsão daquele nº 3 a reclamação do acto que indeferiu o pedido do executado de suspensão da execução.
Nº Convencional:JSTA00064776
Nº do Documento:SA2200801090738
Data de Entrada:09/13/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART278 N1 N3.
CPC96 ART734 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC374/07 DE 2007/05/23.; AC STA PROC229/06 DE 2006/08/16.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 5ED VII PAG666-668.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A…, residente em Braga, recorre da decisão do Mmº. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que determinou a subida a final da reclamação interposta de despacho do órgão da Administração Fiscal proferido em execução fiscal que contra si reverteu, «por não se verificar a situação prevista na alínea a) do nº 3 do artº 278º do CPPT, susceptível de consubstanciar prejuízo irreparável».
Formula as seguintes conclusões:
«1ª
A penhora dos títulos do Recorrente excede manifestamente o valor da quantia exequenda e acrescidos.
Quando se verifica penhora excessiva, deve a reclamação subir de imediato, por causar prejuízo irreparável.
O Recorrente invocou um segundo argumento para a subida imediata da Reclamação mas que não conhecido na douta sentença recorrida, pelo que é nula a sentença.
Sem prescindir quanto à alegada nulidade, só com a subida imediata da Reclamação é que se obtém utilidade para Recorrente, de nada lhe valendo a sua procedência após a venda do direitos penhorados, pois a sua alegação consiste em requerer a suspensão da execução quanto a si enquanto não se mostrar decidida uma oposição fiscal deduzida pelo outro revertido nestes autos.
A Recorrente alegou factos suficientes demonstrativos da utilidade da subida imediata da Reclamação e do prejuízo irreparável que sofrerá se tal não suceder.
A douta sentença recorrida é nula nos termos do artigo 125° do CPPT e violou os artigos 278° do CPPT e 734°/n° 2 do CPC, devendo conhecer do mérito da Reclamação.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e proferido acórdão que ordene o conhecimento do mérito da Reclamação (…)».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. O Mmº. Juiz proferiu despacho mantendo o decidido.
1.4. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso merece provimento, escrevendo, relevantemente:
«1. Quanto à primeira questão — nulidade por omissão de pronúncia — não deve proceder o recurso.
Como bem se salienta no despacho de fls. 71 (sustentação) a decisão recorrida concluiu pela não verificação dos pressupostos do art° 278°, n° 3 do CPPT o que levou ao não conhecimento imediato da reclamação, diferindo-o para momento posterior (a final, depois da realização da venda).
Assim sendo não haveria lugar a prolação de decisão sobre a questão de fundo - suspensão da execução - pelo que não ocorre a arguida nulidade por omissão de pronúncia.
2. Ponto é saber se se verificam os pressupostos do art° 278°, n° 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário, e aí estamos reconduzidos à segunda questão objecto do recurso – possibilidade de subida imediata da reclamação.
O recorrente sustenta que a penhora é excessiva e, por isso, inadmissível.
E que só com a subida imediata da reclamação é que se obtém utilidade, de nada lhe valendo a sua procedência após a venda dos direitos penhorados, pois a sua alegação na reclamação consiste em pedir a suspensão da execução.
Por sua vez a decisão recorrida (fls. 36) faz aplicação da norma contida no art. 278 do Código de Processo Tributário na dimensão normativa segundo a qual a subida imediata das reclamações se restringe aos casos taxativamente enumerados no seu n°3, concluindo que não ocorre nenhuma das situações previstas naquele normativo, designadamente a da sua al. a)..
Afigura-se-nos que, nesta parte o recurso merece provimento.
Antes de mais porque na reclamação o ora recorrente veio pedir a suspensão da execução.
Ora estando em causa decisão sobre a suspensão do processo de execução fiscal a reclamação deverá subir imediatamente, sob pena de a sua retenção tornar posteriormente inútil a sua apreciação.
