Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/11
Data do Acordão:10/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:INCENTIVOS FINANCEIROS
REPOSIÇÃO COERCIVA
JUROS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:Os juros de dívida não tributária prescrevem no prazo de 5 anos (al. d) do art. 310º do CCivil), contado, segundo a regra do art. 306º do mesmo Código, a partir da exigibilidade da obrigação.
Nº Convencional:JSTA00067175
Nº do Documento:SA220111012010
Data de Entrada:01/06/2011
Recorrente:IFAP - INST DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO
Legislação Nacional:CPC96 ART684 N3 ART690 N1 ART 676 ART680 N1 ART102 N2
DL 81/91 DE 1991/02/19 ART53 N2
DL 150/94 DE 1994/05/25 ART17
CCIV66 ART310 ART805 ART306 ART309
DL 146/94 DE 1994/05/24 ART4 ART8 ART9 N4 ART12
LGT98 ART35 N8
DL 344/78 DE 1978/11/17 ART5 ART7 N2
DL 4/99 DE 1999/01/04
DL 83/86 DE 1986/05/06
Legislação Comunitária:TCE ART87 N1 ART88 N3
DECIS COM CEE 2000/200/CE DE 1999/11/25
DECIS COM CEE 2001/85/CE DE 2001/10/04
REG COM CEE 1998/2006 DE 2006/12/15
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC813/09 DE 2010/02/03; AC STA PROC21/10 DE 2010/03/03; AC STA PROC202/11 DE 2011/05/04; AC TC PROC859/03 DE 2007/03/23; AC STA PROC69/11 DE 2011/05/25; AC STA PROC576/08 DE 2008/11/19
Referência a Doutrina:ABRANTES GERALDES ELEMENTOS PRÁTICOS SOBRE JUROS 1998 PAG4-6
MENEZES CORDEIRO BANCA BOLSA E CRÉDITO PAG198
PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO VI PAG259
CORREIA NEVES MANUAL DOS JUROS 3ED PAG29
JORGE DE SOUSA JUROS NAS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO 1999 PAG145.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na oposição deduzida por A…, Lda. contra a execução para cobrança da quantia de Euros 17.555,34, respeitante à devolução de auxílios estatais de apoio ao sector suinícola português contratualizados ao abrigo do DL 146/94, de 24 de Maio, julgou parcialmente procedente aquela oposição e declarou prescrita a dívida exequenda relativa a juros anteriores a 11/04/2004.
1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. A douta sentença recorrida é omissa, porquanto não deu resposta à questão controvertida sobre a natureza jurídica dos juros peticionados na certidão de dívida junta aos autos;
2. Os juros peticionados pelo IFAP não são juros de natureza moratória, antes resultando da Decisão da Comissão Europeia nº 2000/200/CE de 25 de Novembro de 1999, através da qual os auxílios concedidos ao abrigo do Decreto-Lei nº 146/94 foram considerados incompatíveis, por não se enquadrarem nas orientações estabelecidas para os Estados Membros, devendo, em consonância, os beneficiários dos mesmos, devolver integralmente as verbas recebidas, acrescidas de juros calculados desde a data em que os auxílios lhes foram colocados à disposição até à data da sua integral devolução, calculados de acordo com a taxa de referência para Portugal, definida para o cálculo de equivalente de subvenção no âmbito dos auxílios regionais.
3. Não tendo os juros peticionados pelo IFAP a natureza de juros moratórios, aos mesmos não pode ser aplicável o prazo prescricional previsto no artigo 310º do Código Civil.
4. Antes sendo aplicável o prazo geral ordinário previsto no artigo 309° do CC, concluindo-se assim não estarem os mesmos prescritos, como se concluiu para a questão da prescrição da dívida.
5. Deve pois, ser a sentença alterada nesse particular, considerando-se não se encontrarem prescritos os juros contabilizados na certidão de dívida.
Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento, com as demais consequências.
