Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0204/09
Data do Acordão:05/20/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:IRC
MENOS VALIAS
CUSTO FISCAL
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Sumário:I – O art. 42º, n. 3, do CIRC, na redacção da Lei n. 32-B/2002, de 30/12, não viola os princípios da irretroactividade da lei fiscal, da segurança jurídica e da tributação sobre o rendimento real.
II – Em suma, não viola os artºs, 103º, n. 3, 2º e 104º, n. 2, da CRP, pelo que não é inconstitucional.
Nº Convencional:JSTA00065743
Nº do Documento:SA2200905200204
Data de Entrada:02/26/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Área Temática 2:DIR CONST - SISTEM FINANC FISC.
Legislação Nacional:CIRC88 ART42 N3.
L 32-B/2002 DE 2002/12/30.
CONST76 ART2 ART103 N3 ART104 N2.
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS DIREITO FISCAL 2ED PAG144.
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A… , com sede na Avenida …, Lisboa, impugnou judicialmente, junto do TAF de Lisboa, a liquidação de IRC referente ao exercício de 2003.
O Mm. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação improcedente.
Inconformada, a impugnante interpôs recurso para este Supremo Tribunal. Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:

1. A correcção efectuada pela Administração Fiscal ao resultado tributável declarado pelo contribuinte fundamentou-se no artigo 42°, n. 3 do Código do IRC;
2. A referida disposição legal, que entrou em vigor em 2003, estabelece a não-aceitação, como custo fiscal, de 50% das menos-valias geradas na alienação de participações sociais;
3. As menos-valias obtidas pela recorrente, em 2003, que foram corrigidas pela Administração Fiscal, através da aceitação de apenas 50%, resultaram da alienação de participações sociais adquiridas antes da entrada em vigor da nova norma;
4. As mais e as menos-valias resultam de um facto complexo constituído por uma aquisição e uma venda;
5. Na medida em que a aquisição dessas participações sociais teve lugar antes da entrada em vigor do novo regime consagrado no artigo 42°, n. 3, do Código do IRC, a aplicação de tal regime às menos-valias obtidas pelo recorrente na aquisição e alienação de tais participações, consubstancia uma aplicação retroactiva da nova norma;
6. Tal aplicação retroactiva viola o disposto no artigo 103°, n. 3 da Constituição da República Portuguesa;
7. Em qualquer caso, sempre a aplicação do novo regime consagrado no artigo 42°, n. 3 do CIRC, consubstancia uma violação do princípio da segurança jurídica;
8. Principio esse que impede as situações de retroactividade imprópria ou inautêntica;
9. Ora a recorrente adquiriu participações sociais tendo em conta – e ponderando – a existência de um determinado (e normal) quadro legislativo em que as mais-valias eram tributadas e as menos-valias eram custo fiscalmente dedutível;
10. Tal quadro legislativo foi abruptamente e sem justificação racional alterado, passando, em todos os casos, a aceitar-se, como custo fiscal, apenas metade das menos-valias geradas na alienação de participações sociais;
11. Não se trata de uma medida legislativa integrada numa reformulação global do regime das mais-valias ou integrado e justificado para combater comportamentos abusivos por parte dos contribuintes;
12. Ao actuar desta forma o legislador violou o princípio da segurança jurídica sendo pois inconstitucional a aplicação do artigo 42°, n. 3 do CIRC às menos-valias obtidas pelo recorrente;
13. A norma em causa (artigo 42°, n. 3 do CIRC) viola também o artigo 104°, n. 2 da Constituição da República Portuguesa na medida em que conduz a uma tributação de um resultado que não é o real, o efectivo;
14. A não tributação pelo resultado real só é admissível em situações de excepcionalidade, tal como acontece nos métodos indirectos;
15. A não-aceitação, sempre e em todos os casos, de metade da menos­ valia consubstancia, assim, uma violação do art. 104°, n. 2 da Constituição;
16. A douta sentença recorrida violou, assim, os princípios de não aplicação retroactiva das norma fiscal, da segurança jurídica e da tributação das empresas pelo lucro real.

Não houve contra-alegações.
Neste STA, o EPGA defende que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

3. É a seguinte a matéria de facto fixada na instância:

