Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01420/14.9BELRS
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
Sumário:I - A atividade de criação de frangos, independentemente de estar organizada sob a forma de atividade profissional ou empresarial, uma vez enquadrando-se na categoria B do IRS, é sempre subsumível à categoria de trabalhador independente à luz das normas do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRC).
II - A contribuição devida pelas Entidades Contratantes ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 140.º, 150.º, n.º 3, 151.º, n.º 2, 153.º, 154.º, n.º 2, 155.º, n.º 3 e 167.º do CRC decorre da situação de incidência descrita no artigo 140.º, ou seja, de à mesma ser imputável o benefício, no mesmo ano civil, de pelo menos 80% do valor total da atividade desenvolvida pelo trabalhador independente.».
Nº Convencional:JSTA000P27901
Nº do Documento:SA22021062301420/14
Data de Entrada:03/03/2021
Recorrente:A..........., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A………………………, S.a., com o número de identificação fiscal …………… e com sede em casal de …………., …………., S. Pedro do Sul, interpôs o presente recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial da «liquidação de obrigação contributiva emitida pelo INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P., no valor de Eur 22 384,73€».

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

I. A recorrente é titular de uma empresa que se dedica à indústria transformadora, tendo como objeto a atividade de abate e transformação de carne de aves, comércio de produtos avícolas e processamento, transformação e comercialização de outras carnes, explorando um matadouro de aves e uma unidade de processamento e transformação de carnes avícolas.

II. Para o desenvolvimento da sua atividade, a recorrente necessita de se abastecer diariamente com elevadas quantidades de aves, celebrando, para esse efeito, contratos com terceiros com vista a garantir o fornecimento dessas aves.

III. Esses terceiros desenvolvem a atividade de criação de aves, as quais, quando atingem uma idade determinada, são entregues à recorrente, sendo proprietários de imóveis destinados à criação de aves e, bem assim, de um conjunto de outros meios de produção próprios.

IV. Estas entidades com as quais a recorrente contrata recebem aves recém-nascidas, e procedem à sua criação, dando-lhes alojamento, maneio, alimentação, água e medicação e assumem o risco da sua atividade económica.

V. A recorrente adquire as aves recém-nascidas e coloca-as nas instalações desses operadores entregando-lhes as rações e os medicamentos necessários ao processo de criação e no final de cada processo de criação é apurada, de acordo com um preço pré-acordado entre as partes, a diferença entre o valor dos produtos efetivamente entregues à recorrente e o valor dos fornecidos pela recorrente aos operadores, podendo daí resultar um saldo positivo ou negativo para o operador.

VI. Os terceiros com os quais a recorrente contrata gerem uma atividade empresarial, a qual acarreta um risco, não se tratando de uma prestação de serviços normal, em que é fixado um preço fixo por uma determinada prestação quantificada.

VII. Está em causa a exploração, por esses terceiros, de um estabelecimento comercial, uma organização concreta de fatores produtivos, com valor de posição no mercado, constituída por imóveis, meios de produção, equipamentos, pessoal, contratos de fornecimento, entre outros elementos.

VIII. Cada um desses operadores é titular e explora um estabelecimento comercial, fazendo-o por sua conta e risco, atuando com autonomia de gestão, no quadro da operação de um negócio próprio, suportando diretamente custos com pessoal, instalações e com vários meios de produção, com exceção do custo com rações, medicamentos e aves recém-nascidas.

IX. A razão pela qual estes operadores desenvolvem a sua atividade em mais de 80% para a recorrente, é de mero controlo sanitário.

X. Os operadores aqui em apreço não são qualificados como trabalhadores independentes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 132.º e seguintes do CRC, pois o trabalhador independente pressuposto pelo legislador não desenvolve uma atividade idêntica àquela que é desenvolvida pelos operadores aqui em causa.

XI. Não está aqui em causa o desempenho de uma atividade profissional, ou a prestação do resultado de uma atividade, contra uma remuneração certa e pré-determinada.

