Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 04/10 |
Data do Acordão: | 02/18/2010 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANTÓNIO CALHAU |
Descritores: | RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS DÍVIDA À SEGURANÇA SOCIAL PRIVILÉGIO CREDITÓRIO GARANTIA REAL |
Sumário: | I - O artigo 240.º, n.º 1 do CPPT deve ser interpretado amplamente, no sentido de abranger não só os credores que gozem de garantia real "stricto sensu", mas também aqueles a quem a lei substantiva confere causas legítimas de preferência, como é o caso dos privilégios creditórios. II - Os créditos da segurança social por contribuições e os respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil, e imobiliário sobre os bens existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil, ex vi dos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio. |
Nº Convencional: | JSTA000P11477 |
Nº do Documento: | SA22010021804 |
Recorrente: | INST DA SEGURANÇA SOCIAL, IP CENTRO DISTRITAL DE VIANA DO CASTELO |
Recorrido 1: | A... E FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Viana do Castelo, não se conformando com a decisão do Mmo. Juiz do TAF de Braga que rejeitou a reclamação de créditos da segurança social, respeitantes a contribuições em dívida de Janeiro de 2006 a Janeiro de 2009, e respectivos juros de mora, por si apresentada na execução fiscal n.º 1601200701001264 e apensos, em que é exequente a Fazenda Pública e executado A…, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: I. Os créditos reclamados pela Segurança Social, no valor de € 7.030,65, referentes a contribuições em dívida de Janeiro de 2006 a Janeiro de 2009 e respectivos juros de mora vencidos, calculados até Março de 2009, e a que acrescerão os juros de mora vincendos, nos termos do disposto no artigo 10.º do Dec.-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do CPC. II. O privilégio creditório consiste na faculdade que a lei substantiva concede, em atenção à causa do crédito, de ser pago com preferência em relação a outros credores. III. O privilégio creditório mobiliário geral, sendo uma mera preferência de pagamento, não implica o afastamento do crédito que dele beneficia da reclamação e graduação no lugar que lhe competir. IV. A admissão ao concurso de credores constitui a razão de ser da atribuição do privilégio creditório. V. Aliás, assim o impõe a unidade do sistema jurídico, pois não faria sentido que a lei substantiva estabelecesse uma prioridade no pagamento do crédito e a lei adjectiva obstasse à concretização da preferência, impedindo o credor de acorrer ao concurso. VI. Exigir a esse credor que, para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria deixar sem sentido útil o aludido artigo 10.º do Dec.-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, pois, nesse caso, o seu crédito passaria a dispor de garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio. VII. Assim sendo, o art.º 240.º do CPPT deve ser interpretado no sentido de conferir dimensão lata à expressão credores que gozem de garantia real, por forma a abranger não apenas os credores que gozem de garantia real stricto sensu, mas também aqueles a quem a lei atribui causas legítimas de preferência, como os privilégios creditórios mobiliários. VIII. Entendimento esse que é perfilhado pela jurisprudência amplamente maioritária quer do Supremo Tribunal Administrativo quer do Supremo Tribunal de Justiça, cf. neste sentido o acórdão do Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 18-05-2005, no recurso n.º 612/04, o qual, por sua vez, seguiu o acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-04-2005, no recurso n.º 442/04, a confirmar os acórdãos fundamento desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 2-7-2003, e de 4-2-2004, proferidos respectivamente nos recursos n.º 882/03 e n.º 2078/03. Não foram apresentadas contra-alegações. O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – É do seguinte teor o despacho recorrido: «I. Na Execução Fiscal n.º 1601200701001264 e apensos, em que é exequente a Fazenda Pública e executado A…, foi penhorado o veículo de matrícula …. Pela Segurança Social (Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital da Segurança Social de Viana do Castelo), foram reclamados créditos no montante total de 8.420,00 €, sendo 7.030,65 € respeitante a contribuições relativas aos meses de Janeiro de 2006 a Janeiro de 2009, e 1.389,35 € respeitante a juros moratórios calculados até 31/3/2008. Não foram reclamados outros créditos. II. Os créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social gozam de privilégio mobiliário e imobiliário geral sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora, nos termos dos art.ºs 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio. Como escreve o Conselheiro Jorge de Sousa, no seu “CPPT Anotado”, em anotação ao artigo 240.