Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0436/10
Data do Acordão:11/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IVA
LIQUIDAÇÃO
DEDUÇÃO
NÃO RESIDENTE
Sumário:I - Em sede de IVA, localizando-se a operação tributável no território nacional e sendo os serviços prestados por entidade não residente e que também não procedeu à nomeação de representante, recai sobre o adquirente a obrigação legal de liquidar o IVA, nos termos do nº 3 do art. 29º do CIVA.
II - A omissão, na declaração, do imposto relativo a tais operações impõe que seja efectuada a respectiva liquidação adicional, independentemente do direito à dedução do mesmo.
III - Em matéria de correcção de erros materiais praticados nos registos e nas declarações, o art. 71º do CIVA prevê várias situações de rectificação do IVA, condicionadas a requisitos específicos que, se não forem cumpridos, implicam a nulidade daquelas rectificações, com a consequente penalização que ao caso couber, sendo que o nº 15 deste mesmo artigo prevê a aceitação, por parte da AT, da liquidação e dedução subsequentes, desde que seja entregue a declaração de substituição.
Nº Convencional:JSTA00066674
Nº do Documento:SA2201011100436
Data de Entrada:05/25/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA84 ART6 N6 C ART19 N1 C N3 ART22 N1 N2 ART29 N3 ART40 N1 ART71 N15 ART91 N2 ART96 C.
L 87-B/98 DE 1998/12/31 ART32 N5.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC24641 DE 2001/02/21.; AC STA PROC256/10 DE 2010/06/02.
Referência a Doutrina:CLOTILDE CELORICO DE PALMA INTRODUÇÃO AO IVA PAG186.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Publica recorre da sentença que, proferida pelo TAF de Sintra, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A…, SA, com os demais sinais dos autos, contra a liquidação adicional de IVA do ano de 1994, no valor de 2.758.770$00.
1.2. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes:
I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, subjaz que a douta sentença, ora recorrida, julgou a impugnação procedente, em virtude de considerar que estava a ser exigido à Impugnante o pagamento de IVA que não era devido, porque o IVA liquidado era igual ao IVA deduzido, pelo que anulou a liquidação adicional de IVA, por o imposto não ser devido.
II - Com efeito, a liquidação de IVA objecto resultou do facto de os Serviços de Inspecção Tributária terem detectado que a Impugnante no ano de 1994, não procedeu à liquidação de IVA à taxa de 16%, nos “royalties” pagos à B…, entidade não residente em território nacional, conforme o disposto no art. 6º, nº 6, do CIVA.
III - Pelo que a Impugnante tinha a obrigação de liquidar o IVA e enviar a respectiva declaração periódica, nos termos do disposto no art. 40º, nº 1 do CIVA, não obstante nos termos do artigo 19°, nº 1, c) do mesmo diploma legal, a Impugnante tivesse direito à dedução desse valor.
IV - No entanto, para que a Impugnante pudesse beneficiar do direito à dedução, teria de ser ela própria a exercê-lo, tal como resulta do disposto no artigo 91º, nº 2 e 71º, nº 15 do CIVA, direito que a ora Impugnante não exerceu.
V - Por tal facto, o IVA liquidado pelos Serviços de Inspecção Tributária é devido, já que o direito à dedução não foi exercido pela Impugnante, dado não ter sido entregue a declaração de substituição, prevista no artigo 71°, nº 15 do CIVA.
VI - Efectivamente, o direito à dedução, admite a renúncia ao seu exercício por parte de quem dele seja titular, renúncia essa implícita que ocorre, desde logo, quando se deixa precludir tal direito pelo seu não atempado exercício.
VII - Pelo que, a liquidação efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, o foi no estrito cumprimento das disposições legais supra mencionadas, não tendo sido cometido na liquidação do IVA objecto dos presentes autos, qualquer ilegalidade.