1.3. Contra alegando, a recorrida formulou as seguintes conclusões:
Primeiro: Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 53° do Decreto-Lei nº 81/91 de 19 de Fevereiro, o Tribunal competente para os termos da execução dos títulos de dívida emitidos pelo Exequente é o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa.
Segundo: O Tribunal Administrativo e Fiscal é incompetente, em razão da matéria, para os termos da presente execução.
Terceiro: A certidão da dívida dada à execução não é título executivo porque não preenche os requisitos dos arts. 52º e 53º do Decreto-Lei nº 81/91 de 19 de Fevereiro.
Quarto: A decisão unilateral do Exequente, que determinou a restituição da quantia exequenda não era susceptível de impugnação contenciosa, porque não tem a natureza jurídica do acto administrativo. Além disso, tal decisão é ilícita e por isso, “in casu”, a situação reconduz-se à referida na alínea h) do art. 204º do CPPT.
Quinto: A Decisão da Comissão Europeia nº 2000/200/CE de 25 de Novembro de 1999 não alterou nem pretendeu nem podia alterar as regras do direito interno português relativas aos prazos de prescrição dos juros convencionais ou legais, estipuladas na alínea d) do art. 310° do Código Civil.
Pelo exposto e pelo douto suprimento, deve ser decretada a extinção da instância, por incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, nos termos do disposto no art. 16° do CPPT e art. 105° do Código de Processo Civil.
E para a hipótese de assim se não entender,
deve ser declarada a inexistência ou insuficiência do título executivo e a ilicitude da decisão unilateral do Exequente, por não ser imputável, à Executada, a violação das normas comunitárias que determinaram o reembolso das prestações que a mesma recebeu;
e deve ainda, em qualquer das hipóteses, ser negado provimento ao recurso do Exequente, como é de justiça.
1.4. O MP não emitiu parecer (fls. 98 verso).
1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - A Oponente, no âmbito da actividade comercial por si desenvolvida de criação intensiva e venda de suínos, apresentou, em 1993.04.26, candidatura ao auxílio C65/97, criado pelo DL 146/94, de 25 de Maio.
2 - No âmbito do auxílio contratualizado, a Oponente recebeu os seguintes montantes:
a. € 4.504,15, pagos em 1994.04.26;
b. € 2.702,49, pagos em 1995.04.26;
c. € 1.354,94, pagos em 1996.04.26;
d. € 450,41, pagos em 1997.04.26.
3 - Por decisões da Comissão Europeia n.ºs 2000/200/CE de 25 de Novembro de 1999 e 2001/85/CE, de 4 de Outubro, foram os Auxílios criados através do DL 146/94, de 25 de Maio e do DL 4/99, de 4 de Janeiro, considerados incompatíveis com o mercado comum.
4 - Em face das Decisões da Comissão Europeia, o IFADAP iniciou, a partir de Março de 2001, os procedimentos tendentes à recuperação dos auxílios que haviam sido concedidos.
5 - Por ofício datado de 2009.05.07 (ref.ª SUI01/DJU/UDEV/2009), o IFAP, IP, solicitou à Oponente que procedesse ao pagamento, no prazo de 10 dias úteis, do montante de € 17.530,63, sendo € 9.011,99, relativos ao capital em dívida, e € 8.518,64, correspondentes a juros vencidos desde a data do pagamento do auxílio em causa, estando estes devidamente discriminados a fls. 20 do processo apenso, que aqui se dão por reproduzidas.
6 - Em 2009.06.18, deu entrada no Serviço de Finanças de Guimarães-1 certidão de dívida emitida pelo IFAP, IP, relativa a dívidas referentes a auxílios estatais do apoio ao sector suinícola português contratualizados ao abrigo do DL 146/94, de 24 de Maio, e associados juros, tudo no montante global de € 17.555,34.
7 - Em 2009.06.29, foi instaurado o Processo de Execução Fiscal nº 0418200901072471, com base na identificada certidão de dívida emitida pelo IFAP.
8 - Em 2009.07.11, a Oponente foi citada para a Execução.
