Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0994/07
Data do Acordão:04/16/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
COIMA
SOCIEDADE COMERCIAL
RECURSO JUDICIAL
GERENTE
LEGITIMIDADE
Sumário:O gerente executado por reversão não tem legitimidade para interpor, por si, no processo de contra-ordenação fiscal recurso jurisdicional de decisão de aplicação de coima à sociedade originária executada.
Nº Convencional:JSTA00064950
Nº do Documento:SA2200804160994
Data de Entrada:11/19/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA-ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:DL 433/82 DE 1982/10/27 ART59.
RGIT01 ART3.
RJIFNA90 ART7 A.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1056/07 DE 2008/03/06.; AC STA PROC1057/07 DE 2008/02/27.
Referência a Doutrina:SIMAS SANTOS E OUTRO CONTRA-ORDENAÇÕES ANOTAÇÕES AO REGIME GERAL ART59.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – A..., identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, com fundamento na ilegitimidade do recorrente, se absteve de tomar conhecimento do mérito do recurso interposto do despacho do Chefe da Repartição de Finanças de Vila Nova de Famalicão, 2, que condenara a sociedade “B..., Lda.” na coima de €1.364,75, por não ter remetido dentro do prazo legal as declarações periódicas do IVA respeitantes ao ano de 1998, absolvendo, em consequência, a Fazenda Pública da instância.
Inconformado com o decidido, o recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso do douto despacho que considerou o recorrente parte ilegítima, no recurso que interpôs da decisão que aplicou uma coima à firma B... Lda. e que contra ele se encontra em execução.
B. Tal como resulta da decisão de que se recorre, a legitimidade para recorrer é definida pela aplicação do direito subsidiário previsto no artº. 3°, alínea b) do RJIT, que remete para o artº. 41° do DL. 433/82, de 27/10, ou qual, por sua vez, remete para a norma do artº. 401º do Código de Processo Penal.
C. Assim, não estão aqui em causa as normas dos artigos 7° e 8° do RGIT, que são de direito substantivo.
D. Do regime do artº. 401º do CPP, particularmente da sua alínea d), resulta que tem legitimidade para recorrer a todos os que forem condenados ao pagamento de quaisquer importâncias ... ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.
E. A legitimidade para recorrer da decisão que aplica a coima pela prática de uma contra-ordenação não pode restringir-se à pessoa que a praticou, mas a todos aqueles que a lei responsabilize pelo seu pagamento.
F. Aliás, também o artigo 680°, nº 2 do CPC é claro ao estabelecer que «Mas também as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias».
G. Do mesmo modo, também o art. 22° da LGT aponta no mesmo sentido.
De qualquer forma:
H. Importa ter bem claro que o recurso interposto para o TAF de Braga, foi o primeiro acto pelo qual o recorrente reagiu contra a decisão que contra ele se pretende executar.
I. Assim, o recorrente tem a sua legitimidade para impugnar essa decisão expressamente prevista na lei.
J. Qualquer norma que diga o contrário é manifestamente inconstitucional.
K. Nomeadamente, os artigos 7° e 8° do RGIT, bem como a norma que resulta da conjugação do seu artigo 3°, com o art. 41° do DL. 433/82, de 27/10 e o artº. 401° do CPP, ou ainda o art. 680° do CPC e o art. 22° da LGT, são inconstitucionais quando interpretados no sentido de negar legitimidade activa para interpor recurso judicial da decisão proferida em processo de contra-ordenação que condene no pagamento de uma coima que a eles se pretenda cobrar.
L. Inconstitucionalidade essa que resulta da violação dos artigos 20°, 32°, n°10 e 268° da Constituição da República Portuguesa.
Acresce que:
M. Apesar da evidência das questões supra suscitadas, entende o recorrente que existe uma outra que, por ser de conhecimento oficioso, poderia e devia ter sido apreciada pelo TAF de Braga.
N. Na verdade, estamos perante uma decisão proferida num processo de contra-ordenação contra uma sociedade comercial, mas cuja coima se pretende cobrar ao aqui recorrente.
O. Ora, está documentalmente demonstrado nos autos que a firma infractora foi dissolvida por sentença proferida no processo .... do 2° Juízo Cível de V.N. de Famalicão, transitada em julgado em 28/04/2005.
P. Consequentemente, tem de considerar-se extinto o processo por contra-ordenação ou, pelo menos, a coima nele aplicada, em conformidade com os artigos 61° e 62° do RGIF
- o que não sucedeu.
Q. Tanto mais que, conforme é entendimento pacífico, a dissolução das pessoas colectivas é equiparada à morte, conforme se pode ver no Ac. STA, de 21/1/2003 (www.dgsi.pt, proc. 01895/02), onde se salienta a opinião de Alfredo de Sousa Paixão e Jorge Sousa, no sentido de que «é essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas para a administração tributária.»
R. Em sentido concordante, podem ver-se também os acórdãos do STA, de 6/10/2005, 12/01/2005 e 19/01/2005, todos em www.dgsi.pt.