VIII - Neste pendor, a douta sentença procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, subjacentes à liquidação do IVA objecto dos presentes autos, mormente do disposto nos artigos 6°, nº 6, 19º, nº 1, alínea c), 40º, nº 1, 91°, nº 2, 75°, nº 15 e 76° a 89°, todos do CIVA.
Termina pedindo o provimento ao recurso e a consequente revogação da decisão recorrida, a ser substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
1.3. Contra-alegando, a recorrida formulou as seguintes conclusões:
1ª - Entendeu o Tribunal a quo na sentença recorrida que a liquidação adicional de IVA sub judice era ilegal com o fundamento de que se encontra a ser exigido à ora Recorrida o pagamento de IVA que não se afigura devido, porque o IVA liquidado é igual ao IVA deduzido, tendo ainda pugnado que se está a exigir o pagamento do IVA com o fundamento previsto no artigo 71°, nº 15 do Código do IVA, preceito aditado pela Lei do Orçamento de 1999, ao qual tendo sido conferido carácter meramente interpretativo, significa que o regime vigente no ano e 1994, data do facto tributário, carecia de clarificação, era dúbio;
2ª - O presente recurso vem deduzido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública com fundamento de que o Tribunal a quo estribou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de direito, e na clara e manifesta violação do disposto nos artigos 6°, nº 6, alínea c), 19°, nº 1, alínea c), 40, nº 1, 91, nº 2, 71°, nº 15 e 76° a 89° todos do Código do IVA e de que a liquidação sub judice foi promovida no estrito cumprimento das disposições legais;
3ª - Neste sentido, invocou a Ilustre Representante da Fazenda Pública que na operação em causa o adquirente, a ora Recorrida, tem a obrigação de liquidar o imposto e enviar a respectiva declaração periódica, conforme o disposto no artigo 40°, nº 1 do Código do IVA, e, não obstante, nos termos do artigo 19°, nº 1, alínea c) do Código do IVA, tivesse direito à dedução daquele valor, para que pudesse beneficiar deste direito teria de ser ela própria a exercê-lo, tal como resulta do disposto no artigo 91°, nº 2 e 71°, nº 15 do Código do IVA (actual artigo 78°, nº 14), o que não fez, uma vez que não apresentou a respectiva declaração de substituição;
4ª - Ora, não assiste fundamento à posição assumida pela Ilustre Representante da Fazenda Pública no recurso deduzido;
5ª - Conforme resulta da sentença recorrida a questão objecto dos presentes autos consiste em decidir sobre a validade da liquidação adicional de IVA, motivada por a ora Recorrida não ter declarado o IVA liquidado apesar de o poder deduzir na totalidade, por aplicação do nº 15 do artigo 71° do Código do IVA (actual nº 15 do artigo 78°) e como bem julgou o Tribunal a quo a omissão de declaração das operações de liquidação e correspondentes deduções respeitantes a operações de “reverse-charge” não se afiguram susceptíveis de originar uma dívida de imposto, razão pela qual a liquidação adicional sub judice se afigura manifestamente ilegal;
6ª - Com efeito, o incumprimento de uma obrigação acessória, in casu a entrega da respectiva declaração periódica com a inscrição dos valores autoliquidados e deduzidos não determina, por si só, o nascimento e a existência na ordem jurídica de qualquer dívida tributária, pela simples razão de coincidirem na mesma entidade os deveres de liquidação e os direitos de dedução;
7ª - E, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado credor e violação do dever de justiça, a administração tributária apenas pode liquidar adicionalmente quando exista apropriação por parte do sujeito passivo de imposto devido, isto é, quando do incumprimento das obrigações declarativas resulte, em concreto, a não entrega do valor da prestação tributária que autoliquidou ou que havia autoliquidado, o que manifestamente não sucedeu na situação sub judice;
8ª - Neste sentido, vem o Supremo Tribunal Administrativo (STA) pugnar no acórdão de 27.11.1996, proferido no processo nº 20.77, que o “(..) sujeito passivo, nesta situação tinha o direito de deduzir a totalidade do IVA liquidado referente a tal operação da prestação de serviços (art. 19°, nº 1, alínea e), na redacção anterior à do DL 290/92, de 28.12). Também sobre esta matéria não há qualquer divergência. Assim, o imposto liquidado pela operação é deduzido na totalidade, o que significa que não há lugar à entrega de qualquer imposto, por o IVA liquidado ser igual ao imposto deduzido. Quer dizer: a R relativamente àquela prestação de serviços não tem de entregar qualquer IVA por o liquidado ser deduzido na totalidade. (...) No caso dos autos, não é devido IVA”.