9 - A petição de Oposição à Execução deu entrada no SF de Finanças em 2009.08.27.
3.1. Enunciando como questões a resolver as que se prendem (i) com a ilegalidade da decisão que impôs a obrigatoriedade de reembolso de apoio financeiro concedido, (ii) com a prescrição da dívida exequenda de capital, por se aplicar à mesma o prazo prescricional de 5 anos, previsto no DL 155/92, de 28/7 e (iii) com a prescrição dos juros de mora, nos termos do artigo 310º do CC, a sentença considerou em síntese o seguinte:
- A primeira das questões não é susceptível de ser conhecida em sede de oposição.
- Quanto à prescrição da dívida exequenda, com base no nº 1 do art. 43º do DL n.º 155/92, de 28/7, a prazo de cinco anos ali previsto não tem aplicação no caso dos autos, uma vez que tal diploma se aplica apenas à reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado, quando recebidos indevidamente por funcionários ou agentes da Administração Pública (cf. arts. 36° e 42° do citado diploma legal).
Ora, como no caso dos autos, os incentivos foram concedidos a partir de 1994, então, nos termos combinados dos arts. 309º e 306º, nº 1 do C.Civil, apenas em 2014 se daria a eventual prescrição, abstraindo de eventuais causas interruptivas, como a citação da oponente, entretanto ocorrida, pelo que, assim sendo, esta dívida não se encontra prescrita.
- Quanto à prescrição da obrigação de juros, com base no regime de prescrição das dívidas de juros prevista no art. 310º do C.Civil e sendo esse de facto o regime aplicável, dada a natureza da dívida em causa, há que aplicar o disposto na al. d) desse art. 310º, onde se estabelece o prazo de prescrição de 5 anos para as obrigações de juros convencionais e legais, iniciando-se a contagem do referido prazo, por força do art. 306º do mesmo Código, a partir do momento em que o direito puder ser exercido.
E, assim, no caso, tendo a oponente sido citada para a execução fiscal em 11/7/2009, estão prescritos os juros vencidos antes de 11/07/2004, por, relativamente a eles, se mostrar decorrido o prazo de prescrição de 5 anos. E quanto aos demais, conclui-se pela inexistência da invocada prescrição, uma vez que, relativamente a estes, a citação tem efeitos de interrupção do prazo prescricional em curso, nos termos do art. 323º, nº 1, do CC., o que implica a inutilização de todo o decurso do tempo até aí transcorrido, não se reiniciando a contagem do novo prazo de cinco anos, até o termo do processo em que foi praticado o acto de citação.
3.2. Do assim decidido discorda o recorrente IFAP alegando, por um lado, que a sentença é omissa, por não ter dado resposta à questão controvertida sobre a natureza jurídica dos juros peticionados na certidão de dívida junta aos autos e, por outro lado, que enferma de erro de julgamento por ter considerado que, em aplicação do regime de prescrição de juros previsto na al. d) do art. 310º do CCivil, estão prescritos os juros vencidos antes de 11/7/2004, por, relativamente a eles, se mostrar decorrido o prazo de prescrição de 5 anos, quando, ao contrário do decidido, o prazo aplicável é o prazo geral de 20 anos, previsto no art. 309º do mesmo código.
4.1. Refira-se, desde já, que, embora o objecto do recurso se delimite pelas conclusões que os recorrentes formulam (cfr. os arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do CPC), não pode, ainda assim, esquecer-se que os recursos não se destinam a apreciar questões novas mas antes a impugnar decisões proferidas anteriormente (cfr. os art. 676º, 680º, nº 1 e 690º do mesmo CPC).
