Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0235/11
Data do Acordão:03/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário: I - As causas de interrupção da prescrição que tenham ocorrido antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
II - A paragem do processo de execução fiscal em consequência de dedução de impugnação judicial, associada à prestação de garantia, não opera a transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, dado o disposto no nº 3 do art. 49º da LGT (redacção da Lei nº 100/99, de 26/6).
Nº Convencional:JSTA00066899
Nº do Documento:SA2201103300235
Data de Entrada:03/14/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART48 N1 ART49 N1 N2 N3 NAS REDACÇÕES DA L100/99 DE 1999/07/06 55-B/2004 DE 2004/12/30 E 53-A/2006 DE 2006/12/29.
CPPTRIB99 ART169.
CCIV66 ART10 N1 ART11 N4 ART12 N2 ART326 N1 ART327 N1.
CPCI63 ART27.
CPTRIB91 ART34.
CIMSISD91 ART180 NA REDACÇÃO DO DL 119/94 DE 1994/05/07.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC720/10 DE 2010/10/20.; AC STA PROC1038/10 DE 2011/03/02.; AC STA PROC160/09 DE 2009/03/04.; AC STA PROC1/11 DE 2011/01/16.; AC STAPLENO PROC1252/06 DE 2007/04/11.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA - NOTAS PRÁTICAS 2ED PAG52 PAG57 PAG73.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, Lda., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, lhe julgou improcedente a reclamação deduzida contra a decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de reconhecimento de prescrição da dívida exequenda.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. A questão que justifica a intervenção do STA prende-se com a solução de direito adoptada pelo Tribunal recorrido, para não dar por verificada a prescrição da obrigação tributária.
2. A solução de direito adoptada pelo Juiz “a quo” fundamentou-se nas regras gerais da prescrição previstas no Cód. Civil – arts. 326º/1 e 327º/1, em detrimento das regras específicas previstas no art. 49º da LGT.
3. Em função da aplicação dessas regras, a sentença recorrida desconsiderou todo o prazo decorrido, entre a data da verificação do facto tributário e a data de interposição de impugnação e não contabilizou o prazo que decorreu após a cessação da interrupção da prescrição.
4. Ao aplicar a lei civil por analogia a sentença recorrida violou o art. 10º/1 do Cod. Civil, na medida em que o recurso à analogia só é possível no caso de existência de lacuna. O que não é o caso.
5. E, também o art. 11º/4 da LGT uma vez que este proíbe o recurso à analogia das normas fiscais substantivas.
6. E mesmo quando residualmente aplicou o art. 49º da LGT fê-lo em clara violação da lei, na medida em atribuiu à recorrente responsabilidade pela paragem do processo por mais de um ano, pelo facto de esta ter deduzido impugnação judicial.
7. A sentença recorrida viola também a lei quando não identifica a norma que a leva a concluir que a prestação de garantia bancária suspende o prazo de prescrição.
8. Essa interpretação não é possível nem à luz do art. 169º do CPPT, nem ao abrigo dos artigos 48º e 49º da LGT.
9. A interpretação do art. 169º do CPPT em que “presumidamente” assenta a sentença recorrida, não é possível à luz das regras interpretativas próprias do Estado de Direito.
10. As causas de suspensão e interrupção da prescrição estão enunciadas em lugar próprio, o art. 49º da LGT. O art. 169º do CPPT trata apenas das condições em que opera a suspensão da execução.
11. O art. 169º do CPPT trata apenas da suspensão do processo executivo. Também a sua inserção sistemática, primeiro no Código do Procedimento e depois na secção VII em título “suspensão, interrupção e extinção do processo” confirma que se trata de uma norma de natureza procedimental relativa apenas à marcha do processo executivo.
12. Por seu lado a epígrafe do art. 49º da LGT e a sua inserção sistemática primeiro, na Lei Geral Tributária, no capítulo relativo à “extinção da relação jurídica tributária”, confirmam que se trata de uma norma de natureza substantiva relativa à subsistência da relação jurídica tributária.