9ª - Mais recentemente, igualmente neste sentido, veio o STA, no acórdão por si proferido em 18.11.2009, no âmbito do processo nº 0593/09, sustentar que “(...) no IVA a prestação a entregar não é a prestação tributária deduzida, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução têm direito.”
10ª - Quanto à invocação pela Ilustre Representante da Fazenda Pública de que a administração tributária procedeu à liquidação adicional nos termos dos artigos 76º a 89º do Código do IVA, importa ainda atentar no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.02.2008, proferido no processo nº 00917/05, no qual se vem pugnar que “(...) a ratio do art. 82° (actual artigo 87º) do CIVA é a de permitir a correcção das declarações entregues quando seja evidente que as mesmas, tal qual foram apresentadas, dariam causa a um enriquecimento injustificado dos sujeitos passivos, através da não entrega de quantias devidas nos cofres do Estado [pelo que não havendo diferença de imposto a ser liquidado adicionalmente pela administração tributária nos termos do citado preceito, os actos tributários de liquidação emitidos] enfermam de ilegalidade, por violarem o disposto nos artigos 99º, al. a) e c) do CPPT e 82º (actual artigo 87º) do CIVA, bem como o princípio da justiça material, inscrito no artigo 55º da Lei Geral Tributária e devem, por tal motivo, ser anuladas, e o mesmo se diga das liquidações de juros compensatórios.”
11ª - Acresce que, como bem se reconheceu na sentença recorrida e sem prejuízo do mencionado infra, a administração tributária está a exigir o pagamento do IVA com o fundamento previsto no artigo 71°, nº 15 do Código do IVA (actual artigo 78°, nº 14), preceito aditado pela Lei do Orçamento de 1999, ao qual foi conferido carácter interpretativo, pelo que o regime vigente no ano de 1994, data do facto tributário, carecia de clarificação, era dúbio, ou seja, se bem se interpreta o Tribunal a quo, tal preceito não permite suportar, face à incerteza da interpretação na ordem jurídica, a legalidade liquidação sub judice, sendo a mesma, também por este motivo, manifestamente ilegal;
12ª - Refira-se, adicionalmente que, no entender da Recorrida à data dos factos a redacção introduzida pelo citado artigo 71°, nº 15 do Código do IVA (actual artigo 78°, nº 14), apenas poderia produzir efeitos no âmbito contra-ordenacional;
13ª - Pelo exposto, deve ser julgado improcedente o presente recurso e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida;
14ª - Admitindo-se, ainda, por mero dever de patrocínio, que não procede o supra exposto, não pode a Recorrida deixar de requerer a ampliação do objecto do recurso nos termos do disposto no artigo 684°-A, nº 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2° do CPPT, requerendo-se a apreciação por esse Tribunal ad quem do fundamento por si invocado na impugnação judicial, no qual decaiu, relativo à inconstitucionalidade do nº 5 do artigo 32° da Lei 87-B/98, de 31.12 que prevê a aplicação retroactiva do artigo 71º, nº 15 do Código do IVA (actual artigo 78°, nº 14), uma vez que o Tribunal a quo considerou ser esta uma norma de natureza meramente interpretativa, invalidade que, a verificar-se, deve conduzir à anulação da liquidação adicional sub judice por se encontrar inquinada de ilegalidade.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, fundamentando-se, em síntese, em que, as rectificações de imposto efectuadas pelos sujeitos passivos, previstas no art. 71º do CIVA, são condicionadas a diversas situações específicas que, a não se cumprirem, implicam a nulidade das rectificações efectuadas com a consequente penalização conforme preceituado no artigo 96° que equipara a dedução indevida do imposto à falta de entrega do mesmo, e como esclarece Clotilde Celorico de Palma, Introdução ao IVA, pag. 186 «grosso modo, a rectificação será obrigatória caso o imposto seja a favor da Administração Fiscal (imposto liquidado a menos) e facultativa se o imposto for a favor do sujeito passivo (Imposto liquidado a mais)».