Ora, a recorrida alega, nas contra-alegações do recurso, o seguinte:
- deve ser decretada a extinção da instância, por incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, nos termos do disposto no art. 16° do CPPT e art. 105° do CPC, já que, face ao disposto no nº 2 do art. 53° do DL nº 81/91, de 19/2, o Tribunal competente para os termos da execução dos títulos de dívida emitidos pelo exequente é o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa;
- a certidão da dívida dada à execução não é título executivo, por não preencher os requisitos dos arts. 52º e 53º do mesmo DL nº 81/91, de 19/2;
- a decisão unilateral do Exequente, que determinou a restituição da quantia exequenda, além de ser ilícita, também não é susceptível de impugnação contenciosa, porque não tem a natureza jurídica do acto administrativo, pelo que a situação se subsume, no caso, à previsão da al. h) do art. 204º do CPPT;
- e, quanto à questão dos juros, suscitada pelo recorrente nas alegações do recurso, a decisão da Comissão Europeia nº 2000/200/CE, de 25/11/1999 não alterou nem pretendeu nem podia alterar as regras do direito interno português relativas aos prazos de prescrição dos juros convencionais ou legais, estipuladas na al. d) do art. 310° do CCivil.
4.2. Todavia, o Tribunal “a quo” não apreciou a questão da competência, nem apreciou a questão da ora alegada falta de título executivo.
E tais questões também não foram suscitadas na petição inicial da presente oposição.
Na verdade, como da sentença consta, o que a recorrida/oponente ali invoca é a ilegalidade da decisão que impôs a obrigatoriedade de reembolso de apoio financeiro concedido; a prescrição da dívida exequenda de capital, por se aplicar à mesma o prazo prescricional de 5 anos, previsto no DL 155/92, de 28/7; e a prescrição dos juros de mora. E, consequentemente, apreciou estas questões, decidindo, (i) que a ilegalidade da decisão de imposição do reembolso, é questão não susceptível de ser conhecida em sede de oposição; (ii) que a quantia exequenda reportada à dívida de capital não está prescrita por não ter decorrido ainda o prazo de 20 anos previsto no art. 309º do CCivil, aplicável a tal dívida de capital; e (iii) que, quanto aos juros, estão prescritos os vencidos antes de 11/07/2004, por, relativamente a eles, se mostrar decorrido o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310º do CCivil, aplicável nesta matéria.
Assim:
a) Quanto à questão da ora alegada falta de título para a execução, por se tratar de questão nova, suscitada apenas nas contra-alegações da recorrida, não pode ser aqui conhecida.
b) Quanto à questão da ilegalidade da decisão que impôs a obrigatoriedade do reembolso, tendo a sentença concluído e decidido que se trata de questão não susceptível de ser conhecida em sede de oposição, deveria a recorrida, se discorda deste segmento decisório, ter interposto o competente recurso da decisão, nessa parte. E, não o tendo feito, também não pode, portanto, conhecer-se agora dessa questão.
c) Quanto à questão da competência:
Mesmo que, desaplicando o disposto no nº 2 do art. 102º do CPC, se entendesse que estaríamos, no caso, face ao disposto no nº 1 do mesmo artigo, perante questão de conhecimento oficioso do Tribunal, sempre a recorrida careceria de razão legal.
Com efeito, como tem vindo a ser decidido uniformemente pelo STA, sendo o IFADAP uma pessoa colectiva pública e tendo o acto que ordena a restituição de subsídios por si concedidos a natureza de acto administrativo, são competentes para a instauração dos processos de execução fiscal que visam a cobrança coerciva das dívidas ao IFADAP os serviços da AF e não os tribunais cíveis (cfr. a este propósito, os acórdãos desta Secção do STA, de 25/6/2009, 26/08/2009, 23/9/2009, 21/10/2009, 3/3/2010 e 4/5/2011, nos recursos nºs. 416/09, 609/09, 650/09, 462/09, 21/10 e 202/11, respectivamente.
Aliás, apesar de o DL nº 81/91, de 19/2, invocado pela recorrida, ter sido revogado pelo art. 17º do DL nº 150/94, de 25/5, o nº 2 do seu art. 53º veio, mesmo, a ser julgado inconstitucional (por acórdão do Tribunal Constitucional, de 23/3/2007, proferido no recurso nº 859/03).