Um exemplo de situação em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação é precisamente o da decisão que recuse suspender o processo de execução fiscal - cf. neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado, 4 edição, pag. 1050, e João António Valente Torrão no seu CPPT anotado, fls. 939.
Acresce finalmente que também a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo vem decidindo maioritariamente que «mau grado o carácter taxativo do disposto no artigo 278. °, n.° 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ter subida imediata, sob pena de inconstitucionalidade material do preceito - princípio da tutela judicial efectiva (artigo 268. ° da Constituição da República Portuguesa) – a reclamação de qualquer acto do órgão da execução fiscal que cause prejuízo irreparável ao executado ou em que, com a subida diferida, a reclamação perca toda a utilidade (como pode ser, nomeadamente, a não suspensão da execução com a consequente venda dos bens ou a fixação do valor base para venda)” – neste sentido, se podem confrontar entre outros, os Acórdãos de 16.08.2006, processo 0689-06, e de 02.03.2005 processo 010/05, ambos in www.dgsi.pt».
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2. É deste teor o despacho recorrido:
«Suscita-se, em sede liminar, uma questão impeditiva do conhecimento do mérito da reclamação apresentada nos termos do art° 276° do CCPT, contra um acto praticado pelo órgão de execução fiscal local.
Com efeito e no que se refere à matéria em discussão nos presentes autos, dispõe o art° 276° do CPPT, o seguinte:
“As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância”, hoje, Tribunais Administrativos e Fiscais.
Por sua vez rege o art° 277° o seguinte no seu n° 2:
“A reclamação é apresentada no órgão da execução fiscal, que, no prazo de 10 dias, poderá ou não revogar o acto reclamado”.
Para além disso, nos termos do art° 278° nº 1 do referido diploma, o tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.
Ora, como tem vindo a ser jurisprudência pacífica, esta expressão “a final”, deve ser interpretada no sentido de que as reclamações sobem após a realização da penhora ou a venda, consoante sejam interpostos antes de um ou outro desses momentos, ou seja, a reclamação a que alude o art° 276° do CPPT é, por regra, de subida diferida.
É certo que tal regra, tem excepções, importando a subida e conhecimento imediatos, excepções essas previstas nas diversas alíneas do art° 278° n° 3.
Só nestes casos, o processo assume natureza de urgente: 278° n° 5 do CPPT.
Na petição inicial é invocado o prejuízo irreparável sustentado legalmente na 2ª parte da alínea a) do artº 278° do CPPT.
Ou seja, o reclamante alega que o montante da penhora excede largamente a dívida exequenda no entanto não sustenta a sua alegação com qualquer prova.
Por sua vez os Serviços de Finanças informam que a penhora se mantém relativamente a obrigações e participações detidas no Banco Popular por parte do reclamante e que se limitaram à quantia exequenda e acrescidos.
Pelo exposto, e por não se verificar a situação prevista na alínea a) do n° 3 do art° 278° do CPPT, susceptível de consubstanciar prejuízo irreparável, determino a devolução dos presentes autos, ao Serviço de Finanças competente para aí correr os seus termos».
***
3.1. A decisão recorrida baseou-se, no essencial, em que, apesar de o reclamante ter alegado prejuízo irreparável, com vista a obter a imediata apreciação da reclamação interposta do despacho do órgão da Administração, tal prejuízo não se verifica, efectivamente, no caso.
Isto porque o prejuízo irreparável alegado consiste em o montante da penhora exceder o da dívida exequenda, e tal não se prova, enquanto que os serviços da Administração informam que a penhora se limita ao necessário para cobrir a dívida exequenda e acrescido.
No entendimento que o despacho recorrido expressou, a subida imediata da reclamação – a atribuição da natureza de processo urgente – depende, exclusivamente, da verificação do prejuízo irreparável referido no nº 3 do artigo 278º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
E, como julgou que tal prejuízo, in casu, não ocorria, entendeu que a reclamação só a final havia de subir.