Ora, como bem refere a recorrida a fls. 130, se é certo que lhe incumbia a liquidação do imposto, nos termos do nº 3 do artigo 29° do Código do IVA, uma vez que a sociedade francesa não tinha no território nacional representante fiscal não menos certo é que, por força da alínea c) do nº 1 do artigo 19° do mesmo diploma, sempre lhe assistiria o direito à respectiva dedução integral, não assistindo ao Estado, por força dessas operações, qualquer crédito de imposto.
Daí que se conclua que, admitindo a aplicação ao caso subjudice do disposto no art. 71°, nº 15 do CIVA, por se tratar de norma de carácter interpretativo (Cf. art. 32º, nº 5 da Lei 87-B/98 de 31 de Dezembro), a consequência da não entrega da declaração de substituição ali referida não seria a elaboração a liquidação adicional a que se procedeu nos termos dos arts. 76º a 89º do CIVA., mas sim a prevista no art. 96°, al. c) do CIVA e punida nos termos do normativo anterior (multa).
Trata-se, pois, de situação que integra o conceito das chamadas omissões ou inexactidões nas declarações equiparadas, mas apenas para efeito de punição, à falta de entrega de imposto, não envolvendo liquidação adicional.
E, assim sendo, a decisão recorrida, que julgou que está a ser exigido o pagamento de IVA que não é devido, não merece censura.
1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2 - Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) A Impugnante dedica-se à actividade de fabricação e comercialização de tintas e vernizes - cfr. artigo 6° da petição inicial, a fls. 4 e relatório da inspecção tributária a fls. 28 e 29 do processo de reclamação apenso;
B) A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva da qual resultou correcção em IVA, no montante de 2.758.770$00, para o ano de 1994, por falta de liquidação do IVA sobre os royalties. “Estamos pois perante Royalties pagos à B… que estão sujeitos a liquidação de IVA à taxa de 16%, nos termos do art. 6° nº 6 do CIVA e a dedução do IVA nos termos do art. 19° nº 1, alínea c) do CIVA e a retenção na fonte de IRC, conforme preceituado no art. 75º nº 1, alínea a) do CIRC.” - cfr. fls. 23 a 48 do processo de reclamação apenso;
C) A Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IVA nº 99043096, relativa ao ano de 1994, no montante a pagar de 2.852.557$00, com prazo de cobrança: 30/04/1999 - cfr. fls. 12;
D) Em 11/05/1999, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em C - cfr. fls. 2 do processo de reclamação apenso;
E) Em 05/06/2001 foi proferido despacho a converter em definitivo o projecto de decisão de reclamação graciosa, no qual consta:
“Em resultado da falta de liquidação de imposto nos «royalties» pagos à B… - França, conforme o disposto no art. 6°, nº 6 do CIVA….e que a reclamante alega não serem devidos por ter direito a deduzi-los na sua totalidade, como dispunham a alínea c), do nº 1, do artigo 19° e nº 15 do art. 71°, ambos do CIVA ..., parece-nos que:
a) A reclamante, com base nos normativos invocados, teria direito à dedução da totalidade daquele valor;
b) No entanto, no caso em apreço, encontramo-nos perante um dever - o de liquidação, em que a administração, no âmbito da fiscalização e determinação (oficiosa) do imposto se substituiu ao sujeito passivo no seu apuramento do imposto em falta - art. 76° a 89° do CIVA;
c) Para que a mesma pudesse beneficiar do direito invocado - o da dedução - teria de ser ela própria a exercê-lo - art. 71°, nº 15 do CIVA;
d) Onde se refere textualmente:
«Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução, ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução serão aceites sem quaisquer consequências, desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber»;
e) Entrega que não foi comprovada” - cfr. fls. 58 a 62, 66 e 67, todos do processo de reclamação apenso;
F) Em 13/06/2001, a Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referido em E - cfr. fls. 68 e 69 do processo de reclamação apenso;
G) Na sequência da notificação do indeferimento da reclamação graciosa referida em F, em 28/06/2001, foram apresentados os presentes autos de impugnação da liquidação adicional de IVA, relativa ao ano de 1994 - cfr. carimbo a fls. 2.