E por não se vislumbrar razão que justifique alterar tal jurisprudência, sempre seria de reafirmar o mesmo entendimento, porque, em suma e como decidiu o Tribunal Constitucional, “… o acto de rescisão do contrato por incumprimento das obrigações assumidas tem a natureza de acto administrativo, na medida em que traduz uma estatuição autoritária do IFADAP fundada no regime jurídico aplicável”, acrescendo que “… «nos casos e termos expressamente previstos na lei», podem ser cobradas mediante processo de execução fiscal, as dívidas ao Estado e «a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», de acordo com o que se estabelece na alínea a) do nº 2 do artigo 148º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Isso significa que a admissibilidade da utilização do processo de execução fiscal depende necessariamente de lei expressa que tal preveja.
E o que é certo é que, relativamente a dívidas que devam ser pagas por força de acto administrativo, como as do IFADAP, o nº 1 do artigo 155º do Código do Procedimento Administrativo estabelece que «quando por força de um acto administrativo devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal regulado no Código de Processo Tributário».
Ora, esta norma de carácter geral satisfaz a referida exigência de lei expressa, e, dessa forma, legitima a cobrança dos créditos do IFADAP, de reposição considerada indevidamente recebida, mediante o processo de execução fiscal (…)
Daí que os serviços de finanças tenham, pois, competência para instaurar os processos de execução fiscal que visam a restituição de ajudas previamente decidida pelo IFADAP (actual IFAP, IP)”.
4.3. As únicas questões que subsistem são, pois, as de saber se a sentença enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, por não ter dado resposta à questão controvertida sobre a natureza jurídica dos juros peticionados na certidão de dívida junta aos autos (Conclusão 1 das alegações de recurso do IFAP) e se estão prescritos os juros vencidos antes de 11/07/2004, por, relativamente a eles, ser aplicável o prazo de prescrição de 5 anos referenciado na sentença - ou seja, o prazo previsto no art. 310º do CCivil (Conclusões 2 a 5 das alegações de recurso do IFAP e Conclusão 5ª das contra-alegações da recorrida).
Vejamos.
5.1. Quanto à nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, não se vê que a mesma ocorra.
Com efeito, a sentença, ao enunciar as questões a decidir, exara que uma dessas questões é a da «prescrição dos juros de mora, nos termos do artigo 310º do CC.» e, mais adiante, refere, igualmente, que, «No caso em apreço, verificou-se ter sido o auxílio concedido indevidamente, razão pela qual, se deverá considerar o momento em que o pagamento foi efectuado como momento relevante para início do prazo de prescrição, vencendo-se a partir daí, e diariamente, os respectivos juros de mora.»
E daqui resulta, a nosso ver, que a sentença apreciou a questão da natureza jurídica dos juros peticionados na certidão de dívida, decidindo em seguida a questão da prescrição de tais juros.
Poderá, então, ocorrer erro de julgamento; mas o que não há é nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre tal questão. Improcede, assim, esta invocada nulidade da sentença.
5.2. Quanto à questão da prescrição desses juros aqui em causa.
5.2.1. O DL nº 146/94, de 24/5, criou duas linhas de crédito:
- Uma para desendividamento das empresas do sector da pecuária intensiva (quer para lhes facultar recursos para renegociação, junto das instituições de crédito, de dívidas em curso afectas às actividades pecuárias e comprováveis por investimentos realizados entre 1/1/1985 e 31/12/1993, nas áreas da modernização das instalações, defesa sanitária e protecção ambiental, quer para disponibilização de recursos para liquidação de dívidas, vencidas e não pagas, a fornecedores de bens de investimento, contraídas no período compreendido naquele mesmo período.
Nestes casos, os juros eram bonificados em 60% no 1º ano, 45% no 2º ano e 30% no 3º ano, e as bonificações suportadas, em partes iguais, pelos Ministérios das Finanças e da Agricultura, no primeiro ano, e pelo Ministério da Agricultura, nos anos seguintes, podendo, os reembolsos de capital comportar até cinco anuidades de igual montante e ocorrendo o primeiro reembolso um ano após a data prevista para a utilização do crédito (art. 4º do citado DL).