XII. Por outro lado, aplica-se ao caso vertente o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 134.º do CRC, porquanto, não se consideram explorações agrícolas as atividades e explorações que se destinem essencialmente à produção de matérias-primas para indústrias transformadoras que constituam, em si mesmas, objetivos dessas atividades.

XIII. Por consulta ao sistema informático da SEGURANÇA SOCIAL - SEGURANÇA SOCIAL DIRETA – divisa-se que face à generalidade das pessoas ali mencionadas consta a seguinte observação: “De acordo com o código regimes contributivos do sistema previdencial de segurança social, Lei n.º 110/2009 de 16 de Setembro, conforme o seu artigo 134.º, n.º 2, alínea b), o contribuinte em causa não pode ser enquadrado no regime dos trabalhadores independentes, porquanto a sua atividade e exploração, se destina exclusivamente à produção de matérias-primas para a indústria.”

XIV. Quer por não se aplicar o disposto no artigo 132.º do CRC, quer por operar a exclusão prevista na alínea b), do n.º 2, do artigo 134.º do mesmo diploma, falecem os pressupostos de aplicação à recorrente do disposto no artigo 140.º do CRC, pelo que não poderá ser a mesma considerada entidade contratante no caso em apreço nem objeto da liquidação da obrigação contributiva notificada pelo INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P.

XV. Ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou os artigos 132.º, 134.º n.º 2 b) e 140.º do CRC.».

Pediu fosse o presente recurso julgado procedente, fosse revogada a sentença ora recorrida e fosse julgada a impugnação procedente e determinada a anulação do ato de liquidação de obrigação contributiva.

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

1. Não se conformando com a douta sentença, proferida pela Mmª Juíza do tribunal a quo, que julgou totalmente improcedente a presente impugnação, vem a Impugnante, ora Recorrente, interpor o presente recurso jurisdicional, nos termos e com os fundamentos nele constantes, os quais, no modesto entendimento do ora Recorrido não merecem, salvo melhor opinião, qualquer provimento.

2. De facto, não obstante a argumentação expendida, olhamos para as questões colocadas pela Recorrente na fundamentação do presente recurso e apenas encontramos o seu inconformismo com o sentido da douta decisão proferida, nada de novo, ao cabo e ao resto, trazendo a Recorrente na fundamentação do mesmo.

3. Para além, do ora Recorrido oferecer o mérito da douta sentença que, de forma tão sábia e proficiente, julgou improcedente a presente ação e, em consequência absolveu o ora Recorrido do pedido, dando aqui por reproduzida toda a matéria, a esse propósito vertida em sede de decisão, já que, face a tão clarividente fundamentação da mesma, nada mais poderá acrescentar, por inócuo, limitar-nos-emos, apenas, nesta sede, a reforçar tudo quanto já por nós oportunamente exposto e sufragado pelo entendimento constante da douta decisão proferida.

4. De facto, conforme bem delineado na douta decisão recorrida, e, passando a citar” (…) o cerne do dissenso está na qualificação da Impugnante, ora Recorrente, como Entidade Contratante, nos termos e para os efeitos do art.º 140.º do CRC, atenta a situação em concreto dos operadores que consigo contrataram a criação de aves.”

5. Ou seja, coloca-se, primacialmente, nos presentes autos, a questão de saber se o ato de liquidação de obrigação contributiva, praticado pelo ora Recorrido, deverá ser anulado com fundamento em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, conforme alegado, decorrente da qualificação da Recorrente como Entidade Contratante, por haver beneficiado de 80% do valor total da atividade de trabalhadores independentes, atentos os valores que por estes foram declarados à Segurança Social, como pagos pela impugnante, em obediência ao disposto pelo artigo 140.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, doravante CRC, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro.