A. A ora impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva levada a efeito pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT), da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), a qual incidiu sobre o IRC do exercício de 2003;
B. De entre as correcções efectuadas, conta-se a correcção à matéria colectável, ora impugnada, no montante de € 77.386,30, a qual corresponde à não aceitação, como encargo dedutível para efeitos fiscais, de 50% da diferença negativa entre as mais-valias e as menos valias fiscais resultantes da alienação de partes de capital, tendo a mesma por base a aplicação do disposto no artigo 42°, n. 3 do CIRC;
C. Os Serviços de Inspecção consideraram, para efeitos da correcção apontada, que, perante o saldo apurado entre as mais e menos valias de partes de capital alienadas de (€ 154.772,59), apenas poderia ser deduzido 50% desse valor, pelo que procederam à correcção correspondente de € 77.386,30, (€ 154.772,59*50%), abatendo este valor à dedução efectuada pelo contribuinte, invocando, para tanto, a aplicação do artigo 42°, n. 3 do CIRC;
D. De acordo com o teor do relatório indicado, as partes de capital cuja transacção determinou o apuramento de menos valias fiscais foram transmitidas pela ora impugnante durante o exercício de 2003;
E. Conforme resulta da análise dos mapas juntos ao relatório de inspecção, os quais constituem o seu anexo 1, e nos termos apontados pela ora impugnante, uma parcela das partes de capital alienadas foi adquirida anteriormente a 1 de Janeiro de 2003 (no direito de audição exercido no procedimento de inspecção, a correcção efectuada foi aceite pelo sujeito passivo em € 2.908,05, por ser este montante correspondente a metade do valor da diferença negativa entre as mais e menos valias de acções adquiridas a partir de Janeiro de 2003);
F. Na sequência da acção inspectiva mencionada, foi efectuada a liquidação n. 83310121559 (IRC), no montante de € 25.636,09, e n. 2466535 (juros compensatórios), no valor de € 2.911,07;
G. A esta quantia foi estornado o montante de € 1.330,26, apurado através da liquidação n. 8910116093, pelo qual a quantia total (IRC e juros) apurada, como devida pelo sujeito passivo em consequência da acção levada a efeito pela DSIT, se fixou em € 27.219,90;
H. Segundo o documento de cobrança emitido pela DGCI, que constitui fls. 12 dos autos, a data limite para pagamento do valor mencionado em G) era o dia 2-1-2006;
I. A quantia mencionada na alínea G) do presente probatório foi paga em 27/12/05;
J. A presente impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa em 3 de Abril de 2006, conforme resulta da data constante do carimbo aposto na primeira página da respectiva p. i.

3. Está em causa o n. 3 do art. 42º do CIRC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n. 32-B/2002, de 30/12, e que é a seguinte:

“A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.

Não questiona a recorrente a bondade da liquidação adicional de IRC do exercício de 2003 (aqui em equação), enquanto emanação daquele normativo.
Questiona, isso sim, o normativo em si, defendendo que a diferença em causa deve concorrer para a formação do lucro tributável na totalidade do seu valor (e não na metade).
Quer isto dizer que o recorrente questiona a norma em causa.
E atendo-nos às suas alegações de recurso (aliás em similitude com aquilo que havia defendido na petição inicial), a recorrente defende que o normativo em causa viola o art. 103º, n. 3, da CRP (na medida em que a norma é retroactiva), viola o princípio da segurança jurídica (com assento no art. 2º da CRP) e ofende o art. 104º, n. 2, da CRP, na medida em que a tributação não incide sobre o seu rendimento real.
Ou seja, o que está em causa é uma norma que o recorrente entende ser inconstitucional.
Apreciemos cada questão de per si.

3.1. Da alegada violação do art. 103º, n. 3, da CRP.

O art. 103º da CRP, subordinado à epígrafe “sistema fiscal”, dispõe no seu n. 3 que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

Está em causa, como resulta das alegações da recorrente, a violação de um desses princípios, a saber, a retroactividade do imposto.
Aceita, é certo, o recorrente que as participações sociais foram alienadas na vigência da norma aqui em causa.
Porém, defende que a aquisição foi efectuada anteriormente, sendo que “as mais e menos valias têm a sua origem num facto tributário complexo, constituído por dois actos – uma compra e uma venda”.

Não tem, a nosso ver o recorrente qualquer razão.
Não estamos perante um facto tributário complexo. Facto tributário aqui relevante é sim a venda. Ora, à data, estava em vigor o citado diploma legal, pelo que patentemente não estamos perante qualquer retroactividade da lei.
A retroactividade pressupunha que se estivesse perante um facto complexo de formação sucessiva, o que não tem sustentação na hipótese dos autos.

3.2. Do princípio da segurança jurídica.

Tem este princípio tradução constitucional no art. 2º da CRP.
Como ensina Casalta Nabais Direito Fiscal, 2ª Edição, pág. 144 e ss. este princípio limita o legislador em dois sentidos (na edição de normas retroactivas desfavoráveis e na livre revogabilidade e alterabilidade das leis fiscais (favoráveis).
Já vimos que a própria Constituição impede a retroactividade do imposto, pelo que o primeiro dos pressupostos está ultrapassado
Até porque, como dissemos supra, não há retroactividade do imposto.
E não se pode falar em diversificados e onerosos deveres ou obrigações fiscais, de natureza acessória.
Ao invés, afigura-se-nos que o legislador, com uma outra visão das coisas, porventura temporal e circunstancial, alterou o critério da dedução fiscal da diferença entre mais e menos valias.
Não vemos assim que tenha sido violada o princípio da tutela da confiança dos contribuintes.

3.3. Da alegada violação do art. 104º, 2, da CRP.

Dispõe este normativo constitucional que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.
Pois bem.
Anotemos que a lei não diz que a tributação incide unicamente sobre o rendimento real.
Se o dissesse, aí sim, poderíamos constatar a existência de uma inconstitucionalidade.
Mas não.
Como bem refere o EPGA, a expressão rendimento real opõe-se a rendimento normal e não a rendimento presumido, sendo que no CIRC se contêm vários exemplos de custos contabilísticos que não são considerados custos fiscais.
Não ocorre assim a violação deste preceito constitucional.

4. Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.

Lisboa, 20 de Maio de 2009. Lúcio Barbosa (relator) - Jorge Lino - Isabel Marques da Silva.