Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01052/13
Data do Acordão:10/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
PROPRIEDADE
ALOJAMENTO
Sumário:I - O acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/2013, proferido pelo STA em 23/01/2013, publicado na 1.ª Série do Diário da República de 4 de Março de 2013, firmou o seguinte entendimento por decisão tomada pela maioria dos Juízes Conselheiros em exercício nesta Secção: o conceito de «instalação» para efeitos dos benefícios a que se reporta o nº 1 do art. 20º do Dec. Lei nº 423/83, de 5.12, reporta-se à aquisição de prédios ou fracções autónomas para construção de empreendimentos turísticos depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos, e não a beneficiar os adquirentes das fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural.
II - Dada a suprema importância da uniformidade da jurisprudência e da preservação dos valores da segurança e da estabilidade das relações jurídicas que encontram consagração no art.º 8º nº 3 do Cód.Civil, impõe-se sufragar a doutrina ali acolhida, até porque a composição desta Secção não sofreu renovação que permita alterar o entendimento maioritário ali acolhido, pelo que se deve julgar que o benefício a que se reporta o nº 1 do art. 20º do DL nº 423/83 não é aplicável à primeira aquisição de uma fracção/unidade de alojamento que faz parte integrante de empreendimento turístico em propriedade plural, por tal aquisição não se integrar no processo de instalação do respectivo empreendimento.
Nº Convencional:JSTA000P16502
Nº do Documento:SA22013103001052
Data de Entrada:06/07/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………………, com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra os actos de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão de Bens Imóveis (IMT) e de Imposto de Selo (IS), nos montantes de € 38.179,38 e de € 3.759,20, respectivamente.

1.1.Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

1ª - Tratando-se da primeira aquisição de uma fracção integrante de um empreendimento turístico, feita com a opção deliberada de afectar o bem à exploração turística (como resulta claramente de o contrato de cedência de exploração ter sido assinado ainda antes da escritura pública de compra e venda), e mantendo-se a unidade afecta a esta actividade, devem ser aplicáveis a essa aquisição os benefícios fiscais previstos no artigo 20º do DL 423/83 - isenção de IMT e redução de 4/5 de Imposto do Selo.

2ª - A posição do Douto Tribunal na sentença ora recorrida, parece, com a devida vénia, resultar da desconsideração da nova realidade jurídica constituída pelo aldeamento turístico, em que se verifica, ao contrário de anteriores situações de aplicação destes benefícios, e para além do promotor, uma pluralidade de proprietários que adquiriram as suas fracções antes da entrada em funcionamento do empreendimento e em que todos exercem, através das unidades de alojamento de que são proprietários, uma actividade turística.

3ª - O conceito de instalação, em torno do qual gira toda a questão em apreciação, deve, deste forma, ser interpretado de forma dinâmica, e, muito em particular, com consideração dessas novas realidades jurídico económicas.

Nestes termos e nos demais de Direito e com o sempre mui Douto Suprimento deste Venerando Tribunal, deve ser dado provimento ao presente Recurso, anulando-se a Douta Sentença recorrida, por ilegal, com as demais consequências legais, nomeadamente a anulação da liquidação de IMT, IS e juros compensatórios.

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não devia merecer provimento, entendendo, depois de fazer uma breve referência aos diversos diplomas que se sucederam no tempo no que toca ao regime jurídico da instalação, funcionamento e exploração dos empreendimentos turísticos – Dec.Lei n.º 167/97, de 4 de Julho, Dec.Lei n.º 55/2002, e Dec.Lei n.º 39/2008, de 7 de Março - que devia ser seguida a jurisprudência ínsita no acórdão proferido em 23/1/2013 por este STA no processo nº 968/12, em julgamento ampliado, e reiterada nos acórdãos que sobre esta questão este Supremo Tribunal tem vindo a proferir, no sentido de que, «o conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação», sendo que, no caso em apreço, aquando da aquisição da fracção pelos recorrentes, o empreendimento turístico dispunha já de título constitutivo de empreendimento com propriedade horizontal aprovado pelo Instituto de Turismo, alvará de utilização para apartamentos turísticos, emitido pela Câmara Municipal de Vila do Bispo, e estatuto de utilidade turística atribuído por Despacho do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República em 31.12.2010.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:

1. Em 19 de Julho de 2010, a Câmara Municipal de Vila do Bispo emitiu o alvará de utilização nº 152/2010, relativo ao “Aldeamento Turístico B…………….”, onde consta a utilização “apartamentos turísticos de quatro estrelas”.

2. Nos dias 20 de Julho e 24 de Setembro de 2010, o Instituto do Turismo, IP, aprovou o título constitutivo do empreendimento turístico com propriedade horizontal designado “Aldeamento Turístico B………………”.

3. Em 31 de Dezembro de 2010, na 2.ª Série do Diário da República, foi publicado o Despacho do Secretário de Estado do Turismo nº 19.364/2010 no qual, além do mais, foi decidido “1 — Atribuir utilidade turística a título definitivo ao Aldeamento Turístico B……………” e “2 - Fixar a validade da utilidade turística em sete anos (...) ou seja, até 19 de Julho de 2017”.