6. Começaremos por dizer que, atenta toda a matéria de facto dada como provada, com relevância para a decisão da causa, e que por razões de economia processual, se nos for permitido, nos dispensamos de reproduzir, e efetuada que foi a subsunção da mesma ao quadro legal tido por pertinente e aplicável na situação em apreço, bem andou a Mmª juíza ao concluir da forma como o fez, senão vejamos,

7. O CRC, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro, no artigo 140.º, veio consagrar a figura da Entidade Contratante, considerando, como tal, abrangidas pelo sistema as pessoas coletivas e as pessoas singulares com atividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que no mesmo ano civil beneficiem de, pelo menos, 80% do valor total da atividade que lhe foi prestada por determinado trabalhador independente.

8. O artigo 132.º daquele Código, no que respeita ao âmbito de aplicação, determina, de forma genérica, quais os trabalhadores independentes abrangidos:

“São obrigatoriamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes as pessoas singulares que exerçam atividade profissional sem sujeição a contrato de trabalho ou a contrato legalmente equiparado, ou se obriguem a prestar a outrem o resultado da sua atividade, e não se encontrem por essa atividade abrangidos pelo regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.”

9. E, os artigos 133.º e 134.º, daquele código particularizam algumas categorias de trabalhadores que ficam abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes.

10. A alínea a), do n.º 1, do artigo 133.º do CRC estabelece que são abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes as pessoas que exerçam atividade profissional por conta própria geradora de rendimentos a que se reportam os artigos 3.º e 4.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, doravante CIRS, entre outros, os rendimentos decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária - alínea a), do n.º 1 do artigo 3.º e alíneas l) e m) do n.º 1 do artigo 4.º, ambos do CIRS.

11. E, a alínea b), do n.º 1 do artigo 134.º do CRC, determina que são obrigatoriamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes os empresários em nome individual com rendimentos decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial ou industrial, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS.

12. Ora, tal é o caso dos trabalhadores referidos pela Impugnante, ora Recorrente

13. Como é reconhecido e afirmado pela Recorrente, tais trabalhadores têm, todos, como atividade a criação de aves e todos são proprietários de explorações avícolas; prestam a sua atividade com carácter de exclusividade para a Impugnante; não estão sujeitos a contrato de trabalho e obrigam-se a prestar à Impugnante o resultado da sua atividade, ou seja, a criação de aves.

14. Trabalhadores que, pelo exercício daquela atividade – criação de aves -, em regime de exclusividade, não estão abrangidos pelo regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, porque são prestadores de serviços, como a própria Impugnante admite e reconhece e de acordo com os contratos de prestação de serviços que celebra.

15. Atenta noção de prestação de serviços, dada pelo artigo 1154.º do Código Civil e o teor dos contratos outorgados pela impugnante e criadores de aves, temos que, tal como referido pela douta sentença recorrida, os mesmos são subsumíveis a “contratos de prestação de serviços”

16. Concluindo-se, assim, necessariamente, que aqueles trabalhadores estão abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes previsto nos artigos 132.º e 133º nº1 alínea a) do CRC.

17. Donde, ao contrário do entendimento propugnado pelo Recorrente, no sentido de se aplicar no caso em apreço, o disposto na alínea b) do nº2 do artigo 134.º do CRC, porquanto os operadores em causa dedicam-se exclusivamente na atividade em causa, a produzir matéria prima (frangos) utilizada na sua atividade industrial de transformação, acompanhamos de perto, uma vez mais, o entendimento, constante da douta sentença recorrida.

18. Nomeadamente, quando a Mmª juíza fazendo apelo ao elemento histórico na interpretação de tal norma legal, aliás, doutamente explanado, conclui, passando a citar: “(…)Sendo então este elemento histórico que permite interpretar o artigo 134°, n.° 2, alínea b), não como uma exclusão do regime contributivo dos trabalhadores independentes, mas outrossim e apenas no que concerne à taxa contributiva, aplicando-se-lhes atualmente a taxa geral fixada no n.° 1 do artigo 168.° do CRC, a cargo dos trabalhadores independentes (de 29,6%) e não a taxa aplicável aos produtores agrícolas cujos rendimentos provenha exclusivamente da atividade agrícola, de percentagem menor (de 28,30%), estabelecida no n.° 3 do mesmo preceito.