13. Comparando a redacção dos dois artigos verificamos que em nenhuma parte da redacção do art. 169º do CPPT se utiliza, directa ou indirectamente a expressão prescrição ou sequer a equivalente extinção da obrigação tributária.
14. A redacção do art. 49º da LGT também se cinge a questões substantivas relativas e circunscritas à interrupção e suspensão da prescrição. Nada acrescentando e nada dizendo sobre a matéria regulada no art. 169º do CPPT.
15. Da interpretação sistemática e literal resulta evidenciado que o legislador tratou a matéria da prescrição da obrigação tributária de forma autónoma e, sem qualquer conexão com a matéria relativa à suspensão da execução.
16. Se reconstruirmos o espírito do legislador a partir das actas da discussão legislativa da matéria na Assembleia da República constatamos que em nenhum momento é referida essa conexão entre “suspensão da execução” e “interrupção ou suspensão da obrigação tributária” .
17. A inexistência de qualquer correspondência, mesmo literal ou qualquer outra, entre o art. 169º do CPPT e o art. 49º da LGT confirma o absurdo/ilegalidade da solução interpretativa da sentença recorrida.
18. A essa luz, a interpretação que presumidamente a sentença recorrida faz do art. 169º do CPPT ao assimilar os efeitos da suspensão da execução, aos efeitos da suspensão da prescrição viola claramente o princípio constitucional da legalidade consagrado no art. 103º/2 da CRP.
19. No caso dos autos o intérprete fez tábua rasa da lei, nomeadamente do art. 49º da LGT exorbitando a sua função arrogou-se a qualidade de legislador, atribuiu um sentido ao art. 169º do CPPT que a letra da lei não só não permite, como até proíbe – art. 103º/2 da CRP.
20. Ora, uma interpretação que não tenha qualquer correspondência na letra da lei viola as regras constitucionais gerais do Estado de Direito, nomeadamente dos princípios da legalidade, da reserva de lei e das específicas da actividade administrativa, nomeadamente da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa-fé – arts. 18º, 103º e 266º CRP.
21. Ao omitir e não dar relevo às consequências legais decorrentes da sucessão no tempo dos diversos regimes de prescrição, nomeadamente as decorrentes do art. 83º-B da Lei 53/A/2006 o Tribunal recorrido ao contabilizar como fez o prazo de prescrição, errou na aplicação do direito.
22. A esse propósito cabe referir que no caso dos autos houve dedução de impugnação judicial, em 23/Abril/2004.
23. Em 22 de Abril de 2004 a requerente foi citada no âmbito do processo executivo.
24. Na data da apresentação da impugnação judicial tinham decorrido 4 anos, dois meses e vinte e um dias, sobre a data da verificação do facto tributário.
25. Com a dedução de impugnação judicial e a citação da executada interrompeu-se o prazo de prescrição da obrigação tributária.
26. A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito de interrupção da prescrição, somando-se neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação – art. 49º/2 da LGT.
27. No caso, o prazo de prescrição interrompeu-se em 23 de Abril de 2004, por efeito da apresentação de impugnação judicial.
28. Esse efeito cessou em 23 de Abril de 2005, pelo que nessa data começou de novo a correr o prazo de prescrição.
29. O prazo de prescrição contado desde a data de verificação do facto tributário – 3 Fevereiro de 2000 – descontado do prazo de um ano por conta do efeito interruptivo da impugnação judicial perfaz, nove anos, cinco meses e seis dias.
30. Pelo que ao contrário do que conclui a sentença recorrida a obrigação tributária está prescrita.
31. Já no decurso do prazo de prescrição foi publicada a Lei 53-A/2006 que procedeu a alterações significativas ao regime da prescrição tributária.
32. Nomeadamente revogando o nº 2 do art. 49º da LGT que dispunha “…a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação...”.
33. A revogação do nº 2 do art. 49º da LGT significa na prática que a paragem do processo por efeito de interposição de reclamação ou impugnação, como é o caso, não faz cessar o efeito interruptivo da prescrição.