3.1. Enunciando como questão a decidir a que se prende com a validade da liquidação adicional de IVA, relativa ao ano de 1994, motivada por a impugnante não ter declarado o IVA liquidado, apesar de o poder deduzir na totalidade, por aplicação do art. 71°, nº 15 do CIVA, a sentença recorrida veio a considerar o seguinte:
- a impugnante tinha a obrigação legal de liquidar o IVA nos termos do nº 3 do art. 29º do CIVA (por estarmos perante pagamentos por serviços prestados pela B… (entidade não residente em Portugal) à impugnante, serviços esses conexos com a actividade desta e tributáveis no território nacional por força da al. c) do nº 6 do art. 6° do CIVA;
- mas a impugnante também tinha direito a deduzir tal IVA (nos termos da al. c) do nº 1 do art. 19º do CIVA);
- o direito à dedução do imposto suportado nasce no momento em que o mesmo valor de imposto é liquidado: ou seja, o imposto liquidado pela operação é deduzido na totalidade, o que significa que não há lugar à entrega de imposto, por o IVA liquidado ser igual ao IVA deduzido;
- por a impugnante não ter declarado na declaração periódica, aquele IVA liquidado, nem ter entregue declaração de substituição, os Serviços da AT substituíram-se ao sujeito passivo e procederam ao apuramento do imposto, o que motivou a liquidação adicional de IVA, ora impugnada, por aplicação do art. 71°, nº 15 do CIVA.
- está em causa nos presentes autos a liquidação adicional de IVA, relativa ao ano de 1994. E o nº 15, do art. 71° do CIVA foi aditado pelo art. 32°, nº 3 da Lei nº 87-B/98, de 31/12 entrada em vigor, em 01/01/1999, em cujo nº 5 do seu art. 32° se prevê expressamente que o nº 15 do art. 71° do CIVA tem carácter interpretativo.
- no caso dos autos os Serviços da AT substituíram-se ao sujeito passivo e procederam ao apuramento do IVA. Porém, os Serviços da AT não podem substituir-se ao sujeito passivo na dedução do IVA liquidado. A dedução é um direito que pode ou não ser exercido pelo sujeito passivo.
- assim sendo, está a ser exigido à impugnante o pagamento de IVA que não é devido, porque o IVA liquidado é igual ao IVA deduzido. Mais, está a exigir-se o pagamento de IVA com o fundamento previsto no art. 71°, nº 15 do CIVA, preceito aditado pela Lei do OE de 1999, ao qual foi conferido carácter interpretativo. O que significa que o regime vigente no ano de 1994, data do facto tributário, carecia de clarificação e era dúbio.
- pelo que o imposto não é devido.