4. No dia 26 de Janeiro de 2011, A................. adquiriu a fracção autónoma designada pelas letras …………, destinada a alojamento turístico, que faz parte do Aldeamento Turístico B……………

5. O Impugnante celebrou com C………….., SA, na qualidade de entidade exploradora do aldeamento turístico “B……………”, um acordo designado “Contrato de Arrendamento para Exploração Turística” relativo à fracção autónoma identificada em 4.

6. No dia 6 de Janeiro de 2011, foi apresentada a declaração Modelo 1 n.º 2011/4279 para liquidação de IMT e respectivo imposto de Selo Verba 1.1., referente àquela aquisição do direito de propriedade plena da fracção autónoma ………….. do Aldeamento Turístico B…………….

7. Com base nesta declaração foram emitidas - actos impugnados - as liquidações adicionais de IMT e IS que foram notificadas aos Impugnantes nos seguintes termos: “Fica por este meio notificado para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção, solicitar guias neste Serviço de Finanças para pagamento do valor total de € 41.938,58, sendo € 38.179,38 referente a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), e € 3.759,20 de Imposto de Selo, devido pelo facto de ter sido indevidamente reconhecida a isenção do IMT e 80% do Imposto de Selo, nos termos do artigo 20º do DL nº 423/83, de 5 de Dezembro, por se verificar que não estão reunidos os pressupostos para aplicação da isenção prevista no referido diploma legal (...)”.

3. Nos presentes autos de impugnação judicial está em causa a legalidade dos actos de liquidação de IMT e de Imposto de Selo, cuja anulação a Impugnante demanda com o argumento de que, tratando-se de uma primeira aquisição de fracção integrante de um empreendimento turístico, realizada com a opção deliberada e expressa de afectar a fracção à exploração turística no âmbito desse empreendimento, essa aquisição enquadra-se na previsão do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, beneficiando, por isso de isenção de IMT e de redução de 4/5 no Imposto de Selo.

A sentença recorrida, depois de fazer uma análise do que vem dito no preâmbulo do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, bem como do que se dispõe no art. 20º do mesmo diploma legal, e tomando em consideração a orientação firmada no acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/2013, proferido por este STA em 23 de Janeiro de 2013, publicado na 1.ª Série do Diário da República, de 4 de Março de 2013 - no sentido de que a primeira aquisição de fracção destinada a exploração turística não integra já a fase de instalação do empreendimento -, cujo sumário cita, conclui o seguinte:
«(…) tal aquisição não pode beneficiar da isenção de IMT nem da redução do imposto de selo previstas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, à míngua do primeiro requisito cumulativo aí previsto – aquisição de fracção autónoma com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, uma vez que o empreendimento já se encontrava licenciado e apto a funcionar e o Impugnante actuou como consumidor final de um produto turístico posto no mercado pelo promotor, que não como co-financiador na construção do empreendimento, de modo que a aquisição da fracção já não integrou a fase de instalação do empreendimento, mas a da sua exploração.».
Neste recurso, a Impugnante, ora Recorrente, insiste que beneficia da isenção de IMT e da redução do IS, nos termos previstos no art. 20º do referido Dec. Lei nº 423/83, sustentando que o tribunal recorrido errou na interpretação da lei no que se refere ao conceito de “instalação”, já que desconsiderou a realidade jurídica que consubstancia o aldeamento turístico, em que uma pluralidade de entidades adquirem a propriedade de fracções antes da entrada em funcionamento do empreendimento e em que todas exercem a actividade turística através das unidades de alojamento que adquiriram.
Deste modo, a questão que se coloca neste recurso é a de saber se a aquisição pela Impugnante, efectuada em 26/1/2011, da fracção autónoma designada pela letra …………., que constitui unidade de alojamento do Aldeamento Turístico B…………………., e que integra, assim, um empreendimento turístico que, por Despacho do Senhor Secretário do Turismo publicado na 2ª Série do D.R. em 31/12/2010, veio a obter o estatuto de utilidade turística a título definitivo até 19/07/2017, se destinou ainda à instalação desse empreendimento ou, pelo menos, se integra ainda no processo de concretização dessa instalação, ou se, pelo contrário, o empreendimento já se encontrava inteiramente instalado à data da aquisição.
Tal questão foi apreciada e decidida em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art.º 148º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no processo que correu termos neste Tribunal sob o n.º 0968/12, e que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado na 1.ª Série do Diário da República, de 4 de Março de 2013.
Acórdão que, por decisão tomada pela maioria dos Juízes Conselheiros em exercício na Secção, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: o conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».
Tendo em conta a suprema importância da uniformidade da jurisprudência no âmbito interno dos tribunais, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art.º 8º, n.º 3 do Código Civil – ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – cumpre-nos aderir a essa orientação jurisprudencial sufragada pela maioria dos Juízes Conselheiros desta Secção e aos fundamentos em que se estribaram, vertidos de forma abreviada mas elucidativa no sumário desse acórdão uniformizador, com o seguinte teor:

I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11º, nºs. 1 e 2, da LGT).

II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23º ss).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

V – Nos empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.

IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.

X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.°/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.°/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante.

Razão pela qual se impõe negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.

4. Termos em que acordam os juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 30 de Outubro de 2013. – Dulce Neto (relatora) - Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.