º, entende-se que: “Só podem reclamar créditos no processo de execução fiscal os credores cujos créditos gozem de garantia real sobre os bens penhorados. … Os créditos que gozem apenas de privilégios gerais, tanto mobiliários como imobiliários, não são garantias reais … Por isso é de entender que não podem ser reclamados apenas com base nesse privilégio, podendo-o ser, no entanto, se gozarem de uma garantia real, como tal se devendo considerar o arresto e a penhora.”. Face a tal entendimento, que se subscreve, devem os créditos reclamados, que gozam de privilégio creditório geral, mas não de garantia real, ser rejeitados, por inadmissibilidade da sua reclamação. III. Por todo o previamente exposto rejeita-se a reclamação de créditos efectuada pela Segurança Social (Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital da Segurança Social de Viana do Castelo). Custas pela reclamante. Registe e notifique. Braga, 15/10/2009 O Juiz de Direito». III – Vem o presente recurso interposto do despacho do Mmo. Juiz do TAF de Braga que rejeitou a reclamação de créditos apresentada pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Viana do Castelo, ora recorrente. Para assim decidir, considerou o Mmo. Juiz a quo, na esteira do que escreve Jorge de Sousa, no seu CPPT anotado e comentado, em anotação ao artigo 240.º, que gozando tais créditos apenas de privilégios gerais, e não de uma garantia real (arresto ou penhora), não podiam ser reclamados. O objecto do recurso passa, assim, essencialmente pela interpretação a dar ao n.º 1 do artigo 240.º do CPPT que estabelece que «Podem reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a citação nos termos do artigo anterior os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados». E a questão está em saber se deve esta disposição legal ser interpretada em sentido amplo, de modo a terem-se por abrangidos na letra da lei não apenas os credores que gozam de garantia real mas também aqueles a que a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, designadamente privilégios creditórios ou, pelo contrário, deve antes interpretar-se como abrangendo apenas os credores que gozam de uma garantia real stricto sensu. O entendimento acolhido na decisão recorrida parte de uma interpretação literal do disposto no n.º 1 do artigo 240.º do CPPT, interpretação esta que, não obstante, como bem recorda o Exmo. PGA neste Tribunal, não é a sufragada pela jurisprudência largamente maioritária deste Supremo Tribunal, inclusive ao nível do Pleno da Secção, como não é a adoptada nos mais recentes Acórdãos sobre a matéria proferidos por este Tribunal (cfr., para além dos citados no parecer no Ministério Público, os recentes Acórdãos de 18/11/2009, rec. n.º 920/09, de 2/12/2009, rec. n.º 724/09, e de 27/1/2010, rec. n.º 1201/09). A orientação largamente maioritária deste Tribunal, que também aqui se perfilha, entende, como se refere no último dos arestos citados, que o n.º 1 do artigo 240.º do CPPT deve ser interpretado amplamente, no sentido de abranger não só os credores que gozam de garantia real stricto sensu, mas também aqueles a quem a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, como é o caso dos privilégios creditórios, atenta a unidade do sistema jurídico, pois não faria sentido que a lei substantiva estabelecesse uma prioridade no pagamento do crédito e a lei adjectiva obstasse à concretização da preferência impedindo o credor de acorrer ao concurso e porque exigir a esse credor que, para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria deixar sem sentido útil o privilégio, pois nesse caso o crédito passaria a dispor de garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio legal (do acórdão do Pleno de 18 de Maio de 2005, rec. n.º 612/04). Assim, ao contrário do decidido, a reclamação dos créditos da segurança social não devia ter sido rejeitada, mas aceite, pois que os créditos reclamados gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil, e imobiliário sobre os bens existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil. ex vi dos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio. O recurso merece, pois, provimento, havendo, assim, que, quanto ao objecto do recurso, revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que admita os créditos reclamados pela segurança social, se nada mais a tal obstar, e verificados os gradue em conformidade com o privilégio que os acompanha. IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que admita a reclamação de créditos apresentada pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Viana do Castelo, se nada mais a tal obstar, e verificados os gradue em conformidade com o privilégio que os acompanha. Sem custas. Lisboa, 18 de Fevereiro de 2010. - António Calhau (relator) - Miranda de Pacheco - Pimenta do Vale. |