3.2. Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, sustentando, como se viu, que a impugnante tinha a obrigação de liquidar o IVA e enviar a respectiva declaração periódica (nº 1 do art. 40º do CIVA) e, não obstante tivesse direito à dedução desse valor (al. c) do nº 1 do art. 19° do CIVA), para que pudesse beneficiar do direito a tal dedução teria de ser ela própria a exercê-lo (art. 91º, nº 2 e 71º, nº 15 do CIVA), o que não fez.
O direito à dedução admite renúncia ao seu exercício por parte de quem dele seja titular, renúncia essa que ocorre implicitamente quando se deixa precludir o respectivo direito pelo seu não atempado exercício, e, por isso, o IVA liquidado pela AT é devido, tendo a liquidação sido feita no estrito cumprimento das disposições legais mencionadas e não havendo nela qualquer ilegalidade, já que o direito à dedução não foi exercido pela impugnante, por não ter entregue a declaração de substituição, prevista no nº 15 daquele art. 71°.
A questão a decidir no presente recurso é, portanto, a de saber se é legal a liquidação adicional de IVA feita ao abrigo do disposto no nº 15 do art. 71º do CIVA (redacção da Lei 87-B/98, de 31/12) por a impugnante não ter efectuado a liquidação do IVA devido à taxa de 16% sobre os royalties pagos à B… (art. 6º, nº 6 do CIVA), IVA esse que, por sua vez, poderia deduzir na totalidade ao abrigo do disposto na al. c) do nº 1 do art. 19º do mesmo Código.
Vejamos.
4. Não se questiona que a impugnante tinha a obrigação de liquidar o IVA e enviar a respectiva declaração periódica, nos termos do disposto no art. 40°, nº 1 do CIVA, pese embora tivesse também direito à dedução desse valor nos termos do artigo 19°, nº 1, c) do mesmo Código.
Na verdade, localizando-se a operação tributável no território nacional e sendo os serviços prestados por entidade não residente (a B…) e que também não procedeu à nomeação de representante, é sobre a impugnante que recai a obrigação legal de liquidar o IVA, nos termos do nº 3 do art. 29º do CIVA. Estamos, pois, perante uma operação de “reverse charge” (onde há inversão do sujeito passivo).
Ou seja, é inquestionável (as próprias partes o reconhecem) que as operações em causa davam lugar à liquidação de IVA e que esse imposto era integralmente dedutível, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do art. 19° do CIVA.
Porém, o direito à dedução que nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, deve, em regra, ser exercido na respectiva declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes (art. 22°, nºs. 1 e 2 do CIVA).
No caso presente, a impugnante não procedeu à liquidação nem à dedução do imposto, sendo certo que só pode deduzir-se o que antes se liquidou (cfr., a propósito, embora relativamente a liquidação de juros compensatórios, o ac. do STA de 21/2/01, proferido no proc. nº 024641, in Ap. DR, de 27/6/2003, 559 a 563).
E a AT procedeu à liquidação adicional aqui em causa, por ter entendido que ocorreu falta de liquidação do imposto incidente sobre a prestação de serviços efectuada pela B… à recorrente, prestação de serviços essa sujeita a IVA à taxa de 16%, nos termos do nº 6 do art. 6° do CIVA, embora houvesse também direito a dedução desse mesmo IVA, nos termos da al. c) do nº 1 do art. 19º deste Código.
Ora, ao contrário do que sustenta a impugnante e mesmo considerando que estamos perante a dita operação de “reverse charge”, a omissão, na declaração, do imposto relativo a tais operações impõe que seja efectuada a respectiva liquidação adicional, independentemente do invocado direito à dedução do mesmo.