34. Na prática a coberto da prescrição estabeleceu-se um regime de verdadeira imprescritibilidade.
35. No entanto as disposições transitórias consignadas na Lei 53-A/2006 salvaguardaram todos os prazos de prescrição em curso, em que já tivesse decorrido o período de superior a um ano de paragem do processo.
36. Nesse sentido dispõe o art. 83º-B, da Lei 53-A/2006.
Art. 83º – B
(Disposições Transitórias no âmbito da LGT)
“A revogação do nº 2 do art. 49º da Lei Geral Tributária aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso objecto de interrupção em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.”
37. A Lei 53-A/2006 entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2007.
38. Nessa data há muito tinha decorrido o prazo de um ano, de paragem dos presentes autos, que se iniciara em 24 de Abril de 2004 com a interposição da presente impugnação e cessara em 24 de Abril de 2005.
39. Por força da disposição transitória consignada no art. 83º-B, não se aplicam aos autos as alterações ao regime de prescrição, instituído pela Lei 53-A/2006.
40. Nesse pressuposto, mantém-se válida a contagem do prazo anterior, ao contrário do que resulta da sentença recorrida que não tirou as consequências do regime transitório instituído pela Lei 53-A/2006.
41. A “obrigação tributária” está extinta uma vez que entre a data da verificação do facto tributário – 3/FEV/00 – e, a data da apresentação do presente requerimento, decorreram nove anos, cinco meses, seis dias.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida.
1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes, além do mais:
«1. Os efeitos interruptivos ou suspensivos de certos factos sobre o decurso do prazo de prescrição são determinados pela lei vigente na data da sua verificação (art. 12° n° 2 CCivil).
A citação, a reclamação graciosa, o recurso hierárquico, a impugnação judicial e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem o prazo de prescrição, cessando o efeito interruptivo se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se neste caso o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação (art. 49° nºs. 1 e 2 LGT).
O facto interruptivo tem um duplo efeito:
- instantâneo: inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação (art. 326° n° 1 CCivil).
- suspensivo: o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao PEF ou a declaração em falhas (Jorge Lopes de Sousa Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária 3.3.2.1. pp. 7/10).
A reclamação graciosa, a impugnação judicial, o recurso hierárquico e a oposição, na vigência da LGT (iniciada em 1.01.1999), suspendem o prazo de prescrição por motivo da paragem do processo de execução fiscal, resultante da prestação de garantia (art. 49° n° 4 LGT; art. 169° n° 1 CPPT).
A revogação do art. 49° n° 2 LGT (cessação do efeito interruptivo do prazo de prescrição) não opera quanto aos processos em que já tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por acto não imputável ao sujeito passivo (arts. 90° e 91° Lei nº 53-A/2006, 29 Dezembro).
Na vigência da LGT devem ser consideradas as sucessivas causas de interrupção da prescrição; a redacção actual do art. 49° n° 3 LGT (conferida pelo art. 89° Lei nº 53- A/2006, 29 Dezembro) aplica-se apenas ao segundo e subsequentes factos com eficácia interruptiva verificados após o início da vigência do diploma que introduziu a alteração da norma, considerando:
a) o princípio geral da aplicação das leis no tempo (art. 12° n° 2, 1° segmento CCivil).
b) a inexistência de carácter interpretativo atribuído pelo legislador à actual redacção do art. 49° n° 3 LGT, inculcando a sua natureza inovadora (acórdão STA SCT Pleno 28.05.2008 processo nº 840/07 cuja doutrina, aplicada a um caso de vigência do CPT, igualmente se aplica à LGT; Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado e comentado Volume II 2007 p. 198.