A nosso ver esta é a interpretação do preceito que melhor se adapta ao respetivo texto legal e que é também mais conforme ao sistema jurídico em que ele se integra e ao princípio da tributação em sede de regime contributivo da segurança social, inexistindo qualquer suporte legal para simplesmente excluir do regime contributivo dos trabalhadores independentes quem exerce uma atividade destinada essencialmente à produção de matérias primas para indústrias transformadoras que de forma independente a exerça.”

19. Sendo de notar que, para chegar a tal interpretação, como também anteriormente referido na douta sentença e passando a citar “(…) o próprio legislador no artigo 139.° do CRC previu as situações de exclusão do regime dos trabalhadores independentes, não se incluindo a situação daqueles que se dedicam à produção de matérias primas para indústrias transformadoras, o que por razões de sistematicidade seria o preceito lógico de se incluir, caso fosse intenção do legislador.”

20. Por último, acresce referir que, a inscrição e enquadramento dos referidos trabalhadores no regime dos trabalhadores independentes é feita de acordo com as respetivas declarações, e todos os trabalhadores referidos pela Impugnante, ora Recorrente, se encontram qualificados como Trabalhadores Independentes no Sistema de Informação da Segurança Social.

21. Competindo a estes trabalhadores a participação, junto da Administração Fiscal, do início de atividade profissional e correspondente qualificação como atividade independente de prestação de serviços, a qual é oficiosamente disponibilizada à Segurança Social, por ser considerada relevante para assegurar o controlo do cumprimento das obrigações contributivas dos respetivos regimes previdenciais, nos termos previstos na Portaria n.º 121/2007, de 25 de Janeiro e art. 143.° do CRC.

22. Para efeitos do apuramento de quais as pessoas coletivas ou singulares com atividade empresarial que devem ser consideradas Entidade Contratante, o CRC estabelece a obrigação dos trabalhadores independentes apresentarem a declaração anual do valor total da sua atividade – cfr. artigo 152.º, n.º1 do CRC e artigo 58.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro, na redação dada pelo Decreto Regulamentar n.º 50/2012, de 25 de Setembro.

23. Após recolha dos valores assim declarados pelos trabalhadores independentes, os serviços do Impugnado, procedem à análise das declarações dos serviços prestados por esses trabalhadores, de modo a identificar as Entidades Contratantes.

24. Com efeito, o apuramento das Entidades Contratantes é efetuado diretamente a partir dos elementos constantes das declarações de atividade dos trabalhadores independentes, concretizando-se tal apuramento, de modo automático, pelo Sistema de Informação da Segurança Social (SISS), uma vez que este permite obter a identificação exaustiva de quais as entidades que no ano civil anterior preencheram os requisitos que as qualificam como Entidades Contratantes.

25. Da forma como se encontram previstas na lei a identificação e apuramento das Entidades Contratantes resulta, pois, um processo caraterístico, consubstanciado num ato duplo e indissociável de enquadramento num regime contributivo, com o apuramento de uma obrigação contributiva, ou seja, os serviços do ora Recorrido, calculam oficiosamente o valor dos serviços que foram prestados e procedem à emissão do documento de cobrança, que se traduz nas notificações em causa nos presentes autos.

26. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 150.º do CRC, com a redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a obrigação contributiva das entidades contratantes constitui-se no momento em que a instituição de segurança social apura oficiosamente o valor dos serviços que lhe foram prestados e efetiva-se com o pagamento da respetiva contribuição.

27. Assim, da mesma forma, também o Recorrido conclui, tal como concluído pela Mmª juíza do tribunal a quo, passando uma vez mais a citar:

“Destarte, mostra-se correta a qualificação da aqui impugnante como Entidade Contratante, nos termos e para os efeitos do artigo 140.° do CRC, com o consequente cálculo da taxa de 5% ao valor total dos serviços prestados por cada trabalhador no ano a que respeitam (2011), conforme dispõem os artigos 161° e 168°, n.° 4, do CRC, tal qual resulta do ato que nestes autos foi impugnado.” não padecendo, o ato posto em crise, de quaisquer vícios, de violação de lei devendo, tal como doutamente decidido, ser mantido qua tale.».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.2. Recebidos os autos neste Tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.