Com efeito, não pode, por um lado, esquecer-se o carácter formalista do IVA, que pode levar a que este seja devido, mesmo no caso de inexistirem as próprias transacções - facturas falsas - (cfr art. 19 nº 3 do CIVA), ou no caso de não serem cumpridas determinadas formalidades legais nem pode, por outro lado, esquecer-se que o direito à dedução pode não ser exercido pelo contribuinte, não podendo, contudo, sê-lo pela AT (havendo lugar à dedução do imposto, esse direito só pode ser exercido pelo contribuinte, sujeito passivo da relação jurídica de imposto e não pela AT, pois que esta, podendo efectuar liquidações oficiosas quando se verifiquem os respectivos requisitos legais, não pode exercer direitos que lhe não cabem, o que sucederia se procedesse à dedução oficioso do imposto), sendo certo que tal direito está igualmente sujeito a determinadas formalidades, mesmo temporais, que têm que ser acatadas pelo contribuinte.
Formalidades que, no caso, não foram cumpridas.
E não colhe a argumentação no sentido de que, contrariamente ao que sucede com as demais operações tributáveis em sede de IVA, nas operações de “reverse charge” não há qualquer apropriação, por parte deste sujeito passivo, de imposto repercutido a terceiros, nem sequer qualquer movimento financeiro, tratando-se, antes, de uma mera operação contabilística interna que não determina o nascimento de qualquer relação creditícia, visto coincidirem na mesma entidade os deveres de liquidação e os direitos de dedução do imposto.
É que, também neste caso não deixa de ser obrigatória, por parte do sujeito passivo (aqui, o próprio adquirente dos serviços) a liquidação do IVA respectivo e, assim sendo, só com a inclusão, na declaração periódica, do respectivo montante é possível aferir se há imposto a pagar, sendo que a faculdade que o contribuinte tem de deduzir o imposto que suportou nas aquisições se configura como um direito financeiro e não físico, o que significa que o seu exercício por parte do sujeito passivo é feito com referência a um período e não a um bem determinado.
Daí que não possa dizer-se, como pretende a recorrida/impugnante, que quer inscrevesse, ou não, na respectiva declaração periódica, os valores do IVA liquidado e do IVA deduzido respeitantes a tal operação tributável, sempre a operação se saldaria por inexistência de qualquer dívida de imposto.
No caso, como supra se disse, a impugnante não procedeu à liquidação nem à dedução do imposto e também não entregou declaração de substituição, nos termos do art. 71º do CIVA (vejam-se, a este propósito, ou seja, relativamente a casos em que o sujeito passivo não efectuou a liquidação por entender que tinha direito à dedução, o ac. deste STA, de 2/6/2010, no proc. 256/10, onde se considerou a anulação da liquidação, apenas por terem sido apresentadas declarações de substituição, mesmo posteriormente às liquidações efectuadas pela AT, bem como, entre outros, o ac. de 21/2/2001, no proc. 24641, no sentido de que são devidos juros, por ocorrer atraso na liquidação, quando a AT opera liquidações adicionais de IVA por falta de atempada declaração de substituição ou quando esta é entregue posteriormente).
Ora, no nº 15 deste art. 71º prevê-se a aceitação, pela AT, da liquidação e dedução subsequentes, desde que seja entregue a declaração de substituição.
Trata-se, ali, de rectificações de imposto que, além de estarem condicionadas a requisitos específicos que se não forem cumpridos implicam a nulidade de tais rectificações, também implicam a consequente penalização “que ao caso couber”; isto é: são aceites a liquidação e a dedução, mas com penalidades. Do que resulta que, a não ser entregue a declaração de substituição, a liquidação e a dedução não são aceites, não se vendo, contrariamente ao sustentado pelo MP, que a tal obste que a rectificação seja obrigatória caso o imposto seja a favor da Administração Fiscal (imposto liquidado a menos) e facultativa se o imposto for a favor do sujeito passivo (Imposto liquidado a mais) ou, ainda, que da natureza interpretativa da norma (cfr. o nº 5 do art. 32º da Lei 87-B/98, de 31/12) se deva concluir que a consequência da não entrega da declaração de substituição ali referida não seria a elaboração a liquidação adicional a que a AT procedeu nos termos dos arts. 76º a 89º do CIVA, mas apenas a aplicação da pena prevista no art. 96°, al. c) do CIVA (na redacção em vigor à data - a introduzida pelo art. 1º do DL 195/89, de 12/6, no qual se dispunha que «são equiparadas à falta de entrega de imposto punidas nos termos do artigo anterior, a «omissão de qualquer montante de imposto a favor do Estado nas declarações periódicas, ainda que destas resulte crédito de imposto») ou, caso tivesse havido (que não houve) rectificações das deduções e da dívida de imposto efectuadas sem observância dos requisitos previstos no dito art. 71º, então a sanção seria a prevista na al. d) do art. 96º do CIVA.
