Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0610/17
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:COSTA REIS
Descritores:ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
TRIBUNAL COMPETENTE
RELAÇÃO JURÍDICA ADMINISTRATIVA
RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA
Sumário:À luz do ETAF e do CPTA, o conhecimento das acções sobre a responsabilidade civil extracontratual de entes públicos compete aos tribunais administrativos.
Nº Convencional:JSTA000P22146
Nº do Documento:SAP201707120610
Data de Entrada:05/22/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS E MINISTRO DAS FINANÇAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. A………… intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal (doravante TAF) do Porto, contra o Estado Português e o Ministério das Finanças, acção administrativa comum pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 8.199,00, acrescida dos devidos juros de mora, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual decorrente dos RR não lhe terem entregue o bem móvel por si adquirido e pago no processo de execução fiscal que correu termos no Serviço de Finanças de V. N. de Gaia 1.

A acção foi distribuída a um juiz afecto à jurisdição administrativa daquele TAF que, por decisão de 29/01/2015, julgou o Tribunal Administrativo incompetente em razão da matéria para conhecer do mérito da acção, competência que atribuiu ao Tribunal Tributário. Fundamentou essa decisão no convencimento de que o presente conflito envolvia a apreciação de questões de natureza tributária e não administrativa.

Distribuído o processo a um juiz afecto à jurisdição tributária do TAF do Porto este, por sua vez, julgou o Tribunal Tributário materialmente incompetente. Para tanto sustentou que a matéria cuja apreciação judicial se pedia prendia-se com a responsabilidade civil extracontratual e este Plenário vinha decidindo que a decisão dos conflitos nessa matéria cabia aos Tribunais Administrativos.

A Autora suscitou, então, a resolução do conflito negativo assim gerado.
Cumpre, pois, decidir.

2. É absolutamente claro que a Autora funda esta acção na responsabilidade civil extracontratual dos RR a quem imputam comportamentos ilícitos, culposos e causadores dos danos, patrimoniais e morais, cuja indemnização peticionam.
Ora, este Plenário vem uniformemente decidindo que a competência material para conhecer deste género de acções – de responsabilidade civil extracontratual, dirigidas contra entes públicos – radica, não nos tribunais tributários, mas nos administrativos (cf. os acórdãos de 9/5/2012, de 29/1/2014, de 10/9/2014, de 15/10/2014, de 14/5/2015 e de 3/6/2015, os quais foram proferidos, respectivamente, nos procs. ns.º 862/11, 1771/13, 621/14, 873/14, 1152/14 e 520/15).
A este propósito, escreveu-se no aresto proferido naquele proc. n.º 873/14 o seguinte:
“É sabido que as acções do género – de responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos – costumam correr nos tribunais administrativos, e não nos tributários. E essa prática – cuja repetição, por si só, nada garante – tem um genuíno fundamento legal.
Concede-se que o ETAF não é perfeitamente claro na repartição de competências entre as subjurisdições administrativa e tributária. Mas, se cotejarmos os arts. 44º e 49º do diploma, atentando na minuciosa previsão, no último deles, dos assuntos cujo conhecimento incumbe aos Tribunais Tributários, logo recolheremos aí um forte indício de que o ETAF recortou as competências dessas subjurisdições por forma a conferir à administrativa uma competência que se pode qualificar como residual ou por exclusão. Sendo assim, o próprio ETAF inculca que a apreciação das acções de responsabilidade civil propostas na jurisdição administrativa e fiscal compete ordinariamente aos tribunais administrativos – conclusão que negativamente se extrai do pormenor de elas não estarem directamente previstas no art. 49º do diploma.
E isso, para que o ETAF aponta, é confirmado pelo CPTA. Os destinatários imediatos deste código são os tribunais administrativos («vide» o seu art. 1º), aplicando-o os tribunais tributários de um modo apenas subsidiário (art. 2º, al. c), do CPPT). Ora, o art. 37º, n.º 2, al. f), do CPTA é explícito no sentido de que a responsabilidade do Estado deve ser pedida através de uma acção administrativa comum – a interpor nos tribunais que o diploma tem em vista e que são os administrativos.
E nenhuma estranheza há num tal desfecho. É que a determinação da competência material para conhecer dessas acções de responsabilidade costuma abstrair da natureza do assunto em que se inscreveu a conduta ilícita e danosa imputada ao Estado – como mostra o facto de ele responder nos tribunais administrativos por actos relacionados com o exercício das funções jurisdicional e legislativa (art. 4º, n.º 1, al. g), do ETAF). E, se o Estado responde nos tribunais administrativos em tais casos, nada, «a fortiori», obsta a que possa civilmente responder na mesma sede por condutas ligadas a questões jurídico-fiscais.”

3. No caso, como vimos, a Autora instaurou contra o Estado e o Ministério das Finanças uma acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual com vista à sua condenação no pagamento de uma quantia que a ressarcisse dos danos sofridos em resultado da sua actuação ilícita e culposa daqueles - consubstanciada na não entrega do veículo que tinha adquirido e pago no âmbito de um processo de execução fiscal que correu termos do Serviço de Finanças de Gaia.
O que evidencia, de forma clara, que o que está em causa não é um conflito emergente de uma relação jurídica tributária mas um conflito que, apesar de ter a sua génese na actividade da Administração Tributária, nasce por razões que nada têm a ver com a relação jurídica tributária.
Podemos, assim, concluir que estamos perante uma típica acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado - que se rege pelas normas de direito civil (arts. 483.º e segs. Cod. Civil) e de direito administrativo (Lei 67/2007, de 31/12) – e não perante um conflito emergente de uma relação jurídica tributária cuja resolução tenha de apelar a normas de direito tributário.
E porque assim o Tribunal Tributário é materialmente incompetente para o conhecimento desta acção.

Termos em que os Juízes que compõem este Plenário acordam em anular a decisão do Tribunal Administrativo que se julgou incompetente para julgar esta acção e em declarar que essa competência está sediada nesse Tribunal Administrativo.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Julho de 2017. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Artur Madeira dos Santos - António José Pimpão – António Bento São Pedro - Joaquim Casimiro Gonçalves – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Dulce Manuel da Conceição Neto.