- Outra para incentivar o relançamento da actividade suinícola, com o objectivo de relançamento da actividade suinícola e disponibilizar meios financeiros para aquisição de factores de produção.
E neste caso os juros eram bonificados em 10% no 1º ano, 8% no 2º ano, 6% no 3º ano e 4% no 4º ano, e as bonificações suportadas, em partes iguais, pelos Ministérios das Finanças e da Agricultura, no primeiro ano, e pelo Ministério da Agricultura, nos anos seguintes, podendo os reembolsos de capital comportar até quatro anuidades de igual montante e ocorrendo o vencimento da primeira anuidade um ano após a data da primeira e única utilização do crédito (art. 8º do mesmo DL).
Em todos os casos, o processamento e o pagamento das bonificações ficava a cargo do (então) IFADAP e para cobertura dos encargos originados pela bonificação da taxa de juro e pela remuneração ao IFADAP as verbas necessárias deveriam ser inscritas no Orçamento do Estado (nº 4 do art. 9º e art. 12º do mesmo DL).
Porém, por decisões da Comissão Europeia nºs. 2000/200/CE, de 25/11/1999 e 2001/85/CE, de 4/10, os auxílios criados através do dito DL 146/94 (bem como pelo DL 4/99, de 4/1), foram considerados incompatíveis com o mercado comum (determinando a Comissão, consequentemente, que Portugal tome todas as medidas necessárias para recuperar junto dos beneficiários os referidos auxílios, recuperação que se efectuará em conformidade com os procedimentos de direito interno, e sendo que as somas a recuperar incluirão juros desde a data em que foram colocadas à disposição dos beneficiários até à data da sua recuperação efectiva, com juros sobre o capital em dívida, estes à taxa de referência da Comissão Europeia, (Trata-se de taxas que são fixadas pela Comissão Europeia e utilizadas para o cálculo do reembolso de auxílios ilegais (auxílios não notificados e não cobertos por enquadramentos de isenção ou pelo regime de minimis previsto no Regulamento (CE) nº 1998/2006, de 15/12 – cfr. o nº 1 do art. 87º e o nº 3 do art. 88º do Tratado), bem como para apuramento do elemento de auxílio (equivalente de subvenção), enquanto vantagem conferida ao seu beneficiário e que este não obteria em condições normais de mercado.) estabelecida para Portugal) pelo que, face a estas decisões da Comissão, o IFAP iniciou, a partir de Março de 2001, os procedimentos tendentes à recuperação dos auxílios que haviam sido concedidos.
No caso, e de acordo com a factualidade provada e com a fundamentação que consta da certidão executiva que titula a execução relativa à presente oposição, a recorrida apresentou, em 26/4/1993, candidatura ao auxílio C65/97, criado pelo citado DL 146/94, tendo recebido, no âmbito do auxílio contratualizado, os montantes indicados no nº 2 do Probatório.
Contudo, no seguimento das mencionadas decisões da Comissão Europeia, o IFAP, por ofício de 7/5/2009, pediu à recorrida o pagamento, no prazo de 10 dias úteis, do montante de € 17.530,63, sendo € 9.011,99, relativos ao capital em dívida, e € 8.518,64, correspondentes a juros vencidos desde a data do pagamento do auxílio em causa.
Ora, não sofre dúvida que estamos, no caso, perante a cobrança de dívida decorrente de incentivos financeiros (e nem sequer incentivos fiscais).
Não se trata, portanto, de pagamento de impostos devidos, mas, antes do pagamento de quantia correspondente à contrapartida da concessão dos ditos incentivos financeiros, exigido pelo IFAP devido às citadas decisões da Comissão Europeia. Isto é, não estamos directamente perante pagamento de impostos que não tenham sido liquidados, nem perante juros compensatórios que, por falta ou atraso dessa liquidação, hajam de ser cobrados, mas, antes, perante uma obrigação distinta: de pagamento de importâncias correspondentes aos incentivos citados, com juros sobre o capital em dívida, estes, como se disse, à taxa de referência da Comissão Europeia estabelecida para Portugal.