S)Assim sendo, podia e devia o TAF de Braga - e pode agora este alto Tribunal - ter conhecido da questão em causa e, por via disso, ter considerado extinto o processo de contra-ordenação e a coima nele aplicada - art. 61° e 62° do RJIF.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - A Mº Juiz manteve o seu despacho, por entender que não ocorria a nulidade invocada no recurso.
4 – Tendo vista do processo o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto deste Tribunal sufragou o teor do parecer do M.P apresentado no TAF de Braga.
5 - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
6 - O despacho sob recurso, em resumo, após constatar que os autos de contra-ordenação tinham sido instaurados contra a sociedade “B...”e que fora esta a notificada da decisão condenatória da aplicação da coima e não o ora recorrente, concluiu que, por não ser parte no processo e não ter sido objecto de qualquer condenação, ao recorrente não assistia legitimidade para a interposição do recurso e daí que se tenha abstido do conhecimento do seu mérito.
O recorrente, por sua parte, vem defender que, uma vez responsabilizado pelo pagamento da coima no processo de execução contra ele revertido, lhe assistiria legitimidade para a interposição do recurso à luz do disposto no artigo 401.º, n.º 1, alínea d) do CPP, “ex vi” do artigos 3.º, n.º 1, alínea b) do RGIT e 41.º do DL n.º 433/82, de 27/10, sendo inconstitucional qualquer norma que diga o contrário por violação do disposto nos artigos 20.º, 32.º, n.º 10 e 268.º, n.º 4 da CRP.
Vejamos.
A questão jurídica que vem colocada no recurso prende-se em saber se o gerente de uma sociedade responsabilizado pelo pagamento de uma coima no processo de execução contra ele revertido possui ou não legitimidade para interpor recurso da decisão que no processo contra-ordenacional aplicou essa coima.
A resposta a essa questão terá de passar, necessariamente, pela ponderação da norma aplicável em matéria de recursos de decisões condenatórias proferidas pelas autoridades administrativas.
Ora, essa norma é o artigo 59.º, n.º 2 do RGCO, “ex vi” do artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do RGIT, que diz expressamente:” O recurso poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor”.
Significa isto que só quem é arguido (ou o seu defensor) pode recorrer da decisão de aplicação de uma coima-vide, neste sentido, a anotação 10 ao artigo 59.º do RGIT, em Contra-Ordenações, anotações ao Regime Geral, de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa.
Esta regra, especial sobre legitimidade para interposição de recursos de decisões administrativas condenatórias por contra-ordenações, afasta a necessidade de fazer apelo a legislação subsidiária, nomeadamente ao CPP, ao invés do que defende o recorrente.
No caso dos autos, bem andou o Tribunal “a quo” em considerar o ora recorrente parte ilegítima já que não é a pessoa arguida no processo de contra-ordenação, mas sim a sociedade “B..., Lda”-cfr., em caso idêntico, o acórdão de 6/03/08, no recurso n.º 1056/07.
Alega ainda o recorrente que qualquer norma que não lhe confira legitimidade para a interposição do recurso seria inconstitucional por violação das garantias de acesso ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, 32.º, nº 10 e 268.º, n.º 4 da CRP).
Não assiste razão ao recorrente nesta alegação.
De facto, em processo de contra-ordenação a garantia constitucional do direito de audiência e de defesa apenas é assegurada ao arguido, sendo que o responsável subsidiário, uma vez revertida a execução, por coima decorrente de infracção tributária, sempre poderá deduzir oposição à execução fiscal e, em tal sede, questionar a constitucionalidade das próprias normas que prevêem a responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes ou outras pessoas, em relação ao pagamento de coimas aplicadas à sociedade - artigos 8.º, n.º 2 do RGTI E 7.º-A do RJIFNA (cfr. acórdãos de 27/02/08 e 1053/07, nos recursos n.ºs 1057/07 e 1053/07).
Neste mesmo sentido se escreveu no acima citado acórdão de 6-03-08, em situação idêntica e em que o recorrente é o mesmo:
“O ora recorrente fala ainda de extinção do «processo por contra-ordenação»; e da «manifestamente inconstitucional» «qualquer norma que diga o contrário». No entanto, e como é sabido, os recursos jurisdicionais não se destinam a conhecer de “questões novas”, não apreciadas no Tribunal a quo.
É certo que a falada questão da extinção do «processo por contra-ordenação» poderia provocar o conhecimento oficioso deste Tribunal, se se verificasse, v.g., a prescrição da coima, o que não vem sequer alegado, nem os presentes autos de contra-ordenação propiciam os elementos necessários ao conhecimento de tal questão, sendo que a prescrição da coima pode e deve ser conhecida na execução fiscal, onde o revertido, ora recorrente, tem a legitimidade processual que aqui lhe falece para invocar essa e outras questões inclusivamente as de inconstitucionalidade que aventa”.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 16 de Abril de 2008. – Miranda de Pacheco (relator) – Jorge de Sousa – Pimenta do Vale.