Aliás, ainda que se aceite o carácter interpretativo do nº 15 deste art. 71º do CIVA, sempre há que considerar que a sua disposição é favorável ao contribuinte pois que, sem tal normação, haveria lugar à liquidação, sem direito a dedução por esta não ter sido solicitada atempadamente.
Pelo exposto, não pode manter-se a decisão recorrida, procedendo, portanto, as Conclusões do recurso.
5. Na Conclusão 14ª das suas contra-alegações, a recorrida pede a ampliação do objecto do recurso, nos termos do disposto no artigo 684°-A, nº 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2° do CPPT, requerendo a apreciação do fundamento por si invocado na impugnação judicial, no qual decaiu, relativo à inconstitucionalidade do nº 5 do artigo 32° da Lei 87-B/98, de 31/12 que prevê a aplicação retroactiva do citado nº 15 do art. 71º do CIVA (actual artigo 78°, nº 14), uma vez que o Tribunal a quo considerou ser esta uma norma de natureza meramente interpretativa, invalidade que, a verificar-se, deve conduzir à anulação da liquidação adicional sub judice por se encontrar inquinada de ilegalidade.
Com efeito nas alegações pré-sentenciais (cfr. fls. 45 e 46 dos autos) a impugnante alegara que a conclusão de que é ilegal a exigência de qualquer imposto com referência à aqui questionada operação também não ficou prejudicada pela redacção conferida ao nº 15 do art. 71° do CIVA pela Lei nº 87-B/98, de 31/12, dado que as consequências que aí se referem não respeitam à liquidação adicional de imposto (como o que expressamente se prevê no nº 16 do mesmo preceito para os casos de direito à dedução parcial), mas sim, à sanção contra-ordenacional correspondente, não ao atraso na entrega da declaração, mas à omissão em si do valor liquidado na declaração periódica.
E mais alegara que, caso assim não se entendesse, isto é, se se entendesse que o citado art. 71°, nº 15, do CIVA consagra, afinal, a possibilidade de liquidação adicional de imposto em todos os casos de falta de inscrição dos valores autoliquidados pelos adquirentes dos bens e serviços, então tal preceito configura uma norma inovadora no contexto do CIVA, sendo nessa medida inconstitucional o art. 32°, nº 5 da Lei nº 87-B/98, de 31/12, que prevê a sua aplicação retroactiva.
Ora, a este respeito, diremos que não se descortina a invocada inconstitucionalidade, pois, como acima se disse, mesmo que se aceite o carácter interpretativo do nº 15 deste art. 71º do CIVA, sempre há que considerar que a sua disposição é favorável ao contribuinte pois que, sem tal normação, haveria apenas lugar à liquidação adicional, sem direito a dedução por esta não ter sido solicitada.
Pelo que improcede, assim, esta alegação da recorrida.
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em dar provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida, julgar a impugnação improcedente.
Custas pela recorrida, na instância e neste STA, por ter aqui contra-alegado, fixando-se a taxa de justiça em 100 Euros e em metade a procuradoria.
Lisboa, 10 de Novembro de 2010. - Casimiro Gonçalves (relator) - Isabel Marques da Silva - Alfredo Madureira.