2. Aplicando as considerações antecedentes ao caso sob análise:
a) a dívida exequenda emerge de liquidação de Sisa, por facto tributário verificado em 3.02.2000 (probatório A).
b) é aplicável o prazo de prescrição de 8 anos, com início em 3.02.2000 (art. 180° CIMSISD, redacção do art. 4° DL nº 442/99, 8 Novembro; art. 48° n° 1 LGT).
c) a citação da executada em 22.04.2000 no processo de execução fiscal (PEF) interrompeu o prazo de prescrição (probatório al. F)
d) a paragem do PEF, em consequência da dedução de impugnação judicial em 23.04.2004, associada à prestação de garantia em 2.08.2004, não operou a suspensão do prazo de prescrição porque o novo prazo, subsequente ao anterior facto interruptivo (citação), ainda não se tinha iniciado.
e) a paragem do PEF por período superior a um ano é imputável ao sujeito passivo, na medida em que a prestação de garantia impediu o órgão da execução fiscal do prosseguimento da tramitação; assim sendo, não determina a cessação do efeito interruptivo do prazo de prescrição (art. 49° n° 2 LGT).
f) os factos posteriores com abstracta eficácia interruptiva (impugnação judicial) e suspensiva (paragem do PEF a partir da prestação de garantia) não produziram efeitos concretos, porque o novo prazo de prescrição ainda não se tinha iniciado, em virtude da eficácia suspensiva do anterior facto interruptivo (citação).
Neste contexto ainda não se verificou a prescrição da obrigação tributária exequenda.»
1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A. No dia 03/02/2000, a reclamante comprou o prédio rústico sito no Nodel, freguesia da Damaia, inscrito na matriz sob os artigos 81º e 82º e a parte rústica sob o artigo 60º-A (impugnação nº 705/04.7BESNT apensa).
B. Sobre esta compra recaiu liquidação de Imposto Municipal de Sisa no valor de € 29.927,87 (parte urbana) e € 39.903,83 (parte rústica), e de juros compensatórios no valor de € 2.984,59 e € 6.983,17, datada de 19/02/2004 (impugnação apensa).
C. No dia 23/04/2004, a reclamante apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra impugnação judicial daquelas liquidações, a qual correu termos sob o nº 705/04.7BESNT (impugnação apensa).
D. A sentença aí proferida, que julgou improcedente a impugnação, transitou em julgado no dia 14/05/2010 (impugnação apensa).
E. Devido à falta de pagamento voluntário das liquidações referidas no ponto A, foi instaurado no Serviço de Finanças de Amadora – 3, no dia 06/04/2004, o processo de execução fiscal nº 3611200401012029, em que é executada a ora reclamante (PEF apenso).
F. A reclamante foi citada para a execução no dia 22/04/2004 (fls. 3 do PEF apenso).
G. No dia 03/05/2004, a reclamante informou na execução ter apresentado impugnação judicial da dívida e requereu prestar garantia (fls. 4 do PEF apenso).
H. No dia 12/05/2004, foi determinado pelo órgão de execução fiscal o valor da garantia, tendo a reclamante apresentado garantia bancária no dia 02/08/2004 (fls. 7/16 do PEF apenso).
I. No dia 12/07/2010, a reclamante requereu junto do órgão de execução fiscal o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda (fls. 60/66 do PEF apenso).
J. No dia 22/07/2010, o Chefe de Finanças indeferiu o pedido da reclamante de reconhecimento da prescrição da dívida exequenda (fls. 67/70 do PEF apenso).
3.1. Enunciando como questão a decidir a de saber se ocorreu a prescrição da dívida exequenda (determinando, nesse âmbito, qual é o prazo de prescrição e que factos determinaram a interrupção e/ou a suspensão desse prazo) a sentença recorrida veio a concluir que não ocorreu a invocada prescrição, porque, sendo aplicável, atendendo à data da ocorrência do facto tributário, o prazo de prescrição de oito anos (nº 1 do art. 48° da LGT), ocorreram entretanto factos interruptivos: a citação para a execução fiscal e a dedução de impugnação judicial.
Trata-se, em ambos os casos, de factos interruptivos da prescrição, pois o nº 1 do art. 49º da LGT (na redacção à data – a da Lei n° 100/99, de 26/7), prevê que a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
Por isso, o prazo de prescrição correu desde o dia 3/2/2000 até ao dia 22/4/2004, data da citação para a execução fiscal, interrompendo-se nesta data, ficando, por virtude dessa interrupção e de acordo com o previsto nos arts. 326°, nº 1 e 327° n° 1, do CCiv., inutilizado todo o tempo decorrido até aí e não começando a correr novo prazo, dado que não se mostra ter transitada em julgado decisão a pôr termo ao processo de execução fiscal.