Daí que, não tendo a dívida correspondente à reposição dos incentivos, natureza tributária, também os respectivos juros não possam comungar dessa mesma natureza, para efeitos de aplicação do disposto no nº 8 do art. 35º da LGT.
5.2.2. Ora, independentemente de os juros aqui questionados se poderem, ou não, classificar como juros de natureza moratória, como faz a sentença (sendo certo que nem o incumprimento da obrigação estava então verificado nem havia, sequer, interpelação por parte do credor para a restituição do capital/incentivo atribuído), ou como juros de outra natureza, entendemos que, quanto aos mesmos (os vencidos antes de 11/07/2004) decorreu, na realidade, o respectivo prazo de prescrição (5 anos), aplicável por força do disposto na al. d) do art. 310º do CCivil. (No acórdão deste STA, de 3/2/2010, rec. nº 0813/09, citado na sentença recorrida, e no qual o presente relator interveio como adjunto, embora também estivesse em causa uma dívida, executada pelo IFADAP e de natureza semelhante à cobrada na execução de que a presente oposição depende, a certidão executiva mencionava uma determinada quantia a título de «juros de mora», o que não obstou, ainda assim, a que se considerasse aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto na al. d) do art. 310º do CCivil.)
Com efeito, tratando-se de dívida não tributária, a questão da natureza moratória, compensatória, remuneratória ou outra, dos juros em causa, é irrelevante em termos de determinação do prazo legal de prescrição a estes aplicável.
Acresce que apesar de, por um lado, a doutrina vir entendendo que os juros remuneratórios visam possibilitar o rendimento de determinado capital, correspondendo à sua capacidade criadora de riqueza, tendo, nesta perspectiva, função retributiva, constituindo a contraprestação onerosa pela disponibilidade do capital («Terão esta natureza os juros que deverão ser pagos quando é celebrado um contrato de mútuo oneroso ou uma operação activa de comércio bancário, convencionando-se que o mutuário ou beneficiário da prestação pecuniária pagará juros ao mutuante ou à entidade bancária que disponibiliza o capital, cujo montante global fica dependente do período de utilização do capital e da taxa fixada» - Abrantes Geraldes, Elementos Práticos sobre Juros, CEJ, 1998, p. 4) e, por outro lado, a par destes juros remuneratórios, serem referidos também os juros compensatórios (que têm por finalidade «compensar» o credor pelo facto de ter deixado de fruir determinado capital, ou porque o cedeu a terceiro ou porque este deixou de satisfazer, em tempo oportuno, a sua prestação ─ cfr. Menezes Cordeiro, in Banca, Bolsa e Crédito, pág. 198, citado por Abrantes Geraldes, loc. cit., pp. 5 e 6 ─, pelo que, assim sendo, não se justificaria, nem legal, nem doutrinariamente, a autonomização desta categoria de juros), o legislador, como salienta este mesmo autor, «já empregou esta fórmula, apesar de não ter sido muito rigoroso na utilização da terminologia adequada, ora assimilando os juros compensatórios à categoria de juros remuneratórios, como o fez no art. 5° do Dec. Lei nº 344/78, de 17 de Novembro, ora atribuindo aos juros compensatórios a mesma natureza dos juros de mora, como resulta do art. 7°, nº 2 do mesmo diploma, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 83/86, de 6/5.
Este desacerto do legislador tem influenciado também os tribunais, em cujas decisões surge, com frequência, a qualificação de juros compensatórios na sua vertente indemnizatória, decorrente do incumprimento pontual da obrigação de indemnização devida por factos ilícitos, apesar de a própria lei determinar que, em tais situações, são devidos juros de mora, consoante as circunstâncias, desde a prática do acto, desde a citação ou desde a liquidação dos prejuízos (art. 805° do CC).
Dogmaticamente, podemos definir os juros compensatórios como aqueles que não têm função moratória, remuneratória ou compulsória, devendo reservar-se a expressão para os juros que não constituam uma retribuição do capital ou uma compensação pelo atraso da prestação, como sucede com os determinados juros previstos nas leis fiscais para os casos de retardamento da liquidação imputável ao contribuinte» (cfr. Correia Neves, Manual dos Juros, Almedina, 3ª Ed., 1989, pp. 29 e segs., e a doutrina de Vaz Serra aí citada).
Todavia, como se deixou dito, independentemente da natureza e do “nomen juris” que possam atribuir-se aos juros em causa nos presentes autos, o que não pode concluir-se, sem mais, é que tais juros (quer se classifiquem como juros indemnizatórios, quer como compensatórios, quer como moratórios) seja aplicável o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no art. 309º do CCivil.
Com efeito, prescrevem no prazo de 5 anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (al. d) do art. 310º do CCivil), contado, segundo a regra do art. 306º do mesmo Código, a partir da exigibilidade da obrigação.
A lei menciona, pois, os juros convencionais ou legais, não distinguindo sequer entre juros moratórios, compensatórios ou outros.
E os juros aqui em questão, incluem-se, a nosso ver, nos juros legais (já que, como se disse, se calculam às taxas fixadas pela Comissão Europeia). Mas, de todo o modo, o regime seria o mesmo, caso se tratasse de juros convencionais.
No entanto, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, «Pode acontecer, nas dívidas de juros, que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais. Neste caso, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos.» (CCivil Anotado, I Vol., anotação 1 ao art. 310º, p. 259), sendo que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (nº 1 do art. 323º do CCivil).
No caso, como se diz na sentença, tendo a oponente sido citada para a execução fiscal em 11/7/2009, estão prescritos os juros vencidos antes de 11/07/2004, por, relativamente a eles, se mostrar decorrido o prazo de prescrição de 5 anos.
E nem se diga (como parece pretender o recorrente – cfr. Conclusões 2ª e 3ª das alegações de recurso) que o facto de os peticionados juros constarem da citada Decisão da Comissão Europeia nº 2000/200/CE de 25/11/1999, impede a aplicação do regime de prescrição que constar da lei interna: na verdade, por um lado, até aquela própria Decisão explicita que a recuperação se efectuará em conformidade com os procedimentos de direito interno e, por outro lado, não se trata de apreciar se tais juros são ou não devidos [até porque, a apreciação dessa questão não seria legalmente admissível em sede de oposição, como é o caso, e como a sentença bem o referiu, relativamente à própria dívida exequenda correspondente ao capital (Todavia, tem-se admitido, em sede de impugnação, e embora relativamente a incentivos fiscais, a apreciação da legalidade da liquidação de tais juros, nomeadamente por inexistência de culpa do beneficiário no retardamento da liquidação realizada (art. 35º da LGT), pois que tendo a responsabilidade por juros compensatórios a natureza de uma reparação civil, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura a título de dolo ou negligência a essa actuação - cfr, entre outros, os acs. de 3/10/01, 2/10/02, 16/2/05, 12/7/05, 19/11/2008 e 25/5/2011, nos procs. nºs. 25.034, 546/02, 1006/04, 12.649, 0576/08 e 069/11, bem como Jorge Lopes de Sousa, in “Juros nas relações tributárias”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, 1999, p. 145.), mas tão só de aplicar as regras aplicáveis em termos de prazos de prescrição (como igualmente sucederia no caso de se vir a concluir pela aplicação do prazo de prescrição de 20 anos, pretendido pelo recorrente).
Em suma, verificando-se a prescrição dos juros vencidos antes de 11/07/2004, é de confirmar, embora com a presente fundamentação, a sentença recorrida, que assim também decidiu.
Improcedem, assim, as Conclusões do recurso.
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Outubro de 2011. – Casimiro Gonçalves(relator) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.