Não há, consequentemente, qualquer omissão de pronúncia, pois o que fez o Mmº. Juiz foi determinar a subida da reclamação a final, depois de dizer que a subida imediata dependia da existência de prejuízo irreparável, e julgar que este não existia. Só incidindo a sua pronúncia sobre o momento da subida da reclamação, nada mais havia a decidir, pois tudo o resto haveria que ser apreciado aquando da subida diferida da reclamação a juízo.
O que pode haver é erro de julgamento, se, além das hipóteses expressamente previstas no nº 3 do artigo 278º do CPPT, outros casos houver em que as reclamações dos despachos do órgão da Administração proferidas na execução fiscal devam ser imediatamente submetidas ao juiz.
É do que adiante se tratará, depois, de, assim, concluirmos que se não verifica a nulidade por omissão de pronúncia arguida pelo recorrente.
3.2. Ora, há que atender a que o recorrente peticionou ao órgão da Administração a suspensão da execução, como se vê do respectivo requerimento, desatendido pelo despacho reclamado.
Tendo tal suspensão sido indeferida, se o recurso dele interposto não for imediatamente apreciado, a consequência é o prosseguimento da execução; e, assim, quando a reclamação for julgada, já não pode produzir efeito útil, pois a execução fiscal que se queria ver suspensa prosseguiu até à venda – posto que, no caso, e como flui do despacho judicial sob exame, a penhora já teve lugar.
É quanto basta para, independentemente da provável verificação de prejuízo irreparável em resultado da retenção da reclamação, esta deva ser imediatamente apreciada.
Embora o nº 1 do artigo 278º do CPPT estabeleça que «o tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final», o nº 3 do mesmo artigo ressalva o caso de «a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;
d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida».
No entendimento da jurisprudência deste Tribunal, apoiado na doutrina expressa por JORGE LOPES DE SOUSA, in CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO, 5ª edição, vol. II, págs. 666 a 668, não é taxativo este elenco de ilegalidades, antes devem ser atendidas, para o efeito, todas aquelas de que possa resultar, para o interessado, prejuízo irreparável. Vejam-se, entre muitos, os acórdãos de 7 de Dezembro de 2004 no processo nº 1216/04, 2 de Março de 2005 no processo nº 10/05, 18 de Janeiro de 2006, no processo nº 1202/05, 15 de Fevereiro de 2006 no processo nº 41/06, 9 de Agosto de 2006 no processo nº 229/06, 16 de Agosto de 2006 no processo nº 689/06, 23 de Maio de 2007 no processo nº 374/07.
Mas entendem mais do que isso as apontadas doutrina e jurisprudência: que devem subir imediatamente as reclamações cuja subida diferida lhes retiraria toda a utilidade.
É esta, de resto, a regra consagrada pelo artigo 734º nº 2 do CPC para os agravos: sobem de imediato aqueles «cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis». Na verdade, mal se entenderia que a lei, admitindo alguém a rebelar-se contra uma decisão, facultando o seu reexame por outra entidade, só propiciasse a avaliação da pretensão do interessado quando desta apreciação não pudesse resultar nenhum efeito útil. Seria o mesmo que dar com uma mão e tirar com a outra – além de assim se consagrar um meio de reacção inconsequente, porque de todo desprovido de proveito.
Consequentemente, o artigo 278º do CPPT deve interpretar-se como excepcionado da regra do seu nº 1, no seu nº 3, aqueles casos em que a subida diferida da reclamação a tornaria absolutamente inútil. É o que acontece, tipicamente, com a reclamação de despachos que recusam a suspensão da execução.
Procede, pelo exposto, o fundamento do recurso alegado na 4ª conclusão das alegações do recorrente.
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4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão impugnada, determinando a imediata subida e apreciação da reclamação deduzida pelo recorrente.
Sem custas.
Lisboa, 9 de Janeiro de 2008. - Baeta de Queiroz (relator) - António Calhau Miranda de Pacheco.