E a tal conclusão não obsta a alegação de paragem do processo por prazo superior a um ano, uma vez que embora o nº 2 do art. 49º da LGT dispusesse, à data (na redacção da citada Lei n° 100/99, de 26/7) que a “paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorresse após esse período ao que tivesse decorrido até à data da autuação”, tal norma não tem aplicação ao caso dos autos, já que é imputável à reclamante a paragem da execução fiscal por motivo de prestação de garantia, pois a sua actuação impediu o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela, sendo que, de todo o modo, a eventual paragem do processo por mais de um ano é de todo irrelevante dado que o primeiro facto interruptivo foi a citação para a execução fiscal e não a dedução de impugnação.
Mas, ainda assim, porque a execução se encontrava suspensa em virtude de prestação de garantia, nunca poderia relevar, para efeitos de prescrição, o prazo posterior à referida prestação até ao trânsito em julgado da sentença que pôs fim ao processo de impugnação judicial.
3.2. Discordando do decidido, a recorrente alega que, apesar de com a dedução de impugnação judicial e a citação da executada ter sido interrompido o prazo de prescrição da obrigação tributária, a paragem do processo de impugnação por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo fez cessar o efeito dessa interrupção, somando-se, então, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação, pelo que, no caso, tendo o prazo sido interrompido em 23/4/2004, por efeito da apresentação da impugnação judicial (quando tinham decorrido já 4 anos, dois meses e vinte e um dias, sobre a data da verificação do facto tributário) mas tendo cessado esse efeito em 23/4/2005 (por paragem do processo por mais de um ano), nesta data começou de novo a correr o prazo de prescrição. E o mesmo, contado desde a data de verificação do facto tributário – 3/2/2000 – e descontando um ano por conta do efeito interruptivo da impugnação judicial, perfaz nove anos, cinco meses e seis dias; ou seja, ao contrário do que conclui a sentença recorrida a obrigação tributária está prescrita.
3.3. A questão a decidir no recurso é, pois, a de saber se está, ou não, prescrita a dívida exequenda, considerando as causas interruptivas e/ou suspensivas que se verificaram.
Vejamos:
4.1. Os arts. 48º e 49º da LGT, na sua redacção inicial, dispunham:
Artigo 48º
«Prescrição
1 – As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 – (…)
3 – (…)».
Artigo 49º
«Interrupção e suspensão da prescrição
1 – A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 – O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
4.2. Posteriormente, o nº 1 daquele art. 48º da LGT foi alterado pelo art. 40º da Lei nº 55-B/2004, de 30/12, em termos de o prazo de prescrição das dívidas relativas a IVA e, em certos casos, a impostos sobre o rendimento, passar a contar-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se tenha verificado, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
4.3. Já no que respeita ao art. 49º (da LGT), a Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 desse normativo, que ficou com a seguinte redacção:
Artigo 49º
«1 – A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 – O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
4.4. Finalmente, a Lei nº 53º-A/2006, de 29/12, veio de novo alterar este art. 49º da LGT:
- tendo sido revogado o seu nº 2 (revogação que se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo - art. 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12);
- tendo sido alterada a redacção do seu nº 3;
- e tendo sido aditado o actual nº 4.
Assim a actual redacção desse preceito é a seguinte:
Artigo 49º:
«1 – A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – Revogado
3 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 – O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.»
5.1. Em matéria de prescrição da dívida por imposto de sisa, o prazo de 20 previsto no art. 27º do CPCI foi reduzido para 10 anos (prazo que constava no art. 34º do CPT) com a redacção dada ao art. 180º do CSisa pelo DL nº 119/94 de 7/5 e, posteriormente, com a redacção introduzida naquele art. 34º do CPT pelo DL nº 472/99, de 8/11, foi reduzido para 8 anos, nos termos dos arts. 48º e 49º da LGT.