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2. Dos fundamentos de facto

Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante da decisão recorrida.


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3. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial do ato de liquidação de obrigação contributiva que foi efetuada pelo Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de € 22.384,73, «com génese na qualificação da Impugnante como Entidade Contratante, nos termos do artigo 140.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (…) atenta a situação em concreto dos operadores que consigo contrataram a criação de aves».

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, por entender que os terceiros com os quais contrata não são trabalhadores independentes nos termos e para os efeitos do artigo 132.º do Código Contributivo, mas gestores de uma atividade empresarial (conclusões “VI.” a “XI.”).

E por entender que os estabelecimentos onde exercem as respectivas atividades não são explorações agrícolas, face ao que dispõe o artigo 134.º, n.º 2, alínea b) do mesmo Código (conclusões “XII.” a “XIII.”).

Ora, como bem refere a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, o Supremo Tribunal Administrativo já foi chamado a pronunciar-se sobre estas questões, nos acórdãos de 2/12/2020 e de 13/01/2021, tirados nos processos, 0137/13.6BEVIS e 019/18.5BEVIS.

Aí se decidiu que «a actividade desenvolvida por estes avicultores ao abrigo do denominado “contrato de prestação de serviços” com a aqui Recorrente se tem de reconduzir à de trabalhador independente nos termos e para os efeitos do CRC, independentemente da forma como esteja organizada esta actividade, seja como actividade profissional ou empresarial, uma vez que a mesma se enquadra, em ambos casos, na categoria B do IRS, como bem conclui o Tribunal a quo, pelo que a relação jurídica que se estabelece com a Recorrente é, por essa razão, sempre subsumível no âmbito do artigo 140.º do CRC.».

E que «mesmo que o contrato de prestação de serviços aqui em apreço pudesse levar à integração dos referidos avicultores nesta categoria (o que não se afirma, nem se analisa), ainda assim tal seria irrelevante para a questão aqui em apreço, porquanto daí resultaria a aplicação de uma taxa contributiva mais agravada a estes avicultores (a taxa do n.º 1 do artigo 168.º do CRC e não a do n.º 3 do mesmo preceito), mas não a exclusão da incidência da contribuição devida pelas entidades contraentes ex vi do disposto no artigo 140.º do CRC.» (citando, nesta parte, a própria decisão recorrida e aderindo, por isso, à respetiva fundamentação).

E é esse entendimento que aqui se reitera e para o qual se remete, dispensando-se a junção de cópia ou a transcrição da respetiva fundamentação por a mesma se encontrar disponível em redação integral no endereço electrónico www.dgsi.pt.

De salientar que as decisões para as quais agora se remete foram tiradas em processos que correram termos entre as mesmas partes e para apreciação de situações em tudo idênticas às dos presentes autos.

Pelo que a adoção da mesma solução jurídica nos presentes autos se impunha até para assegurar uma interpretação e aplicação uniformes do direito a todos os casos que mereçam tratamento análogo, nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.

Pelo que o recurso não merece provimento.


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4. As conclusões

Para a formulação das conclusões seleciona-se o sumário dos acórdãos para que se remete:

«I - A atividade de criação de frangos, independentemente de estar organizada sob a forma de atividade profissional ou empresarial, uma vez enquadrando-se na categoria B do IRS, é sempre subsumível à categoria de trabalhador independente à luz das normas do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRC).

II - A contribuição devida pelas Entidades Contratantes ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 140.º, 150.º, n.º 3, 151.º, n.º 2, 153.º, 154.º, n.º 2, 155.º, n.º 3 e 167.º do CRC decorre da situação de incidência descrita no artigo 140.º, ou seja, de à mesma ser imputável o benefício, no mesmo ano civil, de pelo menos 80% do valor total da atividade desenvolvida pelo trabalhador independente.».


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23 de junho de 2021

Assinado digitalmente pelo Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.