Ora, sendo certo que a dívida exequenda é proveniente de imposto municipal de sisa, liquidada por aquisição de um prédio, ocorrida em 3/2/2000, apliquemos, então, o referido quadro legal aos factos dos autos.
O prazo de prescrição (8 anos) iniciou-se em 3/2/2000 (cfr. al. A) do Probatório), pelo que, em princípio, se completaria em 3/2/2008.
5.2. Contudo, há que considerar a eventual ocorrência de factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição, se forem susceptíveis de influir no decurso do prazo.
E, neste âmbito, serão aplicáveis os que estiverem previstos na lei vigente à data em que tiverem ocorrido (por força do disposto no nº 2 do art. 12º do CCivil).
Ora, apesar de (contrariamente ao que sucedia no âmbito da vigência do art. 34º do CPT) no domínio da LGT a instauração da execução ter deixado de constituir facto interruptivo da prescrição (na redacção original do nº 1 do art. 49º da LGT a prescrição interrompia-se apenas com a dedução de reclamação, recurso hierárquico, impugnação e pedido de revisão oficiosa da liquidação), posteriormente, com a alteração que a Lei nº 100/99, de 26/7, introduziu no nº 1 do art. 49º da LGT, a citação passou, porém, a constituir facto interruptivo da prescrição, como aliás, a recorrente reconhece (cfr. Conclusão 25ª).
No caso, a citação da executada ocorreu em 22/4/2000 (al. F) do Probatório), ou seja, em período em que esta constituía já facto com relevância interruptiva do prazo de prescrição (pois já estava em vigor a alteração introduzida no nº 1 do art. 49º da LGT pela citada Lei nº 100/99), sendo que os efeitos interruptivos e/ou suspensivos de certos factos sobre o decurso do prazo de prescrição são determinados pela lei vigente na data da sua verificação (cfr. art. 12° n° 2 CCivil).
E as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (cfr., entre outros, neste sentido, os acs. deste STA, de 20/10/2010 e 2/3/2011, nos procs. 720/10 e 1038/10, respectivamente, bem como Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, p. 73).
Ora, no caso, como bem nota o MP, face a este duplo efeito do facto interruptivo (um efeito instantâneo, que determina a inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação - cfr. o citado art. 326°, n° 1, do CCivil) e um efeito suspensivo (que determina que o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao processo - cfr. o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas, 2ª ed., 2010, p. 57), a referida citação, ocorrida em 22/4/2000, com o inerente efeito interruptivo, determinou, quer a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (nº 1 do art. 326º do CCivil), quer a concreta irrelevância dos posteriores factos com abstracta eficácia interruptiva (dedução da impugnação judicial - 23/04/2004 - cfr. als. C) e G) do Probatório).
Mas, por outro lado, a alegada paragem do processo de execução fiscal, a partir da dedução da impugnação (em 23/4/2004 – cfr. als. C) e G) do Probatório) e da prestação de garantia (em 2/8/2004), também é, no caso, irrelevante, uma vez que, por um lado, nem o novo prazo de prescrição se tinha ainda iniciado (interrompido o prazo pela citação na execução, o novo prazo só começaria a correr após a decisão que pusesse termo a esse processo de execução), nem, por outro lado, como se sublinha na decisão recorrida, a invocada paragem do processo de execução fiscal em consequência da dedução de impugnação judicial, associada à prestação de garantia, operou a transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, já que, decorrendo a paragem do processo de execução, de uma causa imputável ao sujeito passivo (na medida em que a prestação de garantia impediu o órgão da execução fiscal do prosseguimento da tramitação) não podia operar tal transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, para efeito do disposto no nº 2 do art. 49º da LGT, ou seja, nos termos do disposto nos arts. 49º, nº 3 da LGT e 169º do CPPT, tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso, o prazo de prescrição também ficou suspenso (cfr., neste sentido, entre outros, os acs. desta secção do STA, de 4/3/09, rec. nº 160/09 e de 26/1/2011, rec. nº 01/11 – neste último era recorrente, aliás, a também recorrente nos presentes autos, sendo semelhante, igualmente, a questão ali decidida).
5.3. E não colhe a alegação, constante das Conclusões 2ª a 6ª, no sentido de que a sentença recorrida aplicou a lei civil por analogia e em violação do disposto no nº 1 do art. 10º e no nº 4 do art. 11º, ambos do CCivil.
Com efeito, como se refere no citado aresto do STA, de 26/1/2011, o que a sentença «fez foi aplicar as regras da prescrição previstas no CC a coberto do disposto na alínea d) do artigo 2º da LGT».
E igualmente não colhe a alegação (nas Conclusões 7ª a 20ª) de que a sentença viola a lei ao não identificar a norma que a leva a concluir que a prestação de garantia bancária suspende o prazo de prescrição, pois que essa interpretação nem é possível nem à luz do art. 169º do CPPT, nem ao abrigo dos artigos 48º e 49º da LGT, sendo que as causas de suspensão e interrupção da prescrição estão enunciadas no art. 49º da LGT e o art. 169º do CPPT trata apenas das condições em que opera a suspensão da execução.
Na verdade, e em concordância com o que a este respeito escreve o Cons. Jorge de Sousa (loc. cit., pags. 52 e sgts.), «Como se conclui do preceituado nos arts. 318° a 320° do CC, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo.
Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos arts. 318°, 319° e 320° do CC («a prescrição não começa nem corre. . .»).
Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária.
Nos termos do art. 49°, nº 3, da LGT, na redacção introduzida pela Lei n° 100/99, de 26 de Julho, estabeleceu-se que «o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso».
A paragem do processo de execução fiscal por motivo de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial ocorre nos casos em que o uso desses meios impugnatórios é acompanhado de prestação de garantia ou penhora de bens suficientes para pagamento da dívida exequenda e do acrescido (art. 169°, nº 1, do CPPT).
(…)
No entanto, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário: enquanto durar o facto, a prescrição não começa nem corre.»
O legislador optou, assim, por uma indicação pormenorizada dos casos em que a pendência de determinados meios processuais tem efeito suspensivo da prescrição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.
Daí que não sofra dúvida que em caso de impedimento legal à exigibilidade da dívida, não possa contar-se o prazo de prescrição: sempre que a cobrança coerciva se suspenda por motivo de pagamento em prestações ou reclamação, impugnação ou recurso, suspende-se igualmente o prazo de prescrição.
Em suma, tem eficácia suspensiva da prescrição a reclamação, impugnação ou recurso com eficácia suspensiva da execução fiscal, nos termos do art. 169° do CPPT, enquanto a suspensão se mantiver, sendo a partir da prestação efectiva da garantia que ocorre o aludido efeito suspensivo, já que apenas esta tem aptidão para parar o processo. Ou seja, é do próprio nº 3 do art. 49º da LGT e não apenas do disposto no art. 169º do CPPT, que resulta a ocorrência do questionado efeito suspensivo do prazo de prescrição, não se vislumbrando, assim, ao invés do alegado (na Conclusão 20ª), que a sentença recorrida haja violado os princípios da legalidade, da reserva de lei, da proporcionalidade, da justiça, da equidade e da boa-fé – arts. 18º, 103º e 266º da CRP (cfr. também, a propósito do referido efeito suspensivo, o ac. do Peno do STA, de 11/4/2007, rec. 1252/06, citado na sentença).
Acresce que não há que chamar à colação a disposição transitória do art. 83º-B da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, (cfr. Conclusões 31ª a 40ª) dado que não foi por aplicação da nova redacção que esta Lei introduziu no art. 49º da LGT que a sentença decidiu pela não verificação da prescrição da aqui questionada dívida exequenda.
A sentença recorrida decidiu, pois, de acordo com a lei aplicável.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 30 de Março de 2011. - Casimiro Gonçalves (relator) - António Calhau - Isabel